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A ação popular na esfera ambiental como meio de exercício da cidadania

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13/05/2014 às 16:25
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A ação popular é instrumento constitucionalmente previsto e de extrema relevância para a tutela ambiental, pois permite que o cidadão figure no polo ativo de relações processuais em defesa do meio ambiente, o que fomenta o exercício da cidadania ativa.

Resumo: O objeto de estudo do presente artigo é a apresentação de importantes aspectos referentes à ação popular, na esfera ambiental, como um dos meios de exercício da cidadania. Para tanto, serão conjugados os seguintes núcleos de ramificações do Direito: constitucional, administrativo, ambiental, tutelas difusas e coletivas, além de considerações acerca da cidadania. A ação popular encontra previsão na Magna Carta brasileira de 1988. A referida Constituição Federal autoriza qualquer cidadão a ser parte legítima para propô-la, com o intuito de anular ato que lese o patrimônio público ou entidade de que o Estado participe, ou que viole a moralidade administrativa, o meio ambiente ou o patrimônio histórico e cultural. O autor da ação popular que agir de boa-fé será isento tanto do pagamento de custas judiciais quanto do valor da sucumbência, o que representa uma das maneiras de acesso ao Poder Judiciário sem ônus financeiro para a parte.

Palavras-chave: Ação Popular, Cidadania, Legitimidade, Tutela Ambiental, Constituição Federal.


1 INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por objetivo demonstrar a importância da ação popular, constitucionalmente prevista, para a tutela ambiental. Apesar de o presente estudo ter como foco a legislação brasileira, deve-se ressaltar que a tutela ambiental tem amparo também internacional (como exemplo, a Primeira Conferência Nacional do Meio Ambiente, que foi realizada em Estocolmo, em 1972).

No ordenamento jurídico brasileiro, a participação ativa do cidadão é de imensurável importância para a implementação de incontáveis melhorias na sociedade, incluindo-se neste rol a preservação do meio ambiente. A Constituição Federal brasileira vigente, também conhecida como Constituição-Cidadã, apresenta os pilares de normas dos direitos e deveres que devem ser protegidos e tutelados. Trata-se da Lei Maior brasileira, que será o parâmetro para a interpretação e aplicação das normas materiais e processuais de todo o universo que compõe o ordenamento jurídico.

Entende Walter Claudius Rothenburg que1:

A Constituição é o conjunto das normas jurídicas fundamentais de uma sociedade e que tratam especialmente dos direitos humanos (fundamentais), da estrutura e do funcionamento do Estado (e, quem sabe, de uma comunidade de Estados). A palavra “constituição” tem o significado corrente de elementos que formam (constituem) algo, porém é preciso completar esse conceito num sentido técnico (jurídico-normativo). No mundo contemporâneo, podemos considerar que a Constituição é aquele grupo de normas jurídicas que está expresso num documento escrito, que fundamenta (dá sustentação é “ilumina”) todo o Direito da sociedade, sendo dotado de superioridade. Está presente uma dimensão dinâmica: a Constituição é ainda o modo como essa regulamentação acontece, como ela se projeta e integra a realidade (mesmo quando as normas não são aplicadas, são “descumpridas”). Por isto, numa imagem, a Constituição está mais para o cinema do que para a fotografia. O Direito requer um parâmetro superior, uma instância de validação e referência última, que, tradicionalmente, é oferecido pela Constituição.

Portanto, a proteção ao meio ambiente, que conta com legislação esparsa no ordenamento jurídico brasileiro, deve ser interpretada à luz das diretrizes constitucionais. A Lei Maior, além de prever tutela específica ambiental (art. 225, CF/88), também apresenta os fundamentos de nosso País, em seu artigo 1º: soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e pluralismo político. O desenvolvimento do presente artigo tem como enfoque justamente a relação entre a cidadania e a dignidade da pessoa humana à luz da tutela ambiental, o que enseja o estudo sobre a ação popular justamente como meio de exercício da cidadania ativa. Ainda, o presente estudo tem por função divulgar a existência desta possibilidade, tendo em vista que muitas pessoas não têm ciência de seus direitos2. A ação popular em âmbito ambiental pode ser impetrada individualmente, e sempre protege a coletividade, justamente por versar sobre matéria de interesse difuso, em que os destinatários são indeterminados.

Trata-se de uma das maneiras de acesso ao Poder Judiciário, em consonância com o inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Portanto, cumpridos os requisitos exigidos em lei específica, o cidadão tem acesso à via judicial para buscar a tutela ambiental.

Deve-se ressaltar também que o estudo acerca do Direito ambiental envolve outras disciplinas como, por exemplo, o direito penal, processual, administrativo e constitucional. A divisão do Direito em ramificações ocorre para que as normas possam ser estudadas com maior profundidade, mas o Direito é uno, e todas as ramificações se interligam3. Desta forma, a proteção do direito ambiental por ação do cidadão está profundamente relacionada tanto com o Direito Constitucional quanto com o Direito Administrativo (cujos princípios que estão explícitos no art. 37 Constituição Federal brasileira de 1988 são: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), especialmente por questionar os atos administrativos, ou seja, atos praticados pelo Poder Público.


2 TUTELA AMBIENTAL À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Estabelece o caput do artigo 225 da Constituição Federal brasileira que todos têm direito ao meio ambiente equilibrado. A tutela visa à proteção ambiental para as presentes e futuras gerações. Um dos aspectos de análise do direito ambiental perpassa justamente pela classificação doutrinária desta disciplina. Neste sentido, alerta Celso Antônio Pacheco Fiorillo4:

A divisão do meio ambiente em aspectos que o compõem busca facilitar a identificação da atividade degradante e do bem imediatamente agredido. Não se pode perder de vista que o direito ambiental tem como objetivo maior tutelar a vida saudável, de modo que a classificação apenas identifica o aspecto do meio ambiente em que os valores maiores foram aviltados.

Um dos grandes desafios que vem sendo enfrentados pela humanidade versa justamente sobre a conciliação entre a tutela ambiental, a qualidade de vida e o desenvolvimento econômico. O meio ambiente pode ser fracionado em quatro grandes ramos, e todos eles são passíveis de pedido de tutela: natural, artificial, cultural, e do trabalho. A tutela do meio ambiente natural versa sobre a busca da preservação dos recursos naturais, que vem sendo devastados para que a produção em massa seja realizada (como, por exemplo, a derrubada de área com vegetação, para que, no lugar, seja construída uma fábrica). A proteção ao meio ambiente cultural busca preservar a individualidade dos povos, frente à globalização.

O meio ambiente artificial está relacionado com a preservação urbana, enquanto o meio ambiente do trabalho encontra vinculação com a preservação e a manutenção da qualidade de vida, em ambiente de labor.

Desta forma, de acordo com Celso Antônio Pacheco Fiorillo5:

O meio ambiente natural ou físico é constituído pela atmosfera, pelos elementos da biosfera, pelas águas (inclusive pelo mar territorial), pelo solo, pelo subsolo (inclusive recursos minerais), pela fauna e flora. Concentra o fenômeno da homeostase, consistente no equilíbrio dinâmico entre os seres vivos e meio em que vivem. O meio ambiente natural é mediatamente tutelado pelo caput do art. 225 da Constituição Federal e imediatamente, v.g., pelo §1º,I,III e VII, deste mesmo artigo.

Luis Paulo Sirvinskas discorre sobre a tutela do meio ambiente cultural (que está previsto nos artigos 225, 215 e 216 da Constituição Federal brasileira)6:

Além do meio ambiente natural, devemos proteger também o meio ambiente cultural. Trata-se de uma criação humana que se expressa em suas múltiplas facetas sociais. A cultura, do ponto de vista antropológico, constitui o elemento identificador das sociedades humanas e engloba a língua pela qual o povo se comunica, transmite suas histórias e externa suas poesias, a forma como prepara seus alimentos, o modo como se veste e as edificações que lhe servem de moradia, assim como suas crenças, sua religião, o conhecimento e o saber fazer as coisas (know-how), seu direito.

Sobre o meio ambiente artificial, que está previsto nos artigos 5º, XXIII, 21,II, 182 e 225, todos da Constituição Federal brasileira, explica Celso Antônio Pacheco Fiorillo7:

O meio ambiente artificial é compreendido pelo espaço urbano construído, consistente no conjunto de edificações (chamado de espaço urbano fechado), e pelos equipamentos públicos (espaço urbano aberto). Este aspecto do meio ambiente está diretamente relacionado ao conceito de cidade. Vale verificar que o vocábulo “urbano”, do latim urbs, urbis, significa cidade e, por extensão, seus habitantes.

Por fim, Fernando José da Cunha Belfort discorre sobre o meio ambiente do trabalho, à luz da Constituição Federal brasileira8:

O art. 200, inciso VIII, quando fixa a competência do Sistema Único de Saúde (SUS), ao relacionar as suas atribuições utiliza a expressão “meio ambiente do trabalho” e dispõe que é seu dever “colaborar na proteção do meio ambiente do trabalho”. Em reforço à sadia qualidade de vida e à dignidade da pessoa humana, no capítulo dedicado à ordem econômica e financeira, e, como já visto, o inciso VI do art. 170 observa, dentre outros, o “princípio da defesa do meio ambiente”.

Em continuidade, Belfort esclarece que9:

Pode-se traduzir o meio ambiente do trabalho como sendo o local onde se desenvolve a prestação de serviços, quer interna ou externamente, e também o ambiente reservado pelo empregador para o descanso do trabalhador, dotado de condições higiênicas básicas, regras de segurança capazes de preservar a integridade física e a saúde das pessoas envolvidas no labor, com o domínio, o controle, o reconhecimento e a avaliação dos riscos concretos u potenciais existentes, assim considerados agentes químicos, físicos e biológicos, no objetivo primacial de propiciar qualidade de vida satisfatória e a proteção secundária do conjunto de bens móveis e imóveis utilizados na atividade produtiva.

Esta divisão tem por objetivo proporcionar um estudo mais aprofundado sobre as peculiaridades desta disciplina. Entretanto, alerta Milaré sobre a ramificação em quatro áreas de meio ambiente10:

Em linguagem técnica, meio ambiente é a ‘combinação de todas as coisas e fatores externos ao indivíduo ou população de indivíduos em questão”. Mais exatamente, é constituído por seres bióticos e abióticos e suas relações e interações. Não é mero espaço, é a realidade complexa.

Desta forma, além da visão minuciosa de cada área, é importante ter a visão global do Direito Ambiental, inclusive para a análise da utilização da ação popular. Apesar desta fragmentação didática, é imprescindível que se compreenda que estas ramificações devem ser analisadas também sob o prisma global. As violações à tutela ambiental podem ocorrer nas três esferas de governos: Federal, Estadual e Municipal.

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A proteção ao meio ambiente não tem reflexos apenas na qualidade de vida dos cidadãos, como também possui impacto direto no desenvolvimento da economia. A correta utilização dos bens e recursos naturais é uma forte aliada para o desenvolvimento de novas tecnologias, bem como para a atividade de exportação de produtos naturais. Em contrapartida, o desmatamento desenfreado representa um prejuízo imensurável, pelo esgotamento dos recursos naturais, a poluição causada e a piora na qualidade de vida.


3 DIREITO DA COLETIVIDADE AO MEIO AMBIENTE SADIO

A tutela ambiental encontra resguardo internacional e nacional. No plano do Direito Pátrio, a Constituição Federal brasileira estabelece que todos têm direito ao meio ambiente sadio. Trata-se, portanto da tutela e do direito da coletividade. Mas afinal o que diferencia os direitos individuais, os interesses metainvidivuais e direitos coletivos? Hugo Nigro Mazzilli esclarece11:

A doutrina clássica divide os interesses em duas categorias: o interesse público (relacionamento entre o Estado e o indivíduo, como no Direito Penal) e o interesse privado (relacionamento dos indivíduos entre si, como num contrato de Direito Civil, que verse matéria essencialmente disponível).(...) Entre essas duas categorias básicas (interesse público e interesse privado), entretanto, existe uma intermediária de interesses que não são meramente individuais, porque transcendem os indivíduos isoladamente considerados, mas não chegam a constituir interesse do Estado nem toda a coletividade: são os interesses transindividuais também conhecidos por metaindividuais.

Desta forma, percebe-se que uma das características que rege a transindividualidade é justamente a indivisibilidade do exercício do direito. Não é possível cindir, ou seja, fracionar o ambiente sadio. Não é possível garantir o ar puro apenas aos indivíduos que recorreram ao Poder Judiciário para a preservação de seus direitos, deixando os indivíduos que não recorreram judicialmente com o ar poluído. Todos têm direito à proteção ambiental, na integralidade. Portanto, o rompimento da inércia12 do Poder Judiciário pela provocação da parte, quando o pleito é deferido e as medidas protetivas para o meio ambiente são tomadas, não privilegia apenas o titular da ação, mas, sim, a coletividade.

Esta lógica jurídica se aplica também a dois dos fundamentos elencados na Lei Maior brasileira: a dignidade humana e a cidadania. Celso Antônio Pacheco Fiorillo, entretanto, esclarece que não são apenas os seres humanos que têm direito à tutela ambiental, explicitando a amplitude desta tutela (apesar de somente os seres humanos possuírem capacidade postulatória)13:

Se a Política Nacional do Meio Ambiente protege a vida em todas as suas formas, e não é só o homem que possui vida, então todos que a possuem são tutelados e protegidos pelo direito ambiental, sendo certo que um bem, ainda que não seja vivo, pode ser ambiental, na medida que possa ser essencial à qualidade de vida de outrem, em face do que determina o art. 225 da Constituição Federal (bem material ou mesmo imaterial).

A ação popular não é o único meio de tutelar o meio ambiente. Como outros exemplos, elencamos: ação civil pública, mandado de segurança, mandado de injunção,todos estes instrumentos tutelando o direito ambiental. Cada instrumento deve ser utilizado na situação adequada. Para que ocorra este enquadramento, é necessário conjugar o que estabelecem a doutrina e a legislação ao caso narrado. Apesar desta grande leque de instrumentos previstos para esta tutela, o único que será analisado neste estudo será a ação popular, tendo em vista que este instrumento garante participação ativa do cidadão.


4 DA AÇÃO POPULAR COMO EXERCÍCIO DA CIDADANIA

Antes de aprofundarmos as explicações demonstrando peculiaridades e aspectos importantes sobre a ação popular, é necessária uma breve explanação sobre a evolução do conceito de cidadania e, conseqüentemente, da participação do cidadão frente às autoridades estatais. É o que se passa a apresentar.

4.1 PANORAMA EVOLUTIVO DO EXERCÍCIO DA CIDADANIA

A cidadania é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Os cidadãos possuem direitos e deveres frente ao Estado e perante os outros indivíduos. A cidadania é um tema que comporta inúmeras abordagens. É necessário esclarecer que o tema é multifocal e não será esgotado no presente artigo. Serão apresentados aspectos referentes à evolução histórica do desenvolvimento da cidadania.

Gianpaolo Poggio Smanio esclarece14:

O momento histórico do surgimento do uso lingüístico da expressão “cidadania” no sentido que evoca o que utilizamos atualmente encontra-se em Jean Bodin, em 1576, na Lês Six Livres de La Republique onde ocorre o início da fundamentação jurídica do Estado Moderno, como poder absoluto, perpétuo e incondicionado do soberano sobre os súditos. A formulação da idéia de soberania traz a conceituação da cidadania como instituto.

Em continuidade, esclarece o autor15:

“A cidadania era um instrumento para a unificação do Estado Absoluto do século XVI. O indivíduo passava a pertencer a uma determinada esfera jurídica enquanto o cidadão do Estado, detentor de um status jurídico que possibilitava o exercício de relações e direitos em relação ao soberano. Os escravos e os estrangeiros não eram considerados cidadãos porque não gozavam dos direitos e privilégios dos cidadãos. As mulheres e as crianças também não eram consideradas cidadãs porque estavam sujeitas ao poder do chefe de família. Somente o indivíduo livre e nacional do Estado era considerado cidadão.”

O exercício da cidadania (por exemplo, o direito de votar) já esteve relacionado com o valor das sacas de café que o indivíduo possuía. Durante a escravidão, os escravos eram propriedades de seus senhores, e eram desprovidos de qualquer proteção que lhes garantisse a cidadania. Com o decorrer do tempo, a maioria das legislações buscou tutelar a dignidade humana em primeiro plano, e isto se refletiu em diversas áreas, inclusive no exercício da cidadania.

Importante é o questionamento de Jaime Pinsky16:

Afinal, o que é ser cidadão?Ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a lei: é, em resumo, ter direitos civis. É também participar do destino da sociedade, votar, ser votado, ter direitos políticos. Os direitos civis e políticos não asseguram a democracia sem os direitos sociais, aqueles que garantem a participação do indivíduo na riqueza coletiva: o direito à educação, ao trabalho, ao salário justo, a uma velhice tranqüila.

A cidadania pode ser estudada sob inúmeros aspectos, dentre os quais destacaremos17:

Cidadania. Segundo a teoria que se firma entre nós, a cidadania, palavra que se deriva de cidade, não indica somente a qualidade daquele que habita a cidade, mas, mostrando a efetividade dessa residência, o direito político que lhe é conferido, para que possa participar da vida política do país em que reside. Neste sentido, então, a cidadania tanto se diz natural como legal.

Será natural, quando decorre do nascimento, isto é, da circunstância de ser nacional por nascimento. Será legal, quando, em virtude da residência fixada em certa parte do território, esta lhe é outorgada por uma declaração legal, a naturalização. A cidadania é expressão, assim, que identifica a qualidade da pessoa que, estando na posse de plena capacidade civil, também se encontra investida no uso e gozo de seus direitos políticos, que se indicam, pois, o gozo dessa cidadania. Em certos casos, porém, a lei impõe restrições àquele que a frui em caráter legal. A cidadania pode ser conferida ao nacional, como ao estrangeiro naturalizado”.

Os direitos do cidadão foram sendo positivados e efetivados ao longo dos anos. Se antigamente o cidadão estava repleto de deveres e tinha pouquíssimos direitos, atualmente existe uma série de mecanismos (que envolvem direitos e obrigações), para o exercício da cidadania.

Pery Saraiva Neto apresenta a relação entre a cidadania e a proteção ambiental18:

O modelo constitucional brasileiro clara e expressamente atribuiu a toda a coletividade o dever de defender e proteger o meio ambiente. Isto significa, no mínimo, que o cidadão não pode mais adotar uma postura de meramente exigir atuações do Estado no tocante à qualidade ambiental, tampouco satisfazer-se com simples declarações formais de reconhecimento deste direito.

O direito ao meio ambiente sadio e equilibrado, pela sua relevância, não se contenta com mero o reconhecimento. Clama por efetiva proteção e implementação e isto, de acordo com a formatação constitucional brasileira, deve ser realizado pelo Poder Público, mas também, e especialmente, por toda a coletividade.

A Constituição Federal Brasileira de 1988 estabelece, em seu artigo 5º, caput, que todos são iguais perante a Lei. O inciso LXXIII do art. 5º estabelece19:

Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência

A atenta leitura do referido leva o leitor à seguinte conclusão: a ação popular não é utilizada apenas para a proteção ambiental, e deve ser impetrada por cidadão. Trata-se de mecanismo de extrema importância para que este tenha condições de questionar judicialmente atos praticados pelo Poder Público que entenda que violem a moralidade administrativa, o patrimônio histórico, o patrimônio cultural ou o meio ambiente.

4.2 BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA AÇÃO POPULAR

O tópico anterior se dedicou a traçar uma relação entre o exercício da cidadania e o direito do cidadão de impetrar ação popular, direito este que é constitucionalmente garantido20. Mas, afinal, como definir a ação popular?

José Afonso da Silva discorre sobre o tema – ação popular, apresentando os seus requisitos21 e esclarecendo que se trata de22:

Instituto processual outorgado a qualquer cidadão como garantia político-constitucional (ou remédio constitucional), para a defesa do interesse da coletividade, mediante a provocação do controle jurisdicional corretivo de atos lesivos ao patrimônio público, da moralidade administrativa, do meio ambiente e do patrimônio público.

A Lei nº. 4717/65 é responsável por regulamentá-la. Trata-se de leitura obrigatória para a análise deste tema. Esta Lei apresenta importantes requisitos – materiais e processuais, que devem ser cumpridos para que o Poder Judiciário, na figura do Magistrado, esteja apto a analisar as partes, os fatos, o direito, a violação, o pedido e proferir uma sentença.

4.2.1 LEGITIMIDADE ATIVA

O estudo sobre a legitimidade ativa está relacionado com quem pode impetrá-la, ou seja, quem pode ser o sujeito ativo, na relação jurídico-processual. De acordo com a Lei nº. 4717, de 196523:

Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista, de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos.

§ 3º A prova da cidadania, para ingresso em juízo, será feita com o título eleitoral, ou com documento que a ele corresponda.

Portanto, para ser sujeito ativo, o autor deverá ser cidadão (brasileiro nato ou naturalizado24), maior de 16 anos, e deverá haver prova dos direitos políticos com o título eleitoral. Não estão autorizadas à propositura da ação popular as pessoas jurídicas25, bem como os brasileiros com direitos políticos suspensos26 e os estrangeiros ou apátridas. Além disto, a parte deverá estar acompanhada de advogado, para que este possa peticionar (tendo em vista que o advogado possui capacidade postulatória). Por fim, é importante esclarecer que é possível tanto a formação de litisconsórcio facultativo quanto a substituição processual (ou por outra pessoa física, ou pelo Ministério Público).

4.2.2 LEGITIMIDADE PASSIVA

A legitimidade passiva refere-se a quem pode figurar como sujeito passivo, ou seja, quem está lesando o meio ambiente, e em face de quem a ação será proposta. A definição da legitimidade passiva está prevista nos artigos 6º e 9º da Lei nº. 4717/65:

Art. 6º A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo.

§ 1º Se não houver benefício direto do ato lesivo, ou se for ele indeterminado ou desconhecido, a ação será proposta somente contra as outras pessoas indicadas neste artigo.

§ 2º No caso de que trata o inciso II, item "b", do art. 4º, quando o valor real do bem for inferior ao da avaliação, citar-se-ão como réus, além das pessoas públicas ou privadas e entidades referidas no art. 1º, apenas os responsáveis pela avaliação inexata e os beneficiários da mesma.

§ 3º A pessoas jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de impugnação, poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante legal ou dirigente.

§ 4º O Ministério Público acompanhará a ação, cabendo-lhe apressar a produção da prova e promover a responsabilidade, civil ou criminal, dos que nela incidirem, sendo-lhe vedado, em qualquer hipótese, assumir a defesa do ato impugnado ou dos seus autores.

§ 5º É facultado a qualquer cidadão habilitar-se como litisconsorte ou assistente do autor da ação popular.

Art. 9º Se o autor desistir da ação ou der motiva à absolvição da instância, serão publicados editais nos prazos e condições previstos no art. 7º, inciso II, ficando assegurado a qualquer cidadão, bem como ao representante do Ministério Público, dentro do prazo de 90 (noventa) dias da última publicação feita, promover o prosseguimento da ação.

Desta forma, é necessário um atento estudo sobre a legislação para que, no caso concreto, seja estabelecida corretamente a legitimidade passiva da ação popular. Podem figurar neste âmbito tanto as pessoas físicas quanto as pessoas jurídicas, desde que, logicamente, tenham produzido o dano, ou tenham participado da produção da violação. É possível o litisconsórcio, que será obrigatório. Não é possível a substituição processual da parte pelo Ministério Público, como na legitimidade ativa, tendo em vista que deve figurar neste plano quem lesar o meio ambiente.

4.2.3 CABIMENTO DA AÇÃO POPULAR NA TUTELA AMBIENTAL

Esclarecemos anteriormente que a ação popular é um dos meios (pela via judicial) que pode ser utilizado pelo cidadão para buscar proteger o meio ambiente. É interessante destacar que este é um dos remédios de tutela coletiva mais antigos na história da humanidade, portanto, não foi inovação trazida para a sociedade brasileira com a Constituição Federal de 1988 (previamente esclarecemos que no ordenamento jurídico brasileiro, este remédio já estava previsto constitucionalmente em 1934).

A ação popular é um instrumento muito importante para combater diversos tipos de lesões cometidos contra o patrimônio público ou o meio ambiente. Diversas pessoas – físicas ou jurídicas – podem cometer estas lesões.

Celso Antônio Pacheco Fiorillo discorre sobre o cabimento da ação popular para a tutela ambiental27:

Importante frisar que a ação popular presta-se à defesa de bens de natureza pública (patrimônio público) e difusa (meio ambiente), o que implica a adoção de procedimentos distintos. Com efeito, tratando-se da defesa do meio ambiente, o procedimento a ser adotado será o previsto na Lei da Ação Civil Pública e no Código de Defesa do Consumidor, constituindo, como sabemos, a base da jurisdição civil coletiva. Por outro lado, tratando-se da defesa de bem de natureza pública, o procedimento a ser utilizado será o previsto na Lei n.4717/65.

Dessarte, nota-se que a natureza jurídica do bem que se pretende tutelar será o aspecto determinante na adoção do rito procedimental.

Em seguida, o autor elucida que28:

A ação popular não tem por escopo único a só fiscalização da conduta dos atos da Administração. Isso porque, ao colocar o meio ambiente como um dos seus objetos transfere ao Poder Público o dever de preservá-lo e protegê-lo, por conta do dispositivo no art. 225, caput, da Constituição Federal. A palavra ato deve, pois, ter um conteúdo mais elástico, abarcando tanto o ato comissivo como o omissivo, porquanto é imposto ao Poder Público o dever de prevenção e proteção ao meio ambiente. A finalidade da ação popular trazida pelo art. 5º, LXXIII, da Constituição é anular o ato lesivo, portanto, desconstituir o já praticado. No entanto, se for um ato material propriamente dito, v.g., se uma empresa sem licença para funcionar desrespeitar a norma e poluir o ambiente, a pretensão da ação popular será extirpar o ato que está sendo praticado, de modo a prescrever a abstenção da prática.

Por derradeiro, importante frisar que, que, estando o ato consumado, ainda que as conseqüências nocivas ao meio ambiente estejam sendo produzidas, não caberá ação popular, porquanto esta não se presta à reparação do dano – senão estaríamos no campo de incidência da ação civil pública -, além do que visa atacar o ato e não as suas conseqüências.

Por fim, segue o entendimento apresentado no site do Supremo Tribunal Federal, que conjuga a análise de um caso concreto à luz da legislação brasileira, a respeito da possibilidade de a ação popular, em âmbito ambiental, ser impetrada por cidadão, para que sejam eliminadas as dúvidas acerca desta modalidade de participação29:

Qualquer cidadão pode propor ação popular em defesa do meio ambiente

Qualquer cidadão brasileiro pode, individualmente, propor ação popular contra atos administrativos que possam causar danos ao meio ambiente. Esse é o entendimento da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, que negou o recurso especial da Fazenda do Estado de São Paulo com o objetivo de sustar ação popular por falta de interesse de agir dos autores.A ação popular foi ajuizada por um cidadão contra o Estado de São Paulo. Ele queria que o Estado fosse condenado a deixar de lançar esgoto in natura ou com potencial poluente produzido pela Penitenciária Estadual de Presidente Bernardes no córrego Guarucaia. Também foi pedida indenização pelos danos causados aos recursos hídricos em benefício do Fundo Especial de Recuperação dos Interesses Difusos Lesados.O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a sentença que deu provimento à ação e admitiu o pagamento de indenização, sujeita à constatação pericial e com valor a ser apurado na execução.O recurso especial contra essa decisão chegou ao STJ por força de um agravo de instrumento. A Fazenda de São Paulo argumentou ser vedado ao cidadão, por meio de ação popular, tentar impedir a administração de fazer ou deixar de fazer algum ato. Alega também que houve cerceamento de defesa porque foi negado ao Estado o direito de produzir prova pericial.O relator do caso, ministro Castro Meira, destacou que o inciso LXXIII do artigo 5º da Constituição Federal é claro ao afirmar que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular tendente a anular ato lesivo ao patrimônio público e ao meio ambiente, entre outros. O que se exige é que o autor seja cidadão brasileiro, maior de 16 anos, no exercício de seus direitos cívicos e políticos. Por isso concluiu pela legitimidade da ação.Quanto ao cerceamento de defesa, o ministro Castro Meira considerou que as decisões anteriores não se basearam apenas em fotografias, como alegado pelo recorrente, mas também em estudo da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental – Cetesb.O relator esclareceu também que, segundo o firme entendimento do STJ, que a prova pericial tem a função de suprir a falta ou insuficiência de conhecimento técnico do magistrado. Caso entenda serem suficientes as provas apresentadas, o juiz pode dispensar a prova pericial, mesmo que ela tenha sido requerida pelas partes.Com essas considerações, a Segunda Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso e negou-lhe provimento.

Desta forma, encontra-se consolidado em instância superior o entendimento de que é garantida a legitimidade do cidadão para figurar no pólo ativo da ação popular, em âmbito ambiental, o que é de imensurável valia para a tutela ambiental em harmonia com o exercício da cidadania.

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Sobre a autora
Maria Fernanda Soares Macedo

Advogada. Professora Convidada no Curso de Especialização em Direito e Processo Penal, na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professora tutora no Complexo Jurídico Damásio de Jesus, para os cursos de 2ª fase do Exame da Ordem dos Advogados do Brasil, na área de Direito Penal. Professora orientadora dos cursos de pós graduação em Direito Constitucional e Direito e Processo Penal, no Complexo Jurídico Damásio de Jesus (orientações on-line). Trabalha com o ensino à distância, elaborando aulas para o ambiente virtual de aprendizagem dos cursos de MBA das Faculdades Metropolitanas Unidas, com ênfase nos seguintes temas: Sistema Financeiro Nacional, Direito Penal Imobiliário, Mercado de Capitais e Planejamento Tributário. É Professora da Disciplina de Metodologia e Didática para os cursos de Pós graduação das Faculdades Metropolitanas Unidas. Possui graduação em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie , em 2008. Mestre em Direito Político e Econômico, na Universidade Presbiteriana Mackenzie(dissertação aprovada com distinção). Especialista em Direito Empresarial (2010), pela mesma Universidade. Foi bolsista CAPES, no programa de Mestrado em Direito Político e Econômico, bem como estagiaria-docente nas disciplinas de Estado De Direito Democrático e Crime Organizado; Sistemas Jurídicos Contemporâneos; Direito Penal e Direito Processual Penal, na Universidade. Realiza pesquisas nos grupos "Políticas Públicas como instrumento de efetivação da Cidadania" e "Novos Direitos e proteção da cidadania: evolução normativa, doutrinária e jurisprudencial", que são vinculados ao Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie. Foi advogada-chefe de sala na aplicação dos Exames da Ordem dos Advogados do Brasil, em São Paulo, em 2010 e 2011 (CESPE/UNB e FGV).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACEDO, Maria Fernanda Soares. A ação popular na esfera ambiental como meio de exercício da cidadania. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3968, 13 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28382. Acesso em: 19 mar. 2024.

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