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Lei Seca: uma lei exagerada e casualmente ineficaz

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Objetiva-se apresentar deserções sobre a lei seca, apontando seus aspectos exagerados, relatando sua casual ineficácia e fazendo comparações entre a lei seca brasileira e a de outros países.

RESUMOA lei seca alterou a Lei 9.503/97 para estabelecer alcoolemia zero e para impor penalidades mais severas para o condutor que dirigir sob a influência do álcool. No entanto, dispositivos da referida lei se mostraram exagerados, e a própria lei inicialmente sofreu uma perda gradual de sua eficácia. Nesta perspectiva, este artigo buscará apresentar deserções sobre a lei seca, apontando seus aspectos exagerados, relatando sua casual ineficácia e fazendo comparações entre a lei seca brasileira e a de outros países.

1. Introdução

A atenção dada ao tema tem como base a constatação de que a lei 11.705 de junho de 2008, a chamada Lei Seca, pode ser exagerada e casualmente ineficaz. A lei alterou “dispositivos da Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro, com a finalidade de estabelecer alcoolemia zero e de impor penalidades mais severas para o condutor que dirigir sob a influência do álcool”[1]. Porém, tal medida tornou-se abusiva, já que pessoas que não se encontram ébrias estão sendo punidas, tendo em vista a rigidez da lei, umas das mais rigorosas do mundo em relação ao teor alcoólico aceito.

2. Uma lei exagerada e casualmente ineficaz         

A lei seca brasileira é uma das mais rígidas do mundo. Até dezembro de 2012, tolerava-se até 2 decigramas de álcool por litro de sangue. Atualmente, “não há limite, qualquer traço de bebida rende multa”[2]. Portanto, pessoas que ingeriram apenas dois bombons de licor ou utilizaram antisséptico bucal já haverão atingido o limite determinado pela lei, como bem constata o Dr. Luiz Flávio Gomes:

A quantidade ínfima de álcool no sangue deve ser desconsiderada. Uma pessoa chegou a ser flagrada após ter ingerido dois bombons com licor. É um exagero. Por mais que se queira evitar tantas mortes no trânsito, não pode nunca a administração pública atuar sem razoabilidade. Quem usa um anti-séptico bucal não pode sofrer nenhum tipo de sanção. A infração administrativa do artigo 165 exige estar sob influência do álcool ou outra substância psicoativa. Nem toda quantidade de álcool no sangue é suficiente para configurar a infração administrativa do artigo 165[3].

Na Europa, por exemplo, países como Alemanha, França e Espanha toleram até 5 dg de álcool por litro de sangue. No Brasil, até dezembro de 2012, quem desrespeitasse os 2 dg por litro de sangue teria de pagar multa de R$ 955 (novecentos e cinquenta e cinco reais), e caso fosse constatado 6 dg por litro (dois chopes), a punição seria acrescida de prisão. Muitos advogados criticaram negativamente os tipos de sanção impostas aos infratores. É o posicionamento do advogado Ives Gandra Martins: "Prisão provisória é uma violência grande. Sou favorável ao enrijecimento da legislação, mas do ponto de vista pecuniário: multas elevadas". Para o advogado Roberto Delmanto, “ninguém, pela Constituição, é obrigado a produzir prova contra si”, referindo-se ao teste do bafômetro[4]. Rogério Fernando Taffarello ainda lembra que

A lei apresenta redação bastante deficiente em determinados dispositivos, violando princípios fundamentais do direito como os da proporcionalidade das sanções, do privilégio contra autoincriminação, da taxatividade da norma penal e da lesividade ao interesse que tenciona proteger. Tais violações tornam suas punições mais difíceis de ser aplicadas pelos tribunais do que aquelas previstas na legislação anterior, e podem, ainda, acarretar eventual declaração de sua inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. A orientação dele é não fazer o exame e questionar a multa na Justiça[5].

A partir de dezembro de 2012 o valor da multa foi elevado para R$ 1.915,40 (mil novecentos e quinze reais e quarenta centavos), e a partir de então, para que o motorista se enquadre no tipo, basta conduzir “com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool”. A redação da norma ainda manteve o mínimo de seis meses de detenção, mesmo que não haja acidente com vítima[6].

No que tange a sua ineficácia, é constatado que nos anos iniciais da entrada em vigor da lei seca a fiscalização foi reduzindo com o tempo, ao passo que “o temor generalizado incutido em cidadãos ao tempo da promulgação da lei” foi deixando de existir. Segundo dados da Polícia Rodoviária Federal, logo da entrada em vigor da lei cresceram os números de acidentes e feridos nas estradas, embora o número de mortos tenha se mantido estável. Como bem descreve Rogério Fernando Taffarello:

Não é a severidade abstrata da pena que faz com que leis sejam cumpridas, mas a certeza da punição. Por isso, os bons resultados dos primeiros meses se deveram menos ao rigor repressivo da lei que ao fato de ela ter-se acompanhado de fiscalização intensa, a qual, de resto, poderia produzir iguais resultados sem a necessidade de maior restrição a liberdades públicas[7].

Com a nova redação dada à lei em dezembro de 2012, que aumentou do valor da multa e veio acompanhada de uma mais forte e constante fiscalização por parte das autoridades competentes, a lei passou a observar efeitos positivos. Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública, coletados pela Folha de S. Paulo, “a cidade de São Paulo teve queda de 17% no número de mortes em acidentes de trânsito no período de janeiro a novembro de 2013. Foram 498 óbitos, ante 601 no mesmo intervalo de 2012”[8].

3. Consideração final

Como bem recomenda o International Center for Alcohol Policies, vale mais a certeza da punição que uma legislação voltada a apreender os transgressores[9].

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei n° 11.705, de 19 de junho de 2008. Altera a Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997, que ‘institui o Código de Trânsito Brasileiro’, e a Lei no 9.294, de 15 de julho de 1996, que dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nos termos do § 4o do art. 220 da Constituição Federal, para inibir o consumo de bebida alcoólica por condutor de veículo automotor, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 20 de jun. 2008.

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DENTRO da Lei. Entendas as mudanças na Lei Seca. Semexcesso. 01 de fev. 2013. Disponível em: http://semexcesso.com.br/mudancas-lei-seca/. Acesso em: 23 de mar. 2014.

GALVÃO, V. Q. Lei seca é uma das mais rígidas do mundo. Folha de S. Paulo. São Paulo, 25 de jun. 2008. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u415818.shtml. Acesso em: 21 de out. 2010.

NOVA lei seca. Folha de S. Paulo. São Paulo, 03 jan. 2014. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/146198-nova-lei-seca.shtml. Acesso em: 23 de mar. 2014.

TAFFARELLO, R. F. Lei Seca: simbolismo penal e ineficácia social. ABETRAN. 21 de jul. 2009. Disponível em: http://abetran.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=9654&Itemid=143. Acesso em: 23 mar. 2014.

TRINDADE, B. “Lei Seca”: medida exagerada. Blog do Trindade. 27 de jun. 2008. Disponível em: http://blogdotrindade.com/2008/06/27/lei-seca-medida-exagerada/. Acesso em: 21 de out. 2010.


[1] BRASIL. Lei n° 11.705, de 19 de junho de 2008. Altera a Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997, que ‘institui o Código de Trânsito Brasileiro’, e a Lei no 9.294, de 15 de julho de 1996, que dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nos termos do § 4o do art. 220 da Constituição Federal, para inibir o consumo de bebida alcoólica por condutor de veículo automotor, e dá outras providências. Diário Oficial da União. 20 de jun. 2008.

[2] DENTRO da Lei. Entendas as mudanças na Lei Seca. Semexcesso. 01 de fev. 2013. Disponível em: http://semexcesso.com.br/mudancas-lei-seca/. Acesso em: 23 de mar. 2014.

[3] TRINDADE, B. “Lei Seca”: medida exagerada. Blog do Trindade. 27 de jun. 2008. Disponível em: http://blogdotrindade.com/2008/06/27/lei-seca-medida-exagerada/. Acesso em: 21 de out. 2010.

[4] GALVÃO, V. Q. Lei seca é uma das mais rígidas do mundo. Folha de S. Paulo. São Paulo, 25 de jun. 2008. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u415818.shtml. Acesso em: 21 de out. 2010.

[5] TAFFARELLO, R. F. Lei Seca: simbolismo penal e ineficácia social. ABETRAN. 21 de jul. 2009. Disponível em: http://abetran.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=9654&Itemid=143. Acesso em: 23 mar. 2014.

[6] NOVA lei seca. Folha de S. Paulo. São Paulo, 03 de jan. 2014. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/146198-nova-lei-seca.shtml. Acesso em: 23 de mar. 2014.

[7] TAFFARELLO, R. F. Lei Seca: simbolismo penal e ineficácia social. ABETRAN. 21 de jul. 2009. Disponível em: http://abetran.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=9654&Itemid=143. Acesso em: 23 mar. 2014.

[8] NOVA lei seca. Folha de S. Paulo. São Paulo, 03 de jan. 2014. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/146198-nova-lei-seca.shtml. Acesso em: 23 de mar. 2014.

[9] NOVA lei seca. Folha de S. Paulo. São Paulo, 03 de jan. 2014. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/146198-nova-lei-seca.shtml. Acesso em: 23 de mar. 2014.

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Sobre os autores
Ana Tereza Duarte Lima de Barros

Advogada e professora da graduação em Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas de Limoeiro-PE. Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco. Foi bolsista do CNPq. Bacharela em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco com graduação sanduíche na Universidade de Salamanca (Espanha).

Braulio Machado Pinheiro de Morais

Graduando do curso de Bacharelado em Direito da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Ana Tereza Duarte Lima ; MORAIS, Braulio Machado Pinheiro. Lei Seca: uma lei exagerada e casualmente ineficaz. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3921, 27 mar. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27158. Acesso em: 15 nov. 2024.

Mais informações

Artigo inicialmente escrito como requisito para aprovação na disciplina "Metodologia da Pesquisa Jurídica", ministrada no curso de Direito da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), em outubro de 2010. Posteriormente, o artigo foi modificado para se adequar à nova redação dada à lei 11.705, em dezembro de 2012.

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