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Biodireito como liberdade científica no desenvolvimento da clonagem humana

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01/03/2002 às 00:00
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8. Visão Legal da Clonagem Humana

Até então, discorreu-se sobre os aspectos biológicos das técnicas de reprodução humana e suas implicações éticas. Tudo isso, com o objetivo de esclarecer algumas noções.

Neste momento serão examinadas algumas questões intrigantes sobre as novas técnicas de reprodução humana. É bem de ver que não se tem a pretensão de esgotar tema tão vasto e complexo. Mas colocar alguns problemas, sempre balizados pelos princípios constitucionais.

Na França, tem-se assentado que só se considera vida humana depois de 14 dias da fecundação, por ser esse tempo a época aproximada do surgimento do tecido nervoso. Contudo, esse critério não parece aceitável, pois logicamente um ser não-humano, não se pode tornar ser humano, da noite para o dia. Aceita-se, pois, que assim que as duas células sexuais se unem, formando uma só célula, tem surgimento um ser humano, pelo menos em potencial.

Além da proteção constitucional da vida humana, estabelecida no art. 5º, o ordenamento jurídico brasileiro ainda cuida, no plano infraconstitucional, da proteção do nascituro, ou seja, o ser humano que ainda não chegou a nascer. É o que estabelece, de forma clara e objetiva, o Código Civil, no art. 4º, que dispõe: "A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro".

A Constituição Federal de 1988 fundamenta-se em princípios e valores essenciais à vida do homem, distinguindo-se, por excelência, o bem estar e a dignidade da pessoa humana.


9. Conclusão

A clonagem humana está sujeita a todas as observações éticas e jurídicas que o condenaram amplamente. É uma manipulação radical da procriação humana, tanto no seu aspecto biológico como na sua dimensão propriamente pessoal. De fato, a clonagem humana tenderia a tornar a bissexualidade um mero resíduo funcional. Põe-se, deste modo, em ação todas as técnicas que foram experimentadas na zootecnia, reduzindo o significado específico da reprodução humana.

É nesta perspectiva que se enquadra à lógica da produção industrial: dever-se-á explorar e favorecer a pesquisa de mercado, aperfeiçoar a experimentação, produzir modelos sempre novos.

Verifica-se uma radical instrumentalização da mulher, que fica limitada a algumas das suas funções puramente biológicas (empréstimo de óvulos e do útero), estando já em perspectiva a investigação para tornar possível construir úteros artificiais, o derradeiro passo para a fabricação, em laboratório, do ser humano.

No processo de clonagem, ficam pervertidas as relações fundamentais da pessoa humana: a filiação, a consangüinidade, o parentesco, a progenitura. Uma mulher pode ser irmã-gêmea de sua mãe, faltar-lhe o pai biológico e ser filha do seu avô. Produzindo uma confusão no parentesco, onde, verifica-se a ruptura radical de tais vínculos.

Cultiva-se a idéia segundo a qual alguns homens podem ter um domínio total sobre a existência dos outros, a ponto de programarem a sua identidade biológica. Esta concepção seletiva do homem provocará uma grave quebra cultural, inclusivamente fora da prática da clonagem, porque fará aumentar a convicção de que o valor do homem e da mulher não depende da sua identidade pessoal, mas apenas daquelas qualidades biológicas que podem ser apreciadas e, por isso, selecionadas.

Tal experimentação é, em qualquer circunstância, imoral pelo intuito arbitrário de reduzir o corpo humano a puro instrumento de investigação. O corpo humano é elemento integrante da dignidade e identidade pessoal de cada um, e é ilícito usar a mulher como fornecedora de óvulos, para sobre eles praticar experiências de clonagem.

Há que sublinhar, uma vez mais, a diferença que existe entre a concepção da vida como dom de amor e a visão do ser humano considerado como um produto industrial.

Suspender o projeto da clonagem humana é um compromisso moral que se deve saber traduzir em termos culturais, sociais e legislativos. Com efeito, o progresso da investigação científica não se identifica com o despotismo científico emergente, que hoje parece tomar o lugar das antigas ideologias. Num regime democrático e pluralista, a primeira garantia da liberdade de cada um concretiza-se no respeito incondicional da dignidade do homem, em todas as fases da sua vida e independentemente dos dotes intelectuais ou físicos de que goza ou está privado. Na clonagem humana, acaba por cair à condição necessária para toda e qualquer convivência: a de tratar o homem sempre e em qualquer situação como fim, como valor, e nunca como puro meio ou simples objeto.


10.Notas

1. DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico.

2. Art. 5º, IX da CF/88 – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, cientifica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.

3. SÁ, Maria de Fátima Freire de. Biodireito e direito ao próprio corpo: doação de órgãos, incluuindo o estudo da lei n. 9.434/97. Belo Horizonte : Del Rey, 2000. p.28.

4. DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. 11.ed., Rio de Janeiro : Forense, 1989, v.III, p.84.

5. BOSON, Gerson de Britto Mello. Filosofia do direito. 2.ed., Belo Horizonte : Del Rey, 1996, p.280.

6. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito: introdução a ciência do direito – Temas. Trad. Moisés Nilve. 15.ed., Buenos Aires : Universitária de Buenos Aires, 1977, p.140.

7. A reprodução assistida consiste em um conjunto de operações para unir, de maneira artificial, os gametas feminino e masculino, dando origem a um ser humano.

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8. DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo : Saraiva, 2001. p.402.

9. DINIZ, Maria Helena, Op. cit. p.403.

10. DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo : Saraiva, 2001. p.455.

11. DINIZ, Maria Helena, Op. cit. p. 417-18.

12. DINIZ, Maria Helena, Op. cit. p. 418.

13. Discurso proferido pelo presidente do STJ na abertura do Seminário sobre Clonagem. Obtido via Internet: https://www.sitedoadvogado.com.br 28/11/2001. 23:53h.

14. LEITE, Paulo Costa. Clonagem Humana. Obtida via Internet: https://www.sitedoadvogado.com.br 28/11/2001. 23:53h


11. Bibliografia

BOSON, Gerson de Britto Mello. Filosofia do direito. 2.ed., Belo Horizonte : Del Rey, 1996.

CARLUCCI, Nina Valéria. Biotecnologia e bioética. Obtida via Internet: <https://jus.com.br/artigos/1842/biotecnologia-e-bioetica>. 06/12/2001. 21:15h.

DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. 11.ed., Rio de Janeiro : Forense, 1989.

DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. São Paulo : Saraiva, 1998.

O estado atual do biodireito. São Paulo : Saraiva, 2001.

GONÇALVES, Wilson José. Lições de introdução ao estudo do direito. V.1. Campo Grande: Ed. UCDB, 2001.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito: introdução a ciência do direito – Temas. Trad. Moisés Nilve. 15.ed., Buenos Aires : Universitária de Buenos Aires, 1977.

LEITE, Paulo Costa. Clonagem Humana. Obtida via Internet: https://www.sitedoadvogado.com.br 28/11/2001. 23:53h

OMMATI, José Emílio Medauar. As novas técnicas de reprodução humana à luz dos princípios constitucionais. Obtida via Internet: <https://jus.com.br/artigos/1854/as-novas-tecnicas-de-reproducao-humana-a-luz-dos-principios-constitucionais> 06/12/2001. 20:50h.

SÁ, Maria de Fátima Freire de. Biodireito e direito ao próprio corpo: doação de órgãos, incluindo o estudo da lei n. 9.434/97. Belo Horizonte : Del Rey, 2000.

SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Patrimônio genético não humano. Obtida via Internet: https://www.uj.com.br 06/12/2001. 20:33h.

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Sobre o autor
Alexsander Niedack Alves

acadêmico do PIBIC/CNPq

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Alexsander Niedack. Biodireito como liberdade científica no desenvolvimento da clonagem humana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -488, 1 mar. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2788. Acesso em: 2 mai. 2024.

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