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A questão da interpretação das leis

23/12/1998 às 00:00
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A função primordial do Estado moderno é a pacificação social, possibilitando a convivência harmônica entre os homens, atribuindo-se a si a exclusividade na solução dos conflitos de interesses, como tentativa de realização de Justiça através de um sistema de normas imperativo-atributivas.

Dessa forma, realça sobremaneira a atividade dos juízes, órgãos estatais incumbidos do exercício da jurisdição, uma vez que toda norma a ser por eles aplicadas ao caso concreto, dirimindo as lides, é passível de interpretação.

Logo de início, declara-se ser inaplicável o brocardo "in claris cessat interpretatio", uma vez que tanto as leis reputadas claras quanto as dúbias comportam interpretação, como bem ressaltou Maria Helena Diniz.

Ao buscarmos o significado etimológico da palavra interpretar, iremos encontrar, segundo o dicionário Aurélio, "ajuizar a intenção, o sentido de", e ainda, "explicar, explanar ou aclarar o sentido de (palavra, texto, lei)". Na vida jurídica, interpretar é confrontar o texto frio da lei com os fatos e litígios a que tem de ser aplicada , e, para este fim, a investigação do exato sentido do mesmo texto, isto nas palavras de Cunha Gonçalves, Ou, ainda, revelar o pensamento que anima as palavras da lei, como quer Clóvis Beviláqua.. Do estudo sistemático da interpretação cuida a Hermenêutica jurídica.

A bem da verdade, a ciência do direito não pode prescindir de eficazes métodos de interpretação da lei, como pressupostos de sua justa e perfeita aplicação, lembrando que interpretar e aplicar são tarefas distintas, uma vez que a segunda pressupõe o conhecimento do sentido e alcance da norma jurídica (portanto, prévia interpretação).

A princípio, acreditou-se que, para interpretar a lei, antes de mais nada, era necessário perquirir a vontade do legislador, daí por que o uso no Direito Romano da interpretação unicamente literal. Essa escola exegética cedeu espaço em virtude da própria dinâmica dos fatos sociais que reagem sobre o direito, bem como da evolução dos institutos, que exigiram a flexibilidade e o alcance que hoje nos ministram seus intérpretes.

A lei, como fonte principal do direito, aquiesce com vários sentidos e, vigorando indefinidamente, acena com a possibilidade de ter mais de uma interpretação ao longo dos tempos, desde que seja esta a cada tempo racional e visando unicamente o bem comum. Tal pensamento contribuiu para uma nova orientação na interpretação das normas, surgindo então a escola teleológica ou finalista.

Em sede de interpretação das leis, podemos dividir a matéria quanto aos órgãos de que emana, quanto à maneira, e quanto ao resultado ou efeito.

Em relação aos primeiros, temos que a interpretação é autêntica quando emanada do próprio legislador. Assim, se o legislador a interpreta no próprio corpo da lei, tem-se a interpretação contextual e, se assim não o faz, temos a interpretação posterior. Pode ser ainda judicial quando feita por juízes ou tribunais, distinguindo-se da anterior (autêntica) por não ter caráter obrigatório. Tem-se ainda a doutrinária ou doutrinal, caracterizando-se por seu imenso prestígio, uma vez que realizada por escritores, jurisconsultos e estudiosos da matéria.

Quanto à maneira (ou técnica, processo, método, etc.), há diversas classificações que, entretanto, podem ser resumidas aos seguintes meios: gramatical (ou literal), lógico (ou científico), sistemático e histórico.

O método gramatical consiste na apuração da significação exata das palavras e da linguagem, utilizando os elementos puramente verbais, analisando-as individualmente e na sintaxe. Enfim, completa-se com a análise do texto.

Já o lógico (ou científico, como querem alguns doutrinadores) insere o intérprete nos meandros da mecânica social, na história da formação da lei e da evolução do direito, identificando-se com o espírito do legislador que a elaborou. Busca atingir o sentido e alcance da norma. É, como disse Ihering, "procurar o pensamento da lei na alma do seu autor, passando por cima das palavras".

A interpretação de maneira sistemática analisa a lei atendo-se ao fato de que o direito é organizado em princípios informadores e hierárquicos, que subordinam as leis em um conjunto harmônico. Portanto, para que sejam as leis por esse modo interpretadas, há que se examinar a sua relação com as demais leis que integram o ordenamento jurídico.

Por fim, o método histórico, onde a interpretação é feita através da perspectiva histórica da formação da lei, desde seu projeto, justificativa, exposição de motivos, emendas, aprovação e promulgação, assimilando-se os anseios da sociedade à época de sua criação e, ainda, sua evolução através do tempo para, por fim, chegar a uma justa aplicabilidade da norma. É hoje destituído de valor científico, como assinala Caio Mário da Silva Pereira, concordando com Kohler para quem, na interpretação, os trabalhos preparatórios e a discussão parlamentar são destituídos de valor, servindo apenas para indicar as condições históricas do povo e os impulsos, que determinaram a criação da lei, como remédio para atender as necessidades do momento.

Ressalte-se que alguns autores não aceitam tal classificação, acrescentando outros tópicos (comparativo, sociológico, teleológico) ou resumindo-os ou, ainda, fundindo-os.

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Interessante acrescentar que tais processos interpretativos não se excluem, mas, ao contrário, completam-se em um processo mental para atingir um resultado final de interpretação mais seguro e que se aproxime da justiça real

Quanto ao resultado, a interpretação divide-se em declarativa, ampliativa (ou extensiva) e restritiva, embora alguns não admitam essa divisão, ao argumento de que toda interpretação é declarativa, não podendo ampliar ou restringir o conteúdo da lei.

É declarativa, como induz o próprio nome, quando da interpretação da lei redunda o exato sentido que contém suas palavras, não acrescentando ou limitando os casos que não estão incluídos em seu sentido literal, o que resultaria numa interpretação ampliativa ou limitativa, respectivamente.

Enfim, esta são nossas breves considerações sobre o assunto, de fundamental importância aos estudiosos do Direito, remetendo os interessados para a doutrina para maior aprofundamento no tema.

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Sobre o autor
Paulo A. Soares de Carvalho

advogado em João Pessoa (PB)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Paulo A. Soares. A questão da interpretação das leis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28. Acesso em: 21 nov. 2024.

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