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A tributação no Estado Pós-moderno

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11/10/2014 às 15:15
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2.SIMPLIFICAÇÃO do Sistema, REDUÇÃO das espécies e CAPACIDADE CONTRIBUTIVA

UMA ABORDAGEM PÓS-MODERNA.

A Modernidade trouxe a luz da razão como único meio de tornar o homem senhor de seu destino. Livre das amarras religiosas o homem pensou que somente dando vazão aos impulsos de uma vida material, racional e planejada, poderia atingir a plenitude da felicidade, do conforto e da riqueza. Não haveria problema que não pudesse ser resolvido, pois a ciência e a tecnologia aos pouco davam respostas que, antes, somente a fé e a religiosidade demonstravam conhecer e revelar. 

A religião cede espaço à Razão – senhora absoluta do Universo. Em nome dessa razão o homem agora se mata... Eis a modernidade[5]?!...Vieram as grandes tragédias mundiais suscitadas e gestadas pelos homens, enquanto seres modernos e cada vez mais próximos das respostas que antes eram atribuídas a Deuses.

Chega-se à pós-modernidade, fase de desencantamento, da negação da razão pura como forma de libertar o homem e levá-lo à prosperidade. Fase, também, da busca de pensar uma nova forma de vida, pautada por valores não absolutos, mas relativizados. Pela necessidade de se construir uma identidade formada muito mais pela aceitação das diferenças do que pela exclusão ou negação da diversidade. O diálogo no lugar da imposição, participação no lugar do domínio. O que se vive, hoje, é inédito em muitos aspectos na história da humanidade. O iluminismo talvez não tenha falhado em suas promessas, mas apenas já tenha cumprido com seu desiderato: libertou o homem das explicações puramente metafísicas. É chegada a hora deste homem traçar novos rumos, corrigindo os erros do passado distante e do passado recente. Quebrando os dogmas e as tradições até então inquestionáveis.

Mas se o homem vive num momento de instabilidade, de insegurança, de questionamentos, de indiferença, de fragmentação, por outro, vários são os sinais que apontam a inquietude e a reação por uma nova ordem mais solidária, mais humana, mais integradora - com respeito às diferenças - mais ética. Uma nova orientação em que a conduta falada e discutida se encaixe, perfeitamente, no comportamento prático de cada cidadão.  Em que o moralismo ceda espaço para os valores verdadeiramente morais – refletidos, confrontados e criticados.

E é justamente neste contexto que se deve refletir a ética na tributação de um Estado pós-moderno. Encarando como pressuposto para se atingir este objetivo uma abordagem educacional-cidadã nova.  E o que seria essa abordagem?  Uma avaliação que parta da idéia de que tudo que ai existe deve ser repensado, para que a avaliação sobre novos parâmetros possa “refundar”, reiniciar o pensamento com novos conceitos, tomando por base esse momento de instabilidade, de inquietude, de não aceitação dos métodos praticados até aqui; este é o propósito de se buscar a abordagem pós-moderna.

O que se observa na tributação de hoje é a necessidade de se arrecadar mais e mais receitas que venham a equilibrar o orçamento dos entes públicos (federal, estadual e municipal) sem haver nenhuma preocupação com a qualidade dos gastos, com a fiscalização daqueles que decidem quando, onde e como gastar o dinheiro público. Inúmeros são os caminhos para se buscar uma melhor racionalidade do sistema tributário, já que também nesta área não existe uma fórmula única, que todas as demais devam ser desprezadas. Porém, acredita-se que qualquer  que seja a solução a ser implantada, não se pode deixar de tocar em três pontos essenciais: a simplificação do sistema tributário, a redução do número de tributos e a mudança do foco arrecadador para a indispensável observância da capacidade contributiva do sujeito passivo. 

A eficiência do sistema tem que começar pelos instrumentos de arrecadação e  pelo controle dos valores arrecadados. E isso passa indubitavelmente pela simplificação e transparência de todo sistema tributário. E como poder-se-ia simplificar o sistema? Simples!... descomplicando-o com medidas que facilitassem o cálculo do tributo como, por exemplo, a aplicação de um percentual diretamente sobre o preço final do produto comercializado em toda cadeia produtiva até chegar ao consumidor final – em substituição do atual ICMS – desconsiderando a não cumulatividade. Sendo que ao invés de se aplicar alíquotas que variam entre 7,12,17,18, 25 e 27,5%, e considerar-se o tributo, na linguagem jurídica, “por dentro”,  tomar-se-ia o preço praticado e sobre ele aplicar-se-ia uma alíquota única de 4% sobre todas as operações – internas e interestaduais. Sendo que nas interestaduais, do total dos 4%, 1,5% permaneceria no estado de origem e os 2,5% restantes seriam remetidos para o estado de destino físico da mercadoria, ou algo semelhante – este é apenas um exemplo a ser discutido.

A simplificação passa pela idéia de que a facilitação da sistemática tributária tem que ter como destinatário o “contribuinte” – coisa que até hoje nunca foi pensada. O foco de uma reforma tributária que se anuncia tem que priorizar a simplificação na apuração e na escrituração dos tributos realizada no interior das empresas. Afinal, é o setor privado quem sustenta os investimentos do Estado em educação, saúde, segurança e infra-estrutura.  Mesmo porque quanto mais simples for um sistema tributário, menos custosa se torna a estrutura montada em torno dele, tanto nas empresas privadas, como nas repartições públicas competentes para sua fiscalização e arrecadação.

Outra medida que vai na contra-mão do pensamento pós-moderno, é o elevado número de tributos do atual sistema tributário brasileiro – são 82 tributos[6] - que permite afirmar que o Brasil não  possui  uma política tributária, mas apenas política de arrecadação tributária[7]. E que vem reforçar a idéia da necessidade de simplificação do sistema tributário.  Neste contexto a redução do número de tributos torna-se corolário da simplificação tributária. Como se pode pensar um país moderno, tendo as empresas que montar, manter e atualizar regularmente, uma superestrutura capaz de manipular todos esses tributos, ou pelo menos, grande parte deles, sem cometer falhas e sem sofrer autuações.

Numa reflexão mais pormenorizada, poder-se-ia concluir que até então, nunca houve no Brasil a preocupação em simplificar e racionalizar o sistema tributário e que isso pode ser intencional. Como forma de proporcionar uma arrecadação sempre crescente, fruto de um sistema que vê nesta estrutura – complexa – a possibilidade de naturalmente auto-sustentar-se, com o mínimo esforço público despendido para esse fim. O que é uma total inversão de valores : complica-se a legislação tributária; aumenta-se os erros cometidos pelas empresas; aumenta-se as autuações; aumenta-se o valor arrecadado; cria-se novos tributos: complica-se a legislação tributária; aumenta-se os erros cometidos; aumenta-se as autuações; aumenta-se o valor arrecadado; . . .

Por fim, chega-se ao derradeiro ponto desse artigo: A capacidade contributiva do sujeito passivo. E vale aqui a ressalva de que sob uma avaliação axiológica este princípio constitucional tributário é o mais importante a completar o princípio da isonomia tributária. Posto que a igualdade nesta seara exige que não haja distinção arbitrária na distribuição da carga tributária entre os homens frente  as leis fiscais impositivas.  Neste ponto são esclarecedoras as palavras dos doutrinadores Perez de Ayala e  Euzébio González:

“ pode afirmar-se que todo o direito tributário gravita em torno dos princípios da legalidade e da capacidade contributiva; para nós o problema central de uma nítida diferenciação entre os conceitos de tributo e imposto se situa, precisamente, na posição que se adote frente ao caráter e âmbito do princípio da capacidade contributiva em relação com um e outro conceito”[8]

Bem como a lição do mestre Aliomar Baleeiro, para quem :

“a capacidade contributiva é o atributo que deve qualificar alguém aos olhos do legislador para sujeito passivo da relação tributária, quer do ponto de vista objetivo, para conhecimento da base possível do imposto, quer do ponto de vista valorativo, ou axiológico, para fundamento racional da justiça do tributo, é fundamental fixar-se  a noção da capacidade contributiva (...) na consciência contemporânea de todos os povos civilizados a justiça do imposto confunde-se com a adequação deste ao princípio da capacidade contributiva”[9]

Os fragmentos de texto não deixam dúvida da importância deste princípio constitucional na construção de uma novo modelo tributário mais ético e mais justo para a sociedade brasileira. Pois para ser justo, educativo e envolver a idéia de cidadania, o tributo tem que ser suportado por todos, é claro que na medida de sua capacidade contributiva. Só assim, transformando todos em cidadãos conscientes de que são financiadores do Estado (do juiz, do fiscal, do policial, das obras de saneamento, da escola pública “gratuita” – que de gratuita nada tem, já que todos a sustentam através dos impostos indiretos presentes em cada produto adquirido por todos os consumidores pobres ou ricos) se poderá começar uma verdadeira mudança na mentalidade do povo que passará de sujeito passivo – na definição do Código Tributário Nacional – a sujeito ativo de uma sociedade pós-moderna que tenha na ética, na solidariedade e na razão, a consciência de suas potencialidades e de seus limites. Exigindo de seus gestores uma conduta ética responsável e, acima de tudo, eficaz no dispêndio das receitas arrecadadas por meio dos tributos. Que por sua vez têm que advir, quase que na sua totalidade, de tributos diretos e não indiretos, com alíquotas crescentes a afetar proporcionalmente aqueles que possuírem rendas e patrimônios mais elevados. Desta forma estar-se-ia respeitando o princípio tributário da isonomia influenciado pelo respeito à capacidade contributiva de cada um.

Esta abordagem não tem a intenção de pregar verdades absolutas, posto que o próprio tema serviria de obstáculo para tal. Teve, porém, a intenção de chamar a atenção do leitor, que teve a paciência de lê-lo, para aspectos pouco utilizados quando se discute o complicado sistema constitucional tributário pátrio e a sua elevada carga tributária. Conseguindo fazer com que o leitor pense sobre o tema sob uma nova óptica, a de que o tributo é necessário e inevitável no universo social, e que mais importante do que a queixa é a fiscalização sobre a arrecadação e a decisão sobre os gastos realizados pelos gestores públicos, o objetivo do texto terá sido alcançado.


Referências Bibliográfica

DELEUZE, Gilles. O que é a Filosofia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora 34, 1997.

GOERGEN, Pedro. Pós-Modernidade Ética e Educação. Campinas: ed. Autores Associados, 2001.

OLIVEIRA, José Marcos Domingues de.  Direito Tributário – Capacidade Contributiva. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998.

RIOS, Terezinha Azerêdo. Ética e Competência. 9ª ed. São Paulo: Cortez, 2000.

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SMART, Barry. A Pós-Modernidade. Portugal: Francisco L. Castro,1993.

VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. 26ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.

CONSTITUIÇÃO FEDERAL de 1988. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

REVISTA ÉPOCA. Ed. 520. Rio de Janeiro: Ed. Globo, - 05/05/2008

LISTA ATUALIZADA DOS TRIBUTOS NO BRASIL, site:portaltributario.com.br

Bibliografia Consultada

CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997.

FERRY, Luc. Aprender a Viver. Martins Fontes, 2007

NOGEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995.


Notas

[1] Vázquez, Adolfo Sanchez. Ética. 26ª ed. Rio de Janeiro,RJ: Civilização Brasileira, 2005. p. 17.

[2] CF/88: art. 196 – A Saúde é Direito de todos e dever do Estado, garantido  mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Art. 197 – São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao  poder público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado

[3] art. 144 – A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através (...).

[4] Um judiciário moderno, ágil e transparente é fator preponderante na determinação do nível de segurança de uma sociedade, pois a certeza de uma sanção rápida e concreta imputada aos infratores, acabando com a idéia de impunidade, gera no seio social a convicção de que respeitar as leis é o melhor caminho para se conseguir a tão aspirada harmonia e segurança social.

[5] Max Weber definiu a modernidade como o “desencantamento” do mundo. Nietzsche, Heidegger, Adorno & Horkheimer e Foucaut tratam, cada um à sua maneira do “desencantamento” da modernidade.(...) Aquilo que um dia foi imaginado como um porvir glorioso no final das contas não deixou o homem mais feliz. Livre da submissão religiosa e guiado unicamente por sua razão, o homem seria o dono de seu destino, imaginava-se. Mal desconfiavam os iniciadores desse programa que esta razão, libertadoras das cadeias do autoritarismo, haveria ela mesma numa espécie de novo deus cujas divindades menores haveriam de conduzir os homens a uma nova forma de alienação.(Georgen,Pedro. Pós-Modernidade Ética e Educação- Coleção Polêmicas do Nosso tempo. Campinas,SP: Editora Autores Associados, 2001. p 5-6.

[6] Lista atualizada dos Tributos no Brasil, no site: www.portaltributario.com.br/tributos.htm

[7] O Brasil não tem política tributária. Revista Época. Rio de Janeiro,RJ: Ed. Globo, Ed. 520 - 05/05/2008.

[8] Curso de Derecho Tributário, cit., tomo II, p. LIX. Apud, Oliveira, José Marcos Domingues. Direito Tributário - Capacidade Contributiva. Rio de Janeiro,RJ: Renovar, 2ª ed. 1998.

[9] Id., Uma Introdução, 2ª ed., cit.p. 408 e p.268. . Apud, Oliveira, José Marcos Domingues. Direito Tributário - Capacidade Contributiva. Rio de Janeiro,RJ: Renovar, 2ª ed. 1998.

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Sobre o autor
Edmilson de Souza Blohem

Membro do Grupo Fisco (Fiscal) da Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia. Formado em Economia pela UCSAL, Em Direito pela UFBA. Especialista em Direito Tributário pela UFBA e em Docência no Ensino Superior pela Estácio/FASE - Faculdade de Sergipe.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BLOHEM, Edmilson Souza. A tributação no Estado Pós-moderno. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4119, 11 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29599. Acesso em: 28 abr. 2024.

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