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Pelo fim da Justiça do Trabalho

03/07/2014 às 10:36
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Fala dos propósitos da justiça do trabalho no Brasil.

Para muitos desavisados este pequeno ensaio visa a justificar o fim, a extinção da justiça do trabalho. É comum, muito comum lermos apenas e tão-somente o título das manchetes e comentarmos depois o conteúdo desconhecido do texto. Dito isso passo ao essencial.

Por muito tempo pensei no propósito real e verdadeiro de a justiça do trabalho ainda estar ativa e fazer parte do poder judiciário. Claro que sei que para a maioria dos que detém o poder da opinião ou o monopólio da opinião, a justiça do trabalho deveria, merecidamente ser extinta, afinal ela condena empresas a pagar parcelas trabalhistas todos os dias, retirando poder de investimento do empregador.

O que posso dizer hoje, depois de muito refletir, é que a justiça do trabalho tem duas finalidades principais. Por muito tempo, confesso, apenas entendi como finalidade da justiça laboral agir como aparelho repressivo do Estado. Isso, contudo, como dito, após observação dos fatos sociais, para mim, mudou.

A primeira das finalidades e mais importante da justiça do trabalho está relacionada com a manutenção do “status quo”. Como aparelho repressivo do Estado, criado pela superestrutura a fim de evitar o exercício arbitrário das próprias razões por parte do trabalhador, a justiça do trabalho, juntamente claro com a legislação do trabalho, exerce um poder dentro da sociedade que permite, por exemplo, o não-pagamento voluntário de direitos sociais pelo tomador do trabalho, sem permitir a recíproca, ou seja, a tomada de dinheiro por parte do empregado frente ao empregador. Digo isso como regra. É claro que há exceções. De outro lado, com suas decisões, a justiça do trabalho estabiliza a relação capital-trabalho, garantindo ambiente seguro para a exploração, pelo empregador, da “mais valia” conforme limites legais.

Não vou adentrar aqui na forma como a justiça do trabalho, hoje, decide demandas e forma sua jurisprudência. É sabido que atua, na maioria das vezes de forma conservadora e no interesse das grandes corporações e economistas[1], embora não tenha, muitas vezes, por seus membros, plena consciência disso.

Também não é tema deste pequeno ensaio refletir sobre a origem do governo e das leis, estas gestadas pelo poder econômico, que subverte a idéia “um cidadão, um voto” para a realidade de “um real, um voto”. Para que e para quem são feitas as leis poderia ser tema de outro ensaio.

A segunda das finalidades da justiça do trabalho tem a ver com a proteção do trabalhdor. A justiça do trabalho protege a maioria da população, a parte mais débil e que vive ou sobrevive com o mínimo. Dá guarida aos trabalhadores não-pagos de forma correta pelo tomador do trabalho, servindo também de tábua de segurança e escape aos que, injustiçados no ambiente de trabalho, buscam a justiça no caso concreto. Como ultima ratio do trabalhador, garantidora de seus direitos, a justiça do trabalho exerce, por suas decisões, um papel essencial dentro da coletividade, devolvendo o trabalho prestado e não-pago ao trabalhador na forma de dinheiro e, em muitos casos, restabelecendo a dignidade perdida por força de assédio moral/sexual e injustiças por exemplo.

Como no caso da finalidade anterior, é bom se diga que há casos e casos. Há situações em que o mau trabalhador se aproveita da estrutura da justiça do trabalho. Isso, contudo, não é a regra.

É por tudo isso, pelos fins da justiça do trabalho, que o fim da justiça do trabalho está, dia a dia, mais distante. O que precisa ser feito, contudo, é uma maior aproximação da estrutura judiciária laboral da sociedade, das pessoas pobres e humildes, do povo, sem deixar de lado as micro e pequenas empresas, na maioria das vezes castigadas por uma legislação laboral barata para os grandes e injusta para os pequenos. É evidente, e não sejamos ingênuos, que a legislação laboral, gestada para ser barata para os grandes, acaba por excluir boa parte das micro e pequenas empresas do ambiente empresarial, permitindo um ainda maior movimento dos grandes conglomerados.

Assim, como a justiça do trabalho tem dupla finalidade, protetora da ordem econômica e empresarial presente, como aparelho repressivo do estado e de distribuidora e garantidora de dieitos sociais aos trabalhadores, aquilo que para muitos seria o ideal, o fim da justiça do trabalho não ocorrerá. E não ocorrerá porque ao final e ao cabo, os intelectuais da superestrutura sabem que esta dupla finalidade tem por objeto primeiro preservar a ordem capitalista e estabilizar a exploração da “mais valia”. Não vão colocar isso tudo em risco. As críticas seguirão, pois que gestadas em ambientes de conhecimento simples. A ação é que não será posta em prática.


[1] Ver súmulas 287 e 331 do TST, descontectadas da lei vigente mas que são aplicadas de forma irrestrita pela maioria dos magistrados brasileiros.

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Sobre o autor
Rafael da Silva Marques

Juiz do Trabalho titular da Quarta Vara do Trabalho de Caxias do Sul;<br>Especialista em direito do trabalho, processo do trabalho e previdenciário pela Unisc;<br>Mestre em Direito pela Unisc;<br>Doutor em Direito pela Universidade de Burgos (UBU), Espanha;<br>Membro da Associação Juízes para a Democracia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Rafael Silva. Pelo fim da Justiça do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4019, 3 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28529. Acesso em: 23 abr. 2024.

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