Sumário: Introdução. 1. Aposentadoria do Servidor Público. 1.1. Conceito 2. Aposentadoria Especial. 2.1. Súmula Vinculante 33. 2.2. Tempo de Contribuição ou Tempo de Serviço? 3. Quem tem direito à aposentadoria aos 25 anos? 4. Policiais e Bombeiros Militares tem Direito? Conclusões.
Introdução
O instituto da aposentadoria especial do servidor público tem indiscutível relevância, sobretudo, em um ordenamento jurídico cuja norma que lhe empresta validade tem na isonomia um de seus princípios fundamentais. Assim, diante do pleito desesperado de um número alarmante de servidores públicos que, ante a omissão legislativa, socorriam-se do Poder Judiciário a fim de, em sede de Mandado de Injunção, ter assegurado seu direito constitucional de usufruir do merecido descanso remunerado, é que surge a súmula vinculante nº. 33. Com sua entrada em vigor aquele servidor que exerce atividade insalubre ou perigosa, não mais carecerá provocar o Judiciário com o intuito de aposentar-se na modalidade especial, mesmo ainda inexistindo a Lei Complementar exigida pela Constituição da República. Todavia, não são todas as categorias de servidores públicos as quais poderão invocar o poder vinculante da referida súmula, apenas aquelas as quais exercerem suas atividades nos termos da legislação aplicável conforme determinado pelo verbete mencionado. Além disso, os critérios para a concessão desta modalidade de aposentadoria, são distintos daqueles exigidos para aposentadoria voluntária comum.
1. Aposentadoria do Servidor Público
Certo é que ao tratar da aposentadoria do servidor público, a Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) de 1988 admite tanto a aposentadoria pelo “regime próprio ou peculiar” – reservada somente aos servidores ocupantes de cargos públicos efetivos[1] -, quanto a aposentadoria sujeita ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS) – reservada aos ocupantes de cargos públicos em comissão, função temporária e emprego público (Art. 40,§ 13, CRFB/88). Neste brevíssimo estudo, trataremos unicamente do regime peculiar previsto no Art. 40, caput, CRFB/88.
1.1. Conceito
Aposentadoria é a garantia de inatividade remunerada[2] ao servidor público que atender aos requisitos do regime próprio de caráter contributivo e solidário. Logo, trata-se de regime com características muito peculiares. Na verdade, é nítido o esmero do constituinte em traçar critérios e requisitos mínimos capazes de assegurar a isonomia, a razoabilidade e a valorização devida ao servidor público que ofertou ao Estado sua força de trabalho, fazendo mover a máquina pública, possibilitando a oferta do serviço público ao contribuinte. Por tal razão, fez constar vedação expressa a fim de extirpar do ordenamento jurídico pátrio qualquer tentativa de violação à isonomia (Art. 40, § 4º, CRFB/88). Nada mais razoável e acertado.
Todavia, desde Aristóteles, é concebido o primitivo conceito de justiça e igualdade material que destaca a necessidade de se atribuir tratamento igual aos iguais e desigual aos desiguais. Foi neste sentido que o constituinte, por meio da EC/47, realizando uma adequação do Texto Constitucional de 1988, fez constar expressamente em seu Art. 40, § 4º, segunda parte, a importante exceção pela qual é possível, mediante edição de Lei Complementar, a adoção de critérios específicos e distintos para a aposentadoria de servidores portadores de deficiência, que exerçam atividades de risco ou cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. Esta é a chamada aposentadoria especial da qual passaremos a tratar agora.
2. Aposentadoria Especial
Esta modalidade de aposentadoria do servidor público é especial justamente por abranger unicamente certas categorias de operários estatais cujas atividades ou condições pessoais, demandam, por si só, tratamento diferenciado sob pena de deplorável ofensa à isonomia. Dentre estas categorias, estão aquelas previstas no Art. 40, § 4, III, da CRFB/88, cujas atividades são exercidas sob condições que prejudicam à saúde ou à integridade física.
Desta forma, a fim de assegurar tratamento isonômico a estas categorias, haja vista não ser razoável e justo exigir delas a exposição direta a agentes de altíssimo risco sem que de alguma forma lhes fosse compensado esse desequilíbrio, criou-se a possibilidade de se estabelecer, por Lei Complementar, critérios diferenciadores a fim de que pudessem usufruir de uma aposentadoria com tempo de serviço menor, reduzindo, assim, o tempo de exposição destes servidores aos agentes de risco.
Entretanto, como as tais Leis Complementares nunca foram editadas, a única alternativa aos servidores públicos sempre foi a de buscar socorro junto ao Poder Judiciário. O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, como intérprete máximo da Constituição, já vinha reconhecendo há certo tempo em sede de Mandado de Injunção (MI) o direito dos servidores públicos (federais, estaduais, distritais e municipais) à aposentadoria especial, aplicando por analogia o Art. 57 da Lei 8.213/1991[3] (MI 721/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 30.08.2007. No mesmo Sentido, dentre muitos outros; ARE-AgR 727.5431/MS, rel. Min. Marco Aurélio, 09.04.2013).
2.1. Súmula Vinculante 33
Mais recentemente (09/04/2014), o Supremo Tribunal Federal, dada à quantidade alarmante de Mandados de Injunção - 4.892, segundo levantamento feito pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki - tratando do tema, editou e publicou em 24/04/2014 a importante súmula vinculante nº. 33, a qual consolidou definitivamente o seu entendimento acerca do tema. In verbis:
Súmula Vinculante nº 33
“Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica.”
Com a edição da referida súmula pelo Supremo, cuja força vinculante alcança todos os demais órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública direita e indireta (Art. 103-A, caput, CRFB/88), fica assegurada a aposentadoria especial a todos os servidores públicos que tiverem trabalhado sujeitos a condições que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 25 anos.
Portanto, a partir do dia 24/04/2014, absolutamente todos os servidores públicos cujas atividades forem perigosas ou insalubres, deverão – exatamente isso, trata-se de dever da Administração Pública federal, distrital, estadual e municipal -, atingidos 25 anos de efetivo exercício da respectiva atividade, aposentar o servidor público sob o regime especial.
2.2. Tempo de Contribuição ou Tempo de Serviço?
Vale ressaltar que, em se tratando de aposentadoria especial, não há se falar em tempo de contribuição como critério precípuo para o reconhecimento de tal direito. Afinal, se o objetivo desta modalidade de aposentadoria é afastar precocemente o servidor do contato com os agentes de risco comprometedores de sua saúde ou integridade física, objetivando reduzir a dimensão dos danos sofridos por ele, qual seria o sentido de exigir outro senão o requisito de 25 anos de tempo de serviço na respectiva atividade? Logo, ao completar exatos 25 anos de exposição aos agentes de risco, independentemente do tempo de contribuição ou mesmo de idade mínima, fará jus o servidor público à aposentadoria especial. Isso se deve em virtude da necessária ponderação de valores constitucionais realizada entre o equilíbrio e sustentabilidade do sistema previdenciário e a vida, saúde, integridade física e psicológica do servidor. Neste conflito, não restam dúvidas o acerto em se fazer preponderar a vida e a saúde.
3. Quem tem direito à aposentadoria aos 25 anos
Citando um dos maiores constitucionalista pátrios, José Afonso da Silva, a Ministra Cármen Lúcia do Supremo Tribunal Federal, explica que “’Insalubres’ são atividades que submetem seu exercente a permanente risco de contrair moléstias profissionais. ‘Perigosas’, quando o servidor, por suas atribuições, fica sujeito, no seu exercício, a permanente situação de risco de vida – como certas atividades policiais.” (MI 795-1/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 15/04/2009).
Portanto, não restam dúvidas, atividades como as de médicos, enfermeiros, bombeiros ou as que, de modo geral, exponham o servidor público a constante risco de contração de doenças e moléstias relacionadas ao exercício da atividade, devem ser consideradas insalubres. De outro lado, as atividades como as policiais (polícia civil, militar, federal, rodoviária federal etc.), as de motoristas em grandes centros, ou as que, de alguma forma, sujeite o servidor, durante o seu exercício, ao risco de perda da própria vida ou comprometimento de sua integridade física, deverão ser havidas como perigosas. Fazendo jus, assim, à aposentadoria especial aos 25 anos de serviço na respectiva atividade.
4. Policiais e Bombeiros Militares tem Direito?
Os policiais e Bombeiros Militares são considerados categoria especial de servidores públicos, sujeitos a regras, normas e princípios próprios (Art. 42, CRFB/88). Por esta razão, não estão sujeito necessariamente à aposentadoria nos mesmos moldes que o servidor público civil. Logo, fala-se em transferência do militar à inatividade. No Estado do Tocantins, p. exemplo, a Lei 2.578/12 trata dos critérios de transferência voluntária do militar tocantinense para a reserva remunerada (Art. 122) aos 30 anos de contribuição, se homem, e 25 anos, se mulher, nesta condição permanecendo e podendo retornar, voluntariamente, ao serviço ativo se convocado. Bem como, dos critérios para a transferência definitiva e compulsória para a inatividade, hipótese em que ocorrerá a reforma (Art. 125).
Entretanto, a já mencionada lei ordinária, editada em consonância com os Arts 42, § 1º c/c Art. 142, § 3º, X, CRFB/88, é silente quanto à possibilidade de transferência especial à inatividade dos militares tocantinenses. Compreensível até certo ponto, por não se tratar de Lei Complementar como exige a CRFB/88. Logo, somente as policiais e bombeiros femininas podem, ao completarem 25 anos de contribuição, transferirem-se para a inatividade, seja na modalidade de reserva remunerada ou na de reforma.
Porém, com a entrada em vigor da Súmula Vinculante 33, não restam dúvidas que todos os militares bombeiros ou policiais, em virtude da natureza das atividades exercidas por eles, fazem jus à transferência à inatividade aos 25 anos de serviço. Os primeiros por exercerem atividade na qual o risco de contágio de moléstias e doenças é iminente e, por também, estarem sujeitos ao risco de morte. Os segundos, por terem como atividade precípua a oferta de policiamento ostensivo a fim de manter a ordem pública, o que, por si só, já indica o risco constante ao qual está sujeito sua integridade física e muitas vezes, sua própria vida, sobretudo, quando se é agente de segurança pública em um dos países mais violentos das Américas, bem como, por também estarem sujeitos à contração de moléstias profissionais, e como são abundantes os casos nesse sentido.
Ademais, negar-lhes a transferência à inatividade aos 25 anos de serviço sob o argumento de que são uma categoria especial com regimento próprio, não sendo alcançados por tal direito, portanto, seria realizar supressão inadmissível a qual não foi perpetrada pelo constituinte e muito menos poderá sê-lo pelos gestores, ou pelo legislador infraconstitucional. Ora, já não bastam as várias supressões efetivadas pelo próprio constituinte em desfavor dos militares[4], agora, admitir mais esta, configurando afronta letal à isonomia entre estes e os servidores civis que também exerçam atividades insalubres e perigosas, não seria razoável ou consentâneo com o desejo do constituinte que reservou à legislação infraconstitucional a prerrogativa de regulamentar a transferência do militar à inatividade, sem, contudo, autorizar o legislador a realizar supressões não previstas no próprio Texto Maior. Destarte, não devem prosperar tais argumentos contrários à transferência à inatividade dos militares aos 25 anos de serviço, sob pena de inegável ofensa ao Texto Constitucional.
5. Conclusões
Não obstante, não se tratar das tão esperadas Leis Complementares exigidas pelo Art. 40, § 4º, III da CRFB/88, a Súmula Vinculante 33 veio concretizar um direito indiscutível de todos os servidores públicos cuja integridade física e a vida ou a saúde estavam comprometidas em virtude das atividades profissionais por eles exercidas. Agora, não poderá mais a Administração Pública indeferir a aposentadoria especial ou a transferência especial à inatividade alegando a inexistência de lei regulamentadora. Com a entrada em vigor da supramencionada súmula vinculante, a Administração direta e indireta é obrigada a reconhecer a aposentadoria especial. Para tanto, basta ao servidor na iminência de completar 25 anos de serviço, pleitear administrativamente o reconhecimento de seu direito. Contudo, caso seja negado ou, de alguma forma, descumprida a súmula em questão, caberá reclamação diretamente ao STF, nos termos do Art. 103-A, § 3º da CRFB/88 e do Art. 7º da Lei 11.417/2006.
6. Referências Bibliográficas
ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado - 22ª ed., rev., Atual. e Ampl. São Paulo: Método, 2014
BARBOSA, Márcio. NUNNES, Sérgio. Estatuto PM BM TO Comentado: Artigo por Artigo. Gurupi: Veloso, 2013.
CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar F; SARLET, Ingo W; STRECK, Lenio L. (Coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro – 33ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo – 5ª ed. rev., ampl., refor. e atual. Niterói: Impetus, 2011.
NOTAS
[1] Cargo público efetivo – Após citarem Hely Lopes Meirelles, o Major Márcio Barbosa e o Prof. Sérgio Nunnes, concluem em seu livro Estatuto PM/BM/TO Comentado, que cargo público, “em outras palavras, trata-se da menor e mais simples unidade indivisível de competência expressada por um agente público”. (BARBOSA, Márcio. NUNES, Sérgio. Estatuto PM BM TO Comentado: Artigo por Artigo. Gurupi: Veloso, 2013, p. 15). E este cargo será efetivo quando o acesso a ele se der por concurso público (Art. 37, II, CF/88), estando sujeito o seu titular à aquisição da estabilidade, sendo-lhe assegurada a perda do cargo somente, no mínimo, mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa (Art. 41, CRFB/88).
[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro – 33ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 458.
[3] ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado - 22ª ed., rev., Atual. e Ampl. São Paulo: Método, 2014, p. 358-359.
[4] Aos militares são proibidas a sindicalização, a greve, a concessão de habeas corpus em relação a punições disciplinares, a filiação a partidos políticos enquanto em serviço ativo etc. (Art. 142, § 2º, e 3º, IV e V, CRFB/88)