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Taxa e tarifa nos serviços públicos essenciais e conseqüências jurídicas face ao Código de Defesa do Consumidor

01/07/2002 às 00:00
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Sumário: 1. Introdução; 2. Da classificação dos serviços públicos e sua remuneração; 3. Da definição de taxa e tarifa; 4. Das Delegações de Serviço Público; 5. Das conseqüências jurídicas da cobrança de Tarifas em face do Código de Defesa do Consumidor; 6. Conclusão; Bibliografia.


1. Introdução

Com a privatização dos serviços públicos essenciais (água, coleta de esgotos, energia elétrica, telefonia e outros), abriu-se a discussão a respeito da cobrança por estes serviços, sob égide do Código de Defesa do Consumidor, que está completando onze anos de vigência.

Iniciou-se, assim, a discussão sobre a legalidade da cobrança de taxas e tarifas, consumação mínima, manutenção, disponibilidade, e outros institutos controvertidos. Antes de entrar no mérito da diferença entre taxas e tarifas, é preciso definir o que é serviço público, o que é serviço público essencial, como se classificam e a que título serão remunerados. Serviço Público, nas palavras do professor Celso Antônio Bandeira de Mello 1 é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, prestado pelo Estado ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público.


2. Da classificação dos serviços públicos

Os serviços públicos, não somente os essenciais, se subdividem em dois grandes grupos, segundo o administrativista Hely Lopes Meirelles. No primeiro grupo temos os serviços públicos prestados de forma abstrata, difusa, à toda coletividade, sem particularização ou individualização da prestação, são chamados "uti universi", de utilização ou utilidade universal. São eles, a educação, a saúde pública, a iluminação pública, a segurança pública, a limpeza pública, coleta de lixo, calçamento e outros. Estes serviços são indelegáveis, constituindo assim um monopólio do Estado, afinal serão remunerados por via necessariamente tributária. O tributo em questão será o imposto, que é genérico , sem qualquer vinculação à prestação de qualquer serviço público.

Em contrapartida, existem serviços cuja prestação é especifica, mensurável, individual, ou seja, se apresenta de forma concreta ao usuário, o que gerará um direito subjetivo de prestação. A fruição destes serviços não será homogênea para todos os usuários, que poderão utiliza-los em intensidades diversas, de acordo com a necessidade de cada um. São serviços como energia elétrica, telefonia, gás, água encanada e transporte coletivo. Eles são específicos, que significa dizer que são prestados de uma forma autônoma, destacada e são também divisíveis , em que o uso efetivo ou potencial pode ser aferido individualmente. Estes serviços serão remunerados por Taxas de serviços (que diferem das taxas de polícia) ou por também por tarifas (também chamadas de preços), já que este tipo de serviço público pode ser objeto de delegação.

A definição e o rol de serviços públicos essenciais não se encontram no Código do Consumidor, nem na Constituição Federal. Esta última, por sua vez institui em seu art. 9°, o direito de greve e disciplinou em seu parágrafo único que a lei definirá os serviços essenciais. Consideram-se serviços públicos essenciais aqueles definidos no art. 10. da Lei nº 7.783/89, a Lei de greve.

São serviços cujo princípio da continuidade é mais ainda mais evidente, ou seja, não podem ser interrompidos, devido ao grande prejuízo, quiçá irreparável, pela não prestação, ainda que em caso de greve, que é o objeto da referida lei. São serviços cuja interrupção pode comprometer a sobrevivência, a saúde e a segurança (art. 11. da Lei 7.783/89), inclusive essa interrupção configura o delito de "paralisação de trabalho de interesse coletivo" 3 (art. 201. do Código Penal). São eles os serviços de água, energia elétrica, gás, combustíveis, saúde, distribuição de medicamentos e alimentos, funerário, transporte coletivo, captação e tratamento de esgoto, tráfego aéreo, compensação bancária, telecomunicações, guarda de materiais radioativos e nucleares e processamento de dados referentes a esses serviços.


3. Da definição de Taxa e Tarifa

3.1. Da Taxa

Taxa é um tributo, previsto no art. 145, II da CF, portanto, instituída unilateralmente pelo Estado, compelindo o particular a efetuar seu pagamento, quando há uma atuação específica do Estado, seja na restrição (poder de polícia) ou no acréscimo de um direito (serviço público).

Serão objeto de taxas de acordo com o art. 77. do Código Tributário Nacional, os serviços:

a) Quando utilizados de forma efetiva ou potencial (art. 79, I, "a" e "b") e

b) Quando forem específicos e divisíveis.

O festejado professor ALIOMAR BALEEIRO2 , esclareceu a respeito das taxas que

"Taxa é o tributo cobrado de alguém que se utiliza de serviço público especial e divisível, de caráter administrativo ou jurisdicional, ou o tem à sua disposição, e ainda quando provoca em seu benefício, ou por ato seu, despesa especial dos cofres públicos" (negritei).

Afirmou ainda que

"a taxa é a contraprestação de serviço público, ou de benefício feito, posto à disposição, ou custeado pelo Estado em favor de quem a paga, ou por este provocado."

Passemos à definição de serviço público de utilização efetiva, potencial, específico e divisível.

Utilização efetiva é quando o usuário realmente frui o serviço. Neste caso, a taxa só poderá incidir se houver fruição efetiva e comprovada. A taxa de serviço fruído decorre da facultatividade da utilização do serviço pelo o contribuinte, ou seja, ele não será compelido a utiliza-lo. São serviços como o de telefonia, transporte coletivo e gás, por exemplo. Ao Estado não interessa obrigar o contribuinte a ter telefone em casa ou a utilizar o ônibus para ir ao trabalho, logo a incidência do tributo taxa só ocorrerá mediante a utilização real do serviço.

Utilização potencial é quando a simples disponibilidade do serviço ao contribuinte autorizará a tributação, ou seja, será a Taxa por serviço fruível. São os serviços, que por força legal, serão de utilização compulsória, ou seja, os quais o Estado compele os administrados a utilizar, através do pagamento. A Lei irá impor a compulsoriedade sempre que o interesse público, constitucionalmente, o exigir, ou seja, quando a utilização for imprescindível.

A saúde pública, por exemplo, é um valor relevante, que torna obrigatório o uso do serviço de água encanada e coleta de lixo. Isso significa que ainda que o contribuinte terá que pagar por eles ainda que não use de fato, já que o tributo incide ainda mesmo sem utilização efetiva, como forma de compelir sua fruição .

Significa dizer que se trata de um serviço obrigatório por imposição legal, que só admitirá a cobrança por taxa, não por tarifa. A esse respeito Leciona Roque Antonio Carrazza3 :

"a taxa, que, nascida da lei sobre ser compulsória, resulta de uma atividade estatal desenvolvida debaixo de um regime de direito público, e relacionada, "direta e imediatamente", ao contribuinte. Sendo tal atividade realizada por imperativo de lei , não pode fazer nascer um simples preço (uma contraprestação). Sem dúvida, eis aí duas colocações antitéticas, pois, se a atividade vem a lume por determinação legal, não se opera em conseqüência de uma contraprestação."

Outra diferenciação a ser feita quanto aos serviços públicos, para o estudo da taxa, é quanto ao caráter de especificidade e divisibilidade. Serviço Público Específico é aquele prestado a uma categoria delimitada de usuários. Está previsto no art 79, inciso II do CTN, que define "Consideram-se específicos os serviços públicos quando passam a ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou de necessidade públicas",isso quer dizer que serviço específico é aquele que é prestado de forma própria, não genérica.

Serviço divisível é aquele que pode ser mensurado, medido, ter sua quantidade aferida por algum instrumento, ser prestado de forma individualizada ao usuário. Está capitulado no art. 79, III do CTN. Entendem-se divisíveis, os serviços quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos usuários.

Dessa constatação, deriva o unânime reconhecimento da inconstitucionalidade da Taxa de Iluminação Pública, também denominada, no município de Campo Grande, como tarifa de conservação e manutenção da rede de iluminação pública. O serviço de iluminação pública, quando cobrado através de Taxa ou Tarifa, constitui uma legítima excrescência jurídica.

Isto porque esse serviço não apresenta os requisitos legais de especificidade e divisibilidade. A carência destes requisitos já foi reconhecida inúmeras vezes pelo Supremo Tribunal Federal, além do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, que a seu turno, entendeu que:

A taxa de iluminação pública, por ser embasada em um critério de generalidade, não pode subsistir como taxa, visto colidir com o art. 145, II, da Constituição Federal, devendo ser tais encargos suportados por toda a comunidade por meio de impostos."

(Reexame n. 55.4670/97 - Ponta Porã -Rel. Des. Nelson Mendes Fontoura).

A taxa ou tarifa de iluminação pública comportava-se como se fosse um "quase- imposto", afinal era cobrada pela prestação de um serviço, que não era nem específico, nem divisível e pior, era cobrado dos usuários-consumidores de energia elétrica no município de Campo Grande-MS, ou seja, bastava receber energia elétrica para ter que pagar a taxa, ainda que na rua não houvesse iluminação pública, da mesma forma que o proprietário de um imóvel urbano paga o Imposto Predial Territorial Urbano mesmo que não tenha asfalto no seu bairro.

Ocorre que essa cobrança acabou se incorporando novamente ao ordenamento jurídico, mas sob a forma de contribuição, denominada “contribuição para custeio do serviço de iluminação pública”, através da emenda constitucional n. 39/2002, que acrescentou ao texto constitucional o art. 149-A, autorizando os municípios e o distrito federal a instituírem a cobrança, por meio de lei própria, facultando inclusive, que seja cobrado em conjunto com o consumo de energia elétrica, embutida no valor total da fatura.

A presente inclusão já era praticada quando se tratava de taxa, perpetuando os prejuízos ao consumidor, visto que não se poderá separar o débito proveniente da relação de consumo do débito fiscal, já que a não satisfação deste último só pode ser penalizada através de ação de execução fiscal, e o que certamente ocorrerá será a nefasta e ilegal prática da suspensão do fornecimento do serviço, como forma de pressionar o usuário a pagar a contribuição, que a seu turno não tem o condão de gerar inadimplência em relação ao serviço de energia elétrica.

3.2. Da Tarifa

Tarifa, também conhecida como preço público, é o valor cobrado pela prestação de serviços públicos por empresas públicas, sociedades de economia mista , empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos (art. 2° e 3° do Código de Defesa do Consumidor). Aqui, o Estado também presta serviço público, mas por meio dos órgãos da administração indireta, ao contrário do tributo taxa, cobrado pelos órgãos da Administração Direta, que podem, inclusive, celebrar contratos administrativos para a prestação de serviços taxados. Tarifa é um instituto típico de direito privado, existente em uma relação de consumo, em que há a autonomia da vontade, a liberdade de contratar e de discutir cláusulas e condições de contrato, ou seja, do pacta sunt servanda.

A relação entre o Estado e o contribuinte é de império. Ele pode constituir o particular de forma unilateral na relação jurídica tributária, sem a aquiescência daquele. O Estado irá impor a cobrança de taxas de serviço (de fruição compulsória) ainda que o particular não o deseje receber. Já na relação de consumo, que é obrigatoriamente relação contratual, ambas as partes estarão, em tese, no mesmo patamar, sem a prevalência de uma sobre a outra. O que significa a possibilidade de o particular recusar o recebimento do serviço, e assim, não terá que pagar, pois não recebeu, não contratou.

A doutrina de Helly Lopes Meirelles é clara "Dentre os preços, os mais importantes são os públicos ou tarifas, cobrados pela utilização de bens ou serviços públicos. As tarifas remuneratórias distinguem-se das taxas porque não são compulsórias, mas cobradas somente dos usuários que os utilizem efetivamente, se e quando entenderem fazê-lo, ao passo que as taxas são devidas pelo contribuinte desde que o serviço, de utilização obrigatória, esteja à sua disposição."

As tarifas são preços praticados pelo Estado através de empresas públicas ou sociedades de economia mista ou empresas particulares, que receberam delegação do Estado, através de contrato de concessão ou permissão, para executar um serviço público. Este último tipo ganha maior destaque no estudo das tarifas, visto que a maioria dos serviços públicos essenciais é prestada por empresas privadas. As delegações de serviço público poderão feitas em duas modalidades: a concessão e a permissão, que são regidas pelas Leis n.°. 8.897/95 e n.° 9.074/95 e pelos arts. 22, XXVII e 175 da CF, que prescrevem:

"Art. 22. Compete privativamente à união legislar sobre (...)

XXXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e funcionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecendo ao disposto no art. 37,XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, §1°, III."

"Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II – os direitos dos usuários; III – política tarifária; IV - a obrigação de manter serviço adequado."


4. Das Delegações de Serviço Público

Vejamos seus conceitos. Concessão é o instituto mediante o qual o Estado atribui a terceiro o exercício de um serviço público (nunca sua titularidade, que é intransferível), que será prestado em nome próprio, por conta e risco do concessionário, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob a garantia contratual de um equilíbrio econômico e financeiro, cobrado geralmente por meio de tarifas e com prazo determinado de duração .

As tarifas cobradas dos usuários por essas empresas serão definidas no processo de licitação. O valor das mesmas não pode ser alterado unilateralmente, mas sim mediante autorização do poder público, que irá analisar suas planilhas de custos, de forma a não comprometer a saúde financeira da concessionária.

Esse equilíbrio econômico e financeiro significa um equilíbrio entre os deveres e os encargos da empresa concessionária. Em relação às tarifas, significa dizer que a concessionária irá fixar seus preços de forma a atingir o fim de lucro, mas que não será seu fim principal. Embora legítima a pretensão do lucro, não deverá se sobrepor ao dever de prestação do serviço público com eficiência e continuidade, afinal a empresa não poderá deixar de investir na melhoria do serviço, para diminuir seus custos. Significa dizer, em caso extremo, que deverá a concessionária cumprir seus deveres contratuais, ainda que experimentando a ruína financeira.

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Neste caso, caberá ao Estado amortizar eventuais prejuízos que a empresa vier a sofrer, subsidiá-la (o que colabora também para garantir tarifas módicas) ou intervir na mesma.

Outro instituto importante é o da permissão, que pode ser definida como a delegação de um serviço público, a título precário, mediante licitação e através do chamado contrato de adesão, conforme exigência da Lei n.° 8.987/95, feita pelo poder público à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e seu risco. O prazo aqui não é determinado, e embora a permissão seja a titulo precário, poderá o permissionário pleitear indenização da administração quando a mesma promover a rescisão unilateral do contrato.

Essas empresas ao receberem a delegação do Poder Público sofrerão a fiscalização de suas atividades, principalmente, através de uma espécie de autarquia, as chamadas "Agências de Regulação". Essas agências foram criadas por lei com o fim de normatizar a prestação dos serviços públicos delegados e harmonizar os interesses do Estado, das empresas delegatárias e dos usuários dos serviços. As principais agências são: a ANP – Agência Nacional do Petróleo (lei de criação 9.478/97), a ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações (lei 9.472/97) e a ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica (lei 9.427/96)

A existência de agências representa que a quebra do monopólio estatal não significou, em absoluto, a liberação total do mercado de serviços públicos, pois serão elas as responsáveis pela fiscalização do setor, impondo normas para a prestação, além de interferir na fixação dos preços.


5. Das conseqüências jurídicas da cobrança de Tarifas em face do Código de Defesa do Consumidor

Ficou esclarecido no item II que os serviços públicos remunerados por taxas encerram uma relação tributária, em que o contribuinte é submetido ao poder de império do Estado, que terá o condão de determinar a conduta do particular. Os serviços remunerados por tarifas se referem a relações consumeristas, baseadas na liberdade e na vontade de contratar. A legislação aplicada neste caso será o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90).

A esse respeito, o Ministério Público do Estado de São Paulo, através do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Defesa do Consumidor, editou a Súmula de Estudos n.º. 6, para dirimir a dúvida que havia sobre os casos de incidência do código na prestação de serviços públicos. A referida súmula assinalou que:

"São objeto de tutela pelo Código do Consumidor, e de atribuição das Promotorias de Justiça do Consumidor, os serviços públicos prestados "UTI SINGULI" e mediante retribuição por tarifa ou preço público, quer pelo Poder Público diretamente, quer por empresas concessionárias ou permissionárias, sobretudo para os efeitos do seu art. 22. Não o são, porém, os serviços públicos prestados "UTI UNIVERSI" como decorrência da atividade precípua do Poder Público e retribuído por taxa ou pela contribuição a título de tributos em geral. Nesse caso, tais serviços poderão ser objeto de inquérito civil e ação civil pública pelo Ministério Público, mas por intermédio do setor de defesa dos direitos do cidadão" (Junho/92 - atualizada em maio/96)

A defesa do consumidor é prestigiada pela constituição, principalmente através dos art. 5°, XXXII (dos direitos e garantias individuais) e art. 170, V (relativo à ordem econômica) revela a importância da tutela das relações de consumo para a consecução dos objetivos constitucionais elencados no art. 3º da CF, que são, em síntese, construir uma sociedade mais justa, propícia ao desenvolvimento individual e coletivo. O consumidor, em especial o de serviços públicos essenciais, é naturalmente vulnerável face ao fornecedor, que não raro, lhe impõe ônus abusivos e ilegais para fornecer o serviço de que tanto o usuário necessita.

O código de Defesa do Consumidor (Lei federal n. 8.072/90) é uma norma cogente, de ordem pública e interesse social, portanto os Direitos tutelados e nele contidos são indisponíveis, prevalecendo mesmo em vista da vontade das partes. É também uma legislação especial, ou seja, prevalece sobre normas gerais outras para disciplinar as relações de consumo, quando houver, como por exemplo as normas civilistas de direito das obrigações, em nome do principio "lex specialis revogat legi generali".

Assim, pode-se concluir que a Ação Direta de Inconstitucionalidade 2591/2001, proposta pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro propor uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, produzida pelo eminente jurista Ives Gandra Martins, tem, "em tese", poucas chances de ser julgada procedente. A finalidade da referida ADIN é demonstrar que o serviço bancário não pode considerado como relação de consumo por vício de inconstitucionalidade formal, pelo simples fato de o art. 192. da CF prescrever que matérias bancárias devem ser disciplinadas por lei complementar e não ordinária como é o CDC. Ocorre que, conforme o parágrafo acima, o código consumerista prevalece sobre as demais legislações sempre que presente a relação de consumo, ainda mais, porque o serviço bancário, é expressamente previsto no código, em seu art. 3º, §2º, in verbis:

"Art. 3º...;

§ 1º...;

§ 2º - Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo,

mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista."

(negritei)

Após esta pequena intervenção, é momento de adentrar no tema.

As empresas estatais são submetidos ao regime de Direito Privado em relação à sua atividade fim, com a conseqüente cobrança de tarifas como contraprestação. Esse fato não se alterou com as privatizações ocorridas, assim como o usuário permaneceu em seu papel de consumidor.

As empresas estatais sempre praticaram muitos abusos, acobertados pela inexistência de um ordenamento jurídico capaz de defender o usuário de suas iniqüidades. A maioria das estatais, prestadora de serviços públicos essenciais conviveram por pouco tempo com o CDC. Com o surgimento do código, o consumidor passou a contar com um instrumento poderoso para sua defesa em face aos abusos praticados e para garantir a prestação eficiente dos serviços públicos essenciais.

Infelizmente, a privatização não trouxe a revolução nos serviços públicos que era esperada. As práticas comerciais abusivas não cessaram por parte das empresas concessionárias e permissionárias, que prevalecem da necessidade do serviço e, em geral, do monopólio para enriquecer-se as custas do consumidor, sem prestar um serviço adequado e muitas vezes com amparado das Agências de Regulação, que deveriam fiscaliza-las e puni-las nestes casos. Para o Código, os serviços públicos essenciais terão que ser adequados, eficientes, seguros e contínuos, nos termos do art. 22, art 6°, X, do CDC e art. 6°, parágrafo único da Lei 8.987/95. O que se constata é que o código trata com maior rigor o fornecedor de serviços públicos, o que é uma verdade. Esse rigor deriva da prevalência do interesse público, da população, sobre o interesse do fornecedor. O desrespeito às características exigidas do serviço público e de outros deveres para com o consumidor gerarão um série de conseqüências, em especial, e é o que interessa a este trabalho, para a cobrança de tarifas. Serão abordadas as principais e mais relevantes.

A instituição de tarifa mínima, por exemplo, é uma gravíssima conseqüência do desrespeito ao principio da boa-fé nas relações de consumo (art. 6°, IV do CDC), pois impõe ao usuário uma contraprestação desproporcional. Algumas empresas fornecedoras impõem ao usuário o pagamento de um valor mínimo em sua fatura, caso nada consuma, ou ainda se o consumo ficar abaixo do valor fixado, unilateralmente, como mínimo. Seria razoável essa imposição diante de uma justa causa, devidamente comprovada. Ocorre que nada justifica, por exemplo, o pagamento de uma franquia mensal de pulsos para a empresa de telefonia, ainda que não consumidos, assim como a imposição de um consumo de 10 m3 de água se o consumidor estiver viajando.

Mais grave ainda é o fato de isso ser permitido pelas agências reguladoras ou órgãos congêneres, como por exemplo, o DNAEE (Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica), órgão autor da Portaria 222/87, que em seu art. 42, dispõe sobre os valores mínimos de cada grupo de consumidores, sendo monofásicos (30 kWh), bifásico (50 kWh) e trifásico (100 kWh). Na verdade, deveriam estes organismos velar pela devida, adequada, continua, eficiente prestação do serviço e também não permitir abusos nas cobranças aos usuários.

Esse abuso tem nome. Chama-se "venda casada" em limite quantitativo (art. 39, I do CDC), ou seja para receber o serviço, o consumidor é obrigado a receber, pelo menos, a quantidade mínima. A justificativa apresentada pelas empresas concessionárias é que precisam prover à manutenção do sistema de fornecimento, ou seja, precisam mantê-lo disponível ao usuário, já que isto representa a própria prestação do serviço, o que é falso, pois tal fato é decorrência lógica da própria atividade desenvolvida pela companhia, além de ser corolário da concessão do serviço público.

O fornecedor que adota essa prática está se comportando como se fosse o próprio Estado, agindo com base em seu poder de império, obrigando ao pagamento de taxas por serviço fruível. Que fique bem claro. O serviço que é cobrado pela sua mera disponibilidade, ou seja, por potencialidade de uso, só pode ser remunerado por TAXAS, jamais por tarifas. A tarifa decorre de preço, é disciplinada pelo regime de Direito Privado, não pelo Direito Público, onde se encontra o Direito Tributário, que instituiu a cobrança de taxas.

O dever de eficiência e adequação do serviço público nos revela que disponibilidade é obrigação do fornecedor e, obviamente, é condição de prestação, afinal, serviços como telefonia fixa, água encanada e energia elétrica precisam vir até o consumidor. A empresa precisa trazer suas instalações até o usuário para que possa recebe-lo. Diferentemente dos serviços bancários que podem ser prestados sem que a instituição financeira precise ir até o consumidor.

Não se pode admitir uma cobrança pelo simples fato de as instalações terem sido implantadas na residência do consumidor, afinal elas podem ser desligadas, desativadas quando o consumidor se tornar inadimplente. O terminal telefônico de um assinante pode ser repassado a outro usuário. O que nos revela que as instalações pertencem à empresa e não ao consumidor, sem as quais ela não poderia prestar seu próprio serviço, da mesma forma que não poderia faze-lo sem a devida manutenção.

Outro mito é que a disponibilidade seja efetiva prestação de serviço. Não é. O fato de a empresa de águas instalar cavalete, tubulação e hidrômetro em uma residência e, é claro, manter água da rede e o hidrômetro não girar não se pode falar em prestação efetiva, mas sim potencial, pois a água "poderia" ser utilizada. Ocorre que este verbo "poderia" está conjugado no futuro do pretérito, o que significa possibilidade, não efetividade. Prestação efetiva será o uso e o gozo de fato do serviço. Não é segredo que tais serviços são de relevante valor social e de grande interesse público, o que poderia ensejar a imposição de uma fruição obrigatória, só que isso deve ser previsto em Lei, jamais presumido.

A disponibilidade do serviço não é luxo, mas sim condição de prestação, pois não há como, por exemplo, comprar energia elétrica em um supermercado, é preciso que a fornecedora promova a instalação do serviço, e que o mesmo possa ser utilizado a qualquer momento e em qualquer quantidade. Não se pode confundir. O fornecedor tem o dever de prestação e o usuário tem a faculdade de o utilizar. Ocorre que ainda não fosse público, o dever de prestação do serviço subsiste, nos termos do art. 39, IX do CDC, que proíbe a recusa de fornecimento de serviço a quem se disponha a pagar por ele.

A cobrança de valores mínimos constitui verdadeira cláusula abusiva, pois impõe ao usuário uma obrigação desproporcional, ferindo os princípio da boa-fé e do equilíbrio (não igualdade) das partes nas relações de consumo. Esclarece o art. 51, IV e §1º, III:

"Art. 51. - São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(...)

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;

(...)

§ 1º - Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

(...)

III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso." (negritei)

Num raciocínio inverso, isto é, admitindo-se a cobrança de tarifa mínima, ou de manutenção como forma de custear a disponibilidade do serviço, se verifica que a concessionária (ou permissionária) jamais poderia suspender o fornecimento do serviço, sua única alternativa para receber sua contraprestação pecuniária será através de ação de cobrança e, no caso de pessoas carentes, o fornecedor deveria cobrar do Estado, que é o titular do serviço que ele presta..

Cumpre informar que prestação contínua é um dever para as empresas delegatárias, está nas normas legais e nos contratos de concessão. Significa dizer que a prestação deve ser adequada e eficaz, nos termos dos arts. 6º, X e 22 do CDC. É comum, por exemplo, a existência de ar nas tubulações, visto que a água é bombeada dos reservatórios, o que gera um refluxo natural, no entanto esse ar é contabilizado pelo hidrômetro e o ar, que sempre foi de graça, passa a ser cobrado como se fosse a água não consumida pelo usuário e, é claro, caso o consumidor instale algum equipamento para eliminar o ar acaba sendo multado pela concessionária. Além deste fato, ainda tem o usuário de conviver com a falta de água em certos bairros e horários, e mesmo assim tendo que pagar a mesma e absurda taxa mínima, só lhe restando contestar em juízo.

A suspensão do fornecimento do serviço público, o chamado "corte", viola flagrantemente o princípio da continuidade do serviço público. Há que se ponderar que o corte é praticado pelo fornecedor como forma de proteção de sua propriedade privada, que é garantida pelo art. 170. da Constituição, que também prevê a proteção do consumidor, o que mostra que ambas as proteções não são, em absoluto, conflitantes, ou seja, são harmônicas, desde que o fornecedor não prevaleça de seu poder econômico para praticar abusos contra a o consumidor.

O corte é previsto no art. 6º da Lei n.º 8.987, § 3º, inciso II, verbis :

"Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato. (...)

§ 3º Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando:

(...)

II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade."

(negritei)

A empresa não pode efetuar cortes, pois não se pode confundir o dever de prestação da empresa (principio da universalização) como a compulsoriedade da fruição. Esta última não existe quando o serviço é tarifado, o primeiro sim, logo, o fornecedor deve prestar obrigatoriamente o serviço, sendo facultado seu uso pelo consumidor e corte inadmitido.

O consumidor pode utilizar o serviço quando e quanto quiser, podendo ainda escolher de quem receber o serviço, se houver pluralidade de fornecedores, sendo vedado qualquer tipo de imposição de pagamento ou interrupção por inadimplemento

O corte, se fosse permitido, não poderia ser feito sem prévia comunicação ao consumidor, inclusive oportunizando novamente a ele a quitação do débito como forma de escapar à sanção. O dever de notificar o consumidor é previsto nos regulamentos expedidos pelas agencias de regulação, cuja ausência constitui cláusula abusiva, por permitir o cancelamento unilateral do contrato (art. 51, XI do CDC).

No entanto, há empresas que para cumprir seu dever de notificação prévia, aproveitam para embutir tarifas abusivas. É o caso da tarifa de reaviso, que é a "cobrança da cobrança", ou seja, caso o consumidor não pague na data do vencimento, é reavisado alguns dias depois, daí se não quitar dentro de um outro prazo sofrerá o corte e ainda terá que pagar a tarifa de reaviso na conta do mês seguinte. Essa conduta é vedada pelo art. 51, XII do CDC, que proíbe que a fornecedor transfira ao consumidor os custos da cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja assegurado contra aquele. Não menos surpreendente é a previsão do DNAEE, através do o art. 85, da Portaria nº. 466/97.

O referido artigo diz, em seu parágrafo quinto, que "A cobrança do serviço previsto no inciso VIII deste artigo, só poderá ser feita se o reaviso contiver, no mínimo, o nome do consumidor, a data de vencimento, o número da conta e o valor total a pagar e for apresentado no endereço da unidade consumidora, após o decurso de 5 (cinco) dias do vencimento da conta."

Outro inaceitável e ilegal abuso do direito de corte é a imposição de tarifa de religamento, pois ela representa a criação de um obstáculo para o uso de um serviço considerado de utilidade pública, essencial, o que significa que deve ser universal, ou seja fornecido obrigatoriamente a todos que queiram utiliza-lo. O consumidor ao quitar o débito que originou seu corte não deveria pagar mais nada, não pode ser cobrado para a religação das instalações, que aliás sequer lhe pertencem. A religação não constitui efetiva prestação de serviço público, não há consumação alguma, mas sim o restabelecimento da disponibilidade, que como já exposto, jamais pode ser cobrada, por ser um dever e ser condição de prestação.

O contrato de prestação de serviço público é bilateral, sinalagmático, com deveres para ambas as partes. Exigir a manutenção da prestação de um serviço, cujo contrato é de trato sucessivo, para um inadimplente contumaz é ferir o princípio da razoabilidade, da mesma forma que o seria se o corte ocorresse sem aviso prévio.

O corte fere vários princípios constitucionais. Fere o principio da solidariedade (art. 3°, I, da Constituição Federal), fere o dever de inclusão social dos desfavorecidos (art. 3°, III), pois ao negar a prestação de um serviço essencial, como a água, está sendo promovida a exclusão, a discriminação e marginalização, o que ataca, por conseqüência, a garantia de dignidade humana (art. 1°, III, da CF)e a função social da propriedade (art. 5°, XXIII, da CF).

Outra legislação importante que reforça a proibição do corte é o Código de Processo Civil, através de seu art. 620, prescreve "quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que o faça pelo modo menos gravoso para o devedor". E não se conhece nada mais gravoso que o corte.

O corte é sempre vedado, o que significa dizer que quando não houver pagamento o serviço deverá ser prestado, pois viola o fornecedor ao cortar o serviço tornará ainda mais inviável a possibilidade de pagamento, especialmente se for o usuário um estabelecimento comercial. O que se espera na relação entre consumidor e fornecedor é uma parceria, não um confronto, deve haver colaboração mútua para a consecução dos fins do contrato. Esse dever de boa-fé da mesma forma que veda o corte, também veda o direito de a escola não renovar a matricula do aluno inadimplente no semestre seguinte (art. 5° da Lei 9.870/99).

Em suma, são estas as nefastas conseqüências da imposição de tarifa mínima, mas felizmente, os tribunais já vêm consagrando o entendimento de que a cobrança de tarifa mínima, além de absurda é ilegal. O desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Paulo César Salomão asseverou que "acabou o abuso das concessionárias que insistiam na cobrança de consumos fictícios, baseados em vetustos e inconstitucionais decretos" e quanto ao dever de obrar apenas o consumo efetivo afirmou "é tão obvio que não se entende como ainda possa ser discutido" (apelação cível 20.063/99).

A "venda casada" também se manifesta na cobrança dos serviços ao usuário, que é feita de uma forma global, ou seja, todos os serviços e cobranças são incluídos na mesma fatura, ou seja, a empresa impede o consumidor de destacar do pagamento as cobranças ilegais, só restando ao consumidor consignar o que entende justo e discutir o restante. Isso fere o princípio da informação, da boa-fé (ao dificultar a defesa do consumidor), obrigando-lhe a se submeter, sob pena de sofrer cortes (que neste caso serão ilegais, pois a inadimplência é justificável) e o consumidor pode ainda ter seu nome lançado nos bancos de dados do SERASA, sofrendo assim inúmeros outros contratempos. Esses expedientes desonestos utilizados para cobrar tarifas ilegais constituem o delito de cobrança abusiva4 (artigo 71 e 42 do CDC), cabendo ao consumidor lesado a repetição do indébito em dobro (art. 42, parágrafo único), sem prejuízo das sanções penais cabíveis ao representante legal da empresa.

Outra questão relevante é quanto ao reajuste das tarifas. Já foi visto no item II que as Tarifas não podem ser reajustadas unilateralmente pela empresa concessionária ou permissionária, mas sim de acordo com as determinações expostas no contrato de concessão (art. 9°, §2° da Lei 8.987). Em geral, a revisão é feita através de proposta, que poderá ou não ser aprovada pelo Poder Público responsável pela delegação, como por exemplo a recente solicitação de reajuste das tarifas de transporte coletivo, no município de Campo Grande . Caso tenha algum prejuízo, a fornecedora deverá socorrer-se de outros meios administrativos ou judiciais em face do Estado, diretamente.

O reajuste unilateral, ou seja, em desacordo com as normas da concessão ou permissão, será nulo, e o a reajuste desarrazoado será ilegal, podendo ser objeto de Ação Civil Pública (art. 1, II da lei 7.345/85 – "danos materiais e morais causados ao consumidor") para impedir a cobrança majorada e obter a repetição do indébito para os consumidores que já foram lesados com o pagamento indevido, por infringência do art. 39, X do Código consumerista, que assevera:

"Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos e serviços:

(...)

X – elevar sem justa causa o preço de produtos e serviços;"

A Constituição federal também veda o aumento arbitrário do lucro, que é a motivação e o reflexo do aumento injustificado no preço das tarifas, por disposição expressa inserida no art. 173, § 4°, in verbis:

"A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros’.

O consumidor deve ser perfeitamente esclarecido a respeito das tarifas que está pagando, e previamente. O Código de Defesa do Consumidor impõe aos fornecedores de serviços, dentre outros, o dever de informação prévia e suficiente da prestação, para que possa exigir do consumidor o pagamento do serviço. Este dever deve ser aliado à obrigação de provar a prestação do serviço. É direito básico do consumidor obter "informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta da quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem" 5

O dever de informação se reflete, por exemplo, na cobrança de pulsos excedentes, que nunca são discriminados perfeitamente pela empresa, que tem o dever legal de demonstrar o consumo do usuário e não ele, através do instituto da inversão do ônus da prova (art. 6, VIII). As tarifas bancárias, em alguns casos, também não são perfeitamente esclarecidas, ou melhor, só são quando já lançadas na conta do consumidor, bem ao estilo "pague primeiro, discuta depois".

A ofensa ao principio da informação e também ao da livre escolha do consumidor ocorre quando há a prestação de serviço não solicitado (art. 39, III do CDC), como por exemplo, a insistência das empresas de telefonia em fornecer serviços adicionais sem previa aquiescência do consumidor, como o caso dos 0900 (disque-amizade e congêneres), que é disponibilizado sem o menor controle, sem que tenha sido solicitado. Neste caso, a tarifa não pode ser cobrada, será o serviço considerado "amostra grátis", nos termos do art. 39, parágrafo único do referido diploma legal. Retomando o item anterior, a distinção entre taxa e tarifa, há que mencionar o abuso cometido nas cobranças pelo serviço de água encanada, que inclui a cobrança de tarifa de esgoto, que é um serviço não divisível, portanto impossível de ser cobrado por tarifas. Além da venda e da cobrança casada, que é o ato de condicionar o recebimento de um serviço ao recebimento (e pagamento) de outro, está havendo a cobrança feita de forma uma por dois serviços submetidos a regimes jurídicos diversos. A cobrança de esgoto não pode ser feita sequer por taxas, dado o caráter universal de sua prestação e, ainda que o fosse (ou até por tarifas) só seria possível se houver tratamento para o esgoto, visto que sua simples coleta não importa uma prestação efetiva por parte da empresa fornecedora.

Essas são as principais conseqüências da cobrança das tarifas em face do Código de Defesa do Consumidor. As tarifas são questões não apenas administrativas, mas principalmente consumeristas, pois derivam de relação de consumo. O desrespeito aos direitos desses usuários em relação ao pagamento de tarifas se apresenta sob a forma de clausulas abusivas. Essas cláusulas são chamadas abusivas por imporem ônus desproporcionais ao consumidor.

Os contratos de adesão (art. 54, caput do CDC) constituem terreno fértil para a criação dessas clausulas, também chamadas leoninas, quando muito abusivas, visto que eles são apresentados pelo fornecedor ao consumidor, sem que este tenha o poder de discutir e alterar seus termos. É o chamado contrato-padrão, modalidade preferida das grandes empresas, que lidam com consumo de massa, sem condição ou intenção, principalmente, de particularizar ou diferenciar os termos contratuais para cada um dos inúmeros usuários.

O Professor Caio Mário da Silva Pereira6, a respeito da onerosidade excessiva dos contratos, lecionou:

"Todo contrato é previsão, e em todo contrato há margem de oscilação do ganho e da perda, em termos que permitem o lucro ou prejuízo. Ao direito não podem afetar estas vicissitudes, desde que constritas nas margens do lícito. Mas, quando é ultrapassado um grau de razoabilidade que o jogo da concorrência livre tolera, e é atingido o plano de desequilíbrio não pode omitir-se o homem do direito, e deixar que em nome da ordem jurídica, e por amor ao princípio da obrigatoriedade do contrato um dos contratantes leve o outro à ruína completa, e extraia para si o máximo benefício". (negritei).

A dimensão das cobranças indevidas ou ilegais de tarifas assume dimensão maior quando ultrapassa a esfera da lesão individual. É o mais comum, afinal o fornecedor que lesa um consumidor, lesa milhares de outros. Daí decorre a importância da tutela dos direitos desses consumidores, em especial, a tutela coletiva, que é disciplinada nos art. 81. e 82 do CDC, que prevê a defesa dos direitos difusos (cujos titulares são indeterminados), os coletivos (cujo titular é um grupo ou categoria) e os individuais homogêneos (os de origem comum).


6. Conclusão

Este trabalho tem como missão conceituar os serviços públicos essenciais, suas subdivisões em serviços de fruição universal e individual, sendo estes últimos subdivididos em de fruição efetiva e fruição potencial e a forma como serão remunerados.

Os serviços universais serão remunerados por impostos gerais, dado a impossibilidade de mensuração e aferição do aproveitamento individual, o que não ocorre, por sua vez com os serviços específicos e divisíveis, que podem ser remunerados pelo Estado, diretamente, ou por meio de entes que dele receberam delegação, através de contratos de concessão ou de permissão.

Os serviços tarifados encerram relação de consumo, sendo regidos pelo Código de Defesa do Consumidor, que coíbe uma série de práticas abusivas perpetradas pelas empresas fornecedoras, que prevalecem de seu poderio econômico e da necessidade dos serviços prestados para obrigar o pagamento de consumo mínimo, tarifas de reaviso, religação e outras tão ilegais e inaceitáveis quanto essas.

O código exige (art. 22) que s serviços públicos essenciais devem ser prestados de forma eficiente, adequada, segura, universal, continua e segura. Assim, episódios como o do racionamento de energia, o "apagão" revelam o descaso das empresas fornecedoras e do Estado, que pouco ou nada investem na prestação de serviços públicos de qualidade e acessíveis à toda a população.

Essa exigência de prestação não rima, em absoluto com imposição ao consumidor, ou seja, os serviços públicos submetidos ao regime de tarifas não podem ser obrigatórios, ou seja, tem o consumidor plena liberdade de escolha de fornecedores (se houver mais de um) ou ainda a de não receber o serviço, quando por exemplo, prefere perfurar um poço artesiano a solicitar o abastecimento de água encanada. As empresas é que nunca reconheceram essa liberdade.

Compreender bem estes controvertidos institutos é peça fundamental na formação da consciência do consumidor, do usuário de serviços públicos, ou seja, do cidadão, que merece ser respeitado, e jamais agredido da forma como vem sendo quando o que quer é apenas usufruir o seu direito.


Bibliografia

BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro, Forense, 10ª ed., 1983.

BANDEIRA DE MELLO, Celso Natônio. Curso de Direito Administrativo, 14 ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

BRITO FILOMENO, José Geraldo. Manual de Direitos do Consumidor, 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2001.

CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário, 3ª ed. Revistas dos Tribunais, 1.991.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. III, 10ª ed., Forense.


Notas

1 Curso de Direito Administrativo, 14 ed. Malheiros, p. 600.

2 Direito Tributário Brasileiro, Forense, 10ª ed., 1983, pags. 324. e 325.

3 Curso de Direito Constitucional Tributário, 3ª ed. Revistas dos Tribunais 1.991.

4 Art. 42. - Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

Parágrafo único - O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro ao que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.

5 redação do art. 6º, III da Lei 8.072/90.

6 Pereira, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, vol. III, 10ª edição, Forense, pág. 98.

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Sobre a autora
Michelle Dibo Nacer Hindo

Graduada em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Pós- graduada em MBA Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em convênio com o instituto Agricon (Campo Grande). Servidora do TJMS. Professora de Prática Jurídica Cível.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HINDO, Michelle Dibo Nacer. Taxa e tarifa nos serviços públicos essenciais e conseqüências jurídicas face ao Código de Defesa do Consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -366, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2966. Acesso em: 21 nov. 2024.

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