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O instituto da recuperação judicial e seus reflexos na recuperabilidade dos créditos originários de multas por infração à legislação trabalhista

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O crédito cobrado na execução fiscal trabalhista é decorrente de multas por infração à legislação protetiva do trabalhador. Se o Juízo trabalhista decide pela suspensão da execução ou pela emissão de certidão para habilitação na recuperação judicial, estará beneficiando empregadores infratores com a ineficácia das multas aplicadas, já que dificilmente os valores correspondentes serão arrecadados no âmbito da recuperação judicial.

1. Introdução

O instituto da recuperação judicial, introduzido pela Lei nº 11.101/2005 (Nova Lei de Falências), veio substituir a Concordata Suspensiva e Preventiva prevista na legislação anterior (Decreto-Lei nº 7.661/1945). Tal procedimento traduz-se no meio pelo qual o empresário, sem encerrar suas atividades, busca a estabilização das finanças de seu empreendimento.

No entanto, por se tratar de um instituto novo, sua utilização pelos empresários tem sido desviada, causando prejuízos aos respectivos credores, especialmente ao credor público, cujos créditos possuem privilégios que não estão sendo observados.

A cobrança judicial da multa por infração à Legislação Trabalhista, em razão da mudança recente da respectiva competência para processar e julgar (EC 45/2004), tem sido uma das mais prejudicadas com a utilização indevida da recuperação judicial por parte de algumas grandes empresas.

Desta feita, esclarecer os diversos aspectos que envolvem o assunto e trazer à discussão tão relevante tema são os objetivos do presente estudo.


2. Cobrança da Multa por Infração à Legislação Trabalhista

Consoante dispõe o art. 642 da CLT, a cobrança judicial das multas impostas pelas autoridades administrativas do trabalho obedecerá ao disposto na legislação aplicável à cobrança da Dívida Ativa da União.

Extrai-se, pois, que, após a aplicação das multas trabalhistas pelas autoridades competentes, caso não sejam elas quitadas, seus valores serão encaminhados para inscrição em Dívida Ativa da União, a qual será apurada e inscrita na Procuradoria da Fazenda Nacional, consoante prevê o art. 2º, § 4º, da Lei nº 6.830/1980 (Lei de Execuções Fiscais).

Assim, a Procuradoria da Fazenda Nacional irá inscrever a multa trabalhista em Dívida Ativa da União, obedecendo aos requisitos elencados nos parágrafos do art. 2º da Lei nº 6.830/1980 e, posteriormente, promoverá sua cobrança judicial por meio da execução fiscal.


3. Execução Fiscal da Multa Trabalhista

3.1. Conceito de Execução Fiscal

A execução fiscal é a ação por meio da qual é realizada a cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias. A regulamentação de tal cobrança tem previsão na Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, chamada de Lei de Execuções Fiscais – LEF.

Como dito acima, a multa trabalhista será inscrita em Dívida Ativa da União, conforme dispõe o art. 642 da CLT, sendo que, após tal inscrição, sua cobrança judicial dar-se-á por meio da ação de execução fiscal regulamentada pela Lei nº 6.830/1980, que em seu art. 1º dispõe o seguinte: “A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.”

Percebe-se, pois, que, embora as multas trabalhistas estejam previstas na CLT, outro diploma legal é utilizado na sua cobrança: a Lei de Execuções Fiscais.

3.2. Objeto

Como salientado, a execução fiscal tem por objeto a cobrança da Dívida Ativa da Fazenda Pública que, segundo o art. 3º da Lei nº 6.830/1980, é aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320/1964, mais especificamente no § 2º do art. 39, confira-se:

Art. 39. [...]

§ 2º - Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, alugueis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de subrogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais. (Incluído pelo Decreto Lei nº 1.735, de 20.12.1979). [sem grifos no original].

Diante da redação do § 2º do art. 39 da Lei nº 4.320/1964, fica claro que a multa trabalhista enquadra-se na espécie Dívida Ativa não Tributária, caracterizando-se, pois, como objeto da execução fiscal.

3.2.1. Crédito Fiscal

Considerando que a lei que regulamenta a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública denomina a respectiva ação como sendo execução fiscal e diante do fato do crédito tributário e não tributário compor a referida Dívida Ativa (art. 2º da Lei nº 6.830/1980), resta nítido que o termo fiscal engloba tanto o crédito tributário (originário de tributos) e também o não tributário (de outras origens).

Além disso, a Lei nº 4.320/1964, ao mencionar o termo crédito fiscal, dá a entender que este é composto de impostos e de quaisquer outras rendas com vencimento determinado em lei, confira-se a redação dos artigos 52 e 53 da citada lei:

Art. 52. São objeto de lançamento os impostos diretos e quaisquer outras rendas com vencimento determinado em lei, regulamento ou contrato.

Art. 53. O lançamento da receita, o ato da repartição competente, que verifica a procedência do crédito fiscal e a pessoa que lhe é devedora e inscreve o débito desta.

Cumpre lembrar, ainda que a Lei nº 8.397/1992 que instituiu a Medida Cautelar Fiscal menciona em seu art. 2º1 que tal ação poderá ser intentada contra o devedor de crédito tributário ou não tributário.

Ante todas essas considerações e fundamentos, infere-se que tanto os créditos tributários como os não tributários (como a multa trabalhista, por exemplo) podem ser chamados de créditos fiscais.

3.3. Competência para o processamento da execução fiscal da multa trabalhista

A Emenda Constitucional nº 45/2004, que tratou da Reforma do Judiciário, alargou sobremaneira a competência da Justiça do Trabalho, que atualmente está enumerada em nove incisos do art. 114 da CF/88.

Uma das inovações trazidas pela EC nº 45/2004 foi a modificação da competência para processar e julgar as ações relativas às multas trabalhistas, que deixou de ser da Justiça Federal Comum e passou para a Justiça do Trabalho, confira-se a redação do art. 114, VII, da CF/88:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

[...]

VII as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

Importante lembrar que o dispositivo acima transcrito refere-se a ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho, ou seja, foi atribuída à Justiça do Trabalho a competência para processar e julgar tanto a ação destinada a anular a penalidade imposta como a ação de cobrança da multa trabalhista, no caso, a execução fiscal. No entanto, o presente artigo refere-se somente ao estudo desta última.

Desta feita, a partir de 31 de dezembro de 2004 (data de publicação da EC nº 45), todas as execuções fiscais que cobram multas trabalhistas passaram a ser ajuizadas perante a Justiça do Trabalho, em razão de sua competência absoluta para tanto.

Com relação às execuções já ajuizadas na Justiça Federal ou na Justiça Estadual (nas comarcas que não possuíam varas federais), o Superior Tribunal de Justiça, por razões de política judiciária, firmou entendimento no sentido de que somente devem ser remetidas para a Justiça do Trabalho aquelas execuções que ainda não possuíam sentença de mérito proferida em primeira instância. Nesse sentido, vale transcrever a ementa do seguinte acórdão:

PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. MULTAS ADMINISTRATIVAS IMPOSTAS A EMPREGADORES POR ÓRGÃOS DE FISCALIZAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO. EC N. 45/2004. ART. 114, INC. VII, DA CF/88. SENTENÇA DE MÉRITO PROFERIDA NOS EMBARGOS À EXECUÇÃO ANTES DO ADVENTO DA EC N. 45/04. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

1. Nos termos do art. 114, VII, da CF/88, com a redação dada pela EC 45, de 31.12.2004, o julgamento das ações que visam à cobrança de valores relativos a penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho insere-se na esfera da competência da Justiça do Trabalho.

2. O marco temporal da alteração da competência da Justiça Trabalhista é o advento da EC n. 45/2004, estabelecendo o alcance desse texto constitucional às hipóteses em que esteja pendente o julgamento do mérito da causa.

3. No caso, houve sentença de mérito nos embargos à execução, tendo sido absolutamente incorreta a remessa dos autos à Justiça do Trabalho para fins de processamento e julgamento da apelação.

4. Conflito conhecido para declarar a competência do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, o suscitado. [STJ, 2008].

Conclui-se, pois, que a competência para processar e julgar as execuções fiscais de multas trabalhistas, a partir da EC 45/2004, é da Justiça do Trabalho, sendo que as ações ajuizadas antes da publicação da referida emenda somente serão remetidas para a Justiça do Trabalho se não tiverem decisão de mérito proferida.

3.4. Legitimidade Ativa

A fiscalização do cumprimento da legislação trabalhista cabe ao Ministério do Trabalho e Emprego, órgão que compõe a Administração Pública Federal. Constata-se, pois, que a cobrança dos créditos originários de multas trabalhistas ficará a cargo da Fazenda Pública da União.

A União, por sua vez, será representada no pólo ativo da execução fiscal pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, nos precisos termos do art. 12, V da Lei Complementar nº 73/93, in verbis:

Art. 12 - À Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, órgão administrativamente subordinado ao titular do Ministério da Fazenda, compete especialmente:

[...]

V - representar a União nas causas de natureza fiscal.

Verifica-se, assim, que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional é a legitimada para representar a União nas causas de natureza fiscal e, como salientado no item 3.2.1, a multa trabalhista, após ser inscrita em Dívida Ativa da Fazenda Pública, é considerada crédito de natureza fiscal, devendo, portanto ser cobrada pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

Além disso, vale destacar que, com a edição da Lei nº 11.457/2007, veio a confirmação de que cabe à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional executar as multas trabalhistas inscritas em Dívida Ativa, ex vi a redação do respectivo art. 23:

Art. 23. Compete à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a representação judicial na cobrança de créditos de qualquer natureza inscritos em Dívida Ativa da União. [sem grifos no original].

Extrai-se, pois, que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional é a legitimada para ajuizar a execução fiscal da multa trabalhista inscrita em Dívida Ativa da União, nos termos do art. 12, V, da Lei Complementar nº 73/93 e do art. 23 da Lei nº 11.457/2007.

3.5. Legitimidade Passiva

De forma geral, quem figura no pólo passivo da execução fiscal trabalhista é o empregador autuado por infração às normas da CLT. No entanto, consoante dispõe o art. 4º da Lei nº 6.830/1980, a execução fiscal pode ser intentada em desfavor dos sucessores a qualquer título, bem como dos responsáveis nos termos da lei.


4. Da Recuperação Judicial

4.1. Considerações Gerais

Em 09 de fevereiro de 2005, foi publicada a nova Lei de Falências (Lei nº 11.101). Referido diploma, além de trazer mudanças para o processo falimentar, apresentou o instituto da recuperação judicial.

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Na verdade, a recuperação judicial, meio pelo qual o empresário pode buscar a estabilização das finanças do seu estabelecimento comercial, veio em substituição à concordata prevista na legislação anterior (Decreto-Lei nº 7.661/1945).

Sobre a substituição da concordata pela recuperação judicial, vale transcrever o entendimento de Celso Macedo de Oliveira, esposado na obra Comentários à Nova Lei de Falências, ipsis litteris:

Na Lei n 11.101/2005, de 09 de fevereiro de 2005, temos a figura jurídica da recuperação judicial como um novo tipo de ação judicial que pode ser proposta pelo empresário em estado de dificuldade econômico-financeira. Esse procedimento vem em substituição à Concordata Suspensiva e Preventiva contida na legislação anterior. [OLIVEIRA, 2005, p. 82]

No mesmo sentido, Marcelo. M. Bertoldi, in Curso Avançado de Direito Comercial, in verbis:

Em substituição ao regime da concordata, previsto na lei revogada, a LRE apresenta a possibilidade de o empresário buscar seu reequilíbrio financeiro e econômico por meio da implementação de uma série de procedimentos que compreenderão a interferência de um administrador judicial e a participação dos credores na administração do empreendimento. [BERTOLDI, 2008, p. 472]

Como se vê, trata-se a recuperação judicial de instituto novo, inserido no ordenamento jurídico pela Lei nº 11.101/2005 para substituir a concordata.

4.2. Objetivos da Recuperação Judicial

De acordo com o art. 47 da Lei nº 11.101/2005, a recuperação judicial tem por objetivo a estabilização econômico-financeira do devedor, no intuito de preservar a empresa, os empregos e os interesses dos credores, confira-se:

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Extrai-se do dispositivo acima que a recuperação judicial seria uma forma de se preservar a empresa, sua função social e estimular à atividade econômica. No entanto, nem todas as empresas são passíveis de recuperação, exatamente por não estarem cumprindo sua função social ou ainda por não serem viáveis administrativa e economicamente.

Sobre o assunto, vale transcrever as considerações de Fábio Ulhoa Coelho, na obra Comentários à Lei de Falências e de recuperação de empresas, in verbis:

Nem toda falência é um mal. Algumas empresas, porque são tecnologicamente atrasadas, descapitalizadas ou possuem organização administrativa precária, devem mesmo ser encerradas. Para o bem da economia como um todo, os recursos – materiais, financeiros e humanos – empregados nessa atividade devem ser realocados para que tenham otimizada a capacidade de produzir riqueza. Assim, a recuperação da empresa não deve ser vista como um valor jurídico a ser buscado a qualquer custo. Pelo contrário, as más empresas devem falir para que as boas não se prejudiquem. Quando o aparato estatal é utilizado para garantir a permanência de empresas insolventes inviáveis, opera-se uma inversão inaceitável: o risco da atividade empresarial transfere-se do empresário para os seus credores. [COELHO, 2011, p. 173].

Nem toda empresa merece ou deve ser recuperada. A reorganização de atividades econômicas é custosa. Alguém há de pagar pela recuperação, seja na forma de investimentos no negócio em crise, seja na de perdas parciais ou totais de crédito. Em última análise, como os principais agentes econômicos acabam repassando aos seus respectivos preços as taxas de riscos associados à recuperação judicial ou extrajudicial do devedor, o ônus da reorganização das empresas no Brasil recai na sociedade brasileira como um todo. O crédito bancário e os produtos e servi;os oferecidos e consumidos ficam mais caros porque parte dos juros e preços se destina a socializar os efeitos da recuperação das empresas.

[...]

Mas se é a sociedade brasileira como um todo que arca, em última instância, com os custos da recuperação de empresas, é necessário que o Judiciário seja criterioso ao definir quais merecem ser recuperadas. Não se pode erigir a recuperação de empresas um valor absoluto. Não é qualquer empresa que deve ser salva a qualquer custo. Em muitos casos – eu diria, na expressiva maioria deles – se a crise não encontrou uma solução de mercado, o melhor para todos é a falência, com a realocação em outras atividades econômicas produtivas dos recursos materiais e humanos anteriormente empregados na da falida.

Em outros termos, somente as empresas viáveis devem ser objeto de recuperação judicial ou extrajudicial. Para que se justifique o sacrifício da sociedade brasileira presente, em maior ou menor extensão, (página 188) em qualquer recuperação de empresa não derivada de solução de mercado, o devedor que a postula deve mostrar-se digno do benefício. Deve mostrar em outras palavras, que tem condições de devolver à sociedade brasileira, se e quando recuperada, pelo menos em parte o sacrifício feito para salvá-la. Essas condições agrupam-se no conceito de viabilidade da empresa, a ser aferida no decorrer do processo de recuperação judicial ou na homologação da recuperação extrajudicial. [COELHO, 2011, p. 186-187].

No dizer de Fábio Ulhoa Coelho, não é qualquer empresa que deve ser salva economicamente pela recuperação judicial, deverá o Judiciário ser criterioso ao definir quais empreendimentos merecem ser recuperados, para que se justifique o sacrifício da sociedade brasileira.

Entretanto, grande parte das empresas que pleiteiam a recuperação judicial o faz para se esquivar das execuções de seus credores; ganhar tempo; fazer um planejamento tributário etc.

Na verdade, tais empresas, há muito, já não estão exercendo sua função social, pois são sonegadoras de tributos, reincidentes em infrações à legislação trabalhista e estão no mercado concorrendo (de forma desleal) com empresas cumpridoras de suas obrigações.


5. Reflexos do Deferimento da Recuperação Judicial na Execução Fiscal Trabalhista

5.1. Da impossibilidade de suspensão da execução fiscal em razão do deferimento da recuperação judicial

Como dito alhures, a cobrança judicial da multa trabalhista (dívida não tributária) é realizada por meio da execução fiscal, interpretação dos artigos 1º e 2º da Lei nº 6.830/1980 (LEF). E, conforme expressamente prevê o § 7º do art. 6º da Lei nº 11.101/2005, as execuções fiscais não se suspendem pelo deferimento da recuperação judicial, in verbis:

Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.

(...)

§ 7o As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica.” [sem grifos no original].

Consoante se infere da redação do § 7º do art. 6º da Lei nº 11.101/05, somente a adesão da Executada a parcelamento tem o condão de suspender o trâmite das execuções de natureza fiscal.

Desta feita, a conclusão que se chega da interpretação dos dispositivos acima citados é que, caso a empresa recuperanda/executada não tenha parcelado o crédito de natureza fiscal, a respectiva execução prosseguirá sem qualquer óbice.

Em que pese a letra da lei ser clara quanto à impossibilidade de suspensão dos autos executivos, por acréscimo, vale trazer à colação julgado do E. Tribunal Superior do Trabalho que também partilha desse entendimento, in verbis:

RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO FISCAL. MULTA ADMINISTRATIVA. EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial. Exegese do artigo 6º, § 7º, da Lei nº 11.101/2005. Recurso de revista conhecido e provido. [sem grifos no original]. [TST, 2011]

Resta claro, assim, que, de acordo com a letra da lei e com a jurisprudência do E. Tribunal Superior do Trabalho, as execuções fiscais não se suspendem pelo deferimento da recuperação judicial.

5.2. Da impossibilidade de habilitação da Dívida Ativa da Fazenda Pública na Recuperação Judicial. Art. 29 da Lei nº 6.830/1980

Como esclarecido no tópico respectivo, na cobrança judicial da multa trabalhista, aplica-se a Lei nº 6.830/80, a qual prevê, em seu art. 29, que “a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, liquidação, inventário ou arrolamento” [sem grifos no original].

Em que pese o citado artigo não mencionar a recuperação judicial, é de se lembrar que o mesmo foi elaborado em 1980, quando o instituto da concordata ainda não havia sido substituído pelo da recuperação judicial. Tal substituição foi mais detidamente abordada no item 4.1.

Constata-se, pois, que a cobrança judicial da multa trabalhista (considerada Dívida da Fazenda Pública) não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em recuperação judicial.

5.3. Procedimento adotado pelos Juízos Trabalhistas nas execuções fiscais movidas em face de empresas em recuperação judicial

Considerando que o deferimento da recuperação judicial não tem o condão de suspender a execução fiscal e que a cobrança da Dívida da Fazenda Pública não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em recuperação judicial, o mais acertado é que as execuções fiscais que cobram multas trabalhistas tenham o seu regular prosseguimento.

Infelizmente, contudo, não tem sido esse o entendimento de diversos Juízos Trabalhistas que, no âmbito das execuções fiscais trabalhistas, sem considerar o disposto no art. 29 da Lei nº 6.830/80, ao tomar conhecimento da recuperação judicial da empresa executada, determinam a expedição de certidão de crédito para habilitação no juízo da recuperação.

Tal proceder do Juízo Trabalhista talvez se explique em razão da competência para processar e julgar as ações relativas às multas trabalhistas ter sido transferida para a Justiça do Trabalho há relativamente pouco tempo (EC nº 45/2004). Vale lembrar que, quando a competência para o processamento de tais ações estava com a Justiça Federal, tal não ocorria com tamanha frequência como a registrada na Justiça do Trabalho.

O processamento da execução fiscal trabalhista juntamente com as reclamatórias trabalhista pode ser outro fator que tenha contribuído para que os Juízos Trabalhistas procedam da mesma forma em uma e outra.

Destaca-se que a expedição de certidão de crédito para habilitação no juízo da recuperação, além de protelar a efetividade da execução fiscal, sobrecarrega o Judiciário com os inúmeros recursos decorrentes de tal agir.

Como já salientando linhas acima, nem sempre as empresas que pleiteiam a recuperação judicial são dignas de ter seu pedido deferido, o que demandaria uma avaliação mais criteriosa por parte do Poder Judiciário. No entanto, nem sempre essa avaliação é possível, tamanha sobrecarga de demandas.

Assim, caso alguma empresa sonegadora de tributos e infratora da legislação trabalhista tenha seu pedido de recuperação judicial deferido, não há razão para que as respectivas execuções fiscais sejam suspensas ou arquivadas em detrimento do crédito público cobrado e das demais empresas cumpridoras de suas obrigações tributárias e trabalhistas.

Diante desse quadro, uma possível solução para o caso seja a criação, no âmbito da Justiça Trabalhista, de varas especializadas em execução fiscal trabalhista.

5.4. Das disposições contidas na Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho

Na Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho foram previstos, na Subseção III que trata das Normas Procedimentais Referentes à Execução Contra Empresa em Recuperação Judicial, os procedimentos a serem adotados pelo magistrado quando do deferimento de recuperação judicial em favor da empresa executada.

É certo que há a previsão de expedição da certidão de habilitação de crédito no art. 70 da citada Consolidação, no entanto, tal dispositivo e os seguintes não obrigam a expedição da mencionada certidão, apenas estabelecem os procedimentos a serem adotados, caso se entenda pela expedição ou não da certidão, confira-se:

Art. 70. Deferida a recuperação judicial, caberá ao juiz do trabalho, que entender pela cessação da competência para prosseguimento da execução trabalhista , determinar a expedição de Certidão de Habilitação de Crédito para ser submetida à apreciação do administrador judicial (*Vide RE 583955/RJ, Relator Ministro Ricardo Lewandowski. Repercussão Geral. Acórdão divulgado no DJE de 27/08/2009 e publicado em 28/8/2009, reproduzido ao final do documento).

Parágrafo único.  Da Certidão de Habilitação de Crédito deverá constar:

I – nome do exequente, data da distribuição da reclamação trabalhista, da sentença condenatória e a de seu trânsito em julgado;

II – a especificação dos títulos e valores integrantes da sanção jurídica, das multas, dos encargos fiscais e sociais (imposto de renda e contribuição previdenciária), dos honorários advocatícios e periciais, se houver, e demais despesas processuais;

III – data da decisão homologatória dos cálculos e do seu trânsito em julgado (§ 3º do artigo 884 da CLT);

IV – o nome do advogado que o exequente tiver constituído, seu endereço, para eventual intimação, e número de telefone a fim de facilitar possível contato direto pelo administrador judicial.

Art. 71. Expedida a Certidão de Habilitação de Crédito, os juízes do trabalho deverão se abster de encaminhar diretamente às secretarias dos juízes de direito ou dos juízes das varas especializadas em recuperações judiciais e falências ou mesmo ao administrador judicial os autos das execuções trabalhistas e/ou Certidões de Créditos Trabalhistas.

Art. 72. Os juízes do trabalho manterão em seus arquivos os autos das execuções trabalhistas que tenham sido suspensas em decorrência do deferimento da recuperação judicial, de modo que, com o seu encerramento ou com o encerramento da quebra em que ela tenha sido convolada (artigo 156 e seguintes da Lei nº 11.101/2005), seja retomado o seu prosseguimento, para cobrança dos créditos que não tenham sido totalmente satisfeitos.

Art. 73. O juiz do trabalho contrário à cessação da competência para prosseguimento da execução trabalhista contra a empresa recuperanda, deverá proferir decisão fundamentada, da qual dará ciência aos juízes de direito das comarcas ou aos juízes das varas especializadas, que tenham deferido o pedido de recuperação judicial, para adoção de medida judicial pertinente.

Art. 74. As disposições desta Subseção não se aplicam no caso de o juiz do trabalho determinar o direcionamento da execução contra sócio ou sócios da empresa, na esteira da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, ou determinar o seu direcionamento à empresa que integre grupo econômico do qual faça parte a empresa recuperanda. [sem grifos no original].

Como esclarecido no tópico anterior, em face do disposto no § 7º do art. 6º da Lei nº 11.101/2005 e no art. 29 da Lei nº 6.830/1980, não há como o Juiz do Trabalho, no âmbito de uma execução fiscal de multa trabalhista, entender pela expedição da certidão, devendo, pois, proceder de acordo com o estabelecido no art. 73 da Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho.

5.5. Do prosseguimento das Execuções Fiscais que cobram multas trabalhistas das empresas recuperandas

Vale lembrar, por oportuno, que, mesmo estando a empresa em recuperação judicial, há sempre a possibilidade da exequente pleitear o redirecionamento da execução fiscal da multa trabalhista para os respectivos sócios gerentes, ou, ainda, requerer a caracterização de grupo econômico, como será demonstrado a seguir.

Sabe-se que quem figura no pólo passivo da execução fiscal da multa trabalhista é o empregador autuado por infração às normas da CLT, que, na imensa maioria das vezes, trata-se de pessoa jurídica.

No entanto, há situações em que a cobrança judicial da multa trabalhista também poderá ser dirigida contra os administradores da respectiva empresa, ou seja, a execução fiscal será redirecionada para tais pessoas físicas.

O referido redirecionamento poderá se dar em razão: a) da aplicação do art. 135, III, do CTN c/c o inciso V e § 2º do art. 4º da Lei nº 6.830/80; b) do encerramento irregular da empresa, aplicação da Súmula 435 do STJ; c) da aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do Código Civil).

Além disso, é possível que seja declarada, no âmbito da execução fiscal trabalhista, a solidariedade das empresas que pertençam ao mesmo grupo econômico, consoante estabelece o art. 124, incisos I e II, do CTN c/c §2º do art. 4º da Lei nº 6.830/1980 e art. 50 do CC.

Neste ponto, cumpre destacar que a Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho faz expressa previsão no sentido de que as disposições referentes Subseção III, que trata das Normas Procedimentais Referentes à Execução Contra Empresa em Recuperação Judicial (comentadas no tópico anterior), não se aplicam caso o juiz do trabalho determinar o redirecionamento da execução fiscal ou a caracterização de grupo econômico, veja-se:

Art. 74. As disposições desta Subseção não se aplicam no caso de o juiz do trabalho determinar o direcionamento da execução contra sócio ou sócios da empresa, na esteira da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, ou determinar o seu direcionamento à empresa que integre grupo econômico do qual faça parte a empresa recuperanda.

Vê-se, pois, que a execução fiscal da multa trabalhista, seja em razão dos diversos dispositivos legais que a preservam (§ 7º do art. 6º da Lei nº 11.101/2005 e no art. 29 da Lei nº 6.830/1980), seja em virtude da relevância do crédito que cobra, não deve ser suspensa ou arquivada, devendo prosseguir pelos inúmeros meios que ainda lhe garantam a efetividade.

5.6. Emissão de certidão para habilitação no Juízo da recuperação judicial que afronta a competência estabelecida pela Emenda Constitucional nº 45

Como salientado anteriormente, a Emenda Constitucional nº 45/2004, que tratou da Reforma do Judiciário, alargou a competência da Justiça do Trabalho, sendo que uma das inovações que trouxe foi a modificação da competência para processar e julgar as ações relativas às multas trabalhistas, que deixou de ser da Justiça Federal Comum e passou para a Justiça do Trabalho.

A ampliação da competência da Justiça do Trabalho teve como finalidade proporcionar uma melhor especificidade na prestação jurisdicional, submetendo as causas de natureza trabalhista à justiça especializada para tanto.

Ora, se a cobrança refere-se às penalidades previstas na CLT que se originam do descumprimento das normas trabalhistas, há que se reconhecer que o Juízo do Trabalho é a seara mais adequada para se examinar a correta atuação por parte dos Auditores Fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego.

Tentar subverter tal competência, levando a cobrança judicial da multa trabalhista para outro âmbito é ir contra a finalidade do legislador constitucional.

Infere-se, assim, que além do Juízo Trabalhista ser o competente para a cobrança da penalidade imposta aos empregadores (art. 114, inciso VII, da CF) também é o mais adequado em razão da matéria tratada.

Desta feita, considerando que o disposto no art. 6º, §7º, da Lei nº 11.101/2005 e no art. 29 da Lei nº 6.830/80 impede a suspensão das execuções fiscais em razão do deferimento da recuperação judicial e também a habilitação dos créditos respectivos naquela ação, os Juízos Trabalhistas não poderiam se furtar ao relevante papel que a EC nº 45/2004 lhes atribuiu, qual seja, de julgadores daqueles que, de forma contumaz, atropelam as normas trabalhistas.


6. Conclusões

Tendo em conta que o § 7º do art. 6º da Lei nº 11.101/2005 permite o prosseguimento da execução fiscal movida em desfavor de empresa que teve pedido de recuperação judicial deferido, não há razão para que o Juízo Trabalhista não exerça a sua competência constitucional de processar e julgar as execuções fiscais que cobram as multas trabalhistas impostas aos empregadores.

De igual modo, considerando que o art. 29 da Lei nº 6.830/80 expressamente prevê a impossibilidade de habilitação da Dívida Ativa da Fazenda Pública em falência e concordata (atualmente substituída pela recuperação judicial), não há como admitir a expedição de certidão no âmbito das execuções fiscais que cobram multas trabalhistas para habilitação na recuperação judicial.

Insta destacar que o crédito cobrado na execução fiscal trabalhista é decorrente de multas por infração à legislação protetiva do trabalhador. Assim, se o Juízo trabalhista decide pela suspensão da execução ou pela emissão de certidão para habilitação na recuperação judicial, estará beneficiando empregadores infratores com a ineficácia das multas aplicadas, já que dificilmente os valores correspondentes serão arrecadados no âmbito da recuperação judicial.

O trabalhador será lesado em seus direitos e a empresa infratora será beneficiada com uma anistia velada, sempre lembrando que a maioria das empresas que se socorrem da recuperação judicial são aquelas que não mereciam tal benesse, uma vez que se tratam de contumazes sonegadoras de tributos e violadoras dos direitos dos trabalhadores.

Diante desse quadro, tanto a Justiça do Trabalho (no processamento e julgamento das execuções fiscais trabalhistas) quanto o Ministério Público do Trabalho (quando couber intervir na execução fiscal trabalhista, especialmente em segunda instância) devem estar atentos aos artifícios lançados por empresas que se utilizam indevidamente da recuperação judicial no intuito de se esquivarem do pagamento das multas trabalhistas que lhes foram impostas.


7. Referências Bibliográficas.

BERTOLDI, Marcelo M. Curso avançado de direito comercial. 4ª Ed. Ver., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008.

BRASIL. Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça. CC 200802246090. Relator: Mauro Campbell Marques. DJE DATA: 19/12/2008.

BRASIL. Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho. RR nº 64900-10.2009.5.23.0002. Relator: Ministro Aloysio Corrêa da Veiga. Data de Julgamento: 29 de novembro de 2011. Data de Publicação: 09 de dezembro de 2011.

COELHO, Fábio Ulhoa. Comentários à Lei de Falências e de recuperação de empresas. 8ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2011.

OLIVEIRA, Celso Macedo de. Comentários à nova lei de falências. Edição Revisada, Ampliada e Atualizada. São Paulo: IOB Thomson, 2005.

1 Art. 2º A medida cautelar fiscal poderá ser requerida contra o sujeito passivo de crédito tributário ou não tributário, quando o devedor:

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Sobre a autora
Claudia Asato da Silva Penteado

Procuradora da Fazenda Nacional. Graduada em Direito pela Universidade Católica Dom Bosco - UCDB´. Pós-graduada pela Universidade de Brasília - UnB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PENTEADO, Claudia Asato Silva. O instituto da recuperação judicial e seus reflexos na recuperabilidade dos créditos originários de multas por infração à legislação trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3963, 8 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28051. Acesso em: 19 abr. 2024.

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