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Perda de mandato parlamentar de forma automática: um olhar rígido da Corte Constitucional Venezuelana

18/07/2014 às 17:07
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Enquanto a Corte Constitucional brasileira tem se manifestado de forma a alterar os sentidos de forma “solipsista” para a perda do mandato parlamentar a pergunta que se faz é: quais as razões que ensejam esta mudança de olhar?

Recentemente, no caso da Ação Penal 470, o plenário da corte, por cinco votos a quatro, concluiu que os parlamentares acusados no esquema de compra de votos perderiam o mandato automaticamente quando fossem condenados, aqui utilizando o art. 55 IV e § 3º da Carta Constitucional.

Já no caso da Ação Penal 565, o senador Ivo Cassol foi condenado pelo crime de fraude a licitações, contudo, diferentemente da Ação Penal 470, o plenário da Corte deixou para a Casa Legislativa a decisão sobre a perda de mandato parlamentar, neste caso pela aplicação do art. 55, inciso VI e § 2º, ficando vencidos os ministros Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Joaquim Barbosa, que votavam pela perda imediata do mandato com o trânsito em julgado da condenação.

E quais seriam os motivos para a mudança de posição da Suprema Corte Constitucional? Decisionismo? Ainda a descobrir...

Por óbvio, que o procedimento que enseja a perda de mandato denominado “extinção”, previsto no art. 55§3º, que possui natureza jurídica declaratória é absolutamente mais rígido que o processo de “cassação”.

 O respeito pelos valores democráticos é imperativo. O “representante popular” exerce uma das funções mais importantes da democracia. Portanto, para aquele que descumpre com as determinações constitucionais atuando de forma improba, antiética, o procedimento deverá ser rígido, pois a determinação constitucional não é uma vontade.

Na Carta Constitucional Venezuelana, as incompatibilidades frente ao exercício da função parlamentar estão previstos nos art. 190 à 192. Os deputados que comporão a Assembléia Nacional terão o mandato de 05 (cinco) anos, podendo ser reeleitos por dois períodos no máximo!!!

O art. 190, é muito parecido com as incompatibilidades previstas no art. 54 da Constituição brasileira. Os deputados não poderão ser proprietários, administradores ou diretores de empresas que contratem com pessoas jurídicas estatais;  não poderão patrocinar causa de interesse lucrativo com as mesmas.

O exercício da função de representação popular é exclusivo, assim previsto no art. 191 da Carta.  Só poderá ser compatível com a função de docente, acadêmica, acidentais ou assistenciais, desde que, não haja dedicação exclusiva, caso contrário perderá o mandato de forma automática.

Dispõe o art. 197 que os deputados estão obrigados a cumprir seus trabalhos com dedicação exclusiva, em benefício dos interesses do povo e a manter um vínculo permanente com seus eleitores, atendendo suas opiniões e sugestões; mantendo-os informados a cerca de sua gestão e da Assembléia; devendo apresentar suas contas anuais a cerca de sua gestão aos eleitores da circunscrição pelo qual foram eleitos; estão submetidos ao referendo revocatório do mandato nos termos previstos na Constituição e nas leis que tratam sobre a matéria.

Esta interpretação foi chancelada pela Corte Constitucional Venezuelana sobre o sentido e alcance do art. 191 da Carta (Corte Constitucional de Justiça) no julgamento da Deputada Maria Corina Machado (Exp. 14-0286). O objetivo do ensaio não é trazer uma transcrição da decisão, mas apontar que a decisão caminhou para a aberturas de sentidos democráticos como: a necessidade de uma ética parlamentar que está concatenada com outras disposições constitucionais tendentes a preservar a ética como valor superior de atuação dos órgãos do Estado; além dos princípios da honestidade, eficiência, transparência e responsabilidade, entre outros, com o exercício da função pública.

  Destas disposições, resulta evidente que a Carta quando determina a dedicação exclusiva, com o fim de evitar atuações contrárias à ética, a autodeterminação, a responsabilidade social,  a paz internacional, a justiça, entre outros.

A Constituição Venezuelana tem o fundamento primordial de evitar que as pessoas que prestem serviços públicos, como os parlamentares incorram em fatos contrários a moral, honestidade, a qual deve imperar suas atuações. Por todas estes sentidos,  a perda do mandato é automática.

Qual o sentido da representação popular? Há incongruências no sentido democrático no processo de cassação previsto no artigo 55 da Carta Constitucional brasileira?   O processo de extinção (perda automática)  é aquele que mais reflete os valores democráticos? A resposta é muito simples...

Vamos caminhando, mas sempre abrindo os sentidos para a construção do sentido da democracia.

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Sobre a autora
Carina Barbosa Gouvêa

Doutora em Direito pela UNESA; Mestre em Direito pela UNESA; Advogada especialista em Direito Militar/ConstitucionalPesquisadora Acadêmica do Grupo "Novas Perspectivas em Jurisdição Constitucional"; Pós Graduada em Direito do Estado e em Direito Militar, com MBA Executivo Empresarial em Gestão Pública e Responsabilidade Fiscal; E-mail: <[email protected]>. <br>Blog: Dimensão Constitucional < http://dimensaoconstitucional.blogspot.com.br/>.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOUVÊA, Carina Barbosa. Perda de mandato parlamentar de forma automática: um olhar rígido da Corte Constitucional Venezuelana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4034, 18 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28893. Acesso em: 25 abr. 2024.

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