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Benefício assistencial: a redefinição do conceito de miserabilidade à luz da jurisprudência do STF

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Aborda a mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca do requisito objetivo da miserabilidade, imposto pela Lei Orgânica da Assistência Social, para concessão do benefício de amparo assistencial ao idoso e a pessoa com deficiência.

Resumo: O presente artigo aborda a mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca do requisito objetivo da miserabilidade, imposto pela Lei Orgânica da Assistência Social, para concessão do benefício de amparo assistencial ao idoso e a pessoa com deficiência, notadamente após o julgamento do RE 567.985, cotejando-o com entendimento anterior manifestado no julgamento da ADI 1.232/DF.

Palavras Chaves: Benefício de amparo assistencial ao idoso e a pessoa com deficiência. LOAS. Requisito da miserabilidade. Mudança de entendimento. ADI 1.232. Recurso extraordinário 567.985.


1. Introdução.

Inicialmente, ressaltamos que o presente artigo não se trata de um estudo aprofundado e definitivo sobre o assunto. Na verdade, o intuito é tentar retratar a mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca de um tema por demais tormentoso para aqueles operadores do Direito que lidam no seu dia a dia com a Seguridade Social.

O benefício assistencial no valor de um salário mínimo veio previsto no art. 203, V, da Constituição da República, o qual, por sua vez, foi regulamentado pela Lei n.º 8.742/93, sendo devido à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Como se vê, a necessidade ou miserabilidade constitui requisito indispensável para que seja concedido o benefício assistencial.

Todavia, o constituinte remeteu ao legislador ordinário o encargo de disciplinar a concessão do benefício, estabelecendo a forma, os critérios, os requisitos e condições para sua percepção, o que, como visto, restou estatuído com a edição da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (LOAS), cujo art. 20 cuidou da matéria.

Pois bem, o objetivo deste artigo é analisar a modificação de entendimento por parte do Supremo Tribunal Federal acerca do conceito de necessidade estabelecido no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93, segundo o qual “Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”, avaliando as ADIs que trataram de sua constitucionalidade, bem como os efeitos que isso trouxe para a prática previdenciária.

É uma pena que legislador não tenha dirimido de vez essa questão por ocasião da edição da Lei 12.435/2011, que alterou dispositivos da LOAS, dirimindo de vez o imbróglio que entope os tribunais pátrios acerca da discussão do critério para aferir a miserabilidade do postulante idoso ou deficiente ao benefício assistencial.

Também avaliaremos, ainda que en passant, o entendimento do STJ – Superior Tribunal de Justiça que, sem dúvida, mostrou-se como um verdadeiro condutor na modificação de entendimento por parte da mais alta Corte do país.


2. A Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.232/DF e a Constitucionalidade do Critério Objetivo.

Conforme frisamos acima, a Constituição delegou ao legislador ordinário a atribuição de conceituar o requisito da miserabilidade.

Desse modo e visando estabelecer um critério objetivo, o legislador houve por bem estabelecer no art. 20, §3º, da Lei 8.742/93 que o grupo familiar do idoso ou do deficiente cuja renda mensal per capita fosse inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo seria considerado incapaz de prover a sua manutenção, decorrendo disso o direito de receber o benefício assistencial no valor de um salário mínimo, na modalidade de benefício assistencial de prestação continuada.

Tal dispositivo gerou várias controvérsias na doutrina e na jurisprudência, as quais se fundamentavam na divergência de sua interpretação no sentido de saber se a existência ou não de renda inferior a 1/4 do salário mínimo estabelece uma presunção absoluta ou relativa da condição de necessitado ou não-necessitado autorizador da concessão do benefício assistencial.

Pois bem, tal controvérsia gerou a propositura da Ação Direita de Inconstitucionalidade n.º 1.232/DF, em 24/02/1995, pelo então Procurador-Geral da República, Aristides Junqueira de Alvarenga, por meio da qual se questionou a constitucionalidade do mencionado critério objetivo fixado pelo referido comando legal estampado na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS).

  Nessa ação o Supremo Tribunal Federal (Rel. Ministro ILMAR GALVÃO e para o acórdão Ministro NELSON JOBIM) pronunciou-se acerca da compatibilidade do §3º, do art. 20 da Lei nº 8.742/93 com o dispositivo constitucional do art. 203, V, tendo reconhecido que se trata efetivamente de competência legal o estabelecimento de critérios para concessão do benefício, não havendo óbice para fixação de critérios objetivos. Confira-se a ementa do julgado:

“CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO MÍNIMO A PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.” (ADIN- 1232-1/DF – Tribunal Pleno -  Julg. 27.8.1998 - DJ 1º.6.2001 – Min. Ilmar Galvão e para o acórdão Min. Nelson Jobim)

Posteriormente, apreciando o Recurso Extraordinário n.º 275.140-5/SP, o Pretório Excelso voltou a reafirmar os efeitos erga omnes da decisão proferida no julgamento ADIN 1232-1/DF. Vejamos:

PREVIDÊNCIA. CONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI 8.742/93.

- O Plenário desta Corte, ao julgar improcedente a ADIn 1232 proposta contra o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/93, concluiu, com eficácia “erga omnes”, pela constitucionalidade desse dispositivo legal.

- Dessa orientação divergiu o acórdão recorrido. Recurso extraordinário conhecido e provido.

ACÓRDÃO – Visto, relatado e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigrafias a seguir, por unanimidade de votos, em conhecer do recurso extraordinário e lhe dar provimento, nos termos do voto do Relatos.

 (RE N.º 275.140-5. Relator: Ministro Moreira Alves.  Recorrente: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. Recorrida: Maria Casemiro Braz. DJ: 19/09/2000).

Inclusive, de tão pacífico que estava esse entendimento, a TNU – Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, através de ato publicado no Diário da Justiça de 12/05/1996, determinou o cancelamento do enunciado 111 de sua Súmula de jurisprudência. O texto da súmula cancelada dizia que "a renda mensal per capita familiar superior a ¼ do salário mínimo não impede a concessão do benefício assistencial previsto no art. 20, § 3o, da Lei n. 8.742, de 1993, desde que comprovada, por outros meios, a miserabilidade do postulante". Assim pacificou-se também no JEF de que a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo é REQUISITO OBRIGATORIO para concessão de benefício assistencial.

Pois bem, este era o cenário até abril deste ano de 2013 quando, então, o STF voltou atrás em seu posicionamento, entendendo que o dispositivo supra mencionado passou a ser inconstitucional ou, nas palavras do Ministro Gilmar Mendes, passou por um processo de inconstitucionalização. Veremos isso mais a frente deste trabalho, mas, antes disso, precisamos passear pela jurisprudência do STJ, que, de uma forma ou de outra, acabou por promover a mudança do entendimento jurisprudencial acerca da matéria.


3. Da Posição do STJ acerca do critério objetivo da LOAS.

Na contramão do que vinha decidindo o STF, conforme acima frisamos, o Superior Tribunal de Justiça começou a capitanear posicionamento divergente no sentido de que o critério objetivo estabelecido no art. 20, §3º, da LOAS, não seria absoluto, podendo o julgador valer-se de outros elementos de prova para formar sua convicção acerca da condição de miserabilidade do postulante ao benefício assistencial.

Tal posicionamento resultou consagrado no acórdão prolatado no RESP n.º 1.112.557/MG, de relatoria do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, razão pela qual o transcrevemos em razão do seu caráter paradigmático:

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇAO DA CONDIÇAO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.

3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF 1.6.2001).

4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável.

5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.

6.Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.

7. Recurso Especial provido.

ACÓRDAO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA SEÇAO do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Relator os Srs. Ministros Jorge Mussi, Og Fernandes, Celso Limongi (Desembargador convocado do TJ/SP), Haroldo Rodrigues (Desembargador convocado do TJ/CE), Felix Fischer, Arnaldo Esteves Lima e Maria Thereza de Assis Moura.

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Por oportuno, calha frisar que os tribunais regionais federais passaram a seguir esse entendimento. Trazemos o aresto abaixo para ilustrar:

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LEI Nº. 8.742, DE 1993 (LOAS). REQUISITOS LEGAIS. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA OU IDOSA. COMPROVAÇÃO DA IMPOSSIBILIDADE DE PROVER A SUA PRÓPRIA MANUTENÇÃO OU TÊ-LA PROVIDA POR SUA FAMÍLIA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA. CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE. LEIS Nº 9.533/97 E Nº. 10.689/2003. CRITÉRIO MAIS VANTAJOSO. CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE APÓS PROLAÇÃO DA SENTENÇA. SUPERVENIENTE ALTERAÇÃO DA SITUAÇÃO FÁTICA. DETERMINAÇÃO DE OPÇÃO PELO BENEFÍCIO MAIS VANTAJOSO. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. CONCESSÃO EX OFFICIO. POSSIBILIDADE.

1. As Leis nº 9.533/97 e nº. 10.689/2003, cujos beneficiários devem possuir renda mensal familiar inferior a ½ salário mínimo, estabeleceram critério mais vantajoso para análise objetiva da miserabilidade. Deve ser estabelecido igual tratamento jurídico no que concerne à verificação da miserabilidade para a concessão de benefício assistencial, a fim de se evitar distorções que conduzam a situações desprovidas de razoabilidade. Assim, deve ser considerada incapaz de prover a manutenção de pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ½ salário mínimo.

2. O fato da renda familiar per capita ser superior a ¼ (um quarto) do salário-mínimo não impede que outros fatores sejam considerados para a avaliação das condições de sobrevivência da parte autora e de sua família, fazendo com que a prova da miserabilidade necessária à concessão do benefício assistencial seja mais elástica.

3. A concessão administrativa de pensão por morte, por fato superveniente, após a prolação de sentença que julgou procedente o pedido de benefício assistencial ao idoso, por tratar-se de benefícios diversos, ainda que inacumuláveis, não implica em perda do objeto da presente demanda nem a improcedência do pedido, cabendo à parte autora, no entanto, em momento oportuno, a opção pelo benefício que lhe seja mais vantajoso, compensadas as parcelas eventualmente recebidas.

4. "Apesar de faltante o requerimento expresso da parte autora à concessão da tutela antecipada, deve ser mantido o benefício já implantado, eis que de acordo com as premissas da recente Resolução PRESI nº. 600-04, de 06 de março de 2008" (AC nº. 2008.01.99.001666-0/MT, Relatora Desembargadora Federal Neuza Alves, Segunda Turma, julgada, à unanimidade, em 21/05/2008).

Como se vê, o entendimento do STF manifestado na ADI 1.232/DF não pacificou o entendimento acerca do conceito de miserabilidade e, por causa disso, as discussões judiciais em torno desse requisito continuaram se proliferando, principalmente no âmbito dos juizados especiais federais, sob o fundamento principal de que o critério objetivo estabelecido pelo legislador infraconstitucional não esgotava as possibilidades de se aferir a condição de miserável de pessoas que tenham renda per capita superior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.

O entendimento do STF consignado na ADI 1.232/DF sempre gerou, principalmente por parte da magistratura, certa perplexidade e descontentamento, pois não se admitia que o juiz ficasse vinculado ao parâmetro legal, quando em muitos casos esse parâmetro gerava situação de injustiças.

De fato, não se pode negar que a tese que prega a existência de uma presunção absoluta (jure et de iure) na definição de miserabilidade, afastando-a quando a renda per capita familiar do postulante extrapolava, ainda que minimamente, o critério legal, congela o trabalho do intérprete e torna o juiz um mero boca da lei (bouche de la loi). 

A partir da lacuna axiológica apresentada pelo STJ quando se procura imprimir ao conceito de miserabilidade uma interpretação meramente literal, prática essa incompatível com os postulados do Estado Democrático de Direito, nossa Corte Excelsa passou a mudar seu entendimento. Veremos esse giro hermenêutico no tópico seguinte.


4. A Mudança de Interpretação do STF e Mutação Constitucional de sua Própria Jurisprudência.

A mudança de entendimento do STF começou a se desenhar a partir da decisão monocrática do Ministro Gilmar Mendes proferida por ocasião do indeferimento da liminar cautelar na reclamação 4374-6/PE, lançada nos seguintes moldes, in verbis:

“O Tribunal parece caminhar no sentido de se admitir que o critério de 1/4 do salário mínimo pode ser conjugado com outros fatores indicativos do estado de miserabilidade do indivíduo e de sua família para concessão do benefício assistencial de que trata o art. 203, inciso V, da Constituição. Entendimento contrário, ou seja, no sentido da manutenção da decisão proferida na Rcl 2.303/RS, ressaltaria ao menos a inconstitucionalidade por omissão do § 3º do art. 20 da Lei n° 8.742/93, diante da insuficiência de critérios para se aferir se o deficiente ou o idoso não possuem meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, como exige o art. 203, inciso V, da Constituição. A meu ver, toda essa reinterpretação do art. 203 da Constituição, que vem sendo realizada tanto pelo legislador como por esta Corte, pode ser reveladora de um processo de inconstitucionalização do § 3º do    art. 20 da Lei n° 8.742/93. Diante de todas essas perplexidades sobre o tema, é certo que o Plenário do Tribunal terá que enfrentá-lo novamente. Ademais, o próprio caráter alimentar do benefício em referência torna injustificada a alegada urgência da pretensão cautelar em casos como este. Ante o exposto, indefiro o pedido de medida liminar.”

Dada a relevância do tema e do agigantamento da controvérsia desse tema perante os tribunais, o STF reconheceu a repercussão geral da questão constitucional suscitada no recurso extraordinário n.º 567.985-3, de Relatoria do ministro Marco Aurélio, tendo sido admitida a relevância do tema sob os ângulos jurídicos, político e social.

Até que em 18/04/2013, o STF acolhe a tese da insuficiência do critério legal do art. 20, §3º, da LOAS, e declara incidenter tantum a inconstitucionalidade do dispositivo, conforme se pode concluir do resumo da decisão, in verbis:

O Tribunal, por maioria, negou provimento ao recurso extraordinário e declarou incidenter tantum a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93. Vencidos, parcialmente, o Ministro Marco Aurélio (Relator), que apenas negava provimento ao recurso, sem declarar a inconstitucionalidade da norma referida, e os Ministros Teori Zavascki e Ricardo Lewandowski, que davam provimento ao recurso. Não foi alcançado o quorum de 2/3 para modulação dos efeitos da decisão para que a norma tivesse validade até 31/12/2015. Votaram pela modulação os Ministros Gilmar Mendes, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Celso de Mello. Votaram contra a modulação os Ministros Teori Zavascki, Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa (Presidente). O Relator absteve-se de votar quanto à modulação. Impedido o Ministro Dias Toffoli. Redigirá o acórdão o Ministro Gilmar Mendes. Plenário, 18.04.2013.                    

É bom que se frise que o acórdão ainda não foi publicado, portanto, tal decisão poderá ainda está sujeita a modulação de efeitos, uma vez que o STF não proferiu a nulidade do dispositivo em questão.

Noutro giro e em que pese o entendimento majoritário ter sido pelo reconhecimento da inconstitucionalidade do critério legal, achamos interessante reproduzir a manifestação do voto divergente, capitaneado pelos Ministros Ricardo Lewandowisk e Teori Zavascki, conforme notícia colhida no site conjur:

O ministro Teori Zavascki abriu divergência, reportando-se ao julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232. Segundo ele, o artigo 203, inciso V, da Constituição Federal foi regulamentado tanto pela Loas quanto por outras leis, que fixaram critérios objetivos de aferição da condição de miserabilidade.

No mesmo sentido se pronunciou o ministro Ricardo Lewandowski, alertando, ainda, para o risco de, em momento de crise mundial como o atual, que, segundo ele, “lamentavelmente está se aproximando do nosso país”, criarem-se despesas adicionais para o sistema previdenciário brasileiro. O ministro Dias Toffoli, impedido de votar no RE 567.985, acompanhou o voto divergente no RE 580.963.

Esses têm sido os verdadeiros contrapontos da questão.

De fato, em que pese o critério legal gerar em alguns casos situações de injustiça, mas ele foi o meio que legislador se utilizou para conciliar o princípio da dignidade humana com o princípio da reserva do possível, atendendo a um comando constitucional que transferiu para sua esfera de atribuição definir os casos e requisitos ensejadores da concessão do benefício.

Bem ilustrativo desse pensamento é frase do Ministro Maurício Correia por ocasião do julgamento da ADI 1.232/DF:

“O legislador ordinário, bem o mal, mas cumprindo o dever de editar a lei, estabeleceu um parâmetro, que teve a virtude de dar eficácia à norma constitucional.”

Nada obsta que o legislador, através do devido processo legislativo, entenda que o dispositivo está obsoleto e faça a mudança. Não custa lembrar que o legislador teve essa chance com a edição da Lei 12.435/2011, mas preferiu não alterar o critério legal.

Enfim e ao cabo, ao afastar o critério legal o STF acabou por substituir a vontade do legislador pela do juiz, já que este terá toda discricionariedade possível para definir a miserabilidade em cada caso e em conformidade com suas convicções pessoais, com sérios riscos para saúde financeira do orçamento da Assistência Social.


4. Conclusão.

Neste artigo procuramos estudar a mudança de entendimento jurisprudencial do STF – Supremo Tribunal Federal acerca da constitucionalidade do critério objetivo estabelecido no §3º, do art. 20, da Lei 8.742/93 para se aferir a miserabilidade do postulante idoso ou deficiente ao benefício assistencial, qual seja, o requisito da renda per capita familiar inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.

Verificamos que por ocasião do julgamento da ADI 1.232/DF, o Supremo Tribunal Federal foi reconhecida a constitucionalidade do dispositivo, pois a Constituição delegou ao legislador ordinário a atribuição de definir os requisitos para concessão do benefício assistencial no valor de 01 (um) salário mínimo, dentre eles a definição da miserabilidade.

 Ocorre que a interpretação literal do dispositivo passou a ser afastada pelos tribunais pátrios que, capitaneados pelo STJ – Superior Tribunal de Justiça, passaram a entender que o critério objetivo da LOAS não seria absoluto e, portanto, o juiz poderia no caso concreto valer-se de outros elementos de prova capaz de comprovar a necessidade do postulante, mesmo quando a renda familiar fosse superior a 1/4  (um) do salário mínimo.

Por fim, verificamos que esse entendimento acabou prevalecendo recentemente, tendo o próprio STF modificado seu anterior entendimento estampado na ADI 1.232/DF, pois através do julgamento do recurso extraordinário n.º 567.985-3, de Relatoria do ministro Marco Aurélio, a Excelsa Corte declarou incidenter tatum a inconstitucionalidade do disposto no art. 20, §º, da Lei 8.742/93,  permitindo, portanto, que os juízes avaliassem, por ocasião da análise dos casos concretos, outros critérios ou meios de prova para definir a existência, ou não, da miserabilidade.


REFERÊNCIAS

AZEVEDO, Damião Alves de. Ao encontro dos princípios: Crítica a proporcionalidade como solução aos casos de conflito aparente de normas jurídicas. Artigo disponível no ambiente virtual do Curso de Pós-Graduação em Direito Público da UNB/AGU.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19ª Edição, São Paulo: Editora Malheiros, 2006.

MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. São Paulo: Altas, 2008.

NOVELINO, Marcelo.  Direito Constitucional. 2.ed. Rev. Atual. e ampl.  São Paulo: Método, 2008.

ROCHA, José de Albuquerque. Teoria Geral do Processo. 5ª Edição, São Paulo: Malheiros, 2001.

SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 8ª Edição, Porto Alegre : Livraria do Advogado Ed., 2007.

SOARES, Alexandre Oliveira. Benefício assistencial de prestação continuada. A (des)virtude do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993, antes e depois da Lei nº 12.435/2011. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 3032, [20] out. [2011] . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/20243>. Acesso em: 16 jun. 2013.                

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Sobre o autor
Luiz Rogerio da Silva Damasceno

Procurador Federal. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará-UFC. Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade de Brasília - UNB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DAMASCENO, Luiz Rogerio Silva. Benefício assistencial: a redefinição do conceito de miserabilidade à luz da jurisprudência do STF. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3935, 10 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27385. Acesso em: 25 abr. 2024.

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