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O instituto da pensão no serviço público

26/06/2014 às 11:30
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A pensão por morte é benefício previdenciário devido aos dependentes do servidor falecido, independentemente se, à época do falecimento, ele estava ou não em atividade.

Na lição de Alfredo J. Ruprecht:

“Ao falecer um filiado, produz-se uma contingência familiar que pode ter graves conseqüências. Se o falecido é o cabeça da família, esta pode se encontrar numa situação economicamente aflitiva. Mas, de qualquer forma, seja qual for a situação econômica do grupo familiar, toda morte causa transtornos e despesas que é o que a seguridade social procura superar.

O benefício que, neste caso, concede a seguridade social tem uma concepção humanista e orgânica da vida societária. Visa dar aos parentes enlutados, condições de enfrentar uma situação de falta de proteção ou de pouca proteção causada pelo fato doloroso.”[1]

Deste modo, a pensão aqui referida presta-se a evitar que a família em luto seja, em função do falecimento, privada das condições financeiras necessárias ao seu sustento e sobrevivência. Ressalte-se, ainda, que se trata de um benefício previdenciário pago pelas contribuições recolhidas da remuneração ou proventos do servidor ao longo de sua vida.

Em virtude da natureza vinculada da contribuição previdenciária, onde o recolhimento do tributo acarreta uma obrigatória contraprestação por parte do ente estatal, não há, como adiante será demonstrado, como reduzir o valor do benefício sem, em contrapartida, reduzir a contribuição mensal. No caso da pensão por morte, esse sopeso obrigatório torna-se praticamente impossível quando verificado que o pagamento do benefício depende de situação imprevisível. Deste modo, resta inadmissível a redução do valor do benefício se não vier seguida de uma redução do desconto efetivado a título de contribuição.

Nesse sentido, o texto original da Constituição Federal de 1988 trazia, em seu artigo 40, § 5º[2], o direito dos dependentes de servidor falecido de perceber pensão por morte correspondente à totalidade de seus vencimentos ou proventos. Ressalte-se que a Emenda Constitucional n.º 20/98 passou a dispor que a pensão corresponderia ao valor do provento do servidor falecido, se já aposentado, ou ao valor do proventos a que teria direito, no caso de ainda estar em atividade. Insta observar que, remetendo ao §3º do mesmo artigo, a EC n.º 20/98 garantiu que a pensão corresponderia à integralidade do quantum percebido pelo servidor falecido, em atividade ou não.

“Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurada regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.

(...)

§3º - Os proventos de aposentadoria, por ocasião de sua concessão, serão calculados com base na remuneração do servidor no cargo efetivo em que se der a aposentadoria e, na forma da lei, corresponderão à totalidade da remuneração.

(...)

§7º - Lei disporá sobre a concessão do benefício da pensão por morte, que será igual ao valor dos proventos do servidor falecido ou ao valor dos proventos a que teria direito o servidor em atividade na data de seu falecimento, observado o disposto no §3º.”

Com o advento da Emenda Constitucional n.º 41, de 19 de dezembro de 2003, publicada no Diário Oficial de 31.12.03, o §7º do artigo 40 foi profundamente alterado, passando a dispor da seguinte forma:

“Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo:

(...)

§7º - Lei disporá sobre a concessão do benefício de pensão por morte, que será igual:

I – ao valor da totalidade dos proventos do servidor falecido, até o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201, acrescido de setenta por cento da parcela excedente a este limite, caso aposentado à data do óbito; ou

II – ao valor da totalidade da remuneração do servidor, no cargo efetivo em que se deu o falecimento, até o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201, acrescido de setenta por cento da parcela excedente a este limite, caso em atividade na data do óbito.”

Assim, a Emenda Constitucional nº 41/03, modificando a forma de pagamento da pensão por morte, garantiu a equiparação de seu valor à integralidade da remuneração ou provento do servidor APENAS nos casos em que esse montante venha a ser inferior ao limite máximo de benefício trazido pelo Regime Geral de Previdência Social. Caso a remuneração ou provento seja superior a tal limite, o pensionista fará jus, tão somente, a setenta por cento (70%) do valor excedente.

Em que pese o artigo 3º[3] ter garantido, àqueles que “tenham cumprido todos os requisitos para obtenção desses benefícios” até a data de publicação da Emenda, a aplicação da legislação então vigente, os servidores (ou seus dependentes) que ainda não estavam em gozo de pensão, viram-se colhidos pela nova regras, que acabou com o direito à pensão correspondente à integralidade dos vencimentos ou proventos do servidor que a originou.

Consoante adiante será demonstrado, viola princípios e garantias constitucionais supor que os dependentes desses servidores não teriam direito ao pagamento integral da pensão por morte quando de seu falecimento, tal qual estabelecido pela EC n.º 20/98.

Nesse sentido mister se faz destacar que não é objeto, no presente caso de controle concentrado de constitucionalidade, a natureza jurídica estatutária da relação existente entre o servidor e a Administração Pública, bem como a sua alterabilidade unilateral a bem do interesse público[4]. Contudo, não pode ser ignorado que, não obstante a relação de “emprego” entre o servidor e a Administração esteja sujeita a regras específicas previstas em lei (no caso dos servidores públicos federais, a Lei n.º 8.112/90), seu aperfeiçoamento esteve, no início, atrelado à vontade do servidor que, voluntariamente, optou pelo ingresso no serviço público.

Isto porque, ao ingressar na Administração Pública, através de aprovação em concurso, o indivíduo manifesta, no ato de posse, a sua vontade de pertencer ao quadro da Administração. Dessa forma, ainda que essa relação não esteja sujeita, tão somente, às regras que regem um acordo de vontades puro, não se pode ignorar que a vontade do indivíduo aprovado em concurso público foi elemento primordial para o aperfeiçoamento da relação estatutária formada.

Deste modo, o elemento volitivo externado pelo servidor ao tomar posse no cargo para o qual foi aprovado lhe garante um direito sobre as “cláusulas” que regem sua relação com a Administração Pública. Ora, não pode ser ignorado que ao optar por ingressar no serviço público o indivíduo leva em consideração as regras que o regerão, ou seja, quais serão seus deveres e, mais importante, seus direitos. Nesse cenário, verifica-se, portanto, ser absurdo que o regime para o qual o servidor aderiu quando ingressou no serviço público (e com o qual anuiu) possa ser, de inopino e unilateralmente, modificado, deixando de garantir o que outrora garantia.

A discussão acerca da possibilidade de uma Emenda Constitucional suprimir um direito garantido pelo constituinte originário[5] (Poder Constituinte) vem de longa data. O artigo 17[6] do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias impedia, em casos específicos, a argüição de direito adquirido em face do texto constitucional que então entrava em vigor.

A interpretação segundo a qual, por se tratar de uma relação estatutária onde as “regras do jogo” podem ser modificadas a qualquer momento unilateralmente, o servidor não teria direito adquirido às “cláusulas” que regem seu “contrato de trabalho” não merece acolhida. Consoante exposto até aqui, verifica-se claramente que a relação estatutária existente não teria se formado se não fosse a vontade do servidor e o interesse da Administração.

Na lição de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, a proteção ao direito adquirido deve ser voltada, também, para o caso do servidor público que aderiu à determinada carreira:

“No máximo, sua abrangência pode ser estendida aos direitos assimiláveis aos negociais, ‘quase-negociais’, como os que outorgam vantagens (esperadas) ao servidor público nas suas relações com o Estado. Aqui se pode supor o aspecto de autonomia da vontade como determinante da adesão a um quadro legalmente fixado”.[7]

Assim, ao optar, voluntariamente, após sua aprovação em concurso, por ingressar no serviço público, o indivíduo agrega, ao seu patrimônio jurídico, as regras (“cláusulas”) com as quais anuiu no momento de seu ingresso, não sendo facultado à Administração Pública modificar tais regras, de modo a suprimir direitos.

Nesse sentido, leciona Cármen Lúcia Antunes Rocha:

“É que o art. 60, §4º, IV, da Constituição da República estabelece não poder ser objeto de deliberação proposta de emenda tendente a abolir ‘os direitos e garantias individuais’.

(...)

O sentido atribuído à expressão contida no dispositivo supramencionado, contudo, tem sido preferencialmente aquele que estende a interpretação fazendo ali se incluírem todos os direitos fundamentais que o indivíduo pode considerar como componente do seu patrimônio jurídico básico.”[8]

Sob esse prisma, tem-se, ainda, o voto do Exmo. Ministro Marco Aurélio, proferido no MS 23.047-3/DF[9], da relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence:

“Ora, se isso ocorre, na expressão ‘direitos e garantias individuais’, tem-se a preservação, pela Carta de 1988, das situações também em curso, não apenas dos direitos adquiridos, consideradas as situações concretas daqueles que já atenderam às exigências indispensáveis a alcançar-se a aposentadoria. A ordem jurídico-constitucional há de ser percebida com o alcance de viabilizar a almejada segurança jurídica. O que assento, e aqui sinalizo a visão que adotarei sobre a reforma previdenciária, é a imutabilidade das situações em curso, tenham o tempo que tiverem. Afinal, entender-se de forma diversa é admitir que o Estado, que tudo pode – legisla, executa e julga -, altere, unilateralmente, os parâmetros da aposentadoria, fazendo-o de forma substancial. Isso para mim não é possível, porquanto, repito, as contribuições satisfeitas têm objetivo próprio e a modificação a esvazia, implicando vantagem indevida para um dos envolvidos na relação jurídica e, o que é pior, justamente para aquele que, a todos os títulos, surge na posição mais confortável – o Estado.”

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Diante disso, incabível restringir o pagamento da pensão por morte, no valor integral da remuneração ou proventos do servidor, às situações em que falecimento tenha ocorrido até 31.12.03, deixando de garantir o direito daqueles servidores que ingressaram na Administração Pública sob a égide das regras anteriores que, de acordo com o até aqui esposado, já integram seu patrimônio jurídico.

Por fim, cumpre ressaltar que na interpretação do novo texto constitucional – que não trata, na sistematização da forma de pagamento da pensão por morte, da situação daqueles servidores que ingressaram no serviço público antes da publicação da EC n.º 41/03 – devem ser consideradas, consoante entendimento já reiterado do Egrégio Supremo Tribunal Federal, “as circunstâncias que motivaram a elaboração de determinada norma inscrita na Constituição.”[10]

Assim, analisando-se a Exposição de Motivos n.º 29, de 29.4.03, encaminhada, pelo Ministro da Previdência e pelo Ministro-Chefe da Casa Civil, ao Presidente da República, verifica-se que a intenção, quando da elaboração da Proposta de Emenda Constitucional, era de garantir, aos dependentes daqueles servidores que ingressaram até a publicação da referida emenda, o direito à percepção da pensão por morte em valor igual ao da remuneração ou proventos do servidor falecido, in verbis:

“46. Também submetemos a Vossa Excelência a alteração do §7º do art. 40, que atualmente estabelece um valor de benefício para pensão por morte de maneira integral ou proporcional, dependendo da circunstância em que o óbito vier a ocorrer.

47. Propõe-se que a prestação passe a estipular um benefício que observe o limite de até 70% (setenta por cento) do valor a que o servidor teria direito em relação à sua aposentadoria.

48. Nessa questão, procura-se atender conceitualmente aos questionamentos apresentados mais acima na concessão desse benefício. Porém, entende-se que os critérios de determinação do valor exato da pensão em cada caso devem ser normatizados em sede infraconstitucional, visando atender às inúmeras situações surgidas, bem como reagir a eventuais alterações do ambiente econômico.

49. Uma fundamental alteração é a imposição de um limite para o valor máximo dos benefícios pagos aos servidores públicos, que se propõe seja o mesmo teto estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social pelo art. 201 da Constituição Federal.

50. Tal medida será aplicável a todos os servidores que vierem a ingressar no serviço público a partir da promulgação desta Emenda Constitucional, uma vez que a presente proposta garante aos atuais servidores o recebimento dos proventos sem observância do referido limite.” (destaque atual)

É, portanto, bastante claro que, quando da elaboração da Proposta de Emenda, os dependentes dos atuais servidores, ou seja, daqueles que ingressaram até a publicação da EC n.º 41/03, teriam direito a perceber a pensão por morte no valor da remuneração ou provento do servidor falecido, consoante dispunha o §7º do artigo 40 que a redação da EC n.º 20/98.

Tal posicionamento amolda-se perfeitamente ao entendimento até aqui explanado, na medida em que garante aos servidores o direito às regras já componentes de seu patrimônio jurídico, posto que com elas anuíram quando do ingresso na Administração Pública.


Notas

[1] In Direito da Seguridade Social – São Paulo: LTr, 1996. p. 173.

[2] “Art. 40 (...) § 5º - O benefício da pensão por morte corresponderá à totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido, até o limite estabelecido em lei, observado o disposto no parágrafo anterior.”

[3] “Art. 3º - É assegurada a concessão, a qualquer tempo, de aposentadoria aos servidores públicos, bem como pensão aos seus dependentes, que, até a data de publicação desta Emenda, tenham cumprido todos os requisitos para obtenção desses benefícios, com base nos critérios da legislação então vigente.”

[4] Alexandre de Moraes, utilizando-se da lição de Celso Antonio Bandeira de Mello, ensina que, “toda a disciplina constitucional do servidor público está armada em função de objetivos intimamente ligados aos propósitos do próprio Estado de Direito. (...) O Estado de Direito presume, como todos sabemos, a submissão do poder a um quadro de legalidade (...) o regime constitucional dos servidores públicos almeja exatamente fixar regras básicas favorecedoras da neutralidade do aparelho estatal, a fim de coibir sobretudo o Poder Executivo de manipulá-lo com desabrimento capaz de comprometer objetivos do Estado de Direito.” (in Direito Constitucional Administrativo – Atlas: São Paulo, 2002. p. 176).

[5] O texto original da Constituição Federal de 1988 estabelecia no §5º do artigo 40 que “o benefício da pensão por morte corresponderá à totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido, até o limite estabelecido em lei, observado o disposto no parágrafo anterior.”

[6] “Art. 17 – Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título.”

[7] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Aspectos do Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 117.

[8] in Princípios Constitucionais dos Servidores Públicos – São Paulo: Saraiva, 1999. p. 109.

[9] Publicado no DJ de 14.11.03.

[10] ADI 2010/MC – DF – Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade – Relator Min. Celso de Mello – Publicada no DJ de 12.4.02 – Órgão: Tribunal Pleno.

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Sobre a autora
Damares Medina

Advogada, mestre em Direito e professora do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDINA, Damares. O instituto da pensão no serviço público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4012, 26 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29239. Acesso em: 25 abr. 2024.

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