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A cláusula geral da boa-fé no direito pátrio:

valoração dos axiomas de orientação na defesa e proteção do consumidor

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05/03/2014 às 13:05
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Analisa-se o princípio da boa-fé e sua incidência nas relações negociais consumeristas, a fim de assegurar a concreção de uma correta harmonia entre as partes, em todos os momentos atrelados à prestação e ao fornecimento.

Resumo: Em sede de ponderações inaugurais, cuida destacar que o princípio da-boa fé sofreu grande evolução legislativa no Direito brasileiro, sendo alvo de destaque no Código de Defesa do Consumidor, como princípio fundamental, até sua inclusão expressa no novo Código Civil. Objetiva-se, neste quadrante, conferir às relações negociais consumeristas o justo equilíbrio, a fim de assegurar a concreção de uma correta harmonia entre as partes, em todos os momentos atrelados a prestação e o fornecimento. Nesse sentido, a boa-fé atua também no plano da obrigação de indenizar, podendo-se vislumbrar três funções fundamentais por ela exercidas: função criadora, limitadora e interpretadora. Além disso, o princípio da boa-fé deve também ser aplicado além do que a legislação ou a avença firmada entre as partes afixa, modificando em parte o sentido que resultaria da interpretação da norma legal ou contratual, considerada em abstrato ou preenchendo lacunas porventura existentes. Igualmente, o cânone em apreço pode criar para as partes outros deveres, distintos dos constantes do entabulado ou mesmo daqueles que se encontram expressos no próprio arcabouço normativo.

Palavras-chaves: Defesa e Proteção do Consumidor. Cláusula Geral da Boa-Fé. Preceito Norteador.

Sumário: 1 Comentários Introdutórios; 2 A Valoração dos Princípios: A Influência do Pós-Positivismo no Ordenamento Brasileiro; 3 A Cláusula Geral da Boa-Fé no Direito Pátrio: Valoração dos Axiomas de Orientação na Defesa e Proteção do Consumidor


1 Comentários Introdutórios

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática.

Com espeque em tais premissas, cuida hastear como flâmula de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém[2]. Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[3]. Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz justamente na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação[4]. Destarte, a partir de uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis.

2 A Valoração dos Princípios: A Influência do Pós-Positivismo no Ordenamento Brasileiro

Em sede de ponderações introdutórias, tendo como pilares de apoio as lições apresentadas por Marquesi[5] que, com substancial pertinência, dicciona que os postulados e dogmas se afiguram como a gênese, o ponto de partida ou mesmo o primeiro momento da existência de algo. Nesta trilha, há que se gizar, com bastante ênfase, que os princípios se apresentam como verdades fundamentais, que suportam ou asseguram a certeza de uma gama de juízos e valores que norteiam as aplicações das normas diante da situação concreta, adequando o texto frio, abstrato e genérico às nuances e particularidades apresentadas pela interação do ser humano. Objetiva, por conseguinte, com a valoração dos princípios vedar a exacerbação errônea do texto da lei, conferindo-lhe dinamicidade ao apreciar as questões colocadas em análise.

Com supedâneo em tais ideários, salientar se faz patente que os dogmas, valorados pelas linhas do pós-positivismo, são responsáveis por fundar o Ordenamento Jurídico e atuar como normas vinculantes, verdadeiras flâmulas desfraldadas na interpretação do Ordenamento Jurídico. Desta sorte, insta obtemperar que ter conhecimento dos preceitos e dogmas permite adentrar no âmago da realidade jurídica. Afora isso, toda sociedade que se encontre politicamente organizada ostenta uma tábua principiológica, a qual, com efeito, oscila e evolui em consonância com a cultura e os valores adotados. Ao lado disso, em razão do aspecto essencial que apresentam, os preceitos podem variar, de maneira robusta, adequando-se a realidade vigorante em cada Estado, ou seja, os corolários são resultantes dos anseios sagrados em cada população. . Entrementes, o que assegura a característica fundante dos axiomas é o fato de estarem alicerçados em cânones positivados pelos representantes da nação ou de regra costumeira, que foi democraticamente aderida pela população.

Nesta senda, os dogmas que são salvaguardados pela Ciência Jurídica passam a ser erigidos à condição de elementos que compreendem em seu bojo oferta de uma abrangência mais versátil, contemplando, de maneira singular, as múltiplas espécies normativas que integram o ordenamento pátrio. Ao lado do apresentado, com fortes cores e traços grosso, há que se evidenciar que tais mandamentos passam a figurar como super-normas, isto é, “preceitos que exprimem valor e, por tal fato, são como pontos de referências para as demais, que desdobram de seu conteúdo[6]. Os corolários passam a figurar como verdadeiros pilares sobre os quais o arcabouço teórico que compõe o Direito se estrutura, segundo a brilhante exposição de Tovar[7]. Com efeito, essa concepção deve ser estendida a interpretação das normas que integram o ramo Consumerista da Ciência Jurídica, em especial devido à proteção dispensada pelo Ordenamento Pátrio aos consumidores, em razão da vulnerabilidade desses.

Salta aos olhos, desta sorte, o relevo indiscutível que reveste o Direito do Consumidor, sendo considerada, inclusive, como irrecusável importância jurídica, econômica e política, sendo dotado de caráter absolutamente inovador, eis que elevou a defesa do consumidor à posição eminente de direito fundamental, atribuindo-lhe, ainda, a condição de princípio estruturador e conformador da própria ordem econômica. Verifica-se, portanto, que com as inovações apresentadas no Texto Constitucional erigiram os consumidores como detentores de direitos constitucionais fundamentais, conjugado, de maneira robusta, com o relevante propósito de legitimar todas as medidas de intervenção estatal necessárias e a salvaguardar as disposições entalhadas na Carta de 1988.

Em decorrência de tais lições, destacar é crucial que o Código de Defesa do Consumidor deve ser interpretado a partir de uma luz emanada pelos valores de maciça relevância para a Constituição Federal de 1988. Isto é, cabe ao Arquiteto do Direito observar, de forma imperiosa, a tábua principiológica, considerada como essencial e exaltada como fundamental dentro da Carta Magna do Estado Brasileiro, ao aplicar a legislação abstrata ao caso concreto. A exemplo de tal afirmativa, pode-se citar tábua principiológica que orienta a interpretação das normas atinentes à Legislação Consumerista. Com o alicerce no pontuado, salta aos olhos a necessidade de desnudar tal assunto, com o intento de afastar qualquer possível desmistificação, com o fito primordial de substancializar um entendimento mais robusto acerca do tema.

3 A Cláusula Geral da Boa-Fé no Direito Pátrio: Valoração dos Axiomas de Orientação na Defesa e Proteção do Consumidor

Em sede de ponderações inaugurais, cuida destacar que o princípio em comento sofreu grande evolução legislativa no Direito brasileiro, sendo corolário alvo de destaque no Código de Defesa do Consumidor[8], como princípio fundamental, até sua inclusão expressa no novo Código Civil. Objetiva-se, neste quadrante, conferir às relações negociais consumeristas o justo equilíbrio, a fim de assegurar a concreção de uma correta harmonia entre as partes, em todos os momentos atrelados a prestação e o fornecimento. Nesse sentido, a boa-fé atua também no plano da obrigação de indenizar, podendo-se vislumbrar três funções fundamentais por ela exercidas: função criadora, limitadora e interpretadora.

No que concerne à primeira função apresentada pela cláusula em comento, é possível destacar que a boa-fé é o nascedouro de novos deveres especiais de conduta no decorrer do liame contratual, configurando os nomeados deveres anexos. Em referência a segunda função, a cláusula geral da boa-fé constitui “uma causa limitadora do exercício, antes lícito, hoje abusivo, dos direitos subjetivos[9]. Em mesmo sentido, a Ministra Nancy Andrighi, ao relatoriar o Recurso Especial N° 735.168/RJ, “é justamente nessa função limitativa que a cláusula geral tem importância para a presente lide. O direito subjetivo assegurado em contrato não pode ser exercido de forma a subtrair do negócio sua finalidade precípua[10]. Por seu turno, a função interpretadora estabelece que o corolário em testilha reclama aplicação enquanto concreção e interpretação das avenças pactuadas entre o consumidor e o fornecedor-prestador de serviço. Trata-se de cláusula geral que constitui um ponto de equilíbrio dentro das relações de consumo, exigindo lealdade e honestidade nas condutas tanto do fornecedor como do consumidor todos os momentos. Neste sentido, a Ministra Nancy Andrighi, ao relatoriar o Recurso Especial N° 436.853/DF, destacou que “somente a preponderância da boa-fé objetiva é capaz de materializar o equilíbrio ou justiça contratual[11]. Com célebre lição, Sanseverino, ao discorrer acerca da boa-fé, acena, em seu magistério, que:

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A inexistência no Código Civil brasileiro de 1916, não impediu que a boa-fé fosse reconhecida em nosso sistema jurídico por constituir um dos princípios fundamentais do sistema de direito privado. A partir do CDC, esse obstáculo foi superado, pois a boa-fé foi consagrada como um dos princípios fundamentais das relações de consumo (art. 4º, III) e como cláusula geral para controle de cláusulas abusivas (art. 51, IV). Assim, a partir de 1990, o princípio da boa-fé foi expressamente positivado no sistema de direito privado brasileiro, podendo ser aplicado, como fundamento no art. 4º da LICC, a todo os demais setores. No Código Civil de 2002, o princípio da boa-fé objetiva está expressamente contemplado, inserindo-se como expressão, conforme Miguel Reale, de suas diretrizes éticas. Exatamente a exigência ética fez com que, por meio de um modelo aberto, fosse entregue à hermenêutica declarar o significado concreto da boa-fé, cujos ditames devem ser seguidos desde a estipulação de um contrato até o término de sua execução[12].

Infere-se, com supedâneo nas premissas albergadas no Código de Defesa do Consumidor, que a boa-fé, enquanto cláusula geral, manifesta sua aplicação em todas as relações jurídicas constituídas em sociedade. Ao lado disso, há que se salientar que a essência de tal dogma não é hermética e estanque, ao contrário, oscila de acordo com a natureza da relação jurídica firmada entre as partes. Saliente, com efeito, que a Legislação Consumerista, de maneira expressa, agasalha tal princípio nas relações de consumo, sendo a ele conferido o papel de instrumento fundamental nas relações entre consumidores e fornecedores. “É, por conseguinte, um dever de conduta e, fundamentalmente, um princípio orientador do comportamento que cada parte deve adotar[13]. No mais, verbaliza, com clareza solar, o inciso III do artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor[14] a necessidade de harmonizar o interesse das relações de consumo, adequando a proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, viabilizando, por extensão, os princípios fundantes da ordem econômica, tendo sempre a boa-fé e o equilíbrio como sustentáculos das relações firmadas entre consumidores e fornecedores.

     Denota-se, desta sorte, que o princípio da boa-fé substancializa a coluna robusta que sustenta todo o arcabouço do sistema normativo, notadamente quando exige de ambos os agentes contratuais, ainda que na fase pré-contratual, a atuação com transparência nas negociações e proteção das práticas abusivas e enganosas, como na contratual propriamente dita, e compreendendo até o direito de arrependimento do comprador. Permite o corolário em comento que o julgador, por meio de uma interpretação teleológica, “aferir, com segurança, se determinada cláusula contratual impôs ou não ao consumidor obrigação considerada iníqua ou abusiva, colocando-o em desvantagem exagerada[15]”, isto é, incompatível com os postulados da boa-fé e da equidade. Ora, salta aos olhos que as pessoas, em consonância com o expendido, devem adotar um comportamento leal em toda a fase prévia à constituição de tais avenças, devendo, também, se comportar de maneira leal no desenvolvimento do entabulado.

Nessa ótica, observa-se que, em seara consumerista, a boa-fé é exigida tanto do consumidor quanto do fornecedor, já que, com transparência e harmonia, deve orientar qualquer relação de consumo, mantendo, por consequência, o equilíbrio entre os contratantes. Além disso, o princípio da boa-fé deve também ser aplicado além do que a legislação ou a avença firmada entre as partes afixa, modificando em parte o sentido que resultaria da interpretação da norma legal ou contratual, considerada em abstrato ou preenchendo lacunas porventura existentes. Igualmente, o cânone em apreço pode criar para as partes outros deveres, distintos dos constantes do entabulado ou mesmo daqueles que se encontram expressos no próprio arcabouço normativo. Os essenciais deveres instrumentais da boa-fé ambicionam em deveres de correção, cuidado e segurança, assim como informação, prestação de contas, cooperação e sigilo.

À sombra das ponderações estruturadas, é possível destacar, como manifestação da cláusula geral em comento, a redação contida no artigo 9º da Lei Nº 8.078, de 11 de setembro de 1990[16], que dispõe acerca da proteção do consumidor e dá outras providências, o qual, ao prever o dever do prestador ou fornecedor de informar o consumidor quanto ao perigo ou à nocividade do produto ou serviço que coloca no mercado, visando salvaguardar a saúde e a segurança, de maneira clara, observa os feixes irradiados pela boa-fé. Ora, trata-se, in casu, da valoração da informação e publicidade, por parte do fornecedor ou prestar de serviço, com o escopo de não induzir o consumidor a erro. Neste passo, cuida trazer à colação o entendimento jurisprudencial que explicita a consagração da cláusula geral da boa-fé, consoante se extraem dos arestos coligidos:

Ementa: Direito do consumidor. Publicidade enganosa. Empreendimento divulgado e comercializado como hotel. Mero residencial com serviços. Interdição pela municipalidade. Ocultação deliberada de informação pelo fornecedor. Anulação do negócio jurídico. Indenização por lucros cessantes e por danos morais devida. 1. O direito à informação, no Código de Defesa do Consumidor, é corolário das normas intervencionistas ligadas à função social e à boa-fé, em razão das quais a liberdade de contratar assume novel feição, impondo a necessidade de transparência em todas as fases da contratação: o momento pré-contratual, o de formação e o de execução do contrato e até mesmo o momento pós-contratual. 2. O princípio da vinculação da publicidade reflete a imposição da transparência e da boa-fé nos métodos comerciais, na publicidade e nos contratos, de modo que o fornecedor de produtos ou serviços obriga-se nos exatos termos da publicidade veiculada, sendo certo que essa vinculação estende-se também às informações prestadas por funcionários ou representantes do fornecedor. 3. Se a informação se refere a dado essencial capaz de onerar o consumidor ou restringir seus direitos, deve integrar o próprio anúncio, de forma precisa, clara e ostensiva, nos termos do art. 31 do CDC, sob pena de configurar publicidade enganosa por omissão. [...] Prejudicadas as demais questões suscitadas. (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 1.188.442/RJ/ Relator:Ministro Luis Felipe Salomão/ Julgado em 06.11.2012/ Publicado no DJe em 05.02.2013).

Ementa: Processo Civil e Civil. Recurso especial. Ação de indenização por danos materiais. Prequestionamento. Ausência. Dissídio jurisprudencial. Cotejo analítico e similitude fática. Ausência. Contrato bancário. Fundos de investimento. Dever de informação. Art. 31 do CDC. Transferência dos valores investidos para banco não integrante da relação contratual. Conhecimento do cliente. Mera presunção. Ausência de anuência expressa. Intervenção BACEN no Banco Santos S/A. Indisponibilidade das aplicações. Responsabilidade do banco contratado. Ocorrência. Ressarcimento dos valores depositados. [...] 3. O princípio da boa-fé e seus deveres anexos devem ser aplicados na proteção do investidor-consumidor que utiliza os serviços de fornecedores de serviços bancários, o que implica a exigência, por parte desses, de informações adequadas, suficientes e específicas sobre o serviço que está sendo prestado com o patrimônio daquele que o escolheu como parceiro. 4. O redirecionamento das aplicações do recorrente ao fundo gerido pelo Banco Santos S/A. configura-se operação realizada pela instituição bancária fora de seu compromisso contratual e legal, que extrapola, por essa razão, a alea natural do contrato. Essa situação não pode ser equiparada, a título exemplificativo, ao risco de que o real se desvalorize frente ao dólar ou de que determinada ação sofra uma queda abrupta na bolsa de valores, pois não se pode chamar de risco, a desonerar a instituição bancária de sua responsabilidade, o que foi sua própria escolha, elemento volitivo, com o qual o conceito de risco é incompatível. 5. Não estando inserida na alea natural do contrato a aplicação junto ao Banco Santos S/A do capital investido pelo recorrente enquanto correntista da instituição financeira recorrida, a mera presunção de conhecimento ou anuência acerca desses riscos não é fundamento para desonerar a instituição bancária da obrigação de ressarcir ao consumidor-investidor os valores aplicados. Deve restar demonstrada a autorização expressa quanto à finalidade pretendida, ônus que cabe ao banco e do qual, na espécie, não se desincumbiu. 6. Recurso especial provido para condenar o recorrido a restituir ao recorrente os valores depositados. Ônus da sucumbência que se inverte. (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 1.131.073/MG/ Relatora: Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 05.04.2011/ Publicado no DJe em 13.06.2011)

É possível, ainda, fazer menção ao conteúdo dos artigos 12[17], 14[18] e 18[19], todos da Legislação Consumerista de regência, os quais agasalham a imputação de responsabilidade objetiva, cominando, por consequência, as reprimendas decorrentes da inobservância de tal dever, ocorrendo um alargamento da responsabilidade, contemplando, inclusive, a informação mal prestada. Trata-se de situação em que a supressão, distorção ou mesmo omissão de informações, por parte do fornecedor, induzem o consumidor a erro ou mesmo colocam este em flagrante situação de vulnerabilidade. Neste aspecto, com o escopo de robustecer as ponderações explicitadas, convém trazer à colação o magistério de Arnaldo Rizzardo, em especial quando destaca que “o serviço mal feito ou executado pode provocar acidentes externos ou fatos que causem danos àqueles para quem foi prestado[20]. Nas hipóteses contidas nos dispositivos legais supramencionados, pontuar se faz carecido que a boa-fé é determinante para afixar a responsabilidade pré-contratual, oriunda da má informação, da publicidade enganosa ou mesmo abusiva. É possível colher o entendimento jurisprudencial que se coaduna com as ponderações expendidas até o momento:

Ementa: Civil e consumidor. Recurso Especial. Ação de indenização por danos materiais. Cláusula limitativa de seguro que prevê a localidade de circulação habitual do veículo. Validade. Furto do veículo. Informação falsa e omissão relevante. Violação ao princípio da boa-fé objetiva. - Hipótese em que o contrato de seguro de veículo prevê isenção de responsabilidade do segurador, quando o segurado omite ou presta informação falsa a respeito da localidade de circulação habitual do veículo. - É válida cláusula contratual que isenta a responsabilidade da seguradora, quando o veículo circula, habitualmente, em região distinta da declarada no contrato de seguro, pois é com base nas informações prestadas pelo segurado, que a seguradora avalia a aceitação dos riscos e arbitra o valor da prestação a ser paga. - De acordo como o princípio da boa-fé objetiva, deve-se esperar do segurado a prestação de informações que possam influenciar na aceitação do contrato e na fixação do prêmio. Na presente hipótese, o segurado, ao firmar contrato em localidade diversa da circulação habitual do veículo e ali indicar endereço residencial, certamente, omitiu informação relevante. Recurso especial conhecido e provido. (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 988.044/ES/ Relatora: Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 17.12.2009/ Publicado no DJe em 02.02.2010).

Ementa: Recurso Especial - Direito Civil e Consumidor - Responsabilidade Civil - Indenização por danos morais e materiais - Fornecedor - Dever de segurança - Artigo 14, caput, do CDC - Responsabilidade Objetiva - Posto de combustíveis - Ocorrência de delito - Roubo - Caso fortuito externo - Excludente de responsabilidade - Inexistência do dever de indenizar - Recurso especial improvido. I - É dever do fornecedor oferecer aos seus consumidores a segurança na prestação de seus serviços, sob pena, inclusive, de responsabilidade objetiva, tal como estabelece, expressamente, o próprio artigo 14, "caput", do CDC. II - Contudo, tratando-se de postos de combustíveis, a ocorrência de delito (roubo) a clientes de tal estabelecimento, não traduz, em regra, evento inserido no âmbito da prestação específica do comerciante, cuidando-se de caso fortuito externo, ensejando-se, por conseguinte, a exclusão de sua responsabilidade pelo lamentável incidente. III - O dever de segurança, a que se refere o § 1º, do artigo 14, do CDC, diz respeito à qualidade do combustível, na segurança das instalações, bem como no correto abastecimento, atividades, portanto, próprias de um posto de combustíveis. IV - A prevenção de delitos é, em última análise, da autoridade pública competente. É, pois, dever do Estado, a proteção da sociedade, nos termos do que preconiza o artigo 144, da Constituição da República. V - Recurso especial improvido. (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 1.243.970/SE/ Relator: Ministro Massami Uyeda/ Julgado em 24.04.2012/ Publicado no DJe em 10.05.2012)

Em mesmo substrato, é possível aventar que em relação aos meios de oferta, a Legislação Consumerista agasalha normas de substancial conteúdo. A exemplo do expendido, o artigo 31, em altos alaridos, refletidos os feixes axiomáticos emanados pelo corolário em comento, estabelece a necessidade de informações precisas quanto à essência, quantidade e qualidade do produto ou do serviço a ser prestado. De igual sorte, em harmonia com o dispositivo supramencionado, há regramento que comina imposição de sanções específicas em casos em que se verifica a má-fé na fase de oferta do produto ou do serviço. É possível, ainda, sublinhar que a valorização da boa-fé objetiva pode ser observada na proibição de publicidade simulada, abusiva e enganosa. No que tange ao cânone em destaque, o Ministro Herman Benjamin, ao relatoriar o Recurso Especial N° 1.135.661/RS, assinalou que “a boa-fé no CDC é o princípio orientador das condutas sociais, estreitamente ligado ao principio da razoabilidade, dele se deduzindo o comportamento em que as partes devem se pautar[21].

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Sobre o autor
Tauã Lima Verdan Rangel

Mestre (2013-2015) e Doutor (2015-2018) em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especialista Lato Sensu em Gestão Educacional e Práticas Pedagógicas pela Faculdade Metropolitana São Carlos (FAMESC) (2017-2018). Especialista Lato Sensu em Direito Administrativo pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI)/Instituto Alfa (2016-2018). Especialista Lato Sensu em Direito Ambiental pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI)/Instituto Alfa (2016-2018). Especialista Lato Sensu em Direito de Família pela Faculdade de Venda Nova do Imigrante (FAVENI)/Instituto Alfa (2016-2018). Especialista Lato Sensu em Práticas Processuais Civil, Penal e Trabalhista pelo Centro Universitário São Camilo-ES (2014-2015).. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil e Direito Ambiental.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RANGEL, Tauã Lima Verdan. A cláusula geral da boa-fé no direito pátrio:: valoração dos axiomas de orientação na defesa e proteção do consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3899, 5 mar. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26835. Acesso em: 18 mar. 2024.

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