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Os efeitos do Nexo Técnico Epidemiológico sobre a ação indenizatória por acidente de trabalho

26/06/2014 às 13:30
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O Nexo Técnico Epidemiológico - NTEP, ao estabelecer presunção legal para as doenças ocupacionais, inverteu o ônus da prova em prol do trabalhador, permitindo a aplicação da responsabilidade civil objetiva calcada na teoria do risco da atividade.

A Medida Provisória n. 316/2006, convertida na Lei n. 11.340/2006, acresceu o art. 21-A à Lei n. 8.213/1991, introduzindo importante alteração no sistema probatório do acidente de trabalho, a saber:

Art. 21-A: A perícia médica do INSS considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças - CID, em conformidade com o que dispuser o regulamento.

§ 1º A perícia médica do INSS deixará de aplicar o disposto neste artigo quando demonstrada a inexistência do nexo de que trata o caput deste artigo.

§ 2º A empresa poderá requerer a não aplicação do nexo técnico epidemiológico, de cuja decisão caberá recurso com efeito suspensivo, da empresa ou do segurado, ao Conselho de Recursos da Previdência Social.

Isto porque, ao instituir o chamado Nexo Técnico Epidemiológico - NTEP e estabelecer a presunção da natureza acidentária da doença ocupacional sempre que constatada a ocorrência deste, o novel diploma, em verdade, procedeu à inversão do ônus da prova em prol do trabalhador.

Com efeito, o Nexo Técnico Epidemiológico - NTEP consiste na relação entre determinada doença ocupacional e certa atividade empresarial, uma vez que, mediante dados estatísticos, tem-se verificado que algumas patologias de origem ocupacional são de ocorrência comum em trabalhadores que laboram em empresas que desenvolvem certa atividade.

De fato, antes, partia-se do caso individual, cruzando-se tão-somente a Classificação Internacional de Doenças - CID com a ocupação do trabalhador na empresa, era o denominado Nexo Técnico Previdenciário - NTP. Hoje, com o advento do Nexo Técnico Epidemiológico - NTEP, combina-se o diagnóstico individual com sua incidência estatística dentro da Classificação Nacional de Atividade - CNAE, presumindo-se a incapacidade acidentária e, por conseguinte, invertendo-se o ônus da prova.

Trata-se, destarte, de “medida jurídica acertada seja porque o trabalhador é hipossuficiente, seja porque é o empregador quem detém aptidão para produzir a prova de inexistência do nexo causal” (DALLEGRAVE NETO, 2007, p. 145).

Logicamente, em algumas situações, a perícia poderá entender de forma diversa em prol do trabalhador, quando comprovada a origem ocupacional da doença, embora inexistente Nexo Técnico Epidemiológico - NTEP para o caso (art. 6º, §1º, da IN INSS/PRES n. 31/2008).

Também não se pode afastar a possibilidade de a perícia resultar favorável ao empregador, quando ausente o nexo causal ou ainda quando, a despeito deste, restar provada a culpa exclusiva da vítima, o fato de terceiro ou a força maior, uma vez que o Nexo Técnico Epidemiológico - NTEP gera apenas presunção legal relativa (juris tantum), consoante se infere do art. 21-A, §§1º e 2º, da Lei n. 8.213/1991.

Em verdade, o Nexo Técnico Epidemiológico - NTEP foi criado para solucionar o problema das subnotificações dos acidentes de trabalho, o qual, além de prejudicar sobremaneira os trabalhadores, que com o simples auxílio-doença perdiam o direito aos depósitos de FGTS e à estabilidade acidentária, prejudica os cofres da previdência social, já que impede a justa distribuição do custeio previdenciário.

Contudo, apesar desta finalidade administrativa, a presunção criada irradia efeitos também sobre a ação indenizatória, mormente quando o Código de Processo Civil, de aplicação subsidiária na seara trabalhista, dispõe não depender de prova os fatos em cujo favor milita presunção legal (art. 334, inc. IV, CPP).

Tem-se, ainda, que o conceito legal de acidente de trabalho, previsto no art. 19 da Lei n. 8.213/1991, aplica-se não apenas para fins previdenciários, mas também para efeitos trabalhistas. Assim é que a Comunicação de Acidente de Trabalho - CAT sempre foi suficiente para comprovação do acidente de trabalho em ação indenizatória, devendo, portanto, ocorrer o mesmo com o Nexo Técnico Epidemiológico - NTEP. Neste sentido, a 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho posicionou-se pela presunção do acidente de trabalho diante do Nexo Técnico Epidemiológico - NTEP, mesmo sem a emissão da CAT, in verbis:

ENUNCIADO 42. ACIDENTE DO TRABALHO. NEXO TÉCNICO EPIDEMIOLÓGICO. Presume-se a ocorrência de acidente do trabalho, mesmo sem a emissão da CAT – Comunicação de Acidente de Trabalho, quando houver nexo técnico epidemiológico conforme art. 21-A da Lei 8.213/1991.

Ademais, o Nexo Técnico Epidemiológico - NTEP, ao provar estatisticamente o risco normal da atividade de causar a patologia, permite o enquadramento na responsabilidade civil objetiva, prevista no parágrafo único do art. 927 do Código Civil. 

Tratando-se, destarte, de responsabilidade civil independente de investigação da culpa do empregador, este somente se isentará da indenização, provando que, a despeito da origem ocupacional, a doença resultou de culpa exclusiva da vítima, de fato de terceiro ou de força maior. Perceba, inclusive, que o dano também já fica comprovado de plano pela constatação clínica da doença.

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Embora a responsabilidade subjetiva ainda se faça presente na seara trabalhista, “não passa despercebido o surgimento de corrente no sentido da objetivação dessa responsabilidade, com esteio no risco da atividade normalmente desenvolvida pelo empregador” (MESSIAS, 2011, p. 3). Corrente à qual nos filiamos, por entender que a responsabilidade objetiva, ao alargar os direitos do trabalhador, enquadra-se na previsão do caput do art. 7º da Constituição, que arrola rol meramente exemplificativo, haja vista dispor que “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”.

Confira-se, por oportuno, relevante precedente proferido em Ação Civil Pública pelo colendo Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, ad litteris:

1. Ação civil pública ajuizada pelo MPT com o objetivo de atribuir à instituição financeira obrigações de fazer relacionadas à emissão de CAT em caso de suspeita de LER/ DORT. (...)

3. Presume-se o nexo técnico epidemiológico entre as doenças e as atividades econômicas elencadas no Regulamento da Previdência, sendo do empregador o ônus da prova quanto à não caracterização da doença ocupacional (inovação legislativa decorrente da MP 316, de 11.08.06, convertida na Lei 11.430/06 que acrescentou o artigo 21-A à Lei 8.213/91 e da nova redação dada ao artigo 337 do Dec. 3.048/99 pelo Dec. 6.042/2007). (...)

(TRT-PR-98905-2004-007-09-00-9-ACO-07300-2008, 5ª Turma, Rel. Rubens Edgard Tiemann, DJPR em 11.03.2008).

Finalmente, cabe consignar que a presunção criada pelo Nexo Técnico Epidemiológico - NTEP de forma alguma viola os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, haja vista assegurar-se à empresa a produção de prova em contrário, tanto na esfera administrativa, quanto na via judicial, como já mencionado.

Exsurge lícita, portanto, a conclusão de que o Nexo Técnico Epidemiológico - NTEP, ao estabelecer presunção legal para as doenças ocupacionais, implica em relevante avanço, sobretudo diante do princípio protecionista que norteia o ramo trabalhista, visto que inverteu o ônus da prova em prol do trabalhador tanto na via administrativa, quanto na judicial, permitindo, ainda, a aplicação da responsabilidade civil objetiva calcada na teoria do risco da atividade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Instrução Normativa INSS/PRES n. 31, de 10 de setembro de 2008. Disponível em <http://www010.dataprev.gov.br/sislex/paginas/38/INSS-PRES/2008/31.htm>. Acesso em 10 nov. 2011.

DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Nexo técnico epidemiológico e seus efeitos sobre a ação trabalhista indenizatória. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.46, n.76, p.143-153, jul./dez. 2007. Disponível em: <http://www.trt3.jus.br/escola/download/revista/rev_76/Jose_Neto.pdf>. Acesso em 9 nov. 2011.

MESSIAS, Bruno de Melo. Nexo técnico epidemiológico previdenciário e seus reflexos no ônus da prova de doenças ocupacionais no processo do trabalho. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 02 jun. 2011. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?content=2.32317>. Acesso em 09 nov. 2011.

OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 3ª ed. São Paulo: LTR, 2007.

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Sobre o autor
Marcela Freire Torres

Graduada em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Especialista em Direito Processual Civil e em Direito e Processo do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TORRES, Marcela Freire. Os efeitos do Nexo Técnico Epidemiológico sobre a ação indenizatória por acidente de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4012, 26 jun. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29771. Acesso em: 18 mar. 2024.

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