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Poder de polícia de trânsito:

legitimidade e delegação

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18/06/2014 às 08:08
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A maioria da doutrina e jurisprudência entende que as guardas municipais não são legítimas a exercer o Poder de Polícia de Trânsito, pois a norma constitucional é clara ao expressar que os municípios poderão criá-las para a proteção do seu patrimônio.

1 INTRODUÇÃO

No intuito de garantir os direitos individuais dos cidadãos e exigir o cumprimento dos seus deveres, o Estado dispõe de ferramentas para fazer valer a supremacia do interesse público sobre o privado. Através da sua Administração Pública, o Estado fiscaliza os atos individuais dos seus administrados para que estes não venham a prejudicar os interesses da sociedade como um todo.

O direito-dever que tem o Poder Público de intervir nas ações ou omissões dos particulares em prol da coletividade é exercido através do seu Poder de Polícia. Este poder possibilita a limitação do exercício dos direitos e garantias individuais do cidadão diante da necessidade de tutelar um interesse maior, coletivo.

O Poder de Polícia da Administração Pública está presente nas mais diversas ramificações sociais. Dentre elas, destaca-se o trânsito de pedestres e veículos. O Estado exerce o seu Poder de Polícia de Trânsito através de seus agentes, que devem ter legitimidade para a execução desse poder.

Busca-se nesta pesquisa, além de conceituar o Poder de Polícia da Administração Pública e sua aplicação no trânsito, definir quais são as Autoridades de Trânsito, suas circunscrições e os cidadãos legitimados a assumirem a função de agentes dessas autoridades.

A atual legislação de trânsito brasileira trouxe a responsabilidade territorial de cada ente da administração pública direta para com a fiscalização de trânsito. Assim, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios devem promover a fiscalização educativa, preventiva e repressiva de trânsito no âmbito de sua circunscrição.

Especificamente no que se refere aos municípios, a legislação prevê a sua responsabilidade a partir do momento em que municipalizam o trânsito. Considerando que atualmente os valores das multas de trânsito são revertidos ao ente público que as aplica, os municípios têm buscado a qualquer custo aumentar a sua arrecadação através da intensificação da fiscalização e autuação de trânsito.

Para a efetivação desta municipalização, além de cumprirem os requisitos legais, as prefeituras têm que implantar uma fiscalização municipal de trânsito, designando agentes com esta finalidade. Entretanto, há entendimentos no sentido de que nem todos detém legitimidade para exercer o Poder de Polícia de Trânsito.

Exemplo disso encontra-se na grande polêmica que se instaurou quando algumas prefeituras nomearam suas Guardas Municipais como Agentes de Trânsito, dando-lhes o poder de controlar, fiscalizar e confeccionar autuações. Há ainda aqueles municípios que optaram por delegar o seu Poder de Polícia de Trânsito a particulares, geralmente sociedades de economia mista, como ocorreu na capital mineira.

Diante dessas polêmicas, o presente estudo tem como objetivo analisar, através de pesquisa bibliográfica, as correntes doutrinárias que tratam da legalidade das Guardas Municipais se valerem do Poder de Polícia de Trânsito para exercer a fiscalização dos veículos em seus respectivos municípios.

Pretende-se também verificar o que disciplina o direito positivo pátrio sobre a possibilidade da delegação do Poder de Polícia de Trânsito a particulares, entes de direito privado, além de buscar a postura dos mais renomados doutrinadores e analisar os julgados sobre o assunto.

Certo é que, para manter a harmonia entre condutores e pedestres e, paralelamente angariar o respeito à legislação de trânsito, o Poder Público tem que manter todo um aparato de fiscalização nas ruas. Esta fiscalização é o reflexo do Poder de Polícia da Administração Pública direcionado ao trânsito. Mas, quem pode exercer esse poder? A quem ele pode ser delegado? Esta pesquisa se justifica na busca de respostas a estas questões.


2 REVISÃO DE LITERATURA

Não é desconhecido o fato de que o Estado deve atuar à sombra do princípio da supremacia do interesse público. Significa dizer que o interesse particular há de curvar-se diante do interesse coletivo. É fácil imaginar que, não fora assim, se implantaria o caos na sociedade (CARVALHO FILHO, 2009, p. 71).

2.1 Administração Pública

Pode-se definir Administração Pública, de acordo com Teixeira (2012), como sendo o conjunto de entidades, órgãos e agentes que executam a função administrativa do Estado, bem como a atividade administrativa propriamente dita.

Para Justen, citado por Teixeira (2012), a expressão Administração Pública é aplicada para fazer referência ao conjunto de entes e organizações titulares da função administrativa. Mas esta expressão pode ser empregada em dois sentidos: um em sentido formal, também conhecido como subjetivo ou orgânico e outro em sentido material, também chamado de objetivo ou operacional.

Sobre a Administração Pública em sentido formal Meirelles (2004, p. 64) explica que “[...] é o conjunto de órgãos instituídos para consecução dos objetivos do Governo”.

No mesmo sentido, Di Pietro (2010, p. 49) explica que “[...] designa os entes que exercem a atividade administrativa; compreende pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos incumbidos de exercer uma das funções em que se triparte a atividade estatal: a função administrativa”.

Igualmente, Gasparini (2009, p. 44) entende que Administração Pública em sentido formal “[...] indica um complexo de órgãos responsáveis por funções administrativas”. Em seu sentido material, Meirelles (2004) afirma que a Administração Pública é o conjunto das funções necessárias aos serviços públicos em geral.

Gasparini (2009) completa afirmando que a Administração Pública é um complexo de atividades concretas e imediatas desempenhadas pelo Estado sob os termos e condições da lei, visando o atendimento das necessidades coletivas dos administrados.

Di Pietro (2010, p. 49), ensina: “[...] designa a natureza da atividade exercida pelos referidos entes; nesse sentido, a Administração Pública é a própria função administrativa que incumbe, predominantemente, ao Poder Executivo”.

2.1.1 Poderes da Administração Pública

Para que haja um bom atendimento aos administrados, faz-se necessário que a Administração Pública seja dotada de poderes proporcionais aos seus encargos, ensina Meirelles (2004).

Nessa esteira, Medauar (2009, p. 109) afirma que “para que a Administração possa realizar o conjunto das atividades que lhe cabem, no cumprimento de seu papel na vida coletiva, o ordenamento lhe confere poderes”.

Para Gasparini (2009) esses poderes administrativos são deveres-poderes e vinculam a atuação do agente público proporcionalmente às normas previstas no ordenamento jurídico, repudiando qualquer tipo de excesso da parte do Estado.

No Direito Administrativo, os poderes da Administração Pública podem ser divididos em: poder disciplinar, poder discricionário, poder hierárquico, poder regulamentar, poder vinculado e poder de polícia. Dentre estes, doravante este estudo terá como foco o Poder de Polícia da Administração Pública. Entretanto, será exposta uma breve definição de cada um dos demais poderes.

2.1.1.1 Poder Disciplinar

O Poder Disciplinar é assim definido por Meirelles (2004, p. 122):

Poder disciplinar é a faculdade de punir internamente as infrações funcionais dos servidores e demais pessoas sujeitas à disciplina dos órgãos e serviços da Administração. É uma supremacia especial que o Estado exerce sobre todos aqueles que se vinculam à Administração por relações de qualquer natureza, subordinando-se às normas de funcionamento do serviço ou do estabelecimento que passam a integrar definitiva ou transitoriamente.

2.1.1.2 Poder Discricionário

Teixeira (2012, p. 15) citando Carlin, assegura:

Numa prerrogativa de valoração, a lei não é capaz de regular todas as condutas de um agente administrativo. Por isso, ela lhe confere a prerrogativa de avaliar a conveniência e a oportunidade dos atos administrativos que ele vai praticar como administrador do interesse público.

2.1.1.3 Poder Hierárquico

 A cerca do poder hierárquico Gasparini (2009, p. 52) alude:

A estrutura da Administração Pública, compreendida como a instituição dos órgãos encarregados da execução de certas e determinadas atribuições, faz-se com a observância do princípio da hierarquia, que é a relação de subordinação existente entre os órgãos públicos com competência administrativa e, por conseguinte, entre seus titulares, decorrente do exercício da atribuição hierárquica, chamada por alguns de poder hierárquico. [grifo do autor]

2.1.1.4 Poder Regulamentar

Di Pietro (2010, p. 90) elucida que o poder regulamentar:

[...] insere-se, portanto, como uma das formas pelas quais se expressa a função normativa do Poder Executivo. Pode ser definido como o que cabe ao Chefe do Poder Executivo da União, dos Estados e dos Municípios, de editar normas complementares à lei, para a sua fiel execução.

2.1.1.5 Poder Vinculado

Sobre o poder vinculado, Meirelles (2004, p. 115) afirma:

[...] que o agente público fica inteiramente preso ao enunciado da lei, em todas as suas especificações. Nessa categoria de atos administrativos a liberdade de ação do administrador é mínima, pois terá que se ater à enumeração minuciosa do Direito Positivo para realizá-lo eficazmente. Deixando de atender a qualquer dado expresso na lei, o ato é nulo, por desvinculado de seu tipo-padrão.

2.2 Poder de Polícia

Di Pietro (2010, p. 211), afirma que “[...] a administração pública dispõe de poderes que lhe asseguram posição de supremacia sobre o particular e sem os quais ela não conseguiria atingir seus fins”.

Consoante Bacellar (2001, p. 11):

Em suma, as prerrogativas da Administração traduzem-se em poderes especiais, os quais possibilitam a sua atuação, impondo limites aos interesses do particular (poder de polícia). Como resultado, temos como regular a possibilidade de um policial de trânsito aplicar uma multa, de o Poder Público Municipal sancionar empresas poluidoras do meio-ambiente, desapropriar bens para a reforma agrária, entre outras.

2.2.1 Origem do Poder de Polícia

Para entendermos o termo poder de polícia, faz-se necessário o estudo de sua evolução histórica, a começar pelo desmembramento das palavras que o compõem. No que se refere às definições afetas ao tema deste estudo, o Dicionário Online de Português [Internet] assim explica:

Poder: origina-se do latim potere. Significa direito de agir, de decidir, de mandar; autoridade, governo de um país; mandato, procuração. É sinônimo de autoridade, domínio, mando.

Polícia: origina-se do latim politia, procedente do grego politeia, que originalmente se referia a organização política, sistema de governo. Atualmente pode ser definida como o conjunto de regras impostas aos membros de uma coletividade com o objetivo de garantir a ordem, a tranquilidade e a segurança públicas. Seu sinônimo mais adequado é fiscalização.

Carlin citado por Teixeira (2012, p. 17) completa essa definição ao dizer que “no século XVIII, o termo polícia designava o conjunto das atividades estatais, e denotava o conceito mais amplo de administração estatal”.

Assegura Teixeira (2012, p. 17) citando Faria, que “Esse entendimento amplo sobre o conceito de polícia foi mais tarde refutado pelo movimento cultural que culminou com a Revolução Francesa de 1789”.

Com a Revolução Francesa, Carlin citado por Teixeira (2012, p. 17) acrescenta que:

[...] o conceito de polícia passou a se restringir, valorizando os direitos individuais e as concepções de Estado de Direito. Polícia passou, então, a designar parte das atividades de Administração, destinada a manter a ordem. Seu caráter fundamental é a vigilância.

Com o Estado de Direito:

[...] inaugura-se nova fase em que já não se aceita a ideia de existirem leis a que o próprio príncipe não se submeta. Um dos princípios básicos do Estado de Direito é precisamente o da legalidade, em consonância com o qual o próprio Estado se submete às leis por ele mesmo postas. (DI PIETRO, 2010, p. 115)

Teixeira (2012, p. 17) citando Carlin, ensina que “Surgiram, então, na França, a polícia administrativa e a polícia repressiva ou auxiliar, em contraponto com a judiciária, que preparava e impunha as ordens emanadas dos juízes”.

Di Pietro (2010, p. 116), consigna que “antes já de iniciar o século XX, os autores começam a falar em uma polícia geral, relativa à segurança pública, e em polícias especiais, que atuam nos mais variados setores da atividade dos particulares”.

Por fim, Medauar (2009, p. 342), lembra que: “em 1915 Ruy Barbosa, num parecer, utiliza a expressão poder de polícia. Aurelino Leal publica em 1918 o livro Polícia e poder de polícia. A partir daí firma-se no direito pátrio o uso da locução”.

2.2.2 Conceito do Poder de Polícia

O professor Carvalho Filho (2009, p. 73) muito bem conceituou o Poder de Polícia da Administração Pública:

[...] entendemos que se possa conceituar o poder de polícia como a prerrogativa de direito público que, calcada na lei, autoriza a Administração Pública a restringir o uso e o gozo da liberdade e da propriedade em favor do interesse da coletividade. [grifo do autor]

Conforme ensina Cunha Júnior (2008), o poder de polícia tem origem na segunda metade do século XVIII, quando os cidadãos conquistaram seus primeiros direitos individuais, afastando assim, parte da opressão imposta pelo Estado. Entretanto, fazia-se necessário um controle estatal para que não houvesse excesso do cidadão ao exercer esses direitos, vindo a prejudicar a coletividade.

Atualmente, como afirma Gasparini (2009), os principais direitos individuais do cidadão brasileiro estão expressos nas cláusulas pétreas da nossa Constituição da República (1988), principalmente no seu artigo 5º, do qual se transcreve aqui os principais incisos referentes à liberdade e ao uso, gozo e disposição da propriedade:

Artigo 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

[...]

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

[...]

XV - é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;

[...]

XXII - é garantido o direito de propriedade;

[...]

Destaca ainda o professor Cunha Júnior (2008) que, desde aquela época, o Estado está autorizado apenas a restringir o exercício dos direitos individuais, mas jamais poderá extinguir ou anular esses direitos.

Entretanto, Gasparini (2009, p. 126) lembra que: “O exercício desses direitos [...] não é ilimitado. Ao contrário, deve ser compatível com o bem-estar social ou com o próprio interesse do Poder Público, não podendo, assim, constituir obstáculo à realização dos objetivos do Estado ou da sociedade.”

Com base nisto, pode-se dizer que os direitos e garantias individuais supracitados não são absolutos, mas sim relativos; pois, se o seu exercício individual estiver colidindo com o ordenamento jurídico em vigor, o Estado poderá intervir. Mas essa intervenção estatal não é discricionária, ela está vinculada aos atos individuais nocivos aos demais membros da sociedade.

Meirelles citado por Cunha Júnior (2008, p. 80), afirma que “o poder de polícia é uma faculdade de que dispõe o Estado de condicionar e restringir os bens, as atividades e os direitos individuais, visando ajustá-los aos interesses da coletividade”.

Apesar dos doutrinadores acima usarem a palavra “faculdade” para conceituar o poder de polícia, destaca Cunha Júnior (2008) que ele não é uma faculdade da administração pública, mas sim um dever, um poder-dever, que o Estado não pode renunciar ou transigir.

Carvalho Filho (2009, p. 71) ensina: “Quando o Poder Público interfere na órbita do interesse privado para salvaguardar o interesse público, restringindo direitos individuais, atua no exercício do poder de polícia”.

Quanto à amplitude dessa interferência da Administração Pública na vida do administrado, os doutrinadores são unânimes em afirmar que: “As limitações, os condicionamentos, as restrições incidem sobre a liberdade e a propriedade, não sobre os respectivos direitos” (GASPARINI, 2009, p. 127); “O poder de polícia não incide sobre o direito, mas sim sobre o seu exercício. Não limita o direito de liberdade ou o direito de propriedade, mas a liberdade ou a propriedade” (CUNHA JÚNIOR, 2008, p. 81). [grifo do autor]

O direito positivo brasileiro traz o conceito de poder de polícia no Código Tributário Nacional, mais precisamente no seu artigo 78, in verbis:

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. [grifo meu]

Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder. [grifo meu]

Através deste conceito, adotado pelo nosso ordenamento jurídico, observa-se, principalmente focando os termos em destaque, que o Estado só pode intervir na individualidade do cidadão quando houver interesse coletivo. E, para se efetivar esta intervenção, torna-se imprescindível a competência legal do órgão detentor do poder de polícia e que este seja exercido nos limites da lei.

Cretella, citado por Carvalho Filho (2009, p. 82), corrobora com esta afirmativa quando diz que “[...] a faculdade repressiva não é, entretanto, ilimitada, estando sujeita a limites jurídicos: direitos do cidadão, prerrogativas individuais e liberdades públicas asseguradas na Constituição e nas leis.” [grifo do autor]

2.2.3 Fundamento do Poder de Polícia

Como esclarece Gasparini (2009, p. 127):

O fundamento da atribuição de polícia administrativa está centrado num vínculo geral, existente entre a Administração Pública e os administrados, que autoriza o condicionamento do uso, gozo e disposição da propriedade e do exercício da liberdade em benefício do interesse público ou social. Alguns autores chamam-no de supremacia geral da Administração Pública em relação aos administrados. [grifo do autor]

É desse entendimento Mello (2009, p. 826), que disse:

O poder, pois, que a Administração exerce ao desempenhar seus encargos de polícia administrativa repousa nesta, assim chamada, ‘supremacia geral’, que, no fundo, não é senão a própria supremacia das leis em geral, concretizadas através de atos da Administração. [grifo do autor]

E ainda, nesse diapasão, tem-se o professor Meirelles (2004, p. 130-131), afirmando que:

[...] seu fundamento está na supremacia geral que o Estado exerce em seu território sobre todas as pessoas, bens e atividades, supremacia que se revela nos mandamentos constitucionais e nas normas de ordem pública, que a cada passo opõem condicionamentos e restrições aos direitos individuais em favor da coletividade, incumbindo ao Poder Público o seu policiamento administrativo.

Destarte, afirma Teixeira (2012, p. 20) que:

[...] o fundamento essencial do poder de polícia está calcado num acordo concretizado entre a Administração Pública e Administrados, do qual a Administração tem o dever de realizar atos em defesa do bem público geral para assim resguardar a ordem e convívio social.

2.2.4 Finalidade do Poder de Polícia

Afirma Teixeira (2012, p. 21) que “a finalidade de todo ato de polícia é voltado ao interesse público. Assim, tem como finalidade a tutela ao interesse público, utilizando-se da repressão para controle das condutas ilícitas”.

A respeito da finalidade do poder de polícia, Meirelles (2004, p. 132) explica:

A finalidade do poder de polícia [...] é a proteção ao interesse público no seu sentido mais amplo. Nesse interesse superior da comunidade entram não só os valores materiais como, também, o patrimônio moral e espiritual do povo, expresso na tradição, nas instituições e nas aspirações nacionais da maioria que sustenta o regime político adotado e consagrado na Constituição e não ordem jurídica vigente.

Outrossim, Gasparini (2009, p. 129) leciona:

O uso, gozo e disposição da propriedade e o exercício da liberdade não podem impedir a realização do interesse público nem o pleno alcance do bem-estar social. Destina-se a polícia administrativa a prevenir o surgimento (quando ainda não aconteceu) de atividades particulares nocivas aos interesses sociais ou públicos ou a obstar (paralisar, impedir) seu desenvolvimento. Estes os seus fins.

Para Medauar (2009, p. 346) o poder de polícia tem por finalidade “[...] propiciar a convivência social mais harmoniosa possível, para evitar ou atenuar conflitos no exercício dos direitos e atividades dos indivíduos entre si e ante o interesse de toda a população”.

É desse entendimento Viegas (2012):

Vale trazer à baila a existência do princípio da supremacia do interesse público, o qual informa todo o Direito Administrativo direcionando as condutas dos agentes. Ocorre que, no âmbito das relações sociais, vão surgir conflitos entre o interesse público e o interesse privado, de forma que, ocorrendo esse conflito, há de prevalecer o interesse público, isto é, aquele que atende um maior número de pessoas.

Desse modo, Teixeira (2012) resume a finalidade do poder de polícia como sendo o intuito da Administração Pública de resguardar o interesse público, ou seja, da coletividade em detrimento do particular.

2.2.5 Objeto do Poder de Polícia

Por objeto do poder de polícia tem-se: “todo direito, bem ou atividade individual que possa prejudicar a sociedade, havendo assim a necessidade de controle pela Administração Pública”. (TEIXEIRA, 2012, p. 20)

No mesmo sentido, disse Meirelles (2004, p. 131):

O objeto do poder de policia administrativa é todo o bem, direito ou atividade individual que possa afetar a coletividade ou pôr em risco a segurança nacional, exigindo, por isso mesmo, regulamentação, controle e contenção do Poder Público. [grifo do autor]

E ainda:

O objeto há de ser lícito, isto é, o resultado pretendido dever ser aceito pelo ordenamento, porque pautado na lei; moral – conforme a [sic] princípios éticos e todas as regras de conduta extraídas da disciplina geral da Administração; possível – referente a algo realizável de fato e de direito. (MEDAUAR, 2009, p. 140) [grifo do autor]

Gasparini (2009, p. 129) diz que “o objeto é [...] a liberdade e a propriedade dos administrados, sem alcançar os respectivos direitos. Aquela, no que respeita ao seu exercício; esta no que se relaciona com o uso, gozo e disposição”.

Portanto, para Teixeira (2012, p. 21) “a Administração Pública deve continuamente cumprir com o objeto do poder de polícia, pois tem a obrigação para com os administrados de manter o convívio social adequado entre ambos”.

2.2.6 Restrições ao Poder de Polícia

A atribuição do poder de polícia está demarcada por dois limites:

[...] o primeiro se encontra no pleno desempenho da atribuição, isto é, no amplo interesse de impor limitações ao exercício da liberdade e ao uso, gozo e disposição da propriedade; o segundo reside na observância dos direitos assegurados aos administrados pelo ordenamento positivo. É na conciliação da necessidade de limitar ou restringir o desfrute da liberdade individual e da propriedade particular com os direitos fundamentais, reconhecidos a favor dos administrados, que se encontram os limites dessa atribuição. (GASPARINI, 2009, p. 132)

Segundo Di Pietro (2010, p. 122): “como todo ato da Administração Pública, o Poder de Polícia não poderia ser diferente, ainda que seja discricionário, se confronta com restrições estabelecidas pelo ordenamento jurídico”.

Os limites do poder de polícia administrativa são demarcados pelo interesse social em conciliação com os direitos fundamentais do indivíduo assegurados na Constituição da República (art. 5º). Do absolutismo individual evoluímos para o relativismo social. Os Estados Democráticos, como o nosso, inspiram-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana. Daí o equilíbrio a ser procurado entre a fruição dos direitos de cada um e os interesses da coletividade, em favor do bem comum. (MEIRELLES, 2004, p. 133) [grifo do autor]

Termina Teixeira (2012, p. 22), mencionando Carlin: “Assim sendo, o exercício do poder de polícia deve ter amparo legal, do qual derivam seus limites, sobressaindo o direito ou interesse público em detrimento do individual”.

Para Gasparini (2009, p. 132): “Assim, mesmo que a pretexto do exercício do poder de polícia, não se podem aniquilar os [...] direitos. Qualquer abuso é passível de controle judicial”.

Viegas (2012) completa defendendo que “[...] seria totalmente incompatível o interesse público sempre prevalecer sobre o interesse privado, uma vez que há direitos individuais expressamente assegurados pela nossa Carta Magna e o particular deve lutar pelos seus direitos”.

2.2.7 Princípio da Proporcionalidade no Poder de Polícia

O Princípio da proporcionalidade deriva, de certo modo, do poder de coerção de que dispõe a Administração ao praticar atos de polícia. Realmente, não se pode conceber que a coerção seja utilizada indevidamente pelos agentes administrativos, o que ocorreria, por exemplo, se usada onde não houvesse necessidade. (CARVALHO FILHO, 2009, p. 87)

Desse modo, ressalva Mello citado por Teixeira (2012, p. 26), que:

[...] no caso da utilização de meios coativos, que, bem por isso, interferem energicamente com a liberdade individual, é preciso que a Administração se comporte com extrema cautela, nunca se servindo de meios enérgicos que os necessários à obtenção do resultado pretendido pela lei, sob pena de vício jurídico que acarretará responsabilidade da Administração. Importa que haja proporcionalidade entre a medida adotada e a finalidade legal a ser atingida. [grifo do autor]

E explana Di Pietro (2010, p. 122) que “[...] o poder de polícia não deve ir além do necessário para a satisfação do interesse público que visa proteger; a sua finalidade não é destruir os direitos individuais, mas, ao contrário, assegurar o seu exercício”.

Nesse sentido, Teixeira (2012) ensina que são conferidas prerrogativas à Administração Pública com o intuito exclusivo de atender aos interesses coletivos.

Se a conduta administrativa é desproporcional, a conclusão inevitável é a de que um ou alguns indivíduos estão sendo prejudicados por excesso de poder, revelando-se ausente o verdadeiro interesse coletivo a ser perseguido e configurando-se, sem dúvida, ilegalidade que merece correção. (CARVALHO FILHO, 2009, p. 87)

Meirelles (2004, p. 139) encerra dizendo que “sacrificar um direito ou uma liberdade do indivíduo sem vantagem para a coletividade invalida o fundamento social do ato de polícia, pela desproporcionalidade da medida”.

Assim, Viegas (2012) conclui afirmando que o princípio da supremacia do interesse público deve ter uma aplicação limitada, bem como deve ser pautado no princípio da razoabilidade e proporcionalidade, incumbindo ao administrador ponderar os interesses em jogo, uma vez que o particular deve ser reconhecido como um ser social possuindo legítimas prerrogativas individuais.

2.2.8 Qualidades do Poder de Polícia

Teixeira (2012, p. 22) ensina que “o poder de polícia administrativo tem atributos próprios e específicos ao exercício e à sua validade, tais como a discricionariedade, a auto-executoriedade [sic], a coercibilidade e a tipicidade”.

2.2.8.1 Vinculação e Discricionariedade do Poder de Polícia

A Administração Pública possui certa discricionariedade quanto ao exercício do poder de polícia, no entanto seus limites são expressos em lei e seu abuso é considerado ilegal e torna o ato inválido, afirma Teixeira (2012).

A respeito desse atributo, Di Pietro (2010, p. 119) ensina:

Quanto à discricionariedade, embora esteja presente na maior parte das medidas de polícia, nem sempre isso ocorre. Às vezes, a lei deixa certa margem de liberdade de apreciação quanto a determinados elementos, como o motivo ou o objeto, mesmo porque ao legislador não é dado prever todas as hipóteses possíveis a exigir atuação de polícia. Assim, em grande parte dos casos concretos, a Administração terá que decidir qual o melhor momento de agir, qual o meio de ação mais adequado, qual a sanção cabível diante das previstas da norma legal.

Igualmente:

A discricionariedade, como já vimos, traduz-se na livre escolha, pela Administração, da oportunidade e conveniência de exercer o poder de polícia, bem como de aplicar as sanções e empregar os meios conducentes a atingir o fim colimado, que é a proteção de algum interesse público. Neste particular, e desde que o ato de polícia administrativa se contenha nos limites legais e a autoridade se mantenha na faixa de opção que lhe é atribuída, a discricionariedade é legítima. (MEIRELLES, 2004, p. 134)

E continua Meirelles (2004, p. 134) dizendo que “[...] o ato de polícia é, em princípio, discricionário, mas passará a ser vinculado se a norma legal que o rege estabelecer o modo e forma de sua realização”.

De acordo ainda com Teixeira (2012, p. 23), fazendo alusão a Maffini, “[...] a concretização do poder de polícia será vinculada ou discricionária dependendo tão-somente [sic] da regra legal de atribuição de competência”.

Assim, no mesmo sentido:

A atividade de polícia ora é discricionária, a exemplo do que ocorre quando a Administração Pública outorga a alguém autorização para portar arma de fogo, ora é vinculada, nos moldes do que aconteceu quando a Administração Pública licencia uma construção (alvará ou licença de construção). (GASPARINI, 2009, p. 131)

Esclarece Teixeira (2012, p. 23): “Por conseguinte, ainda que esse atributo do poder de polícia tenha previsão legal, a Administração Pública só poderá exercê-lo quando atender a todas as exigências do ordenamento jurídico.”

2.2.8.1.1 Poder de Polícia Vinculado

Teixeira (2012, p. 46) afirma que “O Poder vinculado é aquele exercido pelo agente público impondo-lhe o dever de praticar o ato, o qual tem previsão legal”; e completa citando Medauar: “Há poder vinculado, também denominado competência vinculada, quando a autoridade, ante determinada circunstância, é obrigada a tomar decisão determinada, pois sua conduta é ditada previamente pela norma jurídica”.

Sobre os atos vinculados, Meirelles (2004, p. 115) explica:

Nessa categoria de atos administrativos a liberdade de ação do administrador é mínima, pois terá que ater à enumeração minuciosa do Direito Positivo para realizá-los eficazmente. Deixando de atender a qualquer dado expresso na lei, o ato é nulo, por desvinculado de seu tipo-padrão.

Há ainda o seguinte entendimento:

A lei prescreve em princípio, se, quando e como deve a Administração Pública agir ou decidir. A vontade da lei só estará satisfeita com esse comportamento, já que não permite à Administração Pública qualquer outro. Esses atos decorrem do exercício de uma atribuição vinculada ou, como prefere boa parte dos autores, do desempenho do poder vinculado, em cuja prática a Administração Pública não tem qualquer margem de liberdade. (GASPARINI, 2009, p. 96) [grifo do autor]

Teixeira (2012, p. 47) salienta o entendimento do egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul sobre o poder vinculado da Administração Pública:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. RENOVAÇÃO DE CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO. REBAIXAMENTO DA CATEGORIA E PARA B. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. ATO ADMINISTRATIVO VINCULADO. LEGALIDADE. CONDUTA LÍCITA DO AGENTE PÚBLICO. 1. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. O sistema jurídico brasileiro adota a responsabilidade patrimonial objetiva do Estado e das prestadoras de serviço público sob a forma da Teoria do Risco Administrativo. Tal assertiva encontra respaldo legal no art. 37, § 6º, da CF. 2. AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO. 2.1 Em primeiro lugar, ao que se verifica dos documentos acostados aos autos, não resta comprovado que o réu agira de forma culposa ou que teria sido influenciado pelo diagnóstico feito quando do deferimento do benefício previdenciário por invalidez para alterar a categoria da CNH do autor. Pelo contrário, segundo os documentos das fls. 38-39, o autor fora encaminhado pelo médico, ora réu, à Junta Médica do DETRAN em 27/07/2001 (com amparo na Resolução nº. 80/98 do CONTRAN) e essa Junta Médica, mediante exame em 28/08/2001, concluiu que o autor não estaria mais apto a dirigir automóveis correspondentes à categoria E, mas apenas, aqueles referentes à categoria B, a teor do disposto no art. 143 do Código de Trânsito Brasileiro. 2.2 Ora, nesse contexto, o que se verifica é que, dentro dos preceitos legais que regem a matéria, ex vi dos artigos 147, § 2º e 159, § 11, ambos do Código de Trânsito Brasileiro, a Administração Pública procedeu à aferição da capacidade do autor para dirigir veículos em que a unidade tratora se enquadre nas Categorias B, C ou D e cuja unidade acoplada, reboque, semi-reboque [sic] ou articulada, tenha seis mil quilogramas ou mais de peso bruto total, ou cuja lotação exceda a oito lugares, ou, ainda, seja enquadrado na categoria trailer. Em outras palavras, a expedição da Carteira Nacional de Habilitação, ainda que essa seja um direito conferido aos cidadãos, sujeita-se ao cumprimento dos requisitos pelo administrado constituindo-se na modalidade de ato administrativo vinculado. De forma que, se for desatendido algum dos requisitos, a própria eficácia do ato fica comprometida, impondo a sua anulação pela Administração, ou pelo Poder Judiciário (mediante provocação). 2.3 Por conseguinte, o órgão público agiu dentro dos estritos limites da legalidade, seguindo orientação constante do art. 147, § 2º, do CTB, dispositivo que prevê a realização de exame de aptidão física e mental de cinco em cinco anos para a renovação da licença para dirigir, não havendo, pois, qualquer ilegalidade no ato praticado (rebaixamento da categoria E para B). APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70027224617, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Odone Sanguiné, Julgado em 25/03/2009) Disponível em: www.tjrs.jus.br. Acesso em: 18/05/2012.

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Di Pietro (2010, p. 212) conclui: “Nessa esteira, o poder da Administração é vinculado, visto que a lei não confere escolha ao administrador, mas sim estabelece através da lei, a forma que a Administração deve agir”.

No entanto, como advertem Alexandrino e Vicente mencionados por Teixeira (2012, p. 47-48):

A expressão poder vinculado não é a mais apropriada, visto que quando se realiza um ato vinculado ou se observa os elementos vinculados de um ato discricionário, não se está exercendo uma prerrogativa, a administração está cumprindo um dever.

Portanto, “[...] a atuação vinculada reflete uma imposição ao administrador, obrigando-o a conduzir-se rigorosamente em conformidade com parâmetros legais”. (CARVALHO FILHO, 2009, p. 49) [grifo do autor]

2.2.8.1.2 Poder de Polícia Discricionário

“A discricionariedade é a liberdade de atuação administrativa, no âmbito em que a lei lhe atribua essa faculdade”, afirma Meirelles (2004, p. 116-117).

Nessa ótica, Carvalho Filho (2009, p. 47) esclarece:

A lei não é capaz de traçar rigidamente todas as condutas de um agente administrativo. Ainda que procure definir alguns elementos que lhe restringem a atuação, o certo é que em várias situações a própria lei lhes oferece possibilidade de valoração de conduta. Nesses casos, pode o agente avaliar a conveniência e a oportunidade dos atos que vai praticar na qualidade de administrador dos interesses coletivos. [grifo do autor]

Segundo Medauar citada por Teixeira (2012, p. 48), “o poder discricionário, caracterizado essencialmente como escolha de uma entre várias soluções, é conferido por normas legais e deve atender a parâmetros no seu exercício”.

Assim, ensina Gasparini (2009) que a discricionariedade ou atribuição discricionária, como preferem alguns, pode ser determinada através da lei que admite certa liberdade à Administração Pública para decidir sobre cada caso concreto.

Nesse sentido, Teixeira (2012, p. 48) citando Carlin, consigna que:

Existe discricionariedade quando a lei deixa à Administração a possibilidade de, no caso concreto, escolher entre duas ou mais alternativas, todas válidas perante o Direito. E essa escolha se faz segundo critérios de oportunidade, conveniência, justiça, equidade, razoabilidade, interesse público, sintetizados no que se convencionou chamar de mérito do ato administrativo.

Cabe ressaltar a posição do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, citado por Teixeira (2012, p. 48-49):

DIREITO ADMINISTRATIVO - SISTEMA VIÁRIO URBANO – LIMITAÇÃO AO TRÂNSITO DE VEÍCULOS PESADOS - PREJUÍZO A EMPRESA QUE EXPLORA POSTO DE REVENDA DE COMBUSTÍVEL – DECISÃO JUDICIAL QUE IMPÕE A SUSPENSÃO DAS OBRAS - AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECURSO PROVIDO 01. "Em favor dos atos administrativos milita presunção de legitimidade (Celso Antônio Bandeira de Mello, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Hely Lopes Meirelles); supõe-se que 'as decisões da administração são editadas com o pressuposto de que estão conformes às normas legais e de que seu conteúdo é verdadeiro' (Odete Medauar)" (ACMS n. 2008.038594-0, Des. Newton Trisotto). 02. "O ato administrativo discricionário submete-se ao controle judicial, 'pois só a Justiça poderá dizer da legalidade da invocada discricionariedade e dos limites de opção do agente administrativo. O que o Judiciário não pode é, no ato discricionário, substituir o discricionarismo do administrador pelo do juiz. Mas pode sempre proclamar as nulidades e coibir os abusos da Administração' (Hely Lopes Meirelles)" (ACMS n. 2006.039019-6, Des. Newton Trisotto). (Agravo de Instrumento n. 2011.005138-6, Primeira Câmara de Direito Público, Juiz Prolator: Jeferson Osvaldo Vieira Julgado em: 08/09/2011). Disponível em: www.tjsc.jus.br. Acesso: 18/05/2012.

Carvalho Filho (2009, p. 48) salienta:

Ocorre que algumas vezes o agente, a pretexto de agir discricionariamente, se conduz fora dos limites da lei ou em direta ofensa a esta. Aqui comete arbitrariedade, conduta ilegítima e suscetível de controle de legalidade. Neste ponto se situa a linha diferencial entre ambas, não há discricionariedade contra legem. [grifo do autor]

Assim, Di Pietro (2010, p. 212) dispõe que: “[...] a discricionariedade implica liberdade de atuação nos limites traçados pela lei; se a Administração ultrapassa esses limites, a sua decisão passa a ser arbitrária, ou seja, contrária à lei”.

Alexandrino e Paulo, mencionados por Teixeira (2012, p. 49) consignam:

A doutrina e a jurisprudência atuais enfatizam a necessidade de existirem instrumentos de controle do poder discricionário da administração, que permitam o adequado delineamento de seus legítimos limites, evitando o indevido uso da discricionariedade administrativa, como manto protetor de atos que, embora praticados sob o fundamento da discricionariedade, revistam insidiosa arbitrariedade. A ideia central é possibilitar um controle judicial mais efetivo dos atos discricionários praticados pela administração pública.

Desse modo, “o poder administrativo concedido a autoridade pública tem limites certos e forma legal de utilização. Não é carta branca para arbítrios, perseguições ou favoritismos governamentais”, completa Teixeira (2012, p. 49) ao aludir Granjeiro.

Corroborando com o entendimento acima, Medauar citada por Teixeira (2012, p. 49-50), disse que “a discricionariedade constitui uma espécie de liberdade, porém não uma liberdade absoluta, e sim sujeita a vínculo de natureza peculiar”. E continua, explicando o porquê da discricionariedade conferida à Administração Pública:

Uma das explicações centra-se no seguinte: o Poder Executivo tem a função de direção política e administrativa, aí incluído o poder regulamentar; tais funções não poderiam ser desempenhadas corretamente se tudo fosse predeterminado, de modo absoluto, pela lei; o Estado contemporâneo, muito complexo, com amplas funções, não pode atuar sem flexibilidade; torna-se fundamental deixar margem de maleabilidade à Administração em época de rápidas mudanças; grandes metrópoles, convivência de massa, problemas sociais, grandes tragédias exigem, por vezes, rapidez de atuação e certa margem de escolha; a discricionariedade atende, portanto, a necessidade institucional.

Meirelles (2004, p. 103) ratifica que “é esse poder que empresta a autoridade ao agente público quando recebe da lei competência decisória e força para impor suas decisões aos administrados”.

Desse modo, “O certo, então, é dizer que tal atribuição [poder de polícia] se efetiva por atos administrativos expedidos através do exercício de uma competência às vezes vinculada, às vezes discricionária.” (GASPARINI, 2009, p. 131)

2.2.8.2 Autoexecutoriedade do Poder de Polícia

Nas palavras de Maffini citadas por Teixeira (2012, p. 24): “[...] o poder de polícia é concretizável independentemente de qualquer participação (autorização, permissão, deferimento etc.) do Poder Judiciário ou de qualquer outro órgão estatal que não seja a própria Administração Pública".

Nesse diapasão, Teixeira (2012, p. 24) menciona Carlin ao referir-se à autoexecutoriedade como sendo:

[...] o poder que a Administração tem de executar suas decisões sem consentimento prévio, lançando mão de meios próprios para executar o ato, considerando-se a proporcionalidade, o que significa a exigência de uma relação de limites entre o direito individual e o prejuízo a ser evitado.

Corroborando com o assunto:

A Administração Pública pode promover, por seus próprios meios, humanos e materiais, a submissão do administrado às determinações editadas, para vê-lo conformado à legislação a que deve obediência, sem necessidade de recorrer a qualquer outro poder. (GASPARINI, 2009, p. 134)

Meirelles (2004, p. 135) esclarece: “Destarte, para garantir a proteção dos administrados, a Administração pode efetuar diretamente os atos de seu poder de polícia sem necessitar da autorização de outro poder”.

2.2.8.3 Coercibilidade do Poder de Polícia

Para Mello (2009, p. 836), “a utilização de meios coativos por parte da Administração Pública, conforme o indicado, é uma necessidade imposta em nome da defesa dos interesses públicos”.

Conforme ensina Meirelles (2004, p. 136):

A coercibilidade, isto é, a imposição coativa das medidas adotadas pela Administração, constitui também atributo do poder de polícia. Realmente, todo ato de polícia é imperativo (obrigatório para seu destinatário), admitindo até o emprego da força pública para seu cumprimento, quando resistido pelo administrado.

Nesse sentido, Maffini citado por Teixeira (2012, p. 25) explica:

Além disso, se os policiados opuserem indevida resistência à atuação de polícia administrativa, poderá a Administração Pública valer-se de força pública, para a efetivação das medidas cabíveis, desde que sejam tais mecanismos de força pública legalmente previstos e proporcionais à resistência que buscam ultrapassar. Não se admite, por certo, qualquer manifestação de violência gratuita, mesmo que em nome do interesse público inerente ao poder de polícia.

Diante disso, conclui Teixeira (2012) que o atributo da coercibilidade do poder de polícia é indispensável para a Administração pública, já que esta pode e deve atuar com autoridade protegendo o interesse público em detrimento do particular.

2.2.8.4 Tipicidade do Poder de Polícia

Reconhece Di Pietro (2010, p. 201) que tipicidade “é o atributo pelo qual o ato administrativo deve corresponder a figuras definidas previamente pela lei como aptas a produzir determinados resultados”.

No mesmo sentido, “Moraes elucida que se trata de atributo [...] absolutamente necessário em um Estado de Direito, uma vez que se refuta a possibilidade de a Administração Pública praticar atos administrativos inominados, em desrespeito ao princípio da legalidade, e, consequentemente, obrigar os administrados a cumpri-los, em função dos atributos da imperatividade e executoriedade”. (TEIXEIRA, 2012, p. 25)

Teixeira (2012, p. 25) afirma ainda que:

Alexandrino e Paulo mencionam que Di Pietro aponta duas consequências decorrentes de atributo:

a) representa uma garantia para o administrado, pois impede que a Administração pratique ato unilateral e coercitivo, sem prévia previsão;

b) afasta a possibilidade de ser praticado ato totalmente discricionário, pois a lei, ao prever o ato, já define os limites em que a discricionariedade poderá ser exercida.

Mazza aludido por Teixeira (2012, p. 25), conclui: “Trata-se, portanto, de uma derivação do princípio da legalidade, impedindo a Administração Pública de praticar atos atípicos ou inominados”.

2.2.9 Sanções do Poder de Polícia

De acordo com Oliveira citado por Carvalho Filho (2009, p. 88): “Sanção administrativa é o ato punitivo que o ordenamento jurídico prevê como resultado de uma infração administrativa, suscetível de ser aplicado por órgãos da Administração”.

Afirma Justen citado por Teixeira (2012, p. 26) que a “a sanção administrativa pode ser considerada como manifestação do poder de polícia”.

Carvalho Filho (2009, p. 88) ensina que “as sanções espelham a atividade repressiva decorrente do poder de polícia. Estão elas difundidas nas diversas leis que disciplinam atividades sujeitas a esse poder”.

As sanções do poder de polícia, como elemento de coação e intimidação, principiam, geralmente, com a multa e se escalonam em penalidades mais graves como a interdição de atividade, o fechamento de estabelecimento, a demolição de construção, o embargo administrativo de obra, a destruição de objetos, a inutilização de gêneros, a proibição de fabricação ou comércio em determinadas zonas e tudo o mais que houver de ser impedido em defesa da moral, da saúde, e da segurança pública, bem como da segurança nacional, desde que estabelecido em lei ou regulamento. (MEIRELLES, 2004, p. 137-138) [grifo meu]

Outrossim, assevera Medauar (2009, p. 349):

As medidas resultantes do poder de polícia exigem observância por parte dos sujeitos a que impõe restrições em seus direitos: tais medidas podem implicar obrigações de fazer ou de se abster. O descumprimento de tais prescrições enseja, para o agente, a possibilidade de impor sanções.

Cabe salientar que, “[...] se o ato sancionatório de polícia não tiver propiciado ao infrator a oportunidade de rechaçar a acusação e de produzir as provas necessárias às suas alegações, estará contaminado de vício de legalidade, devendo ser corrigido na via administrativa ou judicial”. (CARVALHO FILHO, 2009, p. 89)

Especialmente no que se refere à multa de Trânsito, Carvalho Filho (2009) menciona uma decisão do Superior Tribunal de Justiça, que afirmou ser indispensável ao devido processo administrativo a notificação da autuação e da aplicação da sanção decorrentes da infração cometida pelo condutor do veículo, proporcionando a este o direito ao contraditório e, consequentemente, à ampla defesa. No entanto, salienta-se que, se o motorista for pego em flagrante no cometimento da infração, torna-se desnecessária a notificação da autuação, podendo ele promover sua defesa desde o momento do flagrante.

2.3 Poder de Polícia de Trânsito

Depois da definição do Poder de Polícia, tratar-se-á agora especificamente do Poder de Polícia de Trânsito. Assim, é importante que se esclareça de pronto o que é Trânsito. O artigo 1º do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) define:

Art. 1º [...]

§ 1º Considera-se trânsito a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga.

 § 2º O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito. (BRASIL, 1997)

Teixeira (2012, p. 32) afirma que “[...] o poder de polícia de trânsito tem por objetivo disciplinar, controlar e fiscalizar o trânsito dos veículos em geral, coibindo a ocorrência de infrações de trânsito, ora de forma preventiva ora de forma repressiva”.

2.3.1 História da Legislação de Trânsito Brasileira

No Blog Ponto de Ônibus [Internet], Ádamo Bazani postou um interessante estudo histórico, realizado por José Ricardo Rocha Cintra Lima, do Instituto Trânsito Brasil. Diante de sua importância histórica, transcreve-se o estudo na íntegra:

Nesse estudo é possível verificar que o primeiro registro de lei no Brasil sobre o trânsito de veículos automotores foi de 1910 e exigia menor velocidade dos veículos para evitar os acidentes. Em 1871, chegou à Bahia um dos primeiros protótipos de carros que se automovia. O carro era movido a vapor e tracionava um reboque para passageiros.

O primeiro carro a combustão no Brasil foi trazido da França pelo inventor do avião, Santos Dumont, em 1891. Apaixonado por mecânica, Santos Dumont se admirou com os carros modernos para a época. Depois de pesquisar, em 1890 comprou um Pegeout e trouxe no ano seguinte para o Brasil, a fim de estudá-lo, além de passear e se destacar. Logo depois, o irmão de Alberto Santos Dumont, Henrique, levaria um carro para São Paulo. Ele foi considerado o primeiro dono de um automóvel na cidade que possui a maior frota de carros e ônibus do Brasil.

De acordo com documentos oficiais, em 1901, ele pediu isenções tributárias a seu veículo:

“…o [sic] suplicante sendo o primeiro introdutor desse sistema de veículo na cidade, o fez com sacrifício de seus interesses e mais para dotar a nossa cidade com esse exemplar de veículo “automobile”; porquanto após qualquer excursão, por mais curtas que sejam, são necessários dispendiosos reparos no veículo devido à má adaptação de nosso calçamento pelo qual são prejudicados sempre os pneus das rodas. Além disso o suplicante apenas tem feito raras excursões, a título de experiência, e ainda não conseguiu utilizar de seu carro “automobile” para uso normal, assim como um outro proprietário de um “automobile” que existe aqui também não o conseguiu”.

É interessante destacar, pelo texto da petição que o primeiro dono do primeiro carro de São Paulo, Henrique Santos Dumont, já reclamava das más condições viárias.

Acredita-se, com base em documentos oficiais, que o segundo dono de carro em São Paulo foi Conde Álvares Penteado. Aos poucos e no ritmo da época, a frota de veículos automotores começou a crescer, mas não houve uma substituição imediata dos carros puxados por animais. Houve uma convivência nem sempre harmoniosa. As velocidades diferentes entre os dois tipos de carros já era problema e causava acidentes, por isso uma lei nacional de 27 de outubro de 1910, que já determinava controle de velocidade por parte dos motoristas, até então chamados de motorneiros.

Numa lei de trânsito brasileiro, a primeira vez que os ônibus foram citados data de 1927, quando a União determinava a criação de um Fundo para a manutenção das estradas de rodagem. Todos os veículos, inclusive auto-omnibus [sic] que vinham de outros países, além de pagarem os impostos de importação tinham a partir desta lei de pagar um adicional para este Fundo.

Acompanhe esta cronologia interessante extraída do estudo de José Ricardo Rocha Cintra Lima:

- 27 DE OUTUBRO DE 1910:

O Decreto 8.324 aprovou o serviço subvencionado de transportes por automóveis. Os condutores, chamados de motorneiros, eram obrigados a diminuir a marcha ou parar todas as vezes que o automóvel pudesse causar um acidente.

- 11 DE JANEIRO DE 1922:

O Decreto Legislativo 4.460 proibia a circulação de carros de boi nas estradas de rodagem. Também limitou a carga máxima dos veículos e tornou oficial a expressão popular “matar burros”.

No Artigo 6º estimulava a construção de mata-burros. Para evitar a invasão de animais na pista, proibindo outras soluções que pudessem diminuir a velocidade dos automóveis ou causar acidentes:

Art. 6º “No leito das estradas não poderão ser estabelecidas porteiras, tranqueiras ou qualquer fecho de igual natureza e fim; nos logares [sic] em que isso for necessário, construir-se-hão [sic] mata-burros que impeçam a passagem dos animaes [sic] e não embaracem o tráfego de automóveis.”

- 05 DE JANEIRO DE 1927 – A Primeira Citação Em Lei Federal Sobre Ônibus:

O Decreto 5.141 criou o Fundo especial para a “construção e conservação de estradas de rodagem federaes [sic], constituído por um adicional aos impostos de importação para consumo a que estão sujeitos gazolina [sic], automóveis, auto-omnibus [sic], auto-caminhões [sic], de ar, chassis para automóveis, pneumáticos, câmaras de ar, rodas massiças, motocycletas [sic], bycicletas [sic], sude-car e acessórios para automóveis. 60 reis por quilograma de gazolina [sic].”

Logo quando apareceu numa lei, o ônibus já foi taxado para manter obras de responsabilidade governamental, mas seria uma contrapartida pois tais obras seriam para oferecer condições de tráfego aos veículos.

- 24 DE JULHO DE 1928:

O decreto 18.323 se baseia em normas internacionais para circulação de veículos no território brasileiro assim como sinalização. As forças públicas de segurança, seja da União, estados ou municípios, passaram pelo regulamento a ser as legítimas agentes fiscalizadoras de trânsito, de acordo com o domínio da estrada.

Também estabelecia que nenhum veículo poderia trafegar sem o pagamento de licença aos municípios exigindo placas. Estipulou um sistema de sanções. Quem autenticasse as infrações e levasse ao conhecimento das autoridades receberia metade do valor da multa, uma espécie já de incentivo ou cota para estimular os policiais a fazerem esta função até então extra de força pública.

- 28 DE JANEIRO DE 1941:

Surgia o primeiro Código Nacional de Trânsito pelo Decreto Lei 2.994.

- 25 DE SETEMBRO DE 1941:

O Decreto-Lei 3.651 revogava o Código Nacional de Trânsito atribuindo aos estados a regulamentação do trânsito, desde que respeitassem leis nacionais sobre o tema.

- 21 DE SETEMBRO DE 1966:

Pela Lei 5.108, surgiu o Código Nacional de Trânsito com 131 artigos, mas os estados poderiam adotar normas específicas de acordo com as características locais.

Foi criado nesta data também o RENAVAN [sic] – Registro Nacional de Veículos Automotores.

- 23 DE FEVEREIRO DE 1967:

Antes de entrar em vigor, o Código Nacional de Trânsito sofreu alterações com a extinção dos Conselhos Municipais de Trânsito, criação do Departamento de Trânsito, e o CONTRAN – Conselho Nacional de Trânsito passou a ter a competência de relacionar os equipamentos obrigatórios dos veículos.

Devido ao alto número de contestações às multas, foi criada a entidade da JARI – Junta Administrativa de Recursos de Infração.

- 16 DE JANEIRO DE 1968: Outra Lei Federal Que Fala De Ônibus

Foi aprovado pelo Decreto 62.127 o Regulamento do Código Nacional de Trânsito, de 264 artigos e 08 anexos. O Regulamento aumentou as atribuições do CONTRAN e conferiu à União o poder para conceder, autorizar ou permitir a exploração de serviço de transporte coletivo para as linhas interestaduais e internacionais.

Aos Estados, a incumbência de fixar os transportes coletivos dentro o território e aos municípios foram delegadas as obrigações de colocar taxímetros nos carros de aluguel. Os municípios também eram responsáveis por conceder, autorizar ou permitir a exploração do serviço de transporte coletivo para linhas municipais.

- 28 DE JUNHO DE 1968:

Nova redação para o Regulamento do Código Nacional de Trânsito definindo de forma mais detalhada as funções dos estados e municípios. Cabia ainda aos municípios conceder, autorizar ou permitir exploração do serviço de transporte coletivo para as linhas municipais.

Nessa nova redação, foi criada a possibilidade de os municípios criarem órgãos para gerenciarem o trânsito de acordo com a sua capacidade técnica e necessidade pela demanda. Exemplos: foram a CET – Companhia de Engenharia de Tráfego – de São Paulo e a Superintendência de Engenharia de Tráfego do Município de Salvador.

- 21 DE MARÇO DE 1973:

Pela Portaria Ministerial nº 345 – B foi nomeada uma comissão para rever o Código Nacional em vigor naquela época, mas a reformulação não foi profunda.

- ANO DE 1993:

Depois de várias discussões foi apresentado Projeto de Lei para a instituição do Código de Trânsito Brasileiro. Polêmicas e contradições marcaram a elaboração do projeto de lei que tramitava entre Câmara e Senado. Algumas discussões eram técnicas, outras meramente políticas e procuravam preservar o motorista, principalmente o de classe média formador de opinião que, por mais que tivesse restrições e aumento de obrigações, não poderia ser contrariado a ponto de criar rejeição política.

- 23 DE SETEMBRO DE 1997:

Depois de tantos embates, finalmente a presidência da República sancionava o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), após vários vetos. Neste código, a crítica é que houve uma “municipalização” extrema do trânsito com maiores atribuições e ônus aos órgãos locais. A crítica se baseou no fato de o Governo Federal ter transferido várias funções e até se esquivando de algumas questões, principalmente de regulamentos que eram nacionais, jogando a responsabilidade para as cidades. [grifo meu]

A justificativa é que elas têm mais condições de gerenciar o trânsito, mesmo em questões nacionais, por estarem mais próximas das realidades locais, aplicando as leis gerais de trânsito respeitando as peculiaridades regionais.Mesmo com todas as pressões da sociedade, principalmente da classe formadora de opinião que usa o carro de passeio, as multas e proibições foram ampliadas.

2.3.2 Estatísticas de Acidentes após o novo Código de Trânsito

Ainda no Blog Ponto de Ônibus [Internet], Ádamo Bazani cita um detalhado estudo, de 10 anos, chamado Caderno Complementar Mapa da Violência do Instituto Sangari, que identificou que nos três primeiros anos do Código de Trânsito Brasileiro os acidentes caíram, assim como o número de mortos. Mas depois a fiscalização e a população relaxaram e os acidentes com mortos começaram a crescer novamente a partir do ano 2000.

Os acidentes envolvendo caminhões, de acordo com o estudo, triplicaram e envolvendo ciclistas quadruplicaram. O número de mortes nos carros de passeio dobrava no período. O destaque preocupante foi em relação a mortes de pessoas que pilotam ou são passageiras de motos. Entre 1998 e 2008, o número de mortos usando motocicleta subiu 754%. O número, ainda segundo o levantamento, não se deu apenas por causa da explosão do mercado de motos, mas pela forma de condução, irresponsável em muitos casos, dos motociclistas.

Em 2008, foram 87,6 mortes para 100 mil motos. Esse número é 170% maior que a média entre frota e mortes envolvendo carros de passeio, que é de 32,5 mortos para 100 mil carros. Em 1998, essa diferença entre as médias de carros e motos era menor, mas as motocicletas já lideravam. Naquele ano foram registradas 67,8 mortes a cada 100 mil motos, uma proporção 75% superior em relação à média entre frota de carros de passeio e pessoas que perderam a vida em acidentes. O fato é que, proporcionalmente, o trânsito brasileiro mata mais que muitas guerras e epidemias.

Como se observa, há tempos que obras e leis tentam dar conta da demanda de veículos em circulação no Brasil e procuram incansavelmente reduzir o número de acidentes de trânsito.  Porém, a cada dia essa busca torna-se mais árdua diante do aumento do número de veículos nas ruas e da imprudência dos seus motoristas.

2.3.3 O Sistema Nacional de Trânsito

O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) conceitua o Sistema Nacional de Trânsito (SNT) e define seus objetivos básicos:

Art. 5º O Sistema Nacional de Trânsito é o conjunto de órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que tem por finalidade o exercício das atividades de planejamento, administração, normatização, pesquisa, registro e licenciamento de veículos, formação, habilitação e reciclagem de condutores, educação, engenharia, operação do sistema viário, policiamento, fiscalização, julgamento de infrações e de recursos e aplicação de penalidades.

Art. 6º São objetivos básicos do Sistema Nacional de Trânsito:

I - estabelecer diretrizes da Política Nacional de Trânsito, com vistas à segurança, à fluidez, ao conforto, à defesa ambiental e à educação para o trânsito, e fiscalizar seu cumprimento;

II - fixar, mediante normas e procedimentos, a padronização de critérios técnicos, financeiros e administrativos para a execução das atividades de trânsito;

III - estabelecer a sistemática de fluxos permanentes de informações entre os seus diversos órgãos e entidades, a fim de facilitar o processo decisório e a integração do Sistema. (BRASIL, 1997)

2.3.3.1 Integrantes do Sistema Nacional de Trânsito

O artigo 7º do CTB traz expresso o rol de integrantes do Sistema Nacional de Trânsito, a saber:

Art. 7º Compõem o Sistema Nacional de Trânsito os seguintes órgãos e entidades:

I - o Conselho Nacional de Trânsito - CONTRAN, coordenador do Sistema e órgão máximo normativo e consultivo; [grifo meu]

II - os Conselhos Estaduais de Trânsito - CETRAN e o Conselho de Trânsito do Distrito Federal - CONTRANDIFE, órgãos normativos, consultivos e coordenadores;

III - os órgãos e entidades executivos de trânsito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

IV - os órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

V - a Polícia Rodoviária Federal;

VI - as Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal; e

VII - as Juntas Administrativas de Recursos de Infrações – JARI. (BRASIL, 1997)

Esses componentes do SNT são considerados Autoridades de Trânsito nas suas respectivas circunscrições, conforme dispõe o Anexo I (Conceitos e Definições) do CTB: “AUTORIDADE DE TRÂNSITO - dirigente máximo de órgão ou entidade executivo integrante do Sistema Nacional de Trânsito ou pessoa por ele expressamente credenciada”.

2.3.3.2 Competências das Autoridades de Trânsito

Esclarece Favreto (2000, p. 155): “No exercício de sua competência privativa, a União conferiu atribuições executivas e competências legislativas complementares sobre política de educação, segurança e fiscalização de trânsito aos demais entes federados [...]”.

No que se refere às competências gerais das autoridades de trânsito, o CTB prevê o seguinte:

Art. 21. Compete aos órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição:

I - cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito de suas atribuições;

[...]

VI - executar a fiscalização de trânsito, autuar, aplicar as penalidades de advertência, por escrito, e ainda as multas e medidas administrativas cabíveis, notificando os infratores e arrecadando as multas que aplicar;

[...]

Art. 256. A autoridade de trânsito, na esfera das competências estabelecidas neste Código e dentro de sua circunscrição, deverá aplicar, às infrações nele previstas, as seguintes penalidades:

I - advertência por escrito;

II - multa;

III - suspensão do direito de dirigir;

IV - apreensão do veículo;

V - cassação da Carteira Nacional de Habilitação;

VI - cassação da Permissão para Dirigir;

VII - frequência obrigatória em curso de reciclagem. (BRASIL, 1997)

Através dos artigos 7º, 21 e 256 do CTB pode-se observar que as autoridades de trânsito são várias e ocupam todos os níveis da Administração Pública: União, Estados, Distrito Federal e Municípios; cada uma com sua circunscrição.

O alcance desse objetivo maior - segurança, fluidez, conforto e defesa da vida pela educação no trânsito - exige uma atuação permanente e sistemática dos órgãos e entidades que compõem o Sistema Nacional de Trânsito, visto que este novo ordenamento jurídico distribuiu as regras de competência entre os três entes federados, exigindo, assim, interpretação e aplicação integrada para se obter melhor efetividade. (FAVRETO, 2000, p. 155) [grifo meu]

Nos tópicos seguintes serão abordadas as principais competências das autoridades de trânsito de acordo com sua circunscrição.

2.3.3.2.1 Competências na Esfera Federal

No nível federal, dentre outras, temos como autoridade de trânsito a Polícia Rodoviária Federal (PRF), à qual o CTB impõe as seguintes competências:

Art. 20. Compete à Polícia Rodoviária Federal, no âmbito das rodovias e estradas federais:

I - cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito de suas atribuições;

II - realizar o patrulhamento ostensivo, executando operações relacionadas com a segurança pública, com o objetivo de preservar a ordem, incolumidade das pessoas, o patrimônio da União e o de terceiros;

III - aplicar e arrecadar as multas impostas por infrações de trânsito, as medidas administrativas decorrentes e os valores provenientes de estada e remoção de veículos, objetos, animais e escolta de veículos de cargas superdimensionadas ou perigosas; (BRASIL, 1997)

[...]

2.3.3.2.2 Competências na Esfera Estadual

Na esfera estadual, temos diversos órgãos e entidades de trânsito, dentre eles, as Polícias Militares, que podem atuar no trânsito mediante convênio com a autoridade que detém a circunscrição sobre a via. Dispõe o CTB que:

Art. 22. Compete aos órgãos ou entidades executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal, no âmbito de sua circunscrição:

I - cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito das respectivas atribuições;

[...]

IV - estabelecer, em conjunto com as Polícias Militares, as diretrizes para o policiamento ostensivo de trânsito;

V - executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis pelas infrações previstas neste Código, excetuadas aquelas relacionadas nos incisos VI e VIII do art. 24, no exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito;

VI - aplicar as penalidades por infrações previstas neste Código, com exceção daquelas relacionadas nos incisos VII e VIII do art. 24, notificando os infratores e arrecadando as multas que aplicar;

[...]

Art. 23. Compete às Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal:

[...]

III - executar a fiscalização de trânsito, quando e conforme convênio firmado, como agente do órgão ou entidade executivos de trânsito ou executivos rodoviários, concomitantemente com os demais agentes credenciados; (BRASIL, 1997) [grifo meu]

[...]

2.3.3.2.3 Competências na Esfera Municipal

De igual modo, as prefeituras municipais podem criar seus órgãos de gerenciamento municipalizar o trânsito local, conforme previsto no CTB:

Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição:

I - cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito de suas atribuições;

II - planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos, de pedestres e de animais, e promover o desenvolvimento da circulação e da segurança de ciclistas;

[...]

V - estabelecer, em conjunto com os órgãos de polícia ostensiva de trânsito, as diretrizes para o policiamento ostensivo de trânsito;

VI - executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, no exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito; [grifo meu]

VII - aplicar as penalidades de advertência por escrito e multa, por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas neste Código, notificando os infratores e arrecadando as multas que aplicar; [grifo meu]

[...]

X - implantar, manter e operar sistema de estacionamento rotativo pago nas vias;

[...]

XVIII - conceder autorização para conduzir veículos de propulsão humana e de tração animal;

[...]

§ 2º Para exercer as competências estabelecidas neste artigo, os Municípios deverão integrar-se ao Sistema Nacional de Trânsito, conforme previsto no art. 333 deste Código. (BRASIL, 1997) [grifo meu]

2.3.3.3 A Municipalização do Trânsito

Dados apresentados pelo Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN (2012) apontam que a frota brasileira em dezembro de 2012 chegou a 76.137.191 veículos automotores, e este número vem crescendo consideravelmente a cada dia.

Considerando que o censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2010), divulgado em novembro de 2010, apontou uma população brasileira formada por 190.732.694 pessoas; conclui-se que, em média, há 1 veículo para cada 2,5 brasileiros.

Além disso, a legislação atual trouxe a possibilidade da municipalização do trânsito e, conforme o inciso VII do artigo 24 do CTB, compete aos municípios “[...] aplicar as penalidades [...] arrecadando as multas que aplicar”. [grifo meu]

Assim, diante desse expressivo número de veículos nas ruas e, consequentemente, um considerável número de autuações, tornou-se vantajoso aos municípios se integrarem ao Sistema Nacional de Trânsito, de acordo com o parágrafo 2º do artigo 24 do CTB, promovendo o que se conhece por “municipalização do trânsito”.

Quanto a isso, Favreto (2000, p. 155) reconhece:

Trata-se [...] de importante inovação no sistema, visto que até então a União exercia sua competência constitucional normativa, remetendo a execução das políticas de trânsito aos Estados-membros. O vigente Estatuto de Trânsito inclui o ente municipal entre os órgãos integrantes do novo Sistema Nacional de Trânsito. Assim, em relação às competências, o novo Código procurou observar a repartição federativa constante da Carta Federal de 1988, que alçou os Municípios à categoria de ente político integrante da Federação, ao lado dos Estados, Distrito Federal e União, consolidando sua autonomia político-administrativa.

As competências reservadas aos municípios pelo artigo 24 do CTB podem ser resumidas em quatro grandes temas: planejamento do trânsito, regulamentação, operação e fiscalização; tal é o ensinamento de Favreto (2000), que continua:

O planejamento nada mais é do que a competência para estabelecer a política de trânsito no Município sobre o tráfego urbano, envolvendo a circulação de veículos, pessoas e animais, com o objetivo de alcançar fluidez do trânsito e segurança dos usuários, através da definição dos locais de parada, estacionamento, operação de carga e descarga, etc. Enfim, estabelecer a forma e o modo de circulação local. [grifo meu]

A regulamentação do trânsito é a decorrência do seu planejamento, que importa a implantação da sinalização nas vias urbanas, envolvendo a colocação das placas de sinais, pinturas das vias e demais orientações físicas. Já operar o trânsito diz respeito ao controle de sua fluidez, através de equipamentos eletrônicos, manuais e atuação do pessoal técnico. [grifo meu]

Para completar, a grande novidade em relação aos Municípios é a fiscalização do trânsito, tendo em vista que as demais já vinham sendo executadas pelos entes locais. É a mais importante porque implica a verificação in loco se as regras do Código estão sendo observadas pelos condutores e usuários do sistema de trânsito. Desta atuação é que verificamos as autuações, aplicação de penalidades e medidas administrativas, bem como a arrecadação das multas aplicadas. [grifo meu]

Em que pese o ato da municipalização estar previsto no direito positivo, há quem defenda que a competência para a fiscalização de trânsito continua sendo da União e dos Estados, como afirma Silva (2004):

Portanto, o serviço de policiamento ostensivo de trânsito, ramo da polícia de preservação de ordem pública, seja nas rodovias estaduais ou municipais ou nas vias urbanas, excetuando-se a competência da União, que é exercida pela Polícia Rodoviária Federal, cabe aos Estados-membros, pois não é predominantemente local, dado destinar-se a coibir a violação da ordem jurídica, a defender a incolumidade do Estado, das pessoas e do patrimônio e a restaurar a normalidade de situações e comportamentos que se opõem a esses valores. Assim, a competência municipal, quase que delegada, é condicionada e supervisionada pela União, além de acompanhada e coordenada pelo Estado-membro. Esta foi a forma que ganhou a propalada municipalização do trânsito, uma panacéia [sic], cuja inviabilidade sempre sustentamos e sustentaremos [...] [grifo meu]

2.3.3.4 Legitimados ao Poder de Polícia de Trânsito

Nota-se nos dispositivos retromencionados, que o CTB inovou ao ampliar o rol de autoridades de trânsito, incluindo nele os municípios, por exemplo.

Conforme dispõe o parágrafo 2º do artigo 280 do CTB, para que haja legalidade na autuação de trânsito, a fiscalização deve ser exercida pela própria autoridade ou um agente devidamente autorizado pela autoridade com circunscrição sobre a via: “Art. 280.[...] § 2º A infração deverá ser comprovada por declaração da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito [...]” (BRASIL, 1997). [grifo meu]

O parágrafo 4º do mesmo artigo traz o rol dos legitimados à função de agente da autoridade de trânsito:

“Art. 280.[...]

§ 4º O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência.” (BRASIL, 1997) [grifo meu]

Adverte Teixeira (2012, p. 36) citando Rizzardo, que os policiais só poderão atuar no trânsito mediante convênio com o órgão que detenha a sua circunscrição:

O Código de Trânsito Brasileiro, em seu artigo 280, § 4º, veio para alterar a competência da lavratura do auto de infração, uma vez que só é permitida a atividade dos policiais militares mediante convênio e ainda foi acrescentado as expressões servidor civil, estatutário e celetista.

Silva (2004) comunga com a afirmação:

O Código de Trânsito Brasileiro, por outro lado, estabelece em seu artigo 280, § 4º, que o Agente da Autoridade de Trânsito, para que possa efetivamente exercer uma função de natureza fiscalizadora no tocante às atividades inseridas na área operacional do trânsito, deverá ser designado pela autoridade de trânsito com circunscrição sobre a via no âmbito de sua competência e, assim sendo, independe da condição de ser o mesmo Agente um servidor civil, estatutário ou celetista ou policial militar.

Krigger citado por Teixeira (2012, p. 36) completa: “O agente competente, portanto, é aquele que além de ter a capacidade civil, possui ainda, a atinente competência imposta por lei, tendo assim competência para o referido cargo a que esteja designado”.

2.3.3.4.1 Legitimidade das Guardas Municipais

Com base no citado artigo 280 § 4º do CTB, muitas prefeituras têm criado guardas municipais, outorgando-lhes o poder de polícia de trânsito. Contudo, o parágrafo 8º (in verbis) do artigo 144 da Constituição Federal traz expressa a função desse órgão municipal:

Art. 144. [...] § 8.º Os municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. [...] (BRASIL, 1988). [grifo meu]

Muitos têm considerado inconstitucional esta incumbência da fiscalização de trânsito às guardas municipais justamente porque o artigo supracitado limita a atuação das guardas municipais somente à proteção e vigilância do patrimônio público municipal. Os defensores desta inconstitucionalidade baseiam-se ainda na premissa de que o agente público só pode fazer o que a lei autoriza, ou seja, o dispositivo constitucional não veda expressamente a atuação das guardas municipais na fiscalização de trânsito, mas também não a autoriza.

Camargo (2012) afirma que é relevante destacar que o próprio Supremo Tribunal Federal, em setembro de 2011, reconheceu a existência de repercussão nesse tema, quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 637.539/RJ, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, assim ementado:

PODER DE POLÍCIA – IMPOSIÇÃO DE MULTA DE TRÂNSITO – GUARDA MUNICIPAL – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. Possui repercussão geral a controvérsia acerca da possibilidade de aplicação de multa de trânsito por guarda municipal, tendo em vista o disposto no artigo 144, § 8º, da Constituição da República, cujo rol especifica as funções às quais se destinam tais servidores públicos. (STF, Rep. Geral no RE 637.539/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 08/09/2011).

Infelizmente, continua Camargo (2012), após essa decisão, antes que o mérito fosse apreciado, o então recorrente, Município do Rio de Janeiro, desistiu do recurso, que foi homologado em 13 de outubro de 2011. Ficou, portanto, sem se pronunciar nossa Suprema Corte, pairando, ainda, a grande controvérsia a respeito das competências das guardas municipais, com decisões judiciais em ambos os sentidos:

Do Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN:

Departamento Nacional de Trânsito – Parecer nº 247/2005/CGIJF/DENATRAN: "a Guarda Municipal não tem competência para atuar na fiscalização de trânsito incluindo o procedimento relativo à aplicação de multas de trânsito, sob pena de nulidade das mesmas e, igualmente, não possui legitimidade para firmar Convênio com órgãos de trânsito para tal fim". (CAMARGO, 2012) [grifo do autor]

Do Conselho Estadual de Trânsito de São Paulo – CETRAN/SP:

Conselho Estadual de Trânsito – Deliberação 1, de 24-6-2005-CETRAN: “Não têm competência os integrantes da Guarda Municipal para o exercício da função de agente de trânsito, por força do princípio específico do art. 144, § 8º da Constituição Federal de 1988, devendo cessar sua atividade nesse mister, sem prejuízo dos atos praticados anteriormente, em virtude do entendimento então tolerado pelo Denatran." (CAMARGO, 2012) [grifo do autor]

No mesmo sentido, o Poder Judiciário de São Paulo decidiu:

AÇÃO DECLARATÓRIA. MULTAS DE TRÂNSITO. AUTUAÇÃO POR AGENTE DA GUARDA CIVIL MUNICIPAL. DELEGAÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES. Inadmissibilidade - Atribuição da Guarda Municipal prevista no art. 144, § 8º da CF – Impossibilidade de exercício das funções de agente de trânsito - O Colendo Órgão Especial já assentou que “a guarda municipal é apenas um corpo de vigilantes adestrados e armados para a proteção do patrimônio do Município, do seu quadro não podendo ser extraído o efetivo de agentes fiscalizadores do trânsito da urbe, menos ainda sem concurso, por policial não ser e por conseguinte não poder exercer típica atribuição de polícia” (ADIN 147.983-0/8-00) – DANOS MORAIS - Inadmissibilidade - Ausência de comprovação dos elementos dano, conduta lesiva e nexo de causalidade (art. 333 do CPC). Recursos improvidos. Apelação nº 9000002-19.2008.8.26.0038, Comarca de Araras, 7ª Câmara de Direito Público, Relator Moacir Peres, julgado em 13 de fevereiro de 2012.

Em sentido contrário, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decidiu:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO MULTA POR INFRAÇÃO À LEGISLAÇÃO DE TRÂNSITO AUTO DE INFRAÇÃO LAVRATURA COMPETÊNCIA GUARDA MUNICIPAL COMPETÊNCIA. 1. Os Municípios são competentes para executar fiscalização do trânsito no âmbito de sua circunscrição (artigos 8º e 24, caput, VI e VII, CTB). 2. O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência (art. 280, § 4º, CTB). Legalidade de auto de infração lavrado por guarda municipal. Pretensão julgada improcedente. Sentença mantida. Recurso desprovido. APELAÇÃO - Anulatória de multa de trânsito – Sentença de procedência - Infração lavrada por Guarda Municipal - Reconhecida a ilegalidade da autuação por falta de competência para fiscalização do trânsito. Descabimento. Inexistência de impeditivo constitucional ou legal - Sentença reformada - Recurso do Município provido (Apelação cível nº 0136486-51.2007.8.26.0000, Rel. Des. Oswaldo Luiz Palu, j. 27/10/10).

Silva (2004) destaca:

Com relação às atividades da Guarda Municipal: O saudoso Prof. Hely Lopes Meirelles ministra que: compete a ela o policiamento administrativo da cidade, especialmente dos parques e jardins, dos edifícios e museus, onde a ação dos predadores do patrimônio público se mostra mais danosa.

Freitas citado por Favreto (2000, p. 155), entende:

Com efeito, esta operação hermenêutica que consiste em pretender atribuir a melhor significação, dentre várias possíveis, aos princípios, às normas e aos valores jurídicos, hierarquizando-os num todo aberto, fixando-lhes o alcance - e superando antinomias, a partir da conformação teleológica, tendo em vista solucionar os casos concretos, é reveladora do fato que o objeto da interpretação não é uma mera coisa coisa [sic] destacada do intérprete, tampouco resultado cego de forças e de processos. Ao interpretar o 'objetivamente' dado, o exegeta ordena sua sistematização e, ao fazê-lo, transcende-o inevitalmente [sic], porquanto só na transcendência o imanente jurídico experimenta sentido, na órbita da valoração.

Silva (2004) afirma que se trata de uma heresia jurídica o ato das prefeituras designarem suas guardas municipais como agentes de trânsito a pretexto do disposto no artigo 280 § 4º do CTB, alegando que houve a municipalização do seu trânsito. E continua:

À autoridade de trânsito não é dado designar guarda municipal para desempenhar a função de agente de trânsito, pois este não é policial militar, e muito menos para lavrar auto de infração. O agente de trânsito competente para lavrar auto de infração de trânsito só pode ser (numa interpretação sistemática do disposto no § 4º, do art. 280, do CTB, frente à Constituição Federal) servidor público concursado para cargo de agente de trânsito; criado por lei, com atribuições específicas, com número certo e estipêndio correspondente, ou um policial militar, designado pela autoridade de trânsito municipal, se houver convênio com o Estado, mas nunca guarda municipal, vez que este foi concursado e admitido para exercer a função de patrulheiro, sob pena de usurpação de função. [...] Caso contrário, chegar-se-ia ao absurdo de ser designado um médico, um dentista, um engenheiro, um advogado, etc., para o cargo de agente de trânsito, desde que servidores públicos. Sendo, desse modo, nula de pleno direito a designação de Guarda Municipal para exercer a função de agente de trânsito, bem como nulos os autos de infrações lavrados pelos referidos guardas. Suas atribuições devem limitar-se à proteção dos bens, serviços e instalações públicas e de cooperação com a segurança pública (dever de todos) e, via de consequência, de orientação do trânsito e proteção às pessoas e de seus bens, por ser uma das facetas do interesse local, [...] pelo que à Guarda Municipal não é dado substituir a polícia militar e muito menos o agente de trânsito. (SILVA, 2004) [grifo meu]

2.3.4 Delegação do Poder de Polícia de Trânsito

Agentes delegados são aqueles que exercem uma função pública ou prestam serviços públicos em regime de colaboração com a Administração visando a uma contraprestação. São nomeados, designados ou contratados, outorgando-se-lhes uma delegação de função, ofício ou serviço. (BACELLAR, 2001, p. 11)

E continua a ensinar:

Tais agentes colaboram com a Administração, exercendo funções públicas das mais variadas, embora não prescindam de um vínculo jurídico com o Ente Estatal. No entanto, o Estado apenas transfere o exercício de sua competência, mas não a titularidade do serviço público, que continua sendo público. (BACELLAR, 2001, p. 11)

Quanto à responsabilidade das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, faz-se necessário lembrar a lição de Cretella aludido por Bacellar (2001, p. 11):

Regra geral, a atividade econômica é impulsionada pelo lucro, sendo este a força motriz da iniciativa do particular. A não ser na hipótese, toda especial, em que a atividade econômica se identifica com o serviço público (pois que tais noções, na maioria dos casos, não são excludentes), caso em que a sociedade de economia mista é Administração Indireta, nas demais formas de exploração, quando a atividade econômica é puro e inequívoco serviço privado objetivando lucro, a sociedade de economia mista é concorrente da empresa privada.

A Lei nº 11.079 (2004), que trata da parceria entre entes públicos e privados, veda expressamente a delegação do exercício do poder de polícia, considerando-o exclusivo do Estado em qualquer circunstância:

[...]

Art. 4º Na contratação de parceria público-privada serão observadas as seguintes diretrizes:

[...]

 III – indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado;

[...] (BRASIL, 2004) [grifo meu]

Apesar da normatização trazida por esse dispositivo infraconstitucional, alguns doutrinadores acreditam na legalidade da fiscalização de trânsito ser exercida por entes de direito privado, como defende Carvalho Filho (2009, p. 76) ao afirmar que “inexiste qualquer vedação constitucional para que pessoas administrativas de direito privado possam exercer o poder de polícia em sua modalidade fiscalizatório”. [grifo do autor]

Enquanto para outros, não há dúvida quanto à impossibilidade do poder de polícia ser delegado a entes de direito privado, pois consideram que seria um particular fiscalizando e punindo outro:

[...] não se admite a delegação do poder de polícia a particulares, sob pena de quebra do princípio da igualdade. Ora, seria um demasiado contra-senso [sic] a delegação a particular de um poder com o qual se pode limitar a liberdade ou a propriedade de outro particular. (CUNHA JÚNIOR, 2008, p. 85) [grifo meu]

Reforçando a corrente de que não se pode delegar o poder de polícia, Celso Antônio Bandeira de Melo, citado por Gasparini (2009), afirma que só é permitida tal delegação em casos específicos e previstos em lei, como é o caso dos capitães de navios e de empresas que operam equipamentos eletrônicos de fiscalização, como os radares medidores de velocidade por exemplo. O entendimento é de que, neste último caso, não há um particular fiscalizando outro, mas sim um equipamento (operado por um particular) fiscalizando a velocidade do usuário da via. Entende-se não haver aí ilegalidade porque não há discricionariedade por parte da empresa que instala e opera o radar, pois o equipamento não possibilita a imparcialidade.

Para Viegas (2012) a Administração deve realizar suas condutas sempre velando pelos interesses da sociedade, mas nunca dispondo deles, uma vez que o administrador não goza de livre disposição dos bens que administra, pois o titular desses bens é o povo. Isso significa que a Administração Pública não tem competência para desfazer-se da coisa pública, bem como não pode desvencilhar-se da sua atribuição de guarda e conservação do bem. A Administração também não pode transferir a terceiros a sua tarefa de zelar, proteger e vigiar o bem. Ademais, a disponibilidade dos interesses públicos somente pode ser feita pelo legislador.

Lima citado por Silva (2004) entende que “a fiscalização de trânsito, que integra o conceito de policiamento de trânsito, bem por isso só pode ser exercida pela Administração pública enquanto poder público, e não como particular”.

Não existe, portanto, qualquer possibilidade de delegação do poder de polícia de trânsito a empresas paraestatais ou da administração indireta. O exercício desse poder administrativo do Estado é uma de suas atividades jurídicas exclusivas e, de forma alguma, poderá ser feito por entidade que congregue capital ou interesse particular, muito menos por intermédio de seus agentes, por não restar vínculo direto e estrito com o Poder Público. (SILVA, 2004) [grifo meu]

Cretella citado por Silva (2004) salienta que o primeiro elemento de obrigatória presença é a fonte de que provém o Poder de Polícia, a existência da polícia, do policiamento: o Estado; ficando, pois, de lado, qualquer proteção de natureza particular.

Assim, Silva (2004) conclui com a afirmação do professor Moreira:

Em regra, cabe ao próprio Estado, em seus desdobramentos políticos e administrativos, executar as atividades de Administração pública. Tão volumosa e diversificada é, porém, essa tarefa demandada de um Estado contemporâneo, que passou a ser comum a transferência a entidades privadas dos encargos de execução, mediante instrumentos jurídicos de delegação.

Portanto, esclarece Silva (2004) que o exercício do poder de polícia de trânsito pelos Municípios terá de ser feito por seus órgãos ou por suas entidades, na forma de fundações ou autarquias, sendo todas pessoas jurídicas de direito público, submetidas aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, dentre outros.

Nesse sentido, Silva (2004) ressalta a lição professor Meirelles:

E, ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o desonesto. Por considerações de Direito e de moral, o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal é honesto; [...].

Corroborando com entendimento, esclarece Favreto (2000, p. 155):

As atividades públicas essenciais não são passíveis de delegação à entidade privada. [...] atividade típica de exercício de poder de polícia, pela sua essência, não é passível de atribuição ao particular, mesmo com eventual advento de lei autorizativa, ou por meio de resolução ilegal e sem força coercitiva aos entes federados.

 Continuando o ensinamento, Silva (2004) completa:

Claro está que permitir à administração indireta, às sociedades anônimas, às pessoas jurídicas de direito privado, enfim, aos particulares, ainda que parcialmente, utilizarem-se do poder de polícia de trânsito, que é poder de império do Estado, cuja sanção é unilateral, externa e interventiva, para aplicar e arrecadar multas que reverterão em lucros ou dividendos a esses mesmos particulares, não pode ser legal e jamais será considerado honesto, moral e ético. Pelo contrário, tratar-se-á de autêntica aberração contra a qual a Sociedade precisa ficar alerta, tendo em vista que interessados nesse abuso não faltam. [grifo meu]

2.3.4.1 Julgados sobre Delegação do Poder de Polícia de Trânsito

Embora seja possível encontrar decisões favoráveis à delegação do poder de polícia a entes de direito privado, a maioria dos julgadores têm entendido que é inadmissível a delegação da função pública a entes particulares.

 Assim decidiu recentemente o Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

EMENTA: AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO - INFRAÇÕES DE TRÂNSITO - PONTUAÇÃO - SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIRIGIR - ILEGALIDADE DA DELEGAÇÃO DO PODER DE POLÍCIA A BHTRANS. 1. É patente a ilegalidade da delegação do poder de polícia a um órgão da Administração Pública Indireta Municipal, por ser sociedade de economia mista entidade destinada à exploração econômica, com a obtenção de lucros que, portanto, não possui competência para a aplicação de sanções, o que impõe a declaração de nulidade da portaria que puniu a parte em decorrência dessas sanções. (Apelação Cível 1.0024.10.115408-6/001, Rel. Des.(a) Teresa Cristina da Cunha Peixoto, 8ª CÂMARA CÍVEL TJMG, julgamento em 31/01/2013, publicação da súmula em 14/02/2013).

Igualmente entende o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará:

141000046095 – APELAÇÃO CÍVEL – MANDADO DE SEGURANÇA – ADMINISTRATIVO – MULTA DE TRÂNSITO APLICADA PELA ETTUSA – SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA – IMPOSSIBILIDADE DE PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO EXERCER O PODER DE POLÍCIA – INDELEGABILIDADE – MULTAS ANULADAS – MATÉRIA PACIFICADA NESTE TRIBUNAL – SÚMULA 29 DO TJ/CE – RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO PORÉM IMPROVIDO – SENTENÇA MANTIDA – 1- A Empresa Técnica de Transporte Urbano S.A (ETTUSA), na qualidade de sociedade de economia mista, não tem legitimidade para o exercício do poder de polícia administrativa, sendo nulas as multas, por ela aplicadas, bem como de nenhum efeito as consequências jurídico-administrativas decorrentes de tais autuações - Súmula 29 do TJ/CE. 2- Poder de polícia é prerrogativa dos entes públicos para o exercício da atividade administrativa, e dado o seu caráter restritivo de direitos e liberdades individuais visando o interesse público, não pode ser delegado a particulares. 3- Uma vez reconhecida a ilegitimidade da ETTUSA para lavrar multas de trânsito, mister reconhecer a nulidade destas, bem como afastar qualquer efeito decorrente. 4- Recurso de Apelação conhecido e improvido. Sentença mantida. (TJCE – AC 0504437-85.2000.8.06.0001 – Rel. Francisco Jose Martins Camara – DJe 06.07.2012 – p. 51)v96

Em sentido contrário decidiu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

250700001265 – PODER DE POLÍCIA – TRÂNSITO – DELEGAÇÃO – POSSIBILIDADE – "Ação civil pública. Companhia municipal de trânsito e urbanização de Londrina. CMTU-LD. Poder de polícia de trânsito. Legitimidade passiva ad causam do Município de Londrina. É possível a transferência do poder de polícia de trânsito pelo detentor originário, qual seja o Município, à entidade delegada, vinculada à sua Administração indireta ou descentralizada. A CMTU-LD é sociedade de economia mista, pertencendo ao Município mais de 97% do respectivo capital, foi criada com base na Lei Municipal nº 5.496, de 27 de julho de 1993 e o poder que lhe foi delegado restringe-se à fiscalização de trânsito e à autuação de quem cometeu infração à legislação específica, nos termos do seu estatuto." (TRF 4ª R. – AC 2002.70.01.030279-6/PR – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Valdemar Capeletti – DJRS 16.04.2007)RSDA+22+2007+OUT+185+07/0042596 – 9.

2.3.5 A situação do Trânsito após a Municipalização

Dos 853 municípios de Minas Gerais (IBGE, 2010), 53 tiveram seu trânsito municipalizado (DENATRAN, 2012), conforme relação abaixo:

MUNICÍPIO

UF

ÓRGÃO DE TRÂNSITO

E-mail

ALFENAS 

MG 

SUPERITENDÊNCIA MUNICIPAL DE TRANSPORTE E TRÂNSITO DE ALFENAS 

[email protected] 

ARAXÁ 

MG 

ASSESSORIA DE TRÂNSITO E TRANSPORTES - ASTTRAN 

[email protected] 

BELO HORIZONTE 

MG 

EMPRESA DE TRANSPORTE E TRÂNSITO DE BELO HORIZONTE - BHTRANS 

[email protected] 

BETIM 

MG 

EMPRESA MUNICIPAL DE TRANSPORTE E TRÂNSITO - TRANSBETIM 

[email protected] 

BOM DESPACHO 

MG 

DIRETORIA MUNICIPAL DE TRANSPORTES E TRÂNSITO - DITTRAN 

[email protected] 

CONFINS 

MG 

DIVISÃO DE TRÂNSITO 

[email protected] 

CONGONHAS 

MG 

DIRETORIA DE TRÂNSITO 

[email protected] 

CONTAGEM 

MG 

AUTARQUIA MUN. DE TRÂNSITO E TRANSPORTES - TRANSCON 

[email protected] 

CORONEL FABRICIANO 

MG 

SECRETARIA DE OBRAS E SERVIÇOS URBANOS 

[email protected]; [email protected] 

DIAMANTINA 

MG 

DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE TRÂNSITO E TRANSPORTES DE DIAMANTINA - DMTTD 

[email protected] 

DIVINÓPOLIS 

MG 

SUPERINTENDÊNCIA DE TRÂNSITO E TRANSPORTES 

[email protected] 

FRUTAL 

MG 

DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO 

[email protected] 

GOVERNADOR VALADARES 

MG 

DEPARTAMENTO DE TRANSPORTES, TRÂNSITO E SISTEMA VIÁRIO 

[email protected] 

IPATINGA 

MG 

SEC. MUN. DE SERVIÇOS URBANOS E MEIO AMBIENTE - SESUMA/PMI 

[email protected] 

ITABIRA 

MG 

DEPARTAMENTO DE TRANSPORTE E TRÂNSITO 

[email protected] 

ITAJUBÁ 

MG 

DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO DE ITAJUBÁ - DETRANIT 

[email protected] 

ITUIUTABA 

MG 

DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE TRÂNSITO E TRANSPORTES 

[email protected] 

JOÃO MONLEVADE 

MG 

SETOR DE TRÂNSITO E TRANSPORTE - SETRAN 

[email protected] 

JUIZ DE FORA 

MG 

SECRETARIA DE TRANSPORTES E TRÂNSITO - SETTRA 

[email protected]; [email protected] 

LAGOA SANTA 

MG 

DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE TRANSPORTE E TRÂNSITO - TRANSLAGO 

[email protected] 

LAVRAS 

MG 

SUPERINTENDÊNCIA MUNICIPAL DE TRÂNSITO - SUTRAN 

[email protected] 

MARIANA 

MG 

DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE TRÂNSITO E TRANSPORTES - DEMUTRAN 

[email protected] 

MARTINHO CAMPOS 

MG 

DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE TRÃNSITO E TRANSPORTE 

[email protected] 

MATOZINHOS 

MG 

DIRETORIA DE TRÂNSITO E TRANSPORTES 

[email protected] 

MONTES CLAROS 

MG 

EMPRESA MUNICIPAL DE TRANSPORTE E TRÂNSITO DE MONTES CLAROS - TRANSMONTES 

[email protected] 

NOVA LIMA 

MG 

SEC. MUNICIPAL DE SEGURANÇA TRÂNSITO E TRANSPORTES PÚBLICOS 

[email protected] 

NOVO CRUZEIRO 

MG 

SECRETARIA MUNICIPAL DE TRÂNSITO E TRANSPORTES 

[email protected] 

OURO PRETO 

MG 

DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE TRÂNSITO E TRANSPORTE - OUROTRAN 

[email protected] 

PASSOS 

MG 

DEPARTAMENTO DE TRANSPORTE E TRÃNSITO - TRANPASS 

[email protected] 

PATOS DE MINAS 

MG 

DIRETORIA DE TRÂNSITO E TRANSPORTE 

[email protected] 

PATROCÍNIO 

MG 

COORDENADORIA MUNICIPAL DE TRÂNSITO URBANO E RODOVIÁRIO E TRANSPORTES PÚBLICOS 

[email protected] 

PEDRO LEOPOLDO 

MG 

DIVISÃO DE TRÂNSITO 

[email protected] 

POÇOS DE CALDAS 

MG 

DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE TRÂNSITO - DEMUTRAN 

[email protected] 

PONTE NOVA 

MG 

DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE TRÂNSITO - DEMUTRAN 

[email protected]; [email protected] 

POUSO ALEGRE 

MG 

DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE TRANSPORTE E TRÂNSITO-DMTT 

[email protected] 

RIBEIRÃO DAS NEVES 

MG 

TRANSPORTES, TRÂNSITO E TRÁFEGO DE RIBEIRÃO DAS NEVES - TRANSNEVES 

[email protected] 

SABARÁ 

MG 

GERÊNCIA DE TRÂNSTO 

[email protected] 

SANTA LUZIA 

MG 

SECRETARIA MUNICIPAL DE SEGURANÇA PÚBLICA, TRÂNSITO E TRANSPORTES 

[email protected] 

SÃO JOSE DA LAPA 

MG 

DIVISÃO DE TRÂNSITO 

 

SÃO LOURENÇO 

MG 

SÃO LOURENÇO TRÂNSITO E TRANSPORTES 

[email protected] 

SETE LAGOAS 

MG 

SECRETARIA MUNICIPAL DE INFRA-ESTRUTURA URBANA 

[email protected] 

TEÓFILO OTONI 

MG 

DIVISÃO DE TRÂNSITO 

[email protected] 

TIMÓTEO 

MG 

DIVISÃO DE TRANSPORTE E TRÂNSITO 

[email protected] 

TRÊS CORAÇÕES 

MG 

DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE TRANSPORTE E TRÂNSITO - DMTT 

[email protected] 

TRÊS PONTAS 

MG 

DIVISÃO DE TRANSPORTES E TRÂNSITO 

[email protected] 

UBERABA 

MG 

SECRETARIA DE SEGURANÇA TRÂNSITO E TRANSPORTES - SESTTRANS 

[email protected] 

UBERLÂNDIA 

MG 

SECRETARIA MUNICIPAL DE TRÂNSITO E TRANSPORTES 

[email protected]; [email protected] 

VARGINHA 

MG 

DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE TRANSPORTE E TRÂNSITO - DEMUTRAN 

[email protected] 

VESPASIANO 

MG 

DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE TRANSPORTE E TRÂNSITO - TRANSVESP 

[email protected] 

VIÇOSA 

MG 

SECRETARIA MUNICIPAL DE TRÂNSITO E TRANSPORTE PÚBLICO - SETRA 

[email protected] 

Com intuito de verificar qual a atual situação do trânsito em alguns desses municípios mineiros, realizou-se uma pesquisa informal em cinco Prefeituras, as quais foram escolhidas aleatoriamente. Elas responderam através de mensagem eletrônica [e-mail] ou contato telefônico, sendo obtidas as seguintes respostas:

- Prefeitura Municipal de Belo Horizonte:

Tem aproximadamente 2.500.000 habitantes e possui Guarda Municipal que fiscaliza e faz multa de trânsito. Atualmente os agentes da BHTRANS, que é o órgão municipal do SNT, estão impedidos de multar pelo TJ em função de ação judicial do Ministério Público com alegação da natureza da empresa ser S.A.. Seus empregados são celetistas. Todas as ações operacionais e de fiscalização eletrônica estão autorizados pelo tribunal de Justiça. Aguarda julgamento do STF. Existe convênio entre A PMMG e a BHTRANS com delegações de atuação tanto por parte do Estado quanto do município para agir em todas as atribuições do CTB. Existe o Batalhão de trânsito e todos os autos das competências municipais são processados pelo município. A PMMG pode utilizar os dois blocos [estadual ou municipal], tanto na numeração disponibilizada pelo DETRAN para o município ou do próprio Estado. Existe, também, um processo do Ministério Público para proibir a GM de multar, porém, foi julgado improcedente pelo TJ e ainda está em tramitação para o STF. A GM também tem uma corporação específica para atuar no trânsito. (PAULA, 2013) [grifo meu]

- Prefeitura Municipal de Divinópolis:

Tem aproximadamente 213.000 habitantes e não possui Guarda Municipal, tem apenas Agentes Municipais de Trânsito (servidores públicos) que fiscalizam e fazem multa. Possui convênio com a PMMG, que exerce a função de agente de trânsito e faz autuações com blocos de multas municipais. (SOUSA, 2013) [grifo meu]

- Prefeitura Municipal de Lagoa Santa:

Tem aproximadamente 52.000 habitantes, não possui Guarda Municipal e nem Agentes Municipais de Trânsito. Quando o trânsito foi municipalizado foi criado um projeto de lei que alteraria a função dos fiscais de transporte para atuarem no trânsito, porêm [sic] não foi aprovada, pois poderiam ser desconsideradas todas as autuações executadas pelo departamento. Sendo assim foi criada [sic] o cargo de agente de trânsito  no ultimo concurso e estamos aguardando a convocação dos mesmos para começarmos a autuar através de agentes municipais. Obs: desde que o trânsito foi municipalizado o departamento de trânsito fez um convêncio [sic] [convênio] com a polícia militar para que pudessem continuar autuando dentro do município. (MATA, 2013) [grifo meu]

- Prefeitura Municipal de Pedro Leopoldo:

Tem aproximadamente 60.000 habitantes e possui Guarda Municipal, que não fiscaliza e nem faz multa de trânsito. Possui Agentes Municipais de Trânsito (servidores públicos) que fiscalizam e fazem multa. Existe em Pedro Leopoldo a Guarda Patrimonial ( da Secretaria de Administração e não exercem a fiscalização) e os Agentes de Trânsito (da Secretaria de Serviços Públicos e exercem s [sic] fiscalização. (TransPL, 2013) [grifo meu]

- Prefeitura Municipal de Lavras:

Tem aproximadamente 90.000 habitantes e não possui Guarda Municipal, tem Agentes Municipais de Trânsito (servidores públicos) que fiscalizam e fazem multa desde a época da municipalização. Como o número de Agentes não é suficiente para fiscalizar todo o município e eles trabalham só durante o dia, a prefeitura possui convênio com a PMMG, que exerce a função de agente de trânsito e faz autuações utilizando blocos de multas estaduais e municipais. A prefeitura está nomeando novos Agentes aprovados em concurso público, o que permitirá a fiscalização noturna e o aumento na área abrangida fiscalização. (GUIMARÃES, 2013) [grifo meu]

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Sobre o autor
Helder Paulo de Andrade

Bacharel em Direito aprovado no exame da OAB; Policial Militar Rodoviário de Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Helder Paulo. Poder de polícia de trânsito:: legitimidade e delegação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4004, 18 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29513. Acesso em: 25 abr. 2024.

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