3. Alcance da norma jurídica
Sobre os métodos de interpretação que determinam o alcance da norma, chamados por Tercio Ferraz Jr. de “tipos de interpretação”, podemos ter: a interpretação especificadora (declarativa), a interpretação restritiva e a interpretação extensiva. Vejamos cada uma delas.
3.1. Interpretação declarativa ou especificadora
Uma interpretação declarativa especificadora parte do “pressuposto de que o sentido da norma cabe na letra de seu enunciado”, ou seja, segundo a teoria dogmática “na interpretação especificadora, a letra da lei está em harmonia com a mens legis ou o espírito da lei, cabendo ao interprete apenas constatar a coincidência” (FERRAZ JR., 2001, p. 290).
Para se chegar a uma interpretação declarativa, o interprete deve buscar a vontade do legislador (mens legislatoris), o que faz com que seus efeitos coincidam com o sentido aparente que as suas expressões denotam (COELHO, 1981).
3.2. Interpretação restritiva
Já a interpretação restritiva ocorre toda vez que se limita o sentido da norma, mesmo havendo amplitude da sua expressão literal, através do uso de considerações teleológicas e axiológicas. A interpretação restritiva, portanto, leva em consideração o critério da mens legis (vontade da lei), levando em consideração a norma jurídica como algo independente da vontade do legislador, assumindo significado próprio, uma vez expressado (COELHO, 1981).
O direito penal, em razão do princípio nullum crimen sine lege (não há crime sem lei anterior que o preveja), deve ser interpretado de forma restritiva, não admitindo também analogia in mala parte. Da mesma forma, o direito tributário não permite interpretação extensiva de seus preceitos, devendo ser interpretado restritivamente.
Em síntese, recomenda-se que toda norma que restrinja os direitos e garantias fundamentais reconhecidos e estabelecidos constitucionalmente deva ser interpretada restritivamente. Também uma exceção deve sofrer uma interpretação restritiva (FERRAZ JR., 2001, p. 291).
3.3. Interpretação extensiva
A interpretação extensiva, por sua vez, também leva em consideração a mens legis, ampliando o sentido da norma para além do contido em sua letra, demonstrando que a extensão do sentido está contida no espírito da lei, considerando que a norma diz menos do que queria dizer (FERRAZ JR., 2001, p. 290-292).
Determinados ramos do direito tem como regra geral a interpretação extensiva, como as normas dispositivas do direito civil, que por razões históricas funciona como norma supletiva no contexto do direito privado. Da mesma forma, o direito trabalhista pode ser utilizado de forma supletiva às lacunas do direito administrativo no tocante ao funcionalismo público.
4. Classificação das espécies de interpretação:
No que se refere às formas de classificação das espécies de interpretação, não há um consenso entre os teóricos, existindo diversos critérios e formas de classificação. Vejamos algumas delas:
Segundo Hermes Lima, distinguem-se na interpretação três espécies: a) doutrinária - que assume caráter de atividade científica, ajudando a própria lei a evoluir; b) autêntica – praticada pelo próprio poder que legisla, impondo-se como lei nova, que reproduz ou explica a lei anterior, ou seja, declara de maneira formal e obrigatória como deve ser compreendida a lei anterior; c) judicial – realizada pelo judiciário quando da aplicação da lei (LIMA, 2002, p. 153-154).
O mesmo autor também nos fala sobre os métodos de interpretação, sendo eles: a) literal – “limitado ao valor das palavras, ao exame da linguagem dos textos, à consideração do significado técnico dos termos”, sendo inegável sua importância, uma vez que o texto é o ponto de partida para qualquer esforço interpretativo; b) lógico ou racional – “em que há a considerar a ratio iuris a que se filia a disposição”, sendo conveniente distinguir entre a ratio legis e a occasio legis, esta se referindo à circunstância histórica que de que proveio o impulso exterior para elaboração da lei, e aquela se referindo ao fundamento racional objetivo da norma; c) sistemático – considera o direito positivo um todo coerente, enquadrando o dispositivo ao sistema; d) histórico – parte do pressuposto de que o conhecimento do direito e das legislações anteriores são esclarecedores da lei do presente (LIMA, 2002, p. 154- 155).
No que se refere aos resultados da interpretação, Hermes Lima faz a distinção entre interpretação declarativa, em que se procura fixar o sentido da lei, podendo ser restritiva ou extensiva, existindo, ainda, a interpretação ab-rogante, “que nega sentido e valor a disposições de lei, por verificar que a mesma é contrária e incompatível com outra norma principal” (LIMA, 2002, p. 155-156).
André Franco Montoro, por sua vez, classifica as espécies de interpretação de acordo com três critérios distintos:
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1º critério - Quanto à origem ou fonte de que emana, a interpretação pode ser: a) judicial, judiciária ou usual – realizada pelos juízes ao sentenciar, tendo força obrigatória para as partes, mas podendo firmar jurisprudência, passando a ser aplicada aos casos análogos; b) legal ou autêntica – quando é dada pelo próprio legislador, através de outra lei, chamada “lei interpretativa”, que se considera como tendo entrado em vigor na mesma data que a lei interpretada, não sendo considerada como uma autêntica interpretação por muitos teóricos, uma vez que é uma nova norma jurídica; c) doutrinária ou científica – é a que realizam os juristas em seus pareceres e obras, analisando os textos à luz de princípios filosóficos e científicos do direito e da realidade social; d) administrativa – realizada pelos órgãos da administração pública, mediante portarias, despachos, instruções normativas etc (MONTORO, 2000, p. 372-373).
2º critério: quanto aos processos ou métodos de que se serve: a) gramatical ou filológica – é a que toma por base o significado das palavras da lei e sua função gramatical, constituindo-se como o primeiro passo para se interpretar, não podendo ser o único método aplicado, pois não considera a unidade que constitui o ordenamento jurídico e sua adequação à realidade social; b) lógico-sistemática – que leva em consideração o sistema em que se insere o texto e procura estabelecer a concatenação entre este e os demais elementos da própria lei, do respectivo ramo do direito ou do ordenamento jurídico geral, supondo a unidade e coerência do sistema jurídico; c) histórica – que se baseia na investigação dos antecedentes da norma, seja do processo legislativo, desde o projeto de lei, justificativa, exposição de motivos, emendas, discussão etc, seja dos antecedentes históricos (leis anteriores) e condições que a precederam, além do estudo da legislação comparada, averiguando se há influência direta ou indireta do direito estrangeiro; d) sociológica – que se baseia na adaptação do sentido da lei às realidades e necessidades sociais (art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil – “Na aplicação da lei o Juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum” (MONTORO, 2000, p. 373-374).
3º critério: quanto aos seus efeitos e resultados, a interpretação pode ser: a) declarativa – que se limita a declarar o pensamento expresso na lei; b) extensiva – que amplia o alcance da norma para além dos seus termos, partindo do pressuposto de que o legislador escreveu menos do que queria dizer (minus scripsit quam voluit); c) restritiva - que parte do pressuposto de que o legislador escreveu mais do que realmente pretendia (plus scripsit quam voluit), diminuindo o alcance da lei (MONTORO, 2000, p. 374-375).
Já para Limongi França, são três os critérios para classificar as espécies de interpretação:
1º critério – quanto ao agente: a) Pública que é prolatada pelos órgãos do Poder Público, sendo elas: judicial, legal ou autêntica e administrativa, esta dividindo-se em casuística e regulamentar; b) Privada, que é levada a efeito pelos particulares, especialmente pelos técnicos da matéria de que a lei trata, também é denominada de interpretação doutrinária (FRANÇA, 2009, p. 21-22).
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2º critério: quanto à natureza: a) gramatical– que toma como ponte de partida o exame do significado e alcance de cada uma das palavras do preceito legal; b) lógica – que leva em consideração o sentido das diversas orações e locuções do texto legal, eclarecendo a conexão entre os mesmos; c) histórica – que pode ser remota, dirigida ao origo legis, isto é, às origens da lei ou próxima que se dirige ao occasio legis, sendo necessário fazer uso de outras ciências afins, como a sociologia, a economia e a política, para atingir seu objetivo; d) sistemática – com relação à própria lei a que o dispositivo pertence ou com relação ao sistema geral do direito em vigor, buscando descobrir a mens legislatoris da norma jurídica (FRANÇA, 2009, p. 23-24).
Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo: 3º critério - quanto à extensão: a) declarativa; b) ampliativa; e c) restritiva (FRANÇA, 2009, p. 25-26).
É válido salientar que essas diversas técnicas ou espécies de interpretação não operam isoladamente, na realidade elas se completam, uma vez que não há uma hierarquização segura das múltiplas técnicas de interpretação (SOARES, 2009, p. 90).
Conclusão
Pelo exposto, percebe-se que o termo “hermenêutica” se refere à ciência da interpretação, enquanto “interpretação” significa determinar o sentido e o alcance da norma jurídica. Tais termos, portanto, não podem ser utilizados como sinônimos.
Outrossim, concluímos que a hermenêutica e a interpretação jurídicas se distinguem das demais formas de interpretação realizadas em sociedade pelo fato de que normas jurídicas são interpretadas para decidir conflitos.
REFERÊNCIAS
COELHO, Luiz Fernando. Lógica jurídica e interpretação das leis. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981.
FRANÇA, R. Limongi. Hermenêutica jurídica. 9. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
FREIRE, Ricardo Maurício. Curso de introdução ao estudo do direito. Salvador: JusPodivm, 2009.
LIMA, Hermes. Introdução à ciência do direito. 33 ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2002.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.
MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 25. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
SAMPAIO JR., Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão e dominação. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2001.
SOARES, Ricardo Maurício Freire. Curso de introdução ao estudo do direito. Salvador: JusPodivm, 2009.
WARAT, Luiz Alberto. Introdução geral ao direito. Porto Alegre: 1994.