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Compra de imóveis: um negócio muito arriscado

29/07/2014 às 15:15
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Limitar-se apenas àquelas certidões de praxe indicadas pelas imobiliárias é submeter-se a um risco de ver o negócio ser anulado ou declarado ineficaz pela Justiça.

Em um processo de compra imobiliária, manda a praxe que se exija certidões do proprietário e do próprio imóvel, com o fim de se verificar se ambos estão isentos de problemas, particularmente aqueles oriundos de dívidas e litígios conjugais.

As certidões limpas – normalmente obtidas na comarca em que reside o proprietário/vendedor – fazem o comprador leigo sentir-se com o conforto necessário para realizar o negócio, imaginando a impossibilidade de que qualquer problema venha colocar em risco o patrimônio adquirido.

Mas não é bem assim.

Três fatores podem comprometer e até anular a compra de um imóvel, ainda que aquelas certidões atestem a inexistência de apontamentos contra o bem ou contra o vendedor.

Em primeiro lugar, há na lei civil brasileira os institutos da “fraude contra credores” e da “fraude contra a execução”. Se, por exemplo, o vendedor já havia contraído dívidas (mesmo que ainda não objetos de ações judiciais) e tornou-se insolvente pela venda do seu patrimônio, pode esta ser anulada, em determinadas circunstâncias, através de uma ação adequada para esse fim.

Se, entretanto, já existir uma ou mais ações de execução ao tempo em que a venda foi realizada, não há necessidade sequer de se ajuizar a tal ação, uma vez que ocorre, neste caso, a “fraude contra execução”, fazendo a transação ser considerada ineficaz perante aqueles credores, a quem é assegurado o direito de penhorar o bem, mesmo que já esteja em nome de terceiros e independentemente de ação própria para anular o negócio.

É bem verdade que recente alteração na lei processual brasileira passou a exigir que a distribuição da execução ou a penhora de um bem seja averbada no registro de imóveis ou de veículos para que, então, a sua venda se caracterize fraude à execução.

Então as certidões limpas que foram obtidas – sem o apontamento de protestos ou ações judiciais e sem a averbação de ações, na forma do novo ordenamento processual – não evitariam pelo menos a “fraude contra execução”?

Em tese, sim, mas isso é dentro do âmbito da lei civil. Na Justiça do Trabalho essa regra não vale. Para ser mais claro, na Justiça do Trabalho não há regras.

Se o vendedor de um bem imóvel é sócio de uma empresa em outra Comarca (o que as certidões não irão apontar) e está sofrendo ações trabalhistas, o imóvel será certamente penhorado, não importa se o comprador havia tirado certidões limpas na Comarca do imóvel ou da residência do vendedor.

A Justiça do Trabalho é implacável e presume que a venda do bem caracteriza fraude, mesmo que o processo trabalhista tramite, por exemplo, no interior do Mato Grosso, longe, portanto, da possibilidade de conhecimento por parte do comprador.

Assim, uma pessoa com as certidões absolutamente limpas em São Paulo, Capital, pode estar sofrendo ações em Jundiaí, Belo Horizonte, Rio de Janeiro ou em qualquer uma das mais de 5000 comarcas do País, o que torna, por óbvio, absolutamente impossível assegurar-se a inexistência de apontamentos contra aquele cidadão.

Em segundo lugar, a teoria da desconsideração da pessoa jurídica – já consagrada no Brasil, a exemplo do que ocorre em grande parte dos outros países – transfere ao sócio de uma empresa a responsabilidade por dívidas da sociedade em determinados casos.

Não há como se garantir que aquele sujeito de fichas limpas, de quem se está comprando um imóvel, não é sócio de uma empresa em Curitiba, ré em inúmeros processos fiscais e trabalhistas por dívidas cujo pagamento poderá acabar sendo de sua obrigação.

E também não é possível investigar em todas as Juntas Comerciais e Cartórios de Registro de Títulos e Documentos do País, para descobrir se o vendedor faz ou fez parte de alguma sociedade, da qual possa herdar responsabilidades.

Finalmente, é importante lembrar que a legislação brasileira passou a garantir direitos patrimoniais a casais que vivam em união estável, equiparando esta união ao regime da comunhão parcial de bens.

Como saber se o vendedor de um imóvel, oficial e declaradamente solteiro, não possua uma companheira, detentora de direitos sobre o bem que está sendo vendido?

Como se vê, a total segurança jurídica numa transação imobiliária é absolutamente impossível, em especial se o comprador limitar-se a examinar apenas aquelas certidões que rotineiramente são exigidas em negócios dessa natureza.

Inúmeros são os casos de compradores de imóveis que, mesmo tomando as cautelas usuais, vêem seus bens comprometidos pela existência de circunstâncias pretéritas, das quais não era possível tomar conhecimento.

Daí se vê a necessidade, quando se adquire uma casa ou um apartamento, de o comprador promover ampla e profunda investigação não apenas com relação à pessoa do vendedor, mas também às empresas de que ele faça parte e à sua vida conjugal, oficializada ou não.

Limitar-se apenas àquelas certidões de praxe indicadas pelas imobiliárias, pois, é submeter-se a um risco de ver o negócio ser anulado ou declarado ineficaz pela Justiça.

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Sobre o autor
Guilherme Marcondes Machado

Advogado especialista em Recuperação de Empresas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACHADO, Guilherme Marcondes. Compra de imóveis: um negócio muito arriscado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4045, 29 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28997. Acesso em: 18 mar. 2024.

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