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Regime jurídico do tombamento

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01/02/2002 às 01:00
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15. Direitos do proprietário do bem tombado :

Propor processo para evitar o tombamento, ou obter indenização.

Quanto a indenização, têm-se o seguinte :

Segundo Leme Machado, há duas grandes vertentes quanto a este ponto:

- os que defendem a gratuidade do tombamento (Hely Lopes Meirelles, Maria Zanella Di Pietro, Diogo de Figueiredo) ;

- os que entendem pela indenizabilidade (Celso Antônio Bandeira de Mello, Ruy Cirne Lima).

Consoante Dr.º Meirelles[43], o tombamento em princípio não gera indenização, salvo quando :

- resultarem na interdição do uso do bem, ou prejudicarem sua normal utilização, suprimindo ou depreciando seu valor econômico (caso em que segundo ele a coisa tombada deverá ser desapropriada );

- as condições de conservação da coisa implicarem despesas extraordinárias para o proprietário, caso em que, consoante Celso Ribeiro Bastos, deverão ser suportadas pelo Poder Público ou serão justificadoras de uma desapropriação do bem tombado (caso excepcional de desapropriação, que é previsto no art. 5º, l e m, do DL 3365/41)[44].

Assim, segundo Dr.º Meirelles, "o tombamento só dispensa indenização quando não impede a utilização do bem segundo sua destinação natural, nem acarreta o seu esvaziamento econômico"[45].

O referido mestre também nos alerta em seu artigo escrito na RT em 1985, que é também passível de indenização a morosidade administrativa e a desobediência de prazos durante o procedimento administrativo de tombamento, pois o tombamento provisório se equipara em efeitos ao definitivo, o que já é, segundo ele, uma grande restrição ao direito de propriedade, o que demanda da parte da administração dever de rapidez no processo, pois a lentidão se configuraria abuso de poder. A indenização pela atitude omissiva da administração teria caráter reparatório e repressivo, entretanto uma atitude preventiva poderia ser adotada por mandado de segurança, o que já foi aceito como cabível pelo STF em sua Súmula 429.

Consoante Odete Medauar, "se o tombamento tiver alcance geral, como em Ouro Preto, Olinda, descabe ressarcimento. No caso de imóvel tombado isoladamente, em princípio é cabível indenização, salvo proibição, desde que demonstrado prejuízo direto e material"[46].

Leme Machado lembra a consideração de Sampaio Dória à Constituição

de 1946, afirmando que a essência da igualdade de todos perante a lei está na identidade de concessões de cada um ao todo sociais, e com base nisto tece as seguintes advertências : há que se aferir :

- a generalidade temporal e espacial caracterizadora da limitação administrativa; e

- a quem e de que forma beneficia a administração.

Leme Machado, com base nisto, faz a seguinte distinção:

- a situação em que a propriedade vinculada está inserida num contexto de outros bens vinculados ou limitados : nesta situação, em função da ausência de discriminação, nada há que se indenizar em função da generalidade caracterizadora da limitação, ainda que não seja absolutamente geral;

- ocasião em que a propriedade é escolhida individualmente para ser vinculada, não havendo mais bens na vizinhança a serem preservados ou bens existentes na vizinhança que estejam sujeitos a outro regime jurídico : nesta situação, em função da constatação de que a limitação não está sendo geral no mesmo espaço geográfico, cabe indenização.

Toshio Mukai (citado por Del olmo) defende que a indenização só é devida se o tombamento for individual (recaindo sobre um só proprietário), mas se for geral, não será devida.

Pinheiro Madeira defende que é cabível a indenização no tombamento, em face do princípio da igualdade da repartição dos encargos sociais. Como o referido autor defende que o tombamento é apenas uma denominação que serve a qualquer das medidas de servidão administrativa, limitação administrativa e desapropriação, ele se coloca da seguinte maneira :

"a) considerada a medida protecionista como limitação administrativa, seria ela indenizável, por decorrer do poder de polícia da Administração;

b) havido como servidão, comportaria indenização, se instituída por lei e, na proporção que alcance o direito do particular;

c) desapropriado o bem, para efeito de sua proteção, naturalmente se imporia a indenização"[47].

Segundo ele, o tombamento voluntário exclui a indenização, no mesmo sentido pugna Flávio Queiroz Bezerra Cavalcanti[48].

Afrânio de Carvalho defende uma postura bastante peculiar neste ponto, ao defender que, por exemplo, em havendo como lícito tombamento sobre imóvel particular sem a devida indenização, deve-se adotar algum outro modo de compensação, e a que ele sugere é a compensação tributária, defendendo que haja isenção do IPTU para o proprietário, seja o tombamento feito pelo Município (caso em que o caso seria mais simplesmente resolvido), seja feito por outra esfera estatal, caso em que esta deveria entrar em acordo com o Município para que isto fosse feito. A Constitucionalidade desta proposta consiste na constatação de que o contribuinte em questão não está em situação equivalente aos demais, já que seu imóvel não está na mesma situação dos demais[49].

Assim, concluo juntamente com Flávio Queiroz Bezerra Cavalcanti que a indenização por dano ocasionado pelo tombamento compulsório se faz necessária, pois "baseada nas regras de indenização pelo Poder Público no fracionamento dos ônus e cômodos, não vejo como escapar à conclusão de que necessário se faz o repartimento dos prejuízos sofridos"[50].


16. Tombamento e o planejamento nacional, estadual e municipal

Segundo Leme Machado, a necessidade de abordagem deste ponto especificamente se dá pelo fato de o tombamento se afigurar como limitador do Poder Público a ponto ser um regime jurídico antecipativo e às vezes acessório do zoneamento urbano[51].

Conforme Eduardo Montoulieu Garcia, o planejamento pode ser entendido como "racionalização na tomada de decisões individuais e coletivas dirigida a ações sistemáticas com objetivo de conseguir-se o bem-estar público, abrangendo aspectos sociais, econômicos, físico-espacial-temporais, ou outros de interesse público"[52] e :

- visa, segundo Fernandez Rodrigues, "assegurar um equilíbrio apropriado entre todas as pretensões de uso do solo, e de maneira que este seja utilizado no interesse de todo o povo"[53];

- visa, segundo Den Abeele :

1."sintetizar os diferentes conhecimentos proporcionados pelos inventários e recenseamentos;

2.exprimir as opções de ação e de organização em matéria de conservação integrada;

3.assegurar uma proteção eficaz pela integração de meios legislativos de salvaguarda e o ordenamento do desenvolvimento diante das pressões econômicas e sociais;

4.programar as intervenções de reabilitação e de restauração no tempo e no espaço, estabelecer a importância das contribuições financeiras estatais"[54].

Consoante Leme Machado, a preocupação da adequação entre a conservação do patrimônio cultural e o planejamento se registra nos níveis federal e estadual pelas portarias interministeriais n. 19, de 4/3/77 e nº 1170, de 27/11/79. Nos níveis estadual e municipal se percebe "a organização de programa de preservação de bens culturais" como condição para que recebam recursos nesta área, concomitantemente com a atitude de órgãos e entidades envolvidos no sentido de induzir a "inclusão nos Planos Diretores de Desenvolvimento Urbano de legislação de proteção às áreas de valor cultural"[55].

O referido autor recomenda como precaução para adequação entre planejamento e tombamento que "na elaboração de um plano nacional de proteção de bens culturais e, particularmente de recursos naturais, deve-se procurar o inventário de todos os interesses em confronto, para se saber se há outros interesses equivalentes ou superiores de importância nacional que se opõem à conservação. (...). Caso contrário, as forças de destruição, que, em geral, são mais rápidas, se põem em ação e apresentam o fato consumado da inexistência do bem ou o começo de um projeto envolvendo o bem a ser tombado"[56].

Apesar da relevância do planejamento, segundo se deduz da explanação de Alain Bacquet (Diretor de Arquitetura do Ministério dos Negócios Culturais francês), a sistemática de proteção ao patrimônio cultural se completa com a efetivação do planejamento através da conservação e da existência de uma legislação especial de proteção habilitadora da intervenção da autoridade em qualquer momento.


17. Co-responsabilidade da administração em conservar o bem tombado:

O proprietário e o Poder Público tombador são co-responsáveis pela sua conservação e reparação, entretanto, segundo Leme Machado, a co-responsabilidade do poder público só pode ser invocada no caso de se comprovar dois requisitos:

- que não tenha sido o proprietário o causador do dano;

- haja a necessidade da reparação.

O fundamento desta co-responsabilidade do Poder Público é que :

- "o tombamento como medida protetora incorpora o poder público na gestão do bem, a ponto de associá-lo nas despesas de sua manutenção"[57]. Dano causado por ação ou omissão do proprietário não obriga o Poder Público à reparação, e sim o proprietário, embora haja, segundo Leme Machado, lacuna na legislação federal no sentido de efetuar esta cobrança;

- o art. 19 do DL nº 25/37 dispõe que o proprietário carente de recursos para efetuar as medidas conservativas e reparadoras levará este fato ao conhecimento do IPHAN, e seu §1º ainda dispõe que em sendo necessárias as obras, serão feitas às expensas da União.


18. Abordagem comparativa com institutos restritivos da propriedade :

Diogo de Figueiredo tece o comentário de que o tombamento e :

1) a servidão administrativo distinguem-se :

- quanto a finalidade, já que para a servidão administrativa visa a facilidade de execução de obras e serviços públicos, enquanto no tombamento a função é a proteção de objetos de cultura;

- quanto ao fato de a servidão ser heteroexecutória, onerosa, em regra, e ocasionar um ônus real de uso a favor de terceiro, ao passo que o tombamento é auto-executório, gratuito, e não transfere qualquer direito à utilização do bem tombado, dado que apenas o limita.

2) a limitação administrativa :

2.1. assemelham-se :

- quanto a gratuidade de imposição;

- quanto ao fato de em muitos casos haver a finalidade estética.

2.2. Distinguem-se quanto constatação de que :

- enquanto o tombamento é um ato concreto, a limitação é abstrata, e geralmente atinente a uma categoria de bens;

- enquanto a finalidade do tombamento é, em última análise, cultural, a da limitação é a segurança, a salubridade e o decoro, cogitando-se assim de valores-meio, dentro de horizontes mais reduzidos.


19. Tutela Processual do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional :

Segundo Maria Zanella di Pietro, tal tutela se dá pelos seguintes instrumentos:

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- ação civil pública (art. 129, III da CF) ;

- ação popular (art. 5º, LXXIII da CF).

Quanto a indagação de que se estas ações exigem prévio tombamento

do bem, percebe-se que sim, consoante a referida autora, pois assim dispõe o art. 1º, §1º. "Os bens a que se refere o presente artigo só poderão ser considerados parte integrante do patrimônio histórico e artístico brasileiro, depois de inscritos separada ou agrupadamente num dos quatro livros do Tombo, de que trata o art. 4º desta lei".

Apesar disto, Di Pietro constata que estes instrumentos processuais são mais úteis como modos de proteção precisamente dos bens ainda não tombados, pois em relação a estes, as restrições e a fiscalização a que se sujeitam têm por finalidade dar-lhes a adequada tutela.


20. Sanções Administrativas :

Tais sanções podem ser multa, demolição, restauração, embargo e interdição.

20.1 Multas – Generalidades :

Segundo Dr.º Meirelles, "a multa administrativa é de natureza objetiva e se torna devida independentemente da ocorrência de culpa ou dolo do infrator"[58].

Espécies :

- Multa de 50% do valor do bem tombado estão previstas nos seguintes casos:

1)exportação ou tentativa de exportação de coisa tombada sem pedir prévia autorização ou tendo sido negada a autorização (em caso de primariedade do infrator);

2)construção ou colocação de anúncios ou cartazes que impeçam ou reduzam a visibilidade do bem tombado;

3)ausência de autenticação de objetos considerados como "antigüidades, obras de arte de qualquer natureza, manuscritos e livros antigos ou raros";

4)ausência de apresentação da relação dos objetos, antes da venda, ao órgão estatal competente.

- Multa de 100% do valor da coisa tombada no caso de reincidência em exportação ou tentativa de exportação;

- Multa de 50% do lucro causado em caso de destruição, demolição, mutilação e multa do mesmo valor no caso de reparação, pintura ou restauração sem prévia autorização do órgão competente. Em caso de bem público, a autoridade responsável incorrerá pessoalmente na multa;

- Multa de 10%:

1)quando o adquirente do bem tombado deixar de fazer dentro do prazo de 30 dias o registro no Cartório do Registro de Imóveis, ainda que se trate de transmissão judicial ou causa mortis;

2)quando o proprietário de uma coisa tombada deixar de comunicar no prazo de 10 dias o seu extravio ou furto.

Segundo Paulo Affonso Leme Machado, no cálculo do valor das multas

levar-se-á como base não só o valor de mercado do bem, mas principalmente os valores que são protegidos na coisa tombada em sua estimativa para o futuro da necessidade de sua conservação. Segundo ele, configura-se caso de multa indeterminada quando depender do dano sofrido pela coisa a ser aferido posteriormente, enquadrando-se neste caso a infração consistente em o proprietário não comunicar ao órgão competente da necessidade de serem feitas obras de conservação e de reparação de sua dificuldade de fazê-la às suas expensas.

A crítica que o referido autor faz à mencionada legislação é que falta clara disposição sobre o tipo de culpa do proprietário na prática dos ilícitos referidos, e qual o critério de responsabilidade a que está sujeito (se é objetiva ou subjetiva). Quanto a isto, a observação de Dr.º Meirelles supre esta lacuna, e quanto a patrimônio natural tombado o art. 4º da lei nº 6938/81 dispõe que a responsabilidade é objetiva.

20.2. Demolição :

A demolição do que foi edificado nos termos do art. 18 do DL nº 25/37.

20.3. Restauração da coisa tombada :

Esta sanção não é prevista no DL nº 25/37, mas se pode intentar ação civil pública pleiteando a obrigação de fazer esta reparação.

20.4. Embargo e interdição :

O embargo é aplicável ao caso do arts. 17 e 18 do DL nº 25/37, por ser conseqüência dela, apesar de não a ter previsto explicitamente, até porque feriria o bom senso que a lei previsse a proibição, e diante da realização da conduta proibida nada fizesse para evitar o dano. A obediência a embargo é tutelada penalmente pelo art. 330 do CP (crime de desobediência).

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Sobre o autor
Maxwell Medeiros de Morais

advogado em Recife (PE), pós-graduado em Direito Administrativo pela UFPE

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAIS, Maxwell Medeiros. Regime jurídico do tombamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2687. Acesso em: 18 mai. 2024.

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