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O Ministério Público, o Codecon e a inversão do ônus da prova.

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01/03/2002 às 00:00
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Sumário: 1. Introdução – 2. Sistema e Tópica – 3. Da Substituição Processual – 4. Da Substituição pelo Ministério Público – 5. Vulnerabilidade e Hipossuficiência –6. Hipossuficiência como Presunção Relativa – 7. Conclusão – 8. Bibliografia.


I. INTRODUÇÃO

O problema da defesa dos interesses transindividuais, em virtude da ausência de um conceito preciso sobre os institutos, está longe do seu término.

Sem embargo, celeuma maior vislumbra-se no momento em que se põe a questão de se saber se, em demandas propostas por entidades legitimadas – em geral, e pelo Ministério Público, em particular – com o fito de defender o consumidor, as prerrogativas materiais e processuais previstas no CDC, que constituem o arcabouço protetivo, aplicar-se-ão igualmente dentro nos casos de substituição processual.

Dessa forma, o presente trabalho tem por escopo perquirir, no particular, sobre a possibilidade de se inverter o ônus probatório dos fatos em razão da hipossuficiência do consumidor sendo que o autor do litígio processual não é o próprio consumidor lesado, traduzindo-se em casos de substituição processual[1] legalmente previstos no Código Consumerista.

O que aparentemente antolha-se fácil, pode efetivamente tornar-se terreno movediço, tendo-se em vista que grassa divergência doutrinária entre os precisos conceitos – assim como o alcance – dos institutos da vulnerabilidade e hipossuficiência.

Em razão disso, traduz-se a problemática num intrincado sistema de aproveitamento das prerrogativas conferidas ao consumidor pela legislação de regência por parte das entidades legitimadas.

Isto porque, ao se aceitar a vulnerabilidade como instituto de direito material, ao passo que a hipossuficiência, de direito processual – o que se demonstrará abaixo, como poder o Juiz autorizar a inversão do onus probandi em favor dos substitutos por força daquela mesma hipossuficiência referente aos substituídos, eis que ausentes da relação jurídica processual exatamente estes, destinatários e titulares dos privilégios deferidos?

Dessarte, percebe-se a dificuldade sistêmica que enfrenta o Ministério Público, assim como as associações legitimadas, quando na defesa dos consumidores.

Sem embargo, escrutando-se com rigor técnico os institutos envolvidos percebe-se a fragilidade imposta, via de regra, na negação do direito à inversão do ônus da prova às entidades legitimadas em virtude de hipossuficiência.

De efeito, o estudo rigoroso dos institutos envolvidos revelará que a negatória à inversão do ônus probatório em virtude da hipossuficiência não passa de mero desvio de perspectiva sobre a realidade subjacente.

Para tanto, lançar-se-á mão da tópica, aplicando-se ao Código de Defesa do Consumidor técnica metodológica idêntica à proposta para a hermenêutica constitucional, assim como do ordenamento jurídico em geral.

E tal metodologia não pode ser considerada absurda sob o ponto de vista técnico. A uma porquanto a defesa do consumidor revela-se como princípio constitucional (art. 5º, XXXII, CF/88) e qualquer interpretação aos institutos consumeristas obrigatoriamente deverá respeitar o supramencionado princípio, uma vez assentada a normatividade dos princípios insculpidos na Constituição pela corrente pós-positivista. A duas porque nada obsta a aplicação do processo hermenêutico sub examine à legislação infraconstitucional, ao revés, tudo recomenda, eis que o aproximará da realidade vivenciada, respeitados, por óbvio, os princípios constitucionais.


II. SISTEMA E TÓPICA

Vislumbrado o Direito (rectius: o ordenamento jurídico) como sistema fechado[2] pelos positivistas racionalistas, a ciência jurídica perdeu muito no aspecto axiológico, culminando a idéia de que a sociedade poderia transformar-se por força exclusivamente da lei na tragédia representada pela Segunda Grande Guerra.

Arrefecidos os radicalismos inerentes a toda corrente sedutora, como ocorrera com o positivismo normativista, renasce a idéia de que a ciência jurídica está interligada a outras, extra-jurídicas, das quais depende e se alimenta num jogo de dar e receber dando acabamento à malha entrelaçada dos sistemas que ordenam a sociedade, sendo o Direito, portanto, um sistema aberto a influências extra-jurídicas.[3]

A tópica, pois, antes de desprezar o método sistemático, colabora na sua clarificação através da inserção de elementos estranhos ao Direito, todavia, necessários para a melhor interpretação da norma escrita, posto que revela-se aí a dinâmica do sistema jurídico.

Diga-se, ab initio, não se tratar de um volver a Escola Sociológica no sentido em que esta diminui a normatividade dos preceitos jurídicos engendrando uma abertura do sistema de normas ao ponto de sobrepor a Sociologia acima do Direito, trazendo subjacente, corolariamente, a insegurança jurídica.

Em verdade, traduz-se na valoração da norma jurídica, admitindo para a constituição desses valores elementos estranhos à Jurisprudência (dogmática jurídica).

Por conseguinte, Fernando Noronha tecendo comentários sobre a jurisprudência dos valores afirma que:

"...sua formulação mais acabada se deve essencialmente a outro Mestre alemão, Josef Esser, e que, no fundo, representa mero desenvolvimento da idéia básica da jurisprudência dos interesses: se o legislador fez prevalecer na norma concreta um certo interesse, é porque ele procedeu a uma determinada valoração de tais interesses, que lhe permitiu selecionar aquele que, a seu juízo, se afigurava mais merecedor de tutela. Atrás dos interesses estão, portanto, valores, que os precedem e que, por isso, devem orientar todo o pensamento jurídico." [4]

Dessarte, a obediência aos princípios constitucionais – cuja normatividade encontra-se fora de discussão na corrente pós-positivista – constitui ponto de orientação desse método hermenêutico.

Trata-se, portanto, de não haver soluções preconcebidas dentro no sistema jurídico para resolução de conflitos da vida real. Ao revés, os conflitos existentes no seio da sociedade serão solucionados como problemas precedentes ao sistema, influenciados também por questões extra-jurídicas relevantes. Isolando-se a questão posta em exame, constitui-se de uma técnica de chegar ao problema onde ele se encontra, elegendo o critério ou os critérios recomendáveis a uma solução adequada.[5] A razão do método tópico mostrar-se mais eficaz não apresenta complexidade alguma: o sistema jurídico é inepto para prever todas as situações da vida cotidiana, resultando, como a História demonstra, em flagrantes injustiças no caso concreto quando da utilização do positivismo racionalista.

"Os limites da tópica se encontram já na sua função instrumental. Ela é uma técnica que simplesmente ajuda a descobrir que conhecimentos e interrogações podem em cada caso desempenhar determinado papel, sem contudo por si mesma – como simples técnica de debate – oferecer sozinha o suficiente fundamento da solução." [6]

De efeito, a tópica é uma "técnica de pensar o problema", isto é, "técnica mental que se orienta para o problema" [7]


III. DA SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL

Faz-se mister, ab ovo, precisar a natureza pela qual as entidades legitimadas atuam nas demandas coletivas insculpidas no Código de Defesa do Consumidor.

É assente em doutrina e jurisprudência que tais entidades – aí incluído o Ministério Público – ao proporem demandas coletivas na defesa de consumidores agem em nome próprio, todavia, na proteção de interesses alheios, que lhes são inerentes.

Em escólio, assevera Eduardo Gabriel Saad, citando Ugo Ruffolo:

"Ugo Ruffolo (‘Interessi collettivi o diffusi e tutela del consumatore’, Milano, Giuffré, 1985, pág. 67) confessa-se adepto da tese de que os consumidores devem ser defendidos em juízo por meio de uma ação coletiva, mas garante que mais útil que a class action será a norma legal que permita ao ‘ente intermediário’ (associações de consumidores) propor diretamente a ação judicial, como substituto processual daqueles que foram prejudicados por um produto ou serviço defeituosos ou com vícios de qualidade ou quantidade." (g.n.)[8]

E arremata no concernente ao Parquet que "criou a figura do legitimado mencionado no artigo sob comentário, como um substituto processual dos consumidores implicados na mesma relação jurídica." (g.n.)[9]

Fixada, portanto, a natureza processual das entidades legitimadas quando em juízo, assim como do Ministério Público, como substituto processual na defesa de interesses alheios, cabe escrutar o conceito dessa legitimação anômala.[10]

Assim, com sua notória percuciência, Francesco Carnelutti ensina que:

"Existe substituição quando a ação no processo de uma pessoa diferente da parte se deve, não à iniciativa desta, e sim ao estímulo de um interesse conexo com o interesse imediatamente comprometido na lide ou no negócio." [11]

Em continuação, assevera que:

"A substituição fundamenta-se então, na conexão dos interesses, e por reflexo, na conexão das relações jurídicas (supra, nº 15), e em relação ao grau desta se pode diferenciar em duas espécies, que proponho que se chamem absoluta ou relativa segundo a tutela do interesse do substituto esgote ou não totalmente a do interesse do substituído; o sintoma normal da diferença está em que o processo provocado pelo substituto possa ou não se realizar sem a participação do substituído." [12]

Ressalte-se que, no tema sob comentário, releva de importância a distinção.

Pode-se, de efeito, inferir-se que a defesa do consumidor pelas entidades associativas e o Ministério Público – consoante a lição supra – se perfaz através da substituição processual absoluta, posto que a atuação dos entes intermediários esgota, satisfaz o interesse dos substituídos, prescindindo da sua aparição na relação jurídica processual, a despeito de ser, no particular, tal substituição também concorrente.

De efeito, não há mister a ocorrência de litisconsórcio entre o substituto e o substituído, nem mesmo a propositura de demanda por parte do consumidor a posteriori.

Frise-se, por fim, sendo de extremada relevância sua observação, que, nas relações processais consumeristas inauguradas por entes intermediários (associações e Ministério Público), está em jogo também os interesses dos consumidores, havendo, portanto, uma conexão de interesses.

Assim, ainda em obra da mesma magnitude, o Professor italiano traduz as filigranas das substituição processual em excelente magistério:

"Até agora temos visto o poder de atuar em juízo, conferido a pessoa diversa do sujeito do interesse litigioso, em lugar de ao próprio sujeito, a quem, por distintas razões, priva-se do mesmo em todo ou em parte.

"O princípio a ser levado em consideração é o da interdependência dos interesses. Que o direito de alguém seja respeitado pode ser útil, não apenas a ele, mas também a outros, e no sentido de que a satisfação de um interesse destes outros dependa de tal respeito.

"O fenômeno que assim se manifesta recebe o nome de substituição processual. Sua diferença da representação é evidente: o representante atua no interesse do representado, já que é este interesse, e não o seu pessoal, o que lhe impulsiona a atuar; por isso se diz que atua nomine alieno, enquanto o substituto atua em interesse próprio, já que é um interesse seu, o que lhe impulsiona a provocar a tutela do interesse do substituído." (g.n.) [13]

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Resta claro, desse modo, que o fenômeno da substituição processual dependerá – em cotejo com a representação processual – da interdependência dos interesses do substituto e substituído.

Havendo aludida interdependência, portanto, torna-se patente ser hipótese de substituição processual, no tocante aos entes intermediários mencionados.


IV. DA SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

Como conseqüência de haver na substituição processual, como observado pelo Mestre italiano, interesses variados que se interligam, cabe perquirir sobre qual o interesse defendido pelo Ministério Público.

É forçoso afirmar in initio que o fato de haver um interesse próprio a ser defendido pelo Parquet, não quer dizer que esta mesma Instituição não defenderá os interesses dos consumidores, posto que, se assim fosse, sua legitimação não seria extraordinária – ensejando substituição processual – e, sim, ordinária, eis que na defesa de interesses próprios da Instituição. [14]

Isto nos leva a ilação de que presente estará – sempre – o interesse do substituído, no caso, dos consumidores.

Insta frisar, outrossim, que tal interdependência de interesses se dá seja qual for a modalidade na qual se apresente os interesses dos consumidores posta em juízo pelo Ministério Público. Em outras palavras, não importa se nas demandas coletivas propostas pela Instituição ministerial os consumidores tenham interesses indivisíveis, ou seja, difusos, coletivos ou, ainda, individuais homogêneos – variando tão-somente o critério de aparição desses interesses, o que influirá na intensidade, sendo em uns mais e em outros menos intenso o laço da interdependência, nunca, no entanto, chegando às raias de total ausência – porquanto irrelevante para a qualificação da substituição processual operada pelo Parquet.

E assim é porquanto podem os interesses consumeristas figurar na relação processual de maneiras variadas.

Vem a calhar, assim, a distinção segundo a qual é possível os consumidores virem seus interesses individuais postos em juízo de forma coletiva (art. 91 do CDC) – a class action for damages do direito norte-americano (regra 23 das Federal Rules of Civil Procedure de 1938), inspiração próxima da nossa ação coletiva para a defesa dos interesses individuais homogêneos – neste caso, os consumidores são considerados de per si, enquanto indivíduos formadores do grupo social. De outra ponta, lícita a persecução em juízo desses interesses, sem embargo de, agora, serem considerados seus titulares, não como indivíduos em si, porém como o todo social impartível – interesses difusos.

Tal divergência na natureza do interesse a ser protegido em nada afeta a natureza da posição ministerial na defesa dos supracitados direitos no processo, como explanado acima.

Foros de magnitude ganha, de seu turno, a perscrutação do efetivo interesse na tutela jurisdicional pelo Ministério Público a dar supedâneo à sua atuação como substituto processual.

Ressalva-se, no particular, que não se cogita de interesse próprio da Instituição, quando violada em seus direitos.

Dessarte, o Mestre italiano Francesco Carnelutti, analisando o assunto, assim se expressa sobre o ponto sub exame:

"Assim sendo, exatamente porque a substituição opera para o impulso do interesse do substituto, é necessário levar em consideração a hipótese de que nem sequer este outro interesse seja suficiente para estimular a ação. Estes casos apresentam-se quando não se movem nem o substituto nem o substituído. Em tal hipótese, o que se decide é a importância social do interesse de cuja tutela se trata ou, mais exatamente, da existência de um interesse público quanto à sua tutela e, portanto, sua conexão com o interesse público transcendente. Quando esse pressuposto existir, a ação não pode ser confiada, ou, pelo menos, não pode ser confiada exclusivamente à parte ou a seu substituto. Por isso criou-se um órgão adscrito a seu exercício, que recebe o nome de Ministério Público." (g.n.) [15]

E, após elencar as atribuições ministeriais no âmbito penal, assevera que:

"De modo algum está excluído que semelhante pressuposto se apresente também no processo civil...

"O certo é que a razão que determina a instituição do Ministério Público encontra-se nos interesses públicos que as diversas normas jurídicas têm a missão de tutelar e, portanto, entre outros, o interesse quanto à segurança do território nacional, quanto à ordem interna, quanto à incolumidade da população e da riqueza nacional etc.

"Esboça-se, assim, claramente, a antítese entre o Ministério Público e o juiz quanto à função, posto que o juiz não tem para realizar mais interesse do que o interesse externo (quanto à composição do conflito) enquanto o Ministério Público opera para a tutela de interesses internos (interesses públicos conexos com o interesse em litígio). Sob esse aspecto, o Ministério Público talvez apareça como um tertium entre o juiz e a parte, já que os interesses que tende a desenvolver não se identificam, mesmo sendo internos, com todos os interesses em litígio que são, em todo caso, essencialmente públicos." (g.n.) [16]

Extrai-se, de conseqüência, a lição segundo a qual o interesse que legitima o Ministério Público para as demandas coletivas consumeristas é o interesse público que recai sobre o objeto litigioso.

Destarte, podemos distinguir os interesses que impulsionam a substituição processual operada pelo Parquet na defesa dos consumidores: de um lado, os interesses (difusos ou individuais) dos consumidores; de outro, o interesse público na harmonia entre fornecedores e consumidores (enquanto indivíduos ou coletivamente considerados) cuja titularidade pertence ao Ministério Público.

Vislumbra-se, em razão disso, que somente estará o Ministério Público legitimado a defender os interesses dos consumidores se e quando, junto a interesses consumeristas, existir interesse público na extinção do conflito desses mesmos interesses por meio da tutela jurisdicional.

É oportuna uma ressalva.

A expressão interesse público, entendemos, não satisfaz, hodiernamente, com o advento da Constituição de 1988, as reais atribuições conferidas à Instituição ministerial.

Com efeito, deixou o Ministério Público de ser, na nova ordem constitucional, a procuradoria do rei, como ocorre na Itália – e em outros países latinos, para ser o defensor da sociedade.

Estamos, lado outro, que não devemos atualmente confundir as expressões interesse público e interesse social, haja vista ser aquela consubstanciadora dos interesses do Estado, enquanto Administração Pública, e, esta, dos da sociedade civil, que, não raras vezes, possui interesses diametralmente opostos aos do Poder público, no particular, este como fornecedor de serviços e produtos.

De efeito, parece-nos mais apropriado a utilização atualmente da expressão interesse social para determinar o interesse que dá impulso à substituição processual levada a efeito pelo Parquet.

Não é por outra razão que a Constituição Federal de 1988, no capítulo atinente às Funções Essenciais à Função jurisdicional do Estado, em preceito sob o número 127, caput, incluiu o comando segundo o qual:

Art. 127 – O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. (g.n.)

Por sua vez, a jurisprudência ampara a tese italiana – vez que esta encontra refúgio na legislação pátria (CDC) – sendo que o egrégio Superior Tribunal de Justiça, por sua 5ª Turma, em aresto do ano de 1998, já deixava consignado:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS E INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. RECURSO ESPECIAL

1.Há certos direitos e interesses individuais homogêneos que, quando visualizados em seu conjunto, de forma coletiva e impessoal, passam a representar mais que a soma de interesses dos respectivos titulares, mas verdadeiros interesses sociais, sendo cabível sua proteção pela ação civil pública.

2. É o Ministério Público ente legitimado a postular, via ação civil pública, a proteção do direito ao salário mínimo dos servidores municipais, tendo em vista sua relevância social, o número de pessoas que envolvem e a economia processual. (g.n.)

(Resp. nº 95.347-SE, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ 01.FEV.1999)

Mais recentemente, agora pela sua Corte Especial, o mesmo Tribunal fixou entendimento que:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO COLETIVA. CUMULAÇÃO DE DEMANDAS. NULIDADE DE CLÁUSULA DE INSTRUMENTO DE COMPRA-E-VENDA DE IMÓVEIS. JUROS. INDENIZAÇÃO DOS CONSUMIDORES QUE JÁ ADERIRAM AOS REFERIDOS CONTRATOS. OBRIGAÇÃO DE NÃO-FAZER DA CONSTRUTORA. PROIBIÇÃO DE FAZER CONSTAR NOS CONTRATOS FUTUROS. DIREITOS COLETIVOS, INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS E DIFUSOS. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. DOUTRINA. JURISPRUDÊNCIA. RECURSO PROVIDO.

3.O Ministério Público é parte legítima para ajuizar ação coletiva de proteção ao consumidor, em cumulação de demandas, visando: a) a nulidade de cláusula contratual (juros mensais); b) a indenização pelos consumidores que já firmaram os contratos em que constava tal cláusula; c) a obrigação de não mais inseri-la nos contratos futuros, quando presente como de interesse social relevante a aquisição, por grupo de adquirentes, da casa própria que ostentam a condição das chamadas classes média e média baixa.

4.Como já assinalado anteriormente (REsp. 34.155-MG), na sociedade contemporânea, marcadamente de massa, e sob os influxos de uma nova atmosfera cultural, o processo civil, vinculado estreitamente aos princípios constitucionais e dando-lhes efetividade, encontra no Ministério Público uma instituição de extraordinário valor na defesa da cidadania.

5.Direitos (ou interesses) difusos e coletivos se caracterizam como direitos transindividuais, de natureza indivisível. Os primeiros dizem respeito a pessoas indeterminadas que se encontram ligadas por circunstâncias de fato; os segundos, a um grupo de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária através de uma única relação jurídica.

6.Direitos individuais homogêneos são aqueles que têm a mesma origem no tocante aos fatos geradores de tais direitos, origem idêntica essa que recomenda a defesa de todos a um só tempo.

7.Embargos acolhidos.

(EREsp. nº 141.491-SC, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ 01.AGO.2000)

Como se observa dos arestos transcritos, o Ministério Público só terá interesse em agir como substituto processual quando cumprido o requisito do interesse social.

Porém, o que vem a ser interesse ou relevância social?

Trata-se de questão tormentosa que, a nosso sentir, possui conceituação extra-jurídica, abeberando-se de definições políticas e sociológicas.

Para Rodolfo de Camargo Mancuso:

"Interesse social é o interesse que consulta à maioria da sociedade civil: o interesse que reflete o que esta sociedade entende por ‘bem comum’; o anseio de proteção à res publica; a tutela daqueles valores e bens mais elevados, os quais essa sociedade, espontaneamente, escolheu como sendo os mais relevantes." [17]

Sem nos estendermos demasiadamente, posto que o problema é digno de ser objeto de monografia, poder-se-ia dizer que o interesse social é aquele inerente ao corpo social – em seus anseios e vacilações – bem como a cada sujeito, individualmente considerado, na busca do Bem Comum em determinada época e em determinada sociedade.

Fixa-se, destarte, que o interesse social alcança, em sua conceituação, a finalidade da conduta humana, individual ou coletivamente considerada, ao auferimento do Bem Comum, analisada indutivamente.

Frise-se, lado outro, que, uma vez acolhida a Teoria dos Interesses[18] em substituição à do Consentimento, há de haver identificação entre os interesses do grupo com os interesses sociais para que possa, cumpridos os requisitos da ação, o Ministério Público deflagrar a demanda.

Em compêndio, resta fixado que somente será lícita a propositura de demandas pelo Ministério Público na defesa de consumidores se e quando existir relevância social sobre o interesse a ser protegido por aquela Instituição.

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Sobre o autor
Renato Franco de Almeida

promotor de Justiça em Governador Valadares (MG), pós-graduado em Direito Público, professor da Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (FADIVALE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Renato Franco. O Ministério Público, o Codecon e a inversão do ônus da prova.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -488, 1 mar. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2754. Acesso em: 19 abr. 2024.

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