Artigo Destaque dos editores

Regime jurídico do tombamento

Exibindo página 2 de 4
01/02/2002 às 01:00
Leia nesta página:

8. Natureza jurídica do bem tombado :

Há muitas teorias a respeito, que serão explicadas detalhadamente abaixo.

Em função da falta de convencimento quanto aos argumentos colocados

pelos consectários de cada corrente, Maria Zanella Di Pietro prefere considerar o tombamento, por conseguinte, uma categoria própria.

Servidão administrativa

No que toca ao enquadramento como servidão administrativa ou limitação administrativa, a doutrina é divergente pois Celso Antônio Bandeira de Mello (in RDP 9:55), Ruy Cirne Lima (in RDP 5:26) e Adilson de Abreu Dallari (in RDP 59:50) entendem que o tombamento é uma modalidade de servidão administrativa, sob a alegação de que incide sobre imóvel determinado, ocasionando ao seu proprietário ônus maior do que o sofrido pelos demais membros da coletividade, o que não ocorre na limitação administrativa.

A crítica que Di Pietro faz a este posicionamento é que apesar de seus seguidores defenderem que se trata de servidão, não se afigura, como tal, o tombamento, pelo fato de neste instituto não haver coisa dominante, além do mais o tombamento não é restrição imposta em benefício da coisa afetada a fim público ou de serviço público, mas, ao contrário, visa a satisfação de um interesse público genérico e abstrato, que é o patrimônio histórico e artístico nacional.

Outra crítica interponível é que, segundo José dos Santos Carvalho Filho[26], o tombamento não é direito real.

O tombamento se assemelha à servidão pelo fato de individualizar o imóvel, mas dela se distingue pela ausência da coisa dominante, que é a essência da servidão.

Limitação administrativa :

O tombamento se assemelha à limitação administrativa por ser imposto por interesse público, entretanto dela se distingue por individualizar o imóvel.

Quanto ao conflito doutrinário diante do fato de o tombamento se configurar como limitação ou servidão, José Maria Pinheiro Madeira adota a postura de que é limitação por um lado e servidão por outro lado. É limitação na medida em que seus efeitos se projetam diretamente sobre os direitos de propriedade. É servidão na medida em que consiste em ônus real imposto pelo Poder Público precisamente sobre o bem.

Domínio Eminente do Estado:

Este entendimento se arrima na percepção de Hely Lopes Meirelles de que o poder regulatório do Estado se estende também a coisas e locais de interesse público, e não só a seu domínio patrimonial.

Bem cultural como bem imaterial :

Gianini defende que o bem cultural "atinge a coisa como testemunho material de civilização, sobrepondo-se ao bem patrimonial que impregna a mesma coisa, não influindo o regime de propriedade (direito privado ou público) sobre os traços essenciais do bem cultural como objeto autônomo de tutela jurídica"[27].

Propriedade com função social :

Como assinala Gianini, há grande corrente doutrinária que concebe o bem material como "forma positiva de funcionalização social da propriedade pública ou privada"[28].

Bem de interesse público :

Segundo Sandulli (citado por Leme Machado), este enquadramento é arrimado no particular regime de polícia de intervenção e de tutela pública.

Bem tombado de propriedade pública :

O bem público tombado tem como peculiaridades:

- o fato de ser inalienável (art. 11º, do DL nº 25/37);

- a maior possibilidade de fruição pelo público;

- segundo Ferrando Mantovani, tem uma função "dinâmica de instrumento de civilização e postula a divulgação, difusão, a fruição do conteúdo cultural da coisa de arte"[29].

O fundamento disto é que quando se trata de bem privado, além de alienável, obviamente não há livre acesso pela população.


9. Tombamento Internacional

Preferi tratar à parte este sub-item pelo fato de ao contrário do que o nome indica, o que ele significa não se enquadra no conceito técnico-jurídico de tombamento, pois este é ato de soberania do país. Na verdade é apenas uma maneira de auxiliar países dotados de bens considerados pertinentes ao patrimônio mundial da humanidade a conservá-los.


10. Competências tratadas na Constituição do Estado de Pernambuco :

"Art. 5º. Parágrafo Único - E competência comum do Estado e dos Municípios:

(...)

III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos e as paisagens naturais notáveis, os sítios arqueológicos, e conservar o patrimônio publico;

(...)".

"Art. 67. § 2º - São funções institucionais do Ministério Publico:

(...)

II - promover o inquérito civil e a ação civil Pública para a proteção do patrimônio publico e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, como os do consumidor e os relativos ao ambiente de trabalho, coibindo o abuso de autoridade ou do poder Econômico;

(...)".

"Art. 78 - Compete aos Municípios:

(...)

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observadas a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual;

(...)".

"Art. 197. (...)

§ 2º - O Poder Publico protegerá, em sua integridade e desenvolvimento, as manifestações de cultura popular, de origem africana e de outros grupos participantes do processo da civilização brasileira.

(...)

§ 5º - Os danos e ameaças ao patrimônio cultural serão punidos na formada lei".

"Art. 199 - Para a concreta aplicação, aprofundamento e democratização dos direitos culturais consagrados na Constituição da República, o Poder Publico observara os seguintes preceitos:

(...)

XIII - participação das entidades representativas da produção cultural em conselhos de cultura, conselhos editoriais, comissões julgadoras de concursos, salões e eventos afins".

"Art. 209 - A Política Estadual de Meio Ambiente tem por objetivo garantira qualidade ambiental propicia a vida e será aprovada por lei, a partir de proposta encaminhada pelo Poder Executivo, com revisão periódica, atendendo aos seguintes Princípios:

(...)

I - ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o meio ambiente como um patrimônio publico a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo;

(...)".

"Art. 210 - O Plano Estadual de Meio Ambiente, a ser disciplinado por lei, será o instrumento de implementação da Política estadual e preverá a adoção de medidas indispensáveis a utilização racional da natureza e redução da poluição resultante das atividades humanas (...).

§ 1º - Os recursos necessários a execução do Plano Estadual de Meio Ambiente ficarão assegurados em dotação orçamentária do Estado".


11. Competência legislativa tratada na Constituição Federal :

A Constituição prevê competência concorrente para legislar sobre proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico e paisagístico (art. 24, VII), e a competência comum para impor o tombamento (art. 23, III e IV). Do que se conclui, segundo Diogo de Figueiredo, que até os Municípios poderão decretar o tombamento, desde que observadas as prescrições gerais da lei federal e, no caso dos Estados, do DF e dos Municípios, as prescrições especiais de lei estadual ou distrital federal; os Municípios, entretanto, poderão suplementar essa base legislativa no que couber, para proteção do patrimônio histórico-cultural local (art. 30, II e IX).

Quanto a esta competência comum, Pontes de Miranda (citado por Leme Machado) defendia que qualquer das esferas estatais podem tombar o que a outra esfera já tombou (sem que haja exclusão por parte de qualquer delas, segundo José Afonso da Silva), possibilidade esta que se admite para reforçar a eficácia do tombamento, ou para evitar que a outra :

- se omita na fiscalização; ou

- efetue permissões que firam o interesse revelado.

Com base no referido art. 23, III e IV, Leme Machado defende que a execução da legislação pertinente é da incumbência de todas as esferas, sendo que cabe ao Município o precípuo dever de "promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local"(art. 30, IX da CF).

Quanto a competência legislativa concorrente, Leme Machado defende que ela está subordinada aos parágrafos do art. 24, e em função deles, a União limita-se a estabelecer normas gerais no que concerne à proteção dos bens e valores dispostos no inciso VII do art. 24, quando se trata de normas que deverão ser obedecidas pelas outras esferas estatais, podendo os estados suplementarem as normas gerais federais(art. 24, §2º), ou exercer a competência legislativa plena na hipótese de inexistir as normas federais(art. 24, §3º). A eficácia da lei estadual será suspensa com a superveniência de norma geral federal, no que lhe for contrário.

"Constituem normas gerais sobre tombamento aquelas que dão as características desse instituto jurídico, indicando o modo como se instaura o procedimento, a maneira como é gerido o bem tombado, a abrangência da proteção, o sistema de sanções. Os estados e municípios poderão adicionar outras regras às diretrizes federais gerais, de modo que não sejam as mesmas desnaturadas ou desvirtuadas, como podem legislar sobre suas próprias peculiaridades, em sintonia com as normas federais"[30].


12. Regulamentação do tombamento :

As normas gerais de obrigatória observância estão contidas na lei federal vigente, que é o Decreto Lei nº25, de 30/05/37, complementado pelo Decreto-Lei nº 2809, de 23/11/40, Decreto-Lei nº 3886, de 29/11/41, e Lei nº3924, de 20/07/61. No plano federal têm-se a lei nº 6292, de 1975, dispondo sobre o devido processo administrativo enquanto forma para sua instituição. A lei federal nº 9784/99 regula o Processo Administrativo Federal, o que me faz crer que sirva de fonte subsidiária para o processo administrativo de tombamento que venha a ser implementado pela União.

Segundo DL nº 25, o Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional será provido de quatro Livros do Tombo, que são os seguintes :

1) Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico;

2) Livro do Tombo Histórico;

3) Livro do Tombo de Belas-Artes, para as coisas de arte erudita;

4) Livro do Tombo das Artes Aplicadas.


13. Meios de sua instituição (na esfera federal) :

Leme Machado se refere a dois meios basicamente : lei e ato do Poder Executivo. Pacheco Fiorillo e Abelha Rodrigues defendem a possibilidade da via jurisdicional.

Leme Machado[31] apóia a possibilidade de que possa ser instituído por lei, sob a alegação de que :

- haveria maior consenso de vontades sobre o tombamento, e fortalecimento de sua instituição, pois haveria a necessidade de outra lei para que seja desfeito o tombamento;

- alegação de que, segundo Pontes de Miranda, basta que ato estatal protetivo seja permitido.

Os argumentos contrários existentes são os seguintes:

- Dr.º Meirelles no seu conceito de tombamento referir-se a ato administrativo;

- Não haver, no caso de tombamento feito por lei, consulta a órgão técnico para a classificação conservativa pretendida.

Critico Leme Machado, dado que a falta de consulta a órgão técnico competente não pode ser suprida pelo assessoramento dos parlamentares, pois esta além não ser vinculada, é de duvidosa eficiência se se considerar a existência de incongruências técnicas aberrantes em muitas peças legislativas sobre outros assuntos. José dos Santos Carvalho Filho[32] alega como crítica o fato de lei neste sentido violar o devido processo legal, pois não haveria o contraditório. Discordo da alegação do referido autor, pois o devido processo legal continuaria a haver, pois os atos administrativos baseados nesta poderiam ser questionados no judiciário, e até mesmo a constitucionalidade desta lei poderia ser duvidada, por tentar coibir o devido processo legal.

A via regular, portanto, é o ato do Poder Executivo, que se manifesta nestes exemplos (art. 1º, da lei nº 6292, de 15/12/75, e o art. 3º do Decreto federal nº 91.144, de 15/3/85):

- parecer do Conselho Consultivo;

- homologação do Ministro de Estado da Cultura.

O Ministro da Cultura é o agente ou órgão controlador que poderá ou não homologar a opinião do Conselho Consultivo.

Segundo Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, "parecer é o ato administrativo unilateral pelo qual se manifesta opinião acerca da questão submetida para pronunciamento. Diz respeito a problema jurídico, técnico ou administrativo"[33].

Homologação, consoante o Dicionário de Direito Administrativo é "ato administrativo que convalida ou referenda ato legítimo anterior, reconhecendo-lhe validade eficácia, como por exemplo, manifestação de congregação de faculdades de ensino oficial referendando parecer de comissão examinadora a respeito de julgamento de concurso"[34].

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

A iniciativa do Conselho Consultivo quanto ao processo de tombamento já ocasiona o tombamento provisório. O juízo posterior deste Conselho ocasiona o tombamento definitivo ou não, e este caráter definitivo só é ganho com a homologação.

Fiorillo e Abelha Rodrigues defendem a possibilidade de tombamento por via jurisdicional com base no art. 225 da CF, que dispõe do dever da comunidade de colaborar na preservação e proteção do bem ambiental cultural, o que habilitaria a propositura de ações coletivas (inclusive de natureza mandamental), ocasião em que se pediria ao juiz a expedição de ordem determinando que certo bem seja tombado por inscrição no seu respectivo livro de tombo como bem cultural, de maneira que a proteção efetiva só passaria a incidir com o trânsito em julgado. Os referidos autores defendem que seja viável esta modalidade pela força que ela tem, pois se o tombamento instituído por lei o tombamento só pode ser desfeito por outra lei, sentença transitada em julgado nem por outra lei poderá ser desfeito por força do art. 5º, XXXVI da CF (proteção à coisa julgada).

Na esfera estadual o tombamento poderá ocorrer por decreto, resolução do Secretário de Estado ou ato de funcionário público a que se der competência.


14. Efeitos do tombamento (definitivo) :

Di Pietro assim os classifica: quanto :

- à alienação: que são :

- o direito de preferência de que trata Diogo de Figueiredo logo abaixo;

- limites à alienabilidade, de que trata Odete Medauar abaixo;

- insuscetibilidade de desapropriação, de que trata Odete Medauar abaixo.

- ao deslocamento: disposto no art. 14 do DL nº 25/37, e que é tratado abaixo por Celso Ribeiro Bastos;

- às transformações: disposto no art. 17 do DL nº 25-37, e que é tratado abaixo por Celso Ribeiro Bastos;

- aos imóveis vizinhos: disposto no art. 18 do DL nº 25/37, e que é tratado abaixo por Celso Ribeiro Bastos;

- à conservação: o disposto no art. 17 do DL nº 25/37, e que proíbe a destruição, demolição ou mutilação sem prévia autorização do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional;

- à fiscalização do poder público retratada por Odete Medauar logo abaixo.

Leme Machado destaca um efeito não percebido por alguns autores: transformar o instituto jurídico da licença para construir em autorização para construir, modificar e alterar, consoante se depreende do art. 17º do DL nº 25/37, em que o Poder Público está vinculado a não autorizar atividades que conduzam à destruição, demolição ou mutilação do bem, mas habilita discricionariedade quando se trata de reparação, pintura ou restauração. Assim, abre-se espaço para que se obtenha liminar suspendendo autorização obtida para construir, com o fim de apreciar mais acuradamente o ato de tombamento.

Do acima demonstrado, resultam para :

- o proprietário os seguintes deveres :

- positivos (de fazer) :

a)só haver transferência para esfera da federação, caso se trate de bem tombado público (art. 11 do DL nº 25/37);

b)assegurar o direito de preferência de aquisição em caso de alienação onerosa, obedecendo-se a seguinte ordem de preferência : União, Estado e Município, sob pena de nulidade do ato, seqüestro do bem por qualquer dos titulares do direito de preferência e multa de 20% do valor do bem a que ficam sujeitos o transmitente e o adquirente, devendo as punições serem aplicadas pelo Poder Judiciário (art. 22º e parágrafos do DL nº 25/37);

c)fazer as obras de conservação necessárias à preservação do bem ou, se não tiver meios, comunicar a sua necessidade ao órgão competente, sob pena de incorrer em multa correspondente ao dobro da importância em que foi avaliado o dano sofrido pela coisa (art. 19 do DL nº 25/37).

- negativas (de não-fazer):

a)art. 17 da DL nº 25/37, que veda a destruição, demolição ou mutilação sem prévia autorização do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, e veda a possibilidade de os bens tombados poderem ser reformados, pintados, ou restaurados sem prévia autorização especial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, sob pena de multa de 50% do dano causado em caso de violação de qualquer destas vedações ;

b)A coisa tombada só poderá sair do país somente por curto prazo, sem transferência de domínio e para fim de intercâmbio cultural, e a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, hoje IPHAN (art. 14).

- de suportar (deixar fazer): fiscalização de que trata Odete Medauar abaixo.

1.os vizinhos do proprietário : deveres negativos: o constante no art. 18 da DL nº 25/37, e que é ressaltado por Celso Ribeiro Bastos logo abaixo;

2.O IPHAN : deveres positivos, que são :

a)o que consta nos parágrafos do art. 19:

§ 1º, que manda executar as obras de conservação do bem,

quando o proprietário não puder fazê-lo, ou providenciar para que seja feita a desapropriação da coisa;

§2º, que dispõe que se não forem adotadas estas medidas, o proprietário pode requerer que seja cancelado o tombamento.

b)o que consta no art. 20: que é o exercer permanente vigilância sobre as coisas tombadas, inspecionando-as sempre que julgar conveniente; e

c)o que consta no art. 13: caso se trate de bens de particulares, prover a transcrição do tombamento no Registro de Imóveis e a averbação ao lado da transcrição do domínio. O art. 22 dispõe que a conseqüência da não adoção destas medidas é a perda do direito de preferência.

Segundo Diogo de Figueiredo, destacam-se os seguintes :

- Os bens tombados permanecem sob domínio e posse dos particulares, mas sua utilização passa a ser disciplinada pela obediência a servidões e limitações aos imóveis da vizinhança, caso se trate de imóvel tombado, dado o objetivo de assegurar a proteção estética necessária do entorno. É importante salientar observação feita por Maria Zanella di Pietro, consoante a qual o limite provocado pelo tombamento na propriedade é parcial, de modo que, se na prática este limite se afigurar como total, têm-se um tombamento ilegal por se configurar como desapropriação indireta;

- Outro efeito é o direito de preferência à aquisição do Poder Público instituidor, não obstante, a qualquer tempo, será possível ao Poder Público decretar a desapropriação para melhor atingir aos fins de proteção visados. O fundamento disto é o que está previsto no art. 22 e §1º do DL nº 25/37: "os bens tombados não podem sair do país, nem ser alienados a título oneroso, sem prévia oferta à União, ao Estado, ou ao Município em que se encontram, para que exerçam seu direito de preferência à aquisição, sendo nula a alienação que se fizer com preterição desse preceito legal". Assim, há que se dar ciência formal às três esferas estatais. O prazo de 30 dias para exercício da preferência é considerado exíguo por Paulo Affonso Leme Machado.

Celso Ribeiro Bastos, em sua leitura do DL nº 25/37 ressaltou os seguintes:

- o art. 18 do DL nº 25 veda a colocação de anúncios ou cartazes na vizinhança de coisa tombada e a construção que impeça ou reduza a visibilidade sem que haja prévia consulta ao SPHAN (atualmente IPHAN), condição esta que nem sempre é bem aceita pela comunidade.

Dr.º Meirelles nos adverte que o conceito de redução da visibilidade é amplo, e abrange a tirada da vista da coisa tombada, inclusive principalmente a modificação do ambiente ou da paisagem adjacente, a diferença no estilo arquitetônico e tudo o mais que contraste ou afronte a harmonia do conjunto, retirando o valor histórico ou a beleza original da obra ou do sítio protegido.

Consoante Di Pietro, acórdão constante na RT 222:559 inclui na redução da visibilidade a redução da respeitabilidade do imóvel em questão. Já Leme Machado vê que esta proteção foi colocada timidamente, e por isto o critica por só resguardar a visão, o que habilitaria a vizinhança deixar de apresentar homogeneidade com a coisa a ser alterada de modo prejudicial a ela, podendo-se assim afigurar-se duas situações (em conseqüência de a legislação não propiciar meios à administração para impedir a alteração ou exigir a adaptação integrativa da vizinhança) :

- as adjacências do bem tombado já estão desfiguradas quando do tombamento; ou

- passam a ser transformadas após o tombamento.

Segundo Maria Zanella Di Pietro, "trata-se de servidão administrativa em que dominante é a coisa tombada, e serviente os prédios vizinhos. É servidão que resulta automaticamente do ato do tombamento e impõe aos proprietários dos prédios servientes obrigação negativa de não fazer construção que impeça ou reduza a visibilidade da coisa tombada e de não colocar cartazes ou anúncios; a esse encargo não corresponde qualquer indenização"[35], servidão esta que segundo ela surge no ato do tombamento, sem necessidade de transcrição no registro de imóveis.

Outra consideração relevante é a de Leme Machado, que por sua vez defende que a tutela em questão precisa de revisão, principalmente na esfera municipal, para que este art 18 "não seja fonte de conflito entre o órgão de proteção cultural e o órgão licenciador de construções ou de atividades agrícolas ou florestais"[36].

Outra observação relevante de Di Pietro é que o art. 18 criou uma servidão administrativa, porém não a delimitou, o que implica em deixar para a discricionariedade (critério subjetivo) do órgão público a decisão quanto a restrição em cada caso, e a crítica que a referida autora faz a isto é que os proprietários dos prédios vizinhos não contam com critérios objetivos para verificar se são ou não alcançados pela restrição. É por isto que ela sugere, para que se coadune o art. 18 do DL nº 25 e a boa-fé de terceiros, a adoção das seguintes medidas:

- "fixação de critério objetivo na delimitação do conceito de vizinhança, mediante determinação da área dentro da qual qualquer construção ficaria dependendo de aprovação do IPHAN; e

- imposição de averbação no Registro e Imóveis da área onerada com a servidão ou notificação às Prefeituras interessadas para que, ao conferirem licença para construção, não ajam em desacordo com o IPHAN, com evidente prejuízo, ainda, para terceiros interessados na construção"[37].

"Na ausência dessas medidas, incumbe àquele órgão exercer permanente vigilância sobre as coisas tombadas e respectiva vizinhança, cabendo responsabilidade por perdas e danos quando, por culpa sua, terceiros de boa-fé tiverem suas construções embargadas ou demolidas, embora devidamente aprovadas pela Prefeitura"[38].

- Os bens tombados não podem ser reformados, pintados, nem restaurados sem prévia autorização especial do instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, sob pena de multa de 50% do dano causado (art. 17) ;

- A coisa tombada só poderá sair do país somente por curto prazo, sem transferência de domínio e para fim de intercâmbio cultural, e a juízo do Conselho Consultivo do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (art. 14).

Além da imodificabilidade salientada acima por Celso Ribeiro Bastos, há ainda os seguintes, no entender de Odete Medauar :

- se o bem tombado for imóvel : transcrição e averbação no registro respectivo (para que, consoante Afrânio de Carvalho, possa surtir efeitos perante terceiros), embora segundo Passos de Freitas, a lei de registros públicos preveja que a limitação administrativa seja averbada à margem da matrícula (Lei nº 6015, de 31/12/1973, art. 167, III), certamente porque a inscrição no Livro do Tombo feita em órgão da administração pública faz presumir a publicidade. Segundo Afrânio de Carvalho, "comete-se um erro manifesto ao prever-se a transcrição no Registro de Imóveis dos imóveis tombados. Ao invés de transcrição, agora transformada em matrícula, o que cabe é o lançamento definitivo do imóvel, com seus limites e confrontações, no livro próprio, o fólio real, sob a forma de matrícula, ao pé da qual se aditará a averbação do tombamento visto não ser este um característico físico do imóvel como corpo certo, material, semelhante a qualquer outro, para depois acrescentar-lhe o atributo do tombamento, este imaterial. (...). Seja como for, fora de dúvida é que todos os imóveis, tombados ou não, devem ingressar na matrícula com as características e confrontações exigidas pela lei registral. Havendo tombamento, este só poderá ser aposto em averbação à respectiva matrícula, se a autoridade competente fizer, para tanto, a comunicação indispensável. Do contrário continuará no rol dos demais imóveis junto aos quais poderá ocasionar questões entre compradores e vendedores no caso de venda sem menção, pelos últimos, do atributo restritivo a ele aderente, assemelhável a venda com vício redibitório"[39].

- limites à alienabilidade : manifestos através das seguintes restrições:

1.se o bem tombado pertencer ao domínio público, torna-se inalienável para particulares, o que não impede que seja transferido de uma entidade pública para outra ;

2.se o bem tombado for privado, permanece alienável, mas com restrições, devendo-se ressaltar que se se tratar de alienação onerosa, a União, os Estados ou Municípios têm direito de preferência, além do que o adquirente fica obrigado a inscrever a transferência no registro imobiliário, no prazo de 30 dias.

- fiscalização do poder público : pois o órgão responsável pelo tombamento poderá manter vigilância constante, tendo o direito de acesso ou ingresso do bem ;

- insuscetibilidade de desapropriação, salvo para manter o próprio tombamento. Até porque consoante o próprio Hely Lopes Meirelles, entidades estatais de superior hierarquia política não podem expropriar bens tombados pelas menores, enquanto não for cancelado o tombamento pelo órgão competente.

- aplicação de sanções administrativas por infrações ao tombamento, entre as quais :

1)multas em caso de tentativa ou reincidência de exportação de bem móvel tombado, em percentuais incidentes sobre o valor do bem;

2)multa por colocação de anúncios ou cartazes que afetem a visibilidade do bem;

3)multa no caso de demolição, destruição, mutilação e de restauração ou pintura sem prévia autorização do poder público;

4)multa se o proprietário deixar de comunicar a necessidade de obras de conservação e sua dificuldade para efetuá-las;

5)demolição do que for edificado sem autorização.

Consoante Passos de Freitas, pelo tombamento, o Estado pode estabelecer regime especial para determinados bens de interesse público, independentemente de que sejam estes bens públicos ou particulares, ou de quaisquer esferas a que pertençam, até porque a lei regulamentadora é omissa, ao contrário do que consta na lei de desapropriações.

Segundo Odete Medauar, apesar de todos estes efeitos, o tombamento está sujeito :

- a revogação, por inconveniência e inoportunidade ou anulação, por ilegalidade, pois a própria autoridade competente, em vez de homologá-lo, poderá determinar a revisão, alteração ou desfazimento;

- (DL 3866 de 29/11/41) cancelamento pelo Presidente da República do tombamento definitivo efetuado pelo IPHAN (seja de bens públicos ou privados), de ofício ou em grau de recurso(interposto por legitimamente interessado), por motivo de interesse público, mesmo que já tenha sido homologado. Em qualquer caso, o desfazimento deve ser motivado.

O mestre Meirelles critica a priorização da discricionariedade do chefe do Poder Executivo Federal sobre a do colegiado do IPHAN a quem incumbe originariamente o órgão, alegando que "a autoridade desse órgão, especializado na matéria, não deveria ficar sumariamente anulada pelo julgamento subjetivo ou político do Chefe da Nação. A instituição desse recurso deve-se, naturalmente, à origem ditatorial do diploma que o estabeleceu, em cujo regime o Presidente da República absorvia todos os poderes e funções, ainda que estranhos à sua missão governamental"[40].

Maria Zanella Di Pietro[41], entretanto, dele discorda, pois conforme ela a crítica não procede pelo fato de o cancelamento só se poder fazer por interesse público, conforme a próprio letra do citado Decreto-Lei nº 3866/41, o que não impede o controle do judiciário diante dos conflitos existentes entre este interesse público e outros interesses também relevantes e merecedores de proteção.

Na visão do mestre Hely Lopes Meirelles[42], o tombamento poderá ser nulo se não forem obedecidas as imposições legais e regulamentares, pois que, acarretando restrições ao exercício do direito de propriedade, há que se observar o devido processo legal para sua formalização, nulidade esta que deve ser pronunciada pelo Poder Judiciário, que apreciará os motivos e a regularidade do procedimento administrativo para efetivação da desapropriação.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Maxwell Medeiros de Morais

advogado em Recife (PE), pós-graduado em Direito Administrativo pela UFPE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAIS, Maxwell Medeiros. Regime jurídico do tombamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2687. Acesso em: 4 mai. 2024.

Mais informações

Trabalho apresentado na matéria ""Intervenção do Estado na Propriedade"" da Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Administrativo (UFPE/2001), obtendo conceito ª

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos