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A pejotização trabalhista: o caso dos empreendedores individuais

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01/10/2014 às 16:03
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É muito fácil se tornar empreendedor individual, mas o que isso significa pra relação de trabalho? Este texto fala da figura do empreendedor individual como meio de fraudar a lei trabalhista.

RESUMO: O presente estudo aborda a proteção aos direitos trabalhistas tendo como foco o empregado que se torna empreendedor individual. Para tanto, partiu-se de uma abordagem histórica do caráter intervencionista do Estado na economia até a desconsideração da pessoa jurídica. No meio termo desta discussão é debatido a importância dos princípios como norteadores de toda relação empregatícia, de modo que o desrespeito aos axiomas leva a responsabilização por parte dos empregadores. O trabalho traz a baila o fenômeno da pejotização, que se trata da obrigação imposta pelos patrões para que os empregados se tornem pessoas jurídicas, ocorrendo assim uma fraude trabalhista. Foi abordada a sua evolução histórica, bem como o progresso da legislação pátria sobre o assunto, a fim de que se caracterize como fraude às relações de trabalho a atividade de empreendedor individual.

PALAVRAS-CHAVE: Empregado. Empreendedor individual. Pejotização. Fraude.

SUMÁRIO:1.INTRODUÇÃO. 2. O DESENVOLVIMENTO DO DIREITO DO TRABALHO. 3.NOÇÕES SOBRE A LEI DO EMPREENDEDOR INDIVIDUAL. 3.1 Características da Relação Laboral. 4.DOS PRINCÍPIOS. 4.1Do Princípio da Indisponibilidade dos Direitos Trabalhistas. 5. O FENÔMENO DA PEJOTIZAÇÃO. 6. DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JÚRIDICA. 7.CONSIDERAÇOES FINAIS. 8.REFERÊNCIAS


1 INTRODUÇÃO

Este estudo tem como objetivo analisar as vantagens e desvantagens de quem se torna Empreendedor Individual, em especial aqueles que eram empregados e decidem abrir o seu próprio negocio. O ponto principal é demonstrar as conseqüências desta escolha, vez que acarreta inúmeras perdas de seus direitos trabalhistas.

O trabalho traçará o perfil dos que podem se tornarem Empreendedor individual, no sentido de analisar se eles possuem condições necessárias para verificar os possíveis malefícios de tal decisão. É intenção deste artigo cientifico contextualizar a figura do Empreendedor Individual com o fenômeno que está ocorrendo, qual seja, a pejotização.

É interesse deste trabalho enriquecer o assunto em torno do Empreendedor Individual. No sentido de ajudar as pessoas que pretendem ser Empreendedor individual a tomarem uma decisão mais acertada, sem serem levadas pela paixão ou emoção de lucro rápido, o que no mundo capitalista e feroz como nosso é quase impossível.

A natureza explicativa da pesquisa abrange o delineamento da história e concepção atual de empregado, bem como as tentativas em tornar este empregado um sócio disfarçado, caracterizando desta forma a pejotizaçãoO caráter explicativo se dará através da análise de fontes (bibliografia e legislação pátria que regula a matéria) em que se buscará compreender, em especial, fontes que defendem a caracterização da atividade de empreendedor individual como fraude as relações de emprego, bem como o que entende o governo sobre a temática.

Serão observadas as legislações pátrias, a exemplo da nossa Constituição Federal, CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas-, jurisprudência e doutrina sobre o assunto. As legislações poderão auxiliar a formação da concepção do que seja empregado, vez que traz as características elementares para a configuração do vinculo empregatício. Ou seja, a partir da análise dos textos legais, bem como do entendimento dos doutrinadores, a dúvida que paira sobre o tema ora abordado poderá ser respondida. 

Partindo-se desse preambulo, dividiu-se o trabalho em tópicos e subtópicos. A introdução traz noções gerais sobre a evolução do direito do trabalho, bem como as modificações introduzidas no ordenamento jurídico, no que dizem respeito a relação empregado e empregadores.

Em seguida, no desenvolvimento, será contemplado um primeiro tópico sobre a lei do empreendedor individual, bem como o posicionamento do governo a respeito do assunto. No segundo tópico serão apresentados os argumentos que se opõem, bem como as características da relação de emprego, o que seja o fenômeno da pejotização e a desconsideração da pessoa jurídica.

Por fim, a conclusão pretende responder à pergunta que impulsionou a elaboração desta pesquisa, qual seja: a lei do empreendedor individual impulsiona o surgimento de fraudes nas relações empregatícias?


2 O DESENVOLVIMENTO DO DIREITO DO TRABALHO

Historicamente empresários e empregados nunca coincidiram pelo mesmo ideal. As lutas por melhorias nas relações de trabalho são exemplos claros da antinomia entre o capital e a força laboral. Segundo Marx (1993, p. 162-163):

o trabalhador só se sente consigo mesmo fora do trabalho, enquanto que no trabalho se sente fora de si. Ele está em casa quando não trabalha, quando trabalha não está em casa. Seu trabalho, por isso, não é voluntário, mas constrangido, é trabalho forçado. Por isso, não é a satisfação de uma necessidade, mas apenas um meio de satisfazer necessidades exteriores a ele mesmo. A estranheza do trabalho revela sua forma pura no fato de que, desde que não exista nenhuma coerção física ou outra qualquer, foge-se dele como se fosse uma peste.

 O que se observa são medidas paliativas que o Estado toma para evitar a desordem, senão vejamos: na Revolução Industrial, foi dado aos trabalhadores que laboravam diariamente 18 horas o direito de trabalhar apenas 8 horas já as crianças foram retiradas dos campos pesados da indústria limitando a idade do trabalho em 9 anos. De modo em geral, algumas dessas benesses surtem efeitos, dando aos trabalhadores um pouco mais de dignidade.

É bom salientar que o que move todas essas transformações é o capital, de modo que se houve mudanças é porque existiu aceitação daqueles que dominam o lucro. Isto se dá desta maneira, vez que os empresários anuem em colaborar com o desenvolvimento do direito do trabalho, para que em troca o obreiro realize seu trabalho mais satisfeito, impedindo assim as greves.

 Tema importante é a intervenção do Estado na economia e por conseqüência nas relações de trabalho. Desde a Constituição de 1824 houve a presença do Estado, vez que aboliu as corporações de ofício. Na Constituição de 1891, instituiu a liberdade de associação. Já a Carta Magna de 1934, foi a primeira a tratar de Direito do Trabalho, que trouxe de forma embrionária à proteção a mulher e aos menores e direitos como o salário mínimo e a isonomia salarial.

A Constituição Cidadã de 1988 trouxe inúmeros direitos aos trabalhadores. O art. 7° da Carta Magna vigente traz de forma exemplificativa alguns direitos aos obreiros, tal como: seguro desemprego, aviso prévio, licença maternidade e de paternidade, direito de greve, irredutibilidade dos salários e décimo terceiro. Além disso, é bom frisar que o atual Diploma Constitucional deslocou os direitos trabalhistas para o capitulo “Dos Direitos Sociais”, antes pertencia ao capítulo “ Da Ordem Economica e Social”.

É fundamental frisar que o que move todas essas mudanças não é o proletariado é a burguesia. O fenômeno do Intervencionismo se deu em decorrencia as crises constantes do século XX, dentre elas a de 1929, conhecida como a grande depressão. Esta crise foi solucionada, no governo do Presidente Franklin Delano Roosevelt, em que foi colocado em prática o plano conhecido como New Deal, que passou a controlar os preços e a produção das indústrias e das fazendas.

Ademais, o pensamento de John Maynard Keynes foi o grande impulsionador do intervencionismo estatal. Em sua obra “ Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro”, Keynes verificou como solução as crises econômicas a maior participação em investimento do Estado, dos empresários e os próprios consumidores. De acordo com o pensamento clássico do economista, os Governos deveriam aplicar grandes remessas de capital para a realização de investimentos e conceder linhas de credito a baixo custo para os empresários fomentarem também a economia. Segundo Keynes, isso levaria a um maior número de empregos e faria com que os consumidores gastassem mais, evitando o acúmulo de capital nas poupanças.

A Constituição Federal de 1988 tratou de forma expressiva o caráter interventivo do Estado na economia. A administração pública possui várias funções e dentre elas está a de incentivar, fiscalizar e planejar a atividade econômica, conforme preceitua o art. 174 da Carta Cidadã vigente. Além disso, existem os chamados impostos extra fiscais, que possuem o papel de impulsionar o mercado interno, a exemplos podemos os seguintes impostos: Imposto sobre produtos industrializado- IPI e o Imposto sobre operações financeiras- IOF.

 A função de intervir na economia é trazer a justiça social. Isto se concretiza quando as políticas públicas aplicadas favorecem as camadas mais pobres da sociedade, ocorrendo uma redistribuição mais justa entre as classes, ou seja, tratar os desiguais de forma desigual, na medida de sua desigualdade.

Na atualidade é a Lei Complementar 128 de dezembro de 2008. Este corpo legal vem regular a figura do Empreendedor Individual, que tem como objetivo primordial trazer o profissional autônomo para a legalidade, e por conseqüente arrecadar mais tributos. A lei estabelece que para se enquadrar como Empreendedor Individual é necessário faturar no máximo R$ 60.000,00 (sessenta mil) reais, não ser sócio de nenhuma outra empresa, podendo possuir empregado. É bom salientar que o mais atraente para os que aderem aquela lei, é o fato de poderem ter o registro do Cadastro Nacional de Pessoas Júridica, o que facilita a abertura de conta bancaria e a possibilidade de pedirem empréstimos.

Sendo assim, o presente estudo tem como objetivo responder à seguinte indagação: a atividade de empreendedor individual representa um risco as relações empregatícias.


3 NOÇÕES SOBRE A LEI DO EMPREENDEDOR INDIVIDUAL                                   

A lei do empreendedor individual é uma aposta do Governo. A lei complementar 128 de 2008 que trata sobre o micro empreendedor é uma forma de abrir uma empresa sem todos os entraves burocráticos que se tem hoje em dia. De modo que traz uma grande gama de empresários informais para a legalidade. Não se pode olvidar que esta medida é uma forma de angariar mais tributos ao cofres públicos.

É muito fácil se tornar empreendedor individual. Quem deseja ser Micro Empreendedor Individual- MEI deve aderir ao Simples Nacional, sendo que não paga nenhum tributo ao ente federal, tendo apenas valores simbólicos a serem dados ao Município em que se situa a empresa, no valor de R$ 5,00 (cinco) reais e de apenas R$ 1,00 (um) real ao Estado. Além disso, o empreendedor individual não paga o Imposto de Renda, apenas tem o dever de declarar seus rendimentos, vez que pode ultrapassar a renda bruta de R$ 60.000,00 (sessenta mil) reais.

Ser empreendedor individual é uma forma mais barata para contribuir para a previdência social. É um grande atrativo para aderir ao Micro Empreendedor Individual -MEI é a possibilidade de receber alguns benefícios do Instituto Nacional da Seguridade Social- INSS, entre eles estão os seguintes: auxilio- doença, salário maternidade, pensão por morte. Envelhecer, adoecer ou qualquer outro sinistro que possa deixar a vida mais árdua e se vê sem nenhum auxilio prestado pelo Estado é uma preocupação de qualquer cidadão. Desta forma, aquele que se torna MEI contribui com apenas 5% (cinco por cento) do salário mínimo, o que equivale hoje a apenas R$ 31,10 (trinta e um reais e dez centavos).

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É bom frisar que muitos dos que aderiam a serem Empreendedores Individual não sabem ao certo o que seja o MEI- Micro empreendedor individual. Para enriquecer este trabalho foram feitas algumas entrevistas (em anexo), que teve como foco saber o que levaram aos entrevistados a serem Empreendedor Individual, foram interrogados também se eles sabiam quais eram as vantagens e desvantagens de ser Micro Empreendedor Individual -MEI e por fim qual a profissão que exercem.

O público alvo são as camadas mais pobres. O que se observa conforme o anexo XIII da Resolução CGSN nº 94, que trás a relação de profissões possíveis de serem enquadradas como Empreendedor individual, é que as ocupações escolhidas pelo Governo são realizadas por pessoas de pouca escolaridade, o que acarreta desconhecimento da lei. Desta forma fica fácil ludibriar a maioria dos empregados.

3.1 Características da Relação Laboral                                               

A relação trabalhista possui algumas características dentre elas estão: ser um contrato de direito privado, sinalagmático, de execução continuada, intuitu personae em relação ao empregado, oneroso e do tipo subordinativo. É contrato de direito privado, vez que existe a autonomia da vontade, que está presente em querer participar de uma relação laboral. Assim, no contrato de trabalho o empregado aceita as imposições do patrão, o que a doutrina chama de poder diretivo do empregador e este por sua vez tem que cumprir com todos os direitos trabalhistas.

O caráter sinalagmatico além de gerar a relação faz-recebe, no sentido de proporcionar ao trabalhador um salário, tendo em vista a força dispensada na jornada de trabalho, também verifica o contrato de trabalho como um todo e não como uma prestação de serviços, o que explica receber salário em quanto o contrato está interrompido.

A execução continuada possui ligação com o fato de não se esgotar a relação laboral em apenas um ato. A realização do trabalho é de trato sucessivo, vez que o empregado tem a obrigação de cumprir diariamente com o que foi determinado no contrato de trabalho. Assim a relação de emprego é demonstrada pela não eventualidade, tendo em vista que o obreiro presta serviços ao empregador de forma habitual, mesmo que seja só uma vez por semana, já é o bastante para caracterizar o vínculo empregatício.

A subordinação é a característica mais marcante da relação de trabalho. É a hierarquia que existe entre o empregador e o empregado, de modo que o patrão controla o tempo e o modo como as atividades são realizadas.

Já a característica de ser intuito personae se refere a não poder o empregado se fazer substituir por outrem. Deste modo o obreiro tem o dever de cumprir com as atividades não podendo outra pessoa ocupar seu lugar, salvo nas hipóteses de suspensão contratual.

O empregado que se torna empreendedor individual e continua a prestar serviços ao mesmo empregador não retira nenhuma das características da relação laboral. É importante frisar que a apesar de ser uma pessoa jurídica, na realidade o que se vê é apenas o individuo, pessoa física recebendo as obrigações sob dependência do empregador. Senão vejamos o que diz o art. 3º, da CLT: “considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.

É importante salientar que o empregado presta serviços de forma não eventual. O obreiro que se torna empreendedor individual ainda continua com as mesmas características da relação empregatícia, configurando assim fraude a relação de emprego.


4 DOS PRINCÍPIOS

O princípio da primazia da realidade abandona a ficção jurídica e analisa em concreto os fatos, ou seja, o modo da realização da atividade. É uma proteção ao trabalhador em vê seus direitos garantidos independentemente da nomenclatura dada na sua carteira de trabalho ou mesmo que não há tenha. Segundo Delgado (2007, p. 200) “o operador jurídico, no exame das declarações volitivas, deve atender mais à intenção dos agentes do que ao envoltório formal através do qual transpareceu a vontade – art. 112 do CC/02”. Insto é que a doutrina mais abalizada chama de contrato-realidade, vez que deve examinar a situação fática e não a regularidade do contrato laboral. Barros (2008, p. 185) acrescenta:

o princípio da primazia da realidade significa que as relações jurídico-trabalhistas se definem pela situação de fato, isto é, pela forma como se realizou a prestação de serviços, pouco importando o nome que lhes foi atribuído pelas partes. Despreza-se a ficção jurídica. É sabido que muitas vezes a prestação de trabalho subordinado está encoberta por meio de contratos de Direito Civil ou Comercial. Compete ao intérprete, quando chamado a se pronunciar sobre o caso concreto, retirar essa roupagem e atribuir-lhe o enquadramento adequado, nos moldes traçados pelos art. 2º e 3º da CLT

O empregado investido em empreendedor individual tem seus direitos trabalhistas garantidos pelo princípio da primazia da realidade. Desta forma, os operadores do direito devem desapegar da forma e sim analisar minuciosamente a situação fática. É bom frisar que muitas das vezes o empregador coloca o falso empreendedor individual como sócio oculto, fazendo com que o empregado acredite que é também é dono da empresa, o que na verdade ainda não passa de um obreiro. A seguinte jurisprudência diz :

TRIBUNAL: 3ª Região DECISÃO: 16 02 1998 TIPO: RO NUM: 12218 ANO: 1997 NÚMERO ÚNICO PROC: RO - TURMA: Primeira Turma DJMG DATA: 20-03-1998 PG: 06. RELATOR Juiz Ricardo Antônio Mohallem. EMENTA: Relação de emprego. Condição de sócio. Contrato realidade. Demonstrando a prova oral que o reclamante, ainda que formalmente investido como sócio, prestou serviços sob as condições do art. 3o. da CLT, impõe-se o reconhecimento da relação de emprego. Eficácia do princípio da primazia da realidade sobre aspectos meramente formais.

O empreendedor individual continua sendo empregado. O princípio da primazia da realidade faz com que os direitos trabalhistas continuem sendo consagrados, vez que a intenção dos empregadores em fraudar a relação de emprego não possui condições de permanecer no nosso ordenamento jurídico.

4.1 Do Princípio da Indisponibilidade dos Direitos Trabalhistas

O princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas garante ao empregado a proteção contra qualquer abuso por parte dos empregadores. Este princípio diz que nenhum ato que venha a diminuir ou sufragar direitos já consagrados será aceito por nosso ordenamento, de modo que evita o aviltamento do esforço que o obreiro desperdiça em sua atividade. Assim sendo, o empregado que se torna empreendedor individual por exigência do patrão tem seus direitos protegidos desde a admissão dele, não criando nenhum empecilho o fato de ter criado uma pessoa jurídica.


5 O FENÔMENO DA PEJOTIZAÇÃO

A pejotização é uma fraude a relação trabalhista, ocorre quando o empregador obriga o empregado a se torna pessoa jurídica, afim de que o mesmo possa continuar prestando serviços a empresa. Como vimos acima, não é possível uma pessoa jurídica ser empregado, vez que o trabalho é desenvolvido por uma pessoa física.

A pejotização é uma forma de baratear os custos. O empregador visando os lucros acima de tudo pratica essa fraude aos direitos trabalhistas dos obreiros que se vêem obrigados a aceitar a determinação do patrão. O que se observa é o desrespeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, vez que a pejotização aumenta a desvantagem que existe entre o obreiro e o empregador.

A pejotização traz conseqüências maléficas aos empregados. Ao tornarem pessoa jurídica o obreiro está renunciando de vários direitos trabalhistas constitucionais.  Como exemplos podem citar: fundo de garantia por tempo de serviço, horas extras, seguro-desemprego, limitação da jornada de trabalho, fim do descanso remunerado, da férias, do décimo terceiro, da produtividade, de auxílio-acidente. Estas garantias estão previstas no art. 7º da Constituição Federal.

A pejotização desrespeita o princípio da indisponibilidade dos direitos, uma vez que o trabalhador não pode renunciar seus direitos, por serem questões de ordem pública. Assim não cabe nenhum particular mitigar as garantias constitucionais e infraconstitucionais dadas ao obreiro. Na pejotização é aniquilado aquele princípio, vez que o empregado ao tornar-se pessoa jurídica abdica de seus direitos, o que é vedado no Direito do Trabalho. É o que afirma as seguintes jurisprudências sobre o assunto:

PEJOTIZAÇÃO CONFIGURADA .UNICIDADE DE VÍNCULO RECONHECIDAA. O fenômeno da pejotização reconhecido nos presentes autos revela uma forma de terceirização mediante a qual a mesma pessoa, antes empregada, continua a realizar os mesmos serviços com a diferença de que a forma do contrato de trabalho transmuda-se geralmente sob a denominação jurídica de profissional liberal, micro-empresa ou cooperativa, em flagrante afronta aos princípios da primazia da realidade e da continuidade da relação de emprego e requer desta Especializada a adoção de uma postura mais consentânea com os princípios basilares que norteiam o direito do trabalho. (492001120045050021 BA 0049200-11.2004.5.05.0021, Relator: MARIA ADNA AGUIAR, 5ª. TURMA, Data de Publicação: DJ 19/11/2009)

RECURSO DE REVISTA.1. VÍNCULO DE EMPREGO. IMPOSIÇÃO DE CONSTITUIÇÃO DE PESSOA JURÍDICA. DISSIMULAÇÃO. Consignada pelo Tribunal Regional a existência de fraude trabalhista, pela constatação de simulada existência de pessoa jurídica, com o intuito, na realidade, de esconder a real relação existente - a empregatícia, com todos os seus elementos -, pretensão no sentido de ver reconhecida a prestação dos serviços com autonomia, sem subordinação e pessoalidade, importaria o revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é inviável nesta instância recursal, à luz da Súmula 126/TST. Recurso de revista não conhecido no aspecto.CONSTITUIÇÃO2. JORNADA DE TRABALHO. FUNÇÃO DE CONFIANÇA. O Tribunal Regional, com suporte nos elementos fático-probatórios, concluiu pela ausência de quaisquer dos requisitos necessários ao enquadramento do Reclamante no art. 62, II, da CLT. Desse modo, para analisar a assertiva recursal do contrário, seria necessário o revolvimento de matéria fático-probatória, o que é inviável à luz da Súmula 126/TST. Recurso de revista não conhecido no aspecto.62IICLT3. DESCONTOS FISCAIS. CRITÉRIO DE INCIDÊNCIA. SÚMULA 368, II/TST. O critério de apuração e retenção do imposto de renda devido em virtude de condenação judicial foi pacificado com a edição da Súmula 368, II/TST, que dispõe: -É do empregador a responsabilidade pelo recolhimento das contribuições previdenciárias e fiscais, resultante de crédito do empregado oriundo de condenação judicial, devendo incidir, em relação aos descontos fiscais, sobre o valor total da condenação, referente às parcelas tributáveis, calculado ao final , nos termos da Lei n. 8.541, de 23.12.1992, art. 46 e Provimento da CGJT n. 01/1996-. Naturalmente, respeita-se no cálculo a Instrução Normativa nº 1127/2011 da Receita Federal do Brasil, de 08/02/2011. Recurso de revista provido no aspecto.8.541464. RECONVENÇÃO. RECURSO DE REVISTA DESFUNDAMENTADO. Desfundamentado o recurso de revista, no particular, se a Reclamada não buscou, em momento algum, impugnar os fundamentos adotados pelo Regional, no sentido de que as supostas dívidas invocadas em reconvenção já foram pagas ou não foram comprovadas e não tinham origem no contrato de trabalho. Incidência da Súmula 422/TST à espécie. Recurso de revista não conhecido no aspecto . (1669008720095090096 166900-87.2009.5.09.0096, Relator: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 03/08/2011, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 12/08/2011)

 É bom salientar que não se pode confundir flexibilização com pejotização. A flexibilização não pode ir contra os princípios trabalhistas, de modo que só devem existir mudanças quando compatível com as garantias constitucionais. Alguns autores entendem que flexibilizar é evoluir, ou seja, é dar continuidade a evolução da sociedade, como é o caso do Professor Martins (1997, p. 25), que expõe em uma de suas obras o seguinte conceito:

a flexibilização do direito do trabalho vem a ser um conjunto de regras que tem por objetivo instituir mecanismos tendentes a compatibilizar mudanças de ordem econômica, tecnológica ou social existentes na relação entre o capital e o trabalho.

Ocorre que a ordem econômica deve ser coerente a dignidade do trabalhador e desta maneira a pejotização nunca deve ser aceita como um avanço nas relações trabalhistas, vez que diminui a importância do valor do obreiro. A flexibilização quando ofende os direitos trabalhistas deve ser sempre entendida como um retrocesso na historia da luta das garantias dos empregados. Nesse sentido entende o Nunes (2009, p. 88):

não pode a flexibilização, mais ainda, convergir para uma lógica de precarização das relações de trabalho, desprestigiando tudo o que se entenda por direitos tradicionais e históricos dos trabalhadores, ou seja, visando à redução de direitos trabalhistas como se tal lógica fosse a única a que se destina o processo flexibilizatório.

O empregado que se torna empreendedor individual e ainda continua a ser obreiro de seu empregador é uma forma de pejotização. É interessante perceber que a possibilidade de ocorrer fraude as relações trabalhistas é muito maior no caso dos empreendedores individuais, vez que como já foi dito a maioria dos MEI- Micro empreendedor individual são pessoas com baixa escolaridade ou de poder econômico inferior a varias categorias da sociedade. Deste modo cabe aos operadores do direito impedir que tal fraude venha a ocorrer com freqüência na nossa sociedade. Alguns tribunais já se posicionaram sobre a matéria:

PEJOTIZAÇÃO”. EXIGÊNCIA DO EMPREGADOR PARA QUE O TRABALHADOR CONSTITUA PESSOA JURÍDICA COMO CONDIÇÃO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. INVALIDADE. ARTIGO 9º, DA CLT.  RECONHECIMENTO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO. O sistema jurídico pátrio considera nulo o fenômeno hodiernamente denominado de “pejotização”, neologismo pelo qual se define a hipótese em que o empregador, para se furtar ao cumprimento da legislação trabalhista, obriga o trabalhador a constituir pessoa jurídica, dando roupagem de relação interempresarial a um típico contrato de trabalho o que exige o reconhecimento do vínculo de emprego. (TRT/SP nº 00237004020105020465 - 4ª Turma, Relatora: Ivani Contini Bramante, RECURSO ORDINÁRIO, Data da publicação: 02-09-2011.)

SUBORDINAÇÃO ESTRUTURAL + PEJOTIZAÇÃO. RECURSOS PARA ESVAZIAMENTO DE DIREITOS DO TRABALHADOR. O fenômeno retratado, nestes autos, tem ocorrido com freqüência no sistema produtivo pós-industrial, qual seja, o da “subordinação estrutural”, tendo como conceito - (...) a subordinação que se manifesta pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento”. Observa-se, pois, que os autos retratam, ainda, de forma clara o fenômeno hodiernamente denominado de “pejotização”, neologismo pelo qual se define a hipótese em que o empregador, para se furtar ao cumprimento da legislação trabalhista, obriga o trabalhador a constituir pessoa jurídica, dando roupagem de relação interempresarial, a um típico contrato de trabalho. Tal comportamento, por objetivar desvirtuar, impedir ou fraudar as normas trabalhistas é nulo, nos termos do artigo 9º, da CLT, importando no reconhecimento do vínculo de emprego. (TRT/SP nº 0217900-69.2007.5.02.0039 -  4ª Turma, Relatora: Ivani Contini Bramante, RECURSO ORDINÁRIO, Data da Publicação:  26-08-2011. )

Relação de emprego. Contratação por interposta pessoa. Pessoa jurídica. A contratação de trabalhador para atividade-fim da empresa, mediante contrato de prestação de serviços, seja com o próprio trabalhador ou empresa de sua propriedade, constitui exemplo de terceirização ilícita, que, embora amplamente disseminada, mesmo assim é ilegal. A chamada “pejotização” é modalidade de fraude à lei, que implica no reconhecimento do vínculo entre o trabalhador e a empresa tomadora. Inteligência da Súmula nº 331, inciso I, do TST. Recurso Ordinário não provido. (TRT/SP Nº 0133200-66.2008.5.02.005, Relator:  DAVI FURTADO MEIRELLES, Recurso Ordinario, Data da Publicação: 04-05-2011. )

Pelas jurisprudências acima expostas percebe o perigo que pode ser a Lei do Empreendedor Individual. O governo federal deve agir com cautela, para que não ocorra desrespeito a legislação trabalhista. É bom salientar que o desejo dos empregadores sempre serão a redução de custos, que se não podem diminuir os gastos com a automação irão busca a pejotização que é se torna um meio mais barato de aniquilar com os gastos trabalhistas.

Como verificamos que a pejotização traz problemas graves financeiros ao empregado. Isto se dá desta maneira, vez que além de ter que abrir mão de seus direitos trabalhistas que são irrenunciáveis, o empregado arcar com as despesas da criação da pessoa jurídica, que por mais que seja, empreendedor individual, existem gastos, que não são suportáveis para aquele obreiro que tem família e ganha um salário mínimo ou pouco mais que isso.

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Sobre o autor
Vinicius Costa de Moraes

Bacharel em Direito pelo Centro de Ensino Unificado de Teresina – CEUT. Bacharel em Segurança Pública pela Universidade Estadual do Piauí – UESPI. Especialização em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera – UNIDERP. Oficial formado pela Academia da Polícia Militar do Piauí. Ex-Diretor Administrativo adjunto do HPMPI. Atualmente Gerente de Recursos Humanos e coordenador do projeto HPM nos Bairros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, Vinicius Costa. A pejotização trabalhista: o caso dos empreendedores individuais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4109, 1 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29735. Acesso em: 19 mar. 2024.

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