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Medidas protetivas no âmbito da Lei Maria da Penha e sua real eficácia na atualiadade

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17/08/2014 às 09:28
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Lei Maria da Penha. Violência Doméstica e Familiar contra a mulher. Índices de violência contra a mulher no Brasil. Medidas Protetivas de Urgência. Ineficácia.

INTRODUÇÃO

A principal finalidade do Direito do Penal é tipificar condutas sociais como crimes e disponibilizar dispositivos e mecanismos que garantam a punição dos infratores. Outra finalidade importantíssima é garantir a paz social, o bem estar dos brasileiros, a segurança e integridade física, psicológica e patrimonial. A repressão da violência pelo Direito está presente desde os seus primórdios.

É neste aspecto que surgem as leis penais. O tema deste trabalho científico está relacionado à Lei Maria da Penha (LMP), tema polêmico e muita atual. Todos os dias os jornais noticiam novidades, curiosidades, entrevistas e casos referentes à LMP. Trata-se de uma Lei criada em 2006, que busca proteger as mulheres das agressões de seus parceiros, dando total amparo para as vítimas e seus menores dependentes. O nome da Lei foi escolhido em homenagem a cearense Maria da Penha Maia Fernandes, que sofreu durantes anos com a brutalidade e violência de seu então esposo, inclusive, podemos dizer que foi através de sua luta que a Lei foi criada. Maria, diante do descaso das autoridades brasileiras levou seu caso aos órgãos internacionais, pois ela esperou muitos anos para o julgamento de seu caso e obteve uma sentença fraca, que não deu a devida punição ao seu agressor. Pode-se afirmar que a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher e a Convenção de Belém do Pará serviram de base para a elaboração da LMP.

Este ano, a Lei 11.340/2006, completará 8 anos de existência, e nada melhor para comemorar seu aniversário do que a elaboração deste trabalho, visando entender melhor o tema e sua real aplicação na sociedade.

Neste trabalho apresentar-se-á o aspecto conceitual, programático, garantista e procedimental da LMP, bem como as formas de violência (física, psicológica, sexual, patrimonial e moral) trazidas nesta legislação. Analisar-se-á também os índices de violência contra a mulher em todo o território nacional, comprovando-se que a violência física é a mais recorrente, seguida da psicológica.

As medidas protetivas de urgência, fundamentais para a vítima, serão abordadas profundamente. Dentre elas estão as medidas que: desarmam o violador; obrigam o agressor a se afastar da vítima, dos menores e do lar; proíbem o contato do agressor com a ofendida por qualquer meio de comunicação; estipulam que o agressor fique a determinada distância da ofendida e que não frequente determinados lugares. Ele fica proibido de se aproximar e de manter contato com a vítima. A prisão preventiva do infrator também pode ser aplicada como medida protetiva de urgência em alguns casos.

Existem as medidas que são voltadas à ofendida, como as que encaminham a agredida ao programa de atendimento e de proteção, as que reconduzem a mulher ao lar, as que garantem seus direitos patrimoniais, trabalhistas e civis. Há, portanto, uma série de medidas que buscam proteger a vítima, mas nem sempre são realmente eficazes.

A problemática está diretamente ligada à falta de políticas sistematizadas das polícias de todo o país. Falta estrutura e gente para trabalhar. A justiça continua lenta, como sempre foi. Boa parte dos casos de violência não é resolvido. O delegado, ciente da ocorrência de violência contra a mulher nada pode fazer além de encaminhar os pedidos de medidas protetivas ao judiciário, que por muitas vezes não cumpre o prazo de 48 horas para deferir ou não o pleito. A situação é difícil, mas já foi bem pior. Hoje, contamos com uma legislação específica que trata do tema detalhadamente apesar de apresentar algumas lacunas.

A solução para reduzir os índices de violência seria a forte estruturação da Polícia e do Poder Judiciário. Aumentando grandiosamente o número de servidores e de equipamentos a situação mudaria completamente.

Um importante mecanismo utilizado em alguns países e já está presente também em alguns poucos estados brasileiros, é o monitoramento eletrônico do agressor e da vítima, que pode ser feito individualmente ou conjuntamente. Essa fiscalização, juntamente com toda uma estrutura montada, possibilita que a polícia seja informada de todos os passos do agressor e da vítima e havendo aproximação, as devidas medidas policiais devem ser tomadas. A utilização desse dispositivo no Brasil ainda é insuficiente diante dos milhares de casos de violência contra a mulher.

Uma novidade de grande importância está tramitando no Congresso Nacional, é o Projeto de Lei 6433, de autoria do Deputado Federal Bernardo Santana de Vasconcellos, que tem por objetivo mudar os trâmites da LMP para garantir a sua aplicação célere. O Projeto sem dúvidas veio em momento oportuno esse for aprovado mudará a situação atual da violência doméstica e familiar de gênero.

O método utilizado neste trabalho científico foi o método indutivo, através de pesquisas bibliográficas e doutrinárias, e de forma empírica analisando as pesquisas divulgadas por diversos institutos.

De início, é tratada a repressão da violência pelo Direito, a proteção jurídica da vítima de violência doméstica e o histórico da LMP.

Em seguida são apresentados o objetivo e objeto da referida Lei, seus aspectos, as formas de violência contidas, bem com seus índices.

O capítulo seguinte, por fim, trata do foco principal deste trabalho, as medidas protetivas de urgência, sendo mostradas suas espécies, sua ineficácia e a possível solução para este problema.


1. A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO DIREITO BRASILEIRO

1.1 A repressão à violência pelo Direito

Os conflitos são inerentes à vida do ser humano em sociedade. Instauram-se até mesmo entre aqueles que um dia viveram em harmonia e reciprocamente ofertaram relação de amizade e compaixão. O conflito é, ainda, em certa medida, desejável, por proporcionar ao ser humano a resiliência social de que precisa para destacar-se entre seus iguais.

Contudo, existem conflitos que extrapolam os limites postos aos indivíduos, de forma a impossibilitar a convivência pacífica entre tais indivíduos. Historicamente, buscaram sempre os seres humanos resolver as mais diversas questões através da força, a tal medida que se denomina como violência.

A violência é, de acordo com o dicionário Aurélio (FERREIRA, 2009), “constrangimento físico ou moral; uso da força; coação”. De acordo com Hannah Arendt (1968, p. 29), distingue-se das outras formas de dominação do homem por seu par - poder, autoridade, em razão de sua instrumentalidade. O homem, diz a mesma autora, para valer-se de violência, emprega meios dos quais nem natural nem legitimamente dispõe.

Para impedir a destruição dos indivíduos uns pelos outros e a instauração do caos no meio social, fez-se sempre necessária a atuação de um poder alheio à vontade dos envolvidos, o que ocorreu, sistematicamente em cada civilização, através da criação do Estado.

Ao longo dos séculos, com a separação gradual entre Estado e Religião, a comunidade ocidental viu-se compelida cada vez mais a reprimir fortemente a violência, mesmo aquela que antes era legitimada pelo poder então absoluto do Monarca. Aperfeiçoava-se a noção, consagrada pelos ideais da Revolução Francesa, dos direitos fundamentais propriamente ditos, ou de primeira geração, os quais, “são, na essência [...] os direitos do homem livre e isolado, direitos que possui em face do Estado” (SCHMITT, 1954, apud BONAVIDES, 2008, p. 561).

Com a crescente onde de desenvolvimento tecnológico experimentado, sobretudo, nos séculos XIX e XX, sofisticou-se também, paralelamente aos instrumentos bélicos desenvolvidos pelo homem, o Direito, que passou a se disseminar de modo comum nas nações do Ocidente, com a pacificação dos conceitos trazidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que buscava tutelar com mais rigor a violência praticada pelo homem contra o homem.

1.2 A proteção jurídica da vítima de violência doméstica

O século XX foi, sem dúvida, tempo de mudança de rumo no tocante à intolerância de gênero, pelo menos sob a luz do direito positivo. Isso porque, como parte de um movimento em prol da positivação global dos direitos fundamentais, através da marcante Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, iniciou-se o processo, hoje ainda em pleno avanço, de aumento da abrangência no reconhecimento de tais bens jurídicos.

Em relação à violência contra as mulheres Belmiro destaca: “Desde que o mundo é mundo humano, a mulher sempre foi discriminada, desprezada, humilhada, coisificada, objetificada, monetarizada” (WELTER apud DIAS, 2008, p. 15).

Maria Berenice afirma que a questão da violência está enraizada em nossa história e cultura, não sendo o agressor o único culpado pelas agressões:

Ninguém dúvida que a violência sofrida pela mulher não é exclusivamente de responsabilidade do agressor. A sociedade ainda cultiva valores que incentivam a violência, o que impõe a necessidade de se tomar consciência de que a culpa é de todos. O fundamento é cultural e decorre da desigualdade no exercício de poder e que leva a uma relação de dominante e dominado. Essas posturas acabam sendo referendadas pelo Estado. Daí o absoluto descaso de que sempre foi alvo a violência doméstica (DIAS, 2008, p. 15 e 16).

Comprova-se que indiscutivelmente o papel da mulher na sociedade foi por muito tempo secundário e discriminado, sendo a violência de gênero uma situação enraizada historicamente e culturalmente, mas essa realidade mudou e hoje a mulher encontra-se em constante ascensão.

1.2.1 A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher

Muito embora a Declaração Universal dos Direitos Humanos tenha sido o ponto de partida, a I Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em 1975, no México, esta sim direta, efetivamente ensejou a elaboração da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW), em 1979, documento que, de acordo com Silvia Pimentel, primeiro dispôs amplamente sobre os direitos humanos da mulher (PIMENTEL apud DIAS, 2008).

A chamada Convenção da Mulher trazia: “a possibilidade de ações afirmativas, abarcando áreas como trabalho, saúde, educação, direitos civis e políticos, estereótipos sexuais, prostituição e família. [...] Porém, neste documento, não foi incorporada a questão da violência de gênero” (PIMENTEL, 2006, apud DIAS, 2008, p. 28).

A CEDAW, inicialmente subscrita com reservas pelo Brasil, em 1984, foi ratificada em sua completude pelo Congresso Nacional dez anos depois, após já haver a Conferência das Nações Unidas definido, em 1993, a violência contra a mulher como violação aos direitos humanos.

1.2.2 A Convenção de Belém do Pará e a violência contra a mulher

Em 27 de novembro de 1995 o Brasil ratificou a Convenção de Belém do Pará, adotada pela Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos em 6 de junho de 1994, também conhecida como Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (CIPPEVCM).

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O primeiro artigo dessa Convenção define o que é violência contra a mulher:

Artigo 1º. Para os efeitos desta Convenção deve-se entender por violência contra a mulher qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado.

O segundo artigo fala da abrangência, das relações, das formas, das situações e dos locais em que a violência pode ocorrer. Leia-se:

Artigo 2º. Entender-se-á que violência contra a mulher inclui violência física, sexual e psicológica: 1. Que tenha ocorrido dentro da família ou unidade doméstica ou em qualquer outra relação interpessoal, em que o agressor conviva ou haja convivido no mesmo domicílio que a mulher e que compreende, entre outros, estupro, violação, maus-tratos e abuso sexual; 2. Que tenha ocorrido na comunidade e seja perpetrada por qualquer pessoa e que compreende, entre outros, violação, abuso sexual, tortura, maus tratos de pessoas, tráfico de mulheres, prostituição forçada, sequestro e assédio sexual no lugar de trabalho, bem como em instituições educacionais, estabelecimentos de saúde ou qualquer outro lugar; 3. Que seja perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.

Ao todo são 25 artigos que compõem a Convenção de Belém do Pará. Esses artigos falam dos diversos aspectos da violência contra a mulher, versam sobre os mecanismos interamericanos de proteção, os deveres do Estado, os direitos protegidos e as disposições gerais da Convenção, bem como defende que todos os esforços necessários devem ser feitos para que se evite que este tipo de violência ocorra e para que as vítimas sejam amparas de forma acolhedora e protetora, com respeito e eficiência.

A CIPPEVCM serviu de base para a criação e elaboração da LMP que, na verdade, dá cumprimento à referida Convenção. Deve-se ressaltar que a LMP tem um número bem maior de artigos e é bem mais elaborada que a Convenção de Belém do Pará.

1.2.3 O projeto de Lei 4.559 de 2004

Diante da inexistência de proteção à vítima de violência doméstica no Brasil, foram criados órgãos ligados à Presidência da República para estudar o caso de violência sofrido por Maria da Penha (que será mostrado detalhadamente nos próximos tópicos) e para elaborar a proposta de lei visando coibir a ação dos agressores contra as mulheres através de medidas mais eficazes para que não houvesse mais tanta demora nem impunidade nos novos julgamentos como ocorreu no dela.

O Decreto nº 5.030, de 31 de março de 2004 criou o Grupo de Trabalho Interministerial para estudar a situação de violência e elaborar o projeto. O grupo era integrado pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, da Presidência da República, Advocacia-Geral da União, Ministério da Saúde, Casa Civil da Presidência da República, Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, Ministério da Justiça, Secretaria Especial de Políticas Públicas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República e Secretaria Nacional de Segurança Pública (COMISSÃO DE SEGURIDADE SOCIAL E FAMÍLIA, 2004, p. 12, online)

No final de 2004 o Poder Executivo encaminhou ao Congresso Nacional o referido projeto de lei, trazendo em sua ementa a seguinte disposição: “cria mecanismos para coibir a violência familiar e doméstica contra a mulher nos termos do §8º do art. 226 da nossa Constituição Federal e da outras providências” (CSSF, 2004, online).

Tal projeto trouxe algumas inovações no tocante ao combate da violência doméstica e familiar contra a mulher como: a criação do Juizado da Mulher e de centros de atendimentos às vítimas de violência e de reabilitação para o agressor; definição de violência doméstica e familiar contra a mulher; criação de medidas protetivas de urgência; equiparação da violência sofrida pelas mulheres como violação dos direitos humanos; estipulação de punição mais severa e eficaz para os violentadores (CSSF, 2004, online).

O Projeto de Lei nº 4559 de 2004 deu origem à Lei Federal de nº 11.340 de 2006, tendo recebido o nome de Lei Maria da Penha, sendo assim chamada por homenagear uma mulher guerreira, vítima das atrocidades de seu marido, que lutou durante anos para que seu agressor não ficasse impune, tendo recorrido às instituições internacionais para que a situação da mulher violentada no Brasil mudasse (CSSF, 2004, online).

1.2.4 A Lei Federal 11.340 de, 7 de agosto de 2006

A Lei federal de número 11.340, promulgada em 7 de agosto de 2006, inaugurou, pelo menos no campo do dever-ser, nova era no que se refere à defesa dos direitos das vítimas de violência doméstica.

Grande destaque na mídia nacional e até internacional, a emocionante história a motivar a criação e conferir marcante apelido a esse diploma legislativo, conhecido como LMP em função da constante batalha travada pela biofarmacêutica cearense Maria da Penha Maia Fernandes pelo aumento do rigor na condenação de seu ex-marido, que, havendo praticado violência doméstica contra esta, foi condenado a oito anos de reclusão, havendo cumprido apenas dois, em definitivo. O episódio foi levado ao conhecimento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, no caso nº. 12.051 e deu origem ao Relatório nº. 54/01, do qual se extraem as presentes informações (2001).

Embora bastante atrasado em obedecer às diretrizes estabelecidas pelas convenções internacionais a respeito do assunto, trata-se de “instrumento legal bastante cuidadoso, detalhado e abrangente, que representa o esforço de contextualização das duas pragmáticas convenções” (PIMENTEL, 2006, apud DIAS, 2008, p. 28).

A segunda convenção de que trata a autora, ressalte-se, é a CIPPEVCM, ratificada pelo Brasil em 1995. É desse documento que são importados, em grande parte, o conceito fornecido pelo art. 5º da LMP, o qual delimita objetivamente a conduta de violência doméstica.

A seguir, analisar-se-á como surgiu a referida lei.

1.3 Histórico da Lei Maria da Penha

1.3.1 A história de Maria da Penha Maia Fernandes

Maria da Penha Maia Fernandes, filha de José da Penha Fernandes e de Maria Lery Maia Fernandes, ou simplesmente Maria da Penha, é brasileira, nascida em 1945, em Fortaleza/CE, formada em Farmácia pela Universidade Federal do Estado do Ceará, tem três filhas e foi casada com o professor universitário de economia Marcos Antônio Heredia Viveiros (FERNANDES, 2012). Ela se tornou mundialmente conhecida pela luta a favor dos direitos das mulheres após sofrer diversos tipos de violência por parte do seu marido.

Atualmente com 68 anos, Maria da Penha, vítima e símbolo nacional da violência doméstica, é líder de vários movimentos de defesa dos direitos das mulheres.

Sofreu sua primeira grande violência aos 38 anos de idade, no dia 29 de maio de 1983, quando seu marido, o professor colombiano Marcos, tentou matá-la (FERNANDES, 2012, p. 38 e 39).

Na primeira tentativa ele atirou contra sua esposa enquanto ela dormia, simulando uma situação de assalto, na qual o colombiano foi encontrado na cozinha pedindo e gritando por socorro alegando ter sido vítima de assaltantes. Maria relata que foi acertada nas costas pelo tiro e ficou paraplégica:

Acordei de repente com um forte estampido dentro do quarto. Abri os olhos. Não vi ninguém. Tentei mexer-me, mas não consegui. Imediatamente fechei os olhos e um só pensamento me ocorreu: “Meu Deus, o Marco me matou com um tiro”. Um gosto estranho de metal se fez sentir, forte, na minha boca, enquanto um borbulhamento nas minhas costas me deixou ainda mais assustada. Isso me fez permanecer com os olhos fechados, fingindo-me de morta, pois temia que Marco me desse um segundo tiro. [...] De repente, escutei o barulho da tábua e do ferro de engomar indo ao chão. [...] Paralisada, mas vivamente alerta, à espreita do pior, escutei, nítido e seco, outro tiro! Uma das crianças chorou. Um jarro caiu. Nesse momento, pensei: “Fiz um mau juízo sobre o Marco! Meu Deus, perdoa-me! E se for algum assaltante? [...] De súbito, Marco começou a gritar, chamando por nossa empregada, a Dina. [...] Tentei me levantar. Não conseguia me mover nem um milímetro. Meus braços e minhas pernas não obedeciam ao comando. [...] Ao dar entrada no hospital, segundo o médico emergencista, eu me encontrava em choque hipovolêmico, que ocorre devido à diminuição de sangue no corpo, e com tetraplegia (FERNANDES, 2012, p. 39,40 e 41).

Semanas após o ocorrido, o professor tentou novamente tirar a vida de sua mulher. Desta vez ele tentou eletrocutá-la e afogá-la, enquanto Maria, que estava na cadeira de rodas, tomava banho. Maria da Penha conta:

Adentrando nossa suíte, ele abriu a torneira do chuveiro e eu, ao estirar o braço para sentir a temperatura da água senti um choque. Imediatamente empurrei a cadeira de rodas para trás, gritando: “Tomei um choque! Tire-me daqui! Não uso mais este chuveiro!” Dina e Rita, orientadas a permanecerem sempre próximas a mim, quando Marco estivesse em casa, imediatamente se achegaram. E, enquanto me desesperava, tentando afastar-me daquele local, Marco retrucava para que eu deixasse de besteira, pois aquele “choquezinho de nada não da para matar ninguém”. Então entendi o motivo pelo qual, depois da minha chegada de Brasília, Marco tomava seu banho somente no banheiro das crianças. Como não perceber esse episódio como uma segunda tentativa de homicídio contra a minha pessoa? (FERNANDES, 2012, p. 88). 

Marco confessou indiretamente o crime ao prestar o seu segundo depoimento, 13 meses depois do primeiro. Devido às contradições apresentadas em suas declarações, o comissário da polícia sugeriu que Marco falasse por que praticou tal crime. Ele respondeu dizendo: “será que o delegado vai entender?” (FERNANDES, 2012, p. 95).

Revoltada com toda essa situação e pelo sofrimento que lhe foi causado, Maria da Penha procurou a justiça para que seu agressor fosse punido severamente. O processo se arrastou na justiça por alguns anos. Marcos foi a júri duas vezes. Em 1991, os advogados do agressor conseguiram anular o julgamento e em 1996, Marcos foi condenado a dez anos e seis meses de reclusão por dupla tentativa de homicídio, mas ficou solto devido aos diversos recursos de apelação feitos (FERNANDES, 2012, p. 107 e 218).

Sobre as investigações e o julgamento, Maria Berenice destaca:

Tais fatos aconteceram em Fortaleza, Ceará. As investigações começaram em junho de 1983, mas a denúncia só foi oferecida em setembro de 1984. Em 1991, o réu foi condenado pelo tribunal do júri a oito anos de prisão. Além de ter recorrido em liberdade ele, um ano depois, teve seu julgamento anulado. Levado a novo julgamento em 1996, foi-lhe imposta a pena de dez anos e seis meses. Mais uma vez recorreu em liberdade e somente 19 anos e 6 meses após os fatos, em 2002, é que M. A. H. V. foi preso. Cumpriu apenas dois anos de prisão (DIAS, 2008, p. 13).

Em relação a Marcos Antônio Heredia Viveiros, sabe-se que ele vive atualmente em Natal/RN e que foi privado de sua liberdade em 2002, muito tempo após os crimes cometidos, ficando preso apenas por dois anos, já que houve a concessão da progressão para o regime aberto.  Maria da Penha demonstra sua insatisfação, bem como seu alívio após tanto tempo de batalha: “Quanto a Marco Antônio Heredia Viveros, dezenove anos e seis meses depois do crime, a apenas seis meses da prescrição, ele foi finalmente preso” (FERNANDES, 2012, p. 109).

Após a demora e omissão da justiça brasileira perante o caso, Maria foi longe e com o apoio de ONG’s procurou ajuda na Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) em 2001. Dois órgãos, O Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional (CEJIL) e o Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), juntamente com Maria da Penha formalizaram a denúncia contra o Brasil à Comissão e pela primeira vez na história a OEA acatou e recebeu uma denúncia de violência doméstica (FERNANDES, 2012, p. 108, 218 e 219).

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil por omissão e negligência em relação à violência doméstica sofrida por Maria. Também foi recomendado que nosso país criasse uma lei específica para os casos de violência contra a mulher, visando da maior proteção e amparo para as vítimas (FERNANDES, 2012, p. 220 e 221).

Com essa recomendação da OEA, diversas entidades brasileiras se uniram e começaram a elaborar um anteprojeto para a criação dessa lei, definindo todas as formas de violência doméstica e familiar contra as mulheres, estabelecendo toda uma estrutura para dar apoio às vítimas e visando reduzir tais índices de violência (FERNANDES, 2012, p. 226).

O Projeto de Lei, iniciado em 2002, foi elaborado por 15 ONG’S relacionadas ao trabalho com a violência doméstica e familiar. O Grupo de Trabalho Interministerial com a orientação da Secretaria Especial de Políticas para as mulheres enviou o projeto ao Congresso Nacional em novembro de 2004 (FERNANDES, 2008, p. 14).

Ao assinar a LMP, o Presidente da República na época, Luiz Inácio Lula da Silva disse: “Esta mulher renasceu das cinzas para se transformar em um símbolo da luta contra a violência doméstica no nosso país” (FERNANDES, 2008, p. 14).

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Pablo. Medidas protetivas no âmbito da Lei Maria da Penha e sua real eficácia na atualiadade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4064, 17 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29229. Acesso em: 25 abr. 2024.

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