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As lacunas da lei e as formas de aplicação do Direito

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4 Analogia

4.1 Considerações gerais

Tendo em vista que o aplicador do direito não pode deixar sem resposta as questões postas à sua apreciação e, não havendo uma norma jurídica que se encaixe de forma específica ao caso concreto, o juiz deve se utilizar de meios adequados para aplicar o direito.

Dentre os métodos sugeridos pelo próprio legislar, encontra-se a analogia, podendo ser utilizada para a constatação e suprimento das lacunas.

4.2 Conceito

Quando vai se tratar da analogia, encontramos uma pluralidade de conceitos. Porém, dentre esse emaranhado de conceitos de analogia, existe um ponto de consenso entre os doutrinadores, qual seja, a existência da idéia de semelhança ou similitude.

Afirma MAXIMILIANO que a analogia consiste em aplicar a uma hipótese não prevista em Lei a disposição relativa a um caso semelhante(39).

Para FERRARA, analogia é harmônica igualdade, proporção e paralelo entre relações semelhantes(40).

No entendimento de LUIZ REGIS PRADO, em relação ao mundo jurídico, quando faz-se menção à analogia:

costuma-se fazer referência, em geral, a um raciocínio ou procedimento argumentativo que permite transferir a solução prevista para um outro determinado caso, a outro não regulado pelo ordenamento jurídico, mas que comparte com o primeiro, certos caracteres essenciais ou a mesma suficiente razão, isto é, vinculam-se por uma matéria relevante ‘simili’ ou a pari(41).

Ainda, num conceito bem simples e de fácil compreensão de analogia, temos aquele trazido por LARH, onde utiliza o raciocínio de que partindo da solução prevista em lei para certo objeto, conclui pela validade da mesma solução para outro caso semelhante não previsto(42).

Para VICENTE RÁO, a analogia consiste na aplicação dos princípios extraídos da norma existente a casos outros que não expressamente contemplados(43).

Por fim, MARIA HELENA DINIZ entende que a analogia consiste em aplicar a um caso não previsto de modo direto ou específico por uma norma jurídica, uma norma prevista para uma hipótese distinta, mas semelhante ao caso não contemplado, fundado na identidade do motivo da norma e não da identidade do fato(44).

Portanto, note-se que o elemento comum entre os conceitos ora trazidos é a idéia de similitude ou semelhança, entre casos abstratamente previstos e aqueles não previstos em lei.

4.3 Fundamentos

De forma geral, há um consenso entre os doutrinadores no que tange ao fundamento da analogia, sendo que este reside no princípio da igualdade jurídica.

A fundamento da aplicação da analogia é o princípio da igualdade, segundo o qual, mutatis mutantis, a lei deve tratar igualmente os iguais, na exata medida de sua desigualdade.

O mencionado princípio, exige que os casos semelhantes devam ser regulados por normas semelhantes.

Com muita precisão, FERRARA menciona que o fundamento da analogia repousa sobre a idéia de que os fatos de igual natureza devem possuir igual regulamento, sendo que um fato já regulado por lei pode balizar outro, desde que haja similitude entre ambos(45).

4.4 Distinções. Analogia, indução e interpretação extensiva

Não há que estabelecer a confusão entre a analogia, a indução e a interpretação extensiva.

A lógica formal clássica tem a analogia como um procedimento conclusivo imediato, ou seja, a conclusão é extraída de pelo menos duas premissas, atribuindo validade para certo caso a outro que lhe seja similar.

De outro lado, a indução consiste em generalizar um princípio determinado para todos os casos de natureza semelhante, aquilo que é válido para um deles(46).

A indução não exige apenas um juízo empírico de semelhança e um juízo de valor sobre o caráter mais significativo da coincidência para efeitos jurídicos, mas também, que diante da comparação e valoração se extraia um princípio geral(47).

Também, a analogia não se confunde com a interpretação extensiva, já que a primeira promove a integração da norma jurídica, e, a segunda, tem por escopo a busca do sentido da norma jurídica.

A fim de estabelecer mais clara distinção, menciona BOBBIO que diversos foram os critérios elaborados para estabelecer a distinção entre analogia e interpretação extensiva, porém, a única aceitável é aquela que visa o efeito de ambos os métodos de integração.

Traz-se, portanto, o ensinamento do brilhante mestre italiano, quando sepulta as dúvidas acerca de tal matéria, afirmando que o efeito da analogia radica na criação de uma nova norma jurídica e o efeito da interpretação extensiva vem a ser a extensão de uma norma aos casos não previstos(48).

Portanto, em que pese ter sido breve a exposição trazida, é possível estabelecer a diferença entre analogia, interpretação extensiva e indução.

4.5 Espécies

Alguns autores costumam estabelecer uma divisão em analogia, classificando-a em analogia legis e analogia iuris.

De outro lado, existem autores, dentre eles CALDARA, que mencionam não existir qualquer interesse científico na distinção entre analogia de lei e analogia de direito, já que o que a lei menciona é a analogia legis(49).

Porém, trata-se das distinções trazidas pela grande maioria dos doutrinadores, quais sejam, a analogia legis e a iuris.

A analogia legis caracteriza-se pela aplicação de lei a caso semelhante por ela previsto, ou seja, parte de um preceito legal e concreto, e faz a sua aplicação aos casos similares(50).

De outro lado, tem-se a analogia iuris, esta que se caracteriza pela aplicação de princípios de direito nos casos de inexistência de norma jurídica aplicável(51).

Para TÉRCIO SAMPAIO DE FERRAZ JÚNIOR, a analogia iuris é uma espécie de conjugação de dois métodos lógicos: a indução e a dedução. A partir de casos particulares obtém-se uma generalização da qual resultam princípios os quais se aplicam, então dedutivamente, a outros casos. É um raciocínio quase-lógico(52).

A analogia do direito tem por finalidade a integração da norma jurídica com seus meios próprios, partindo do pressuposto da coerência intrínseca do sistema(53).

FERRARA afirma que o recurso aos princípios gerais de direito não é mais que uma forma de analogia iuris. Porém, com a expressa manifestação, MAXIMILIANO discorda do mencionado autor, já que este acredita ser possível a aplicação dos princípios de forma direta(54).

Neste sentido, PAULO DOURADO GUSMÃO manifesta o seu pensamento mencionando que seria impossível confundir a analogia aos princípios gerais de direito, já que naquela existe norma para um caso semelhante ao não previsto e, neste último, não existe nenhuma norma expressa(55).

4.6 Requisitos

A analogia, para ser aplicada, requer sejam observados alguns requisitos. No que tange aos requisitos para a aplicação da analogia, a grande parte dos doutrinadores culminam num consenso.

Porém, antes disso, urge ressaltar que o pressuposto para a aplicação do direito por meio da analogia é a existência de uma lacuna na lei.

Após isso, passa-se a analisar os requisitos necessários para a aplicação da lei através da analogia. É possível enumerar os requisitos da seguinte forma: 1º) o caso deve ser absolutamente não previsto em lei; 2º ) deve existir elementos semelhantes entre o caso previsto e aquele não previsto; 3º ) esse elemento deve ser essencial e não um elemento qualquer, acidental.

Somente após observados tais requisitos é que será lícito ao aplicador da lei valer-se da analogia.

4.7 Limites

Uma grande parte da doutrina entende que existem limites para a integração da norma jurídica através da analogia. A regra é a aplicação da norma jurídica à ordem de coisas para a qual ela foi estabelecida, sendo esta a regra. A exceção é a sua aplicação de forma diversa.

Afirma MAXIMILIANO que em dois casos não é possível a aplicação da lei através da analogia: 1º ) no caso das leis de caráter criminal e; 2º ) nas de iure singulare, cujo caráter excepcional, conforme a doutrina, não pode comportar a decisão de semelhante para semelhante(56).

No direito penal não se faz a aplicação da analogia, já que neste ramo de direito, o que vige, é o princípio da legalidade: não há crime ou pena sem lei penal que expressa e previamente os estabeleça(57).

CASTÁN TOBENAS menciona que as normas de direito singular ou excepcional não são suscetíveis de aplicação analógica, já que, sendo ditadas para casos determinados, não se podem estender a casos diversos, nos quais deve atuar a lei geral ou a alei comum(58).

4.8 Outros métodos de integração

Autores como BOBBIO, DE RUGGIERO e CAPITANI, reconhecem que a analogia é o primeiro remédio para preencher as lacunas formais do direito(59).

Após a utilização da analogia e, não encontrada uma norma jurídica aplicável ao caso concreto, o aplicador do direito deve socorrer-se de outros meios para a integração da norma legal.

Passa-se, portanto, a analisar mais um destes meios de integração da norma jurídica.


5 Costume

Entre os doutrinadores existe um consenso quanto ao fato de que após a utilização da analogia para a integração da norma jurídica, tendo restado infrutífera a tentativa, passar-se-á a recorrer aos costumes como meio de integração.

5.1 Considerações gerais

Há de se mencionar que a lei não negou a força dos costumes, apenas trazendo para si, a primazia no estabelecimento da hierarquia. Um exemplo disso é a disposição contida no Código Civil Suíço de 1912, quando menciona que nos casos não previstos, o juiz decidirá segundo o costume e, na falta deste, conforme as normas que estabeleceria que o legislador fosse, inspirado na doutrina e na jurisprudência dominante.

Também, neste sentido, o Código Civil Brasileiro, estabeleceu a hierarquia dos métodos aos quais poderia recorrer o aplicador do direito, no caso da existência de lacunas da lei.

Confira-se, pois, o artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro que dispõe que quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.

Em sentido contrário, WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, entende que o costume é primordialmente fonte do direito, sendo que em caráter extremamente excepcional, pode ser utilizado como meio de integração da norma jurídica. Porém, é minoritário tal entendimento(60).

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O costume exerce primordialmente duas funções: 1) a de Direito Subsidiário, para completar o Direito Escrito e lhe preencher as lacunas e; 2) elemento de hermenêutica, auxiliando o aplicador do direito a interpretar a lei.

Portanto, note-se que o costume é ampla e expressamente admitido como meio de preenchimento das lacunas da lei.

5.2 Conceito

Segundo MAXIMILIANO, o costume é uma norma jurídica sobre determinada relação de fato e resultante da prática diurna e uniforme, que lhe dá força de lei. O autor menciona, ainda, que ao conjunto de tais regras não escritas chama-se Direito Consuetudinário(61).

O costume é uma norma que deriva da longa prática uniforme, geral e constante repetição de dado comportamento sob a convicção de que corresponde a uma necessidade jurídica.(62)

Também é compreendido como a lei que o uso estabeleceu, e que se conserva sem ser escrita, por longa data(63).

Diante disso, pode-se extrair que o costume deve ser uniforme, constante, público e geral, a fim de que seja possível a sua adoção como método de integração da norma jurídica.

5.3 Espécies

A doutrina divide os costumes em três espécies, quais sejam, o secundum legem, o contra legem e o praeter legem.

O secundum legem é aquele dotado de maior prestígio e universalmente aceito, aquele que está previsto na lei, possuindo eficácia obrigatória.

O contra legem é o costume que se forma em sentido contrário da lei, buscando de forma implícita revogar a lei.

Por fim, temos o praeter legem que é a modalidade de costume que substitui a lei nos casos por ela deixados em silêncio, ou seja, supre as lacunas deixadas pela lei.

Portanto, estas são as três espécies de costumes, sendo que no presente estudo o que possui maior relevância é o praeter legem, já que este de forma específica, visa o preenchimento de lacunas na lei.

5.4 Outros meios de integração da norma

Diante do caso concreto, não encontrando o juiz nenhuma norma jurídica aplicável ao caso concreto e, utilizando-se, de forma frustrada, a analogia e os costumes com o intuito de suprir as lacunas da lei, deverá o aplicador buscar outro meio de integrar a norma.

Diante disso, passemos à análise de mais um dos meios de integração da norma jurídica.


6 Princípios gerais de direito

6.1 Considerações gerais

Quando nem a norma positiva de direito legal ou costumeira, examinada conforme os processos de interpretação existentes, nem a analogia, fornecerem a regra aplicável à situação de fato, cumpre ao intérprete passar a investigar dentro da esfera dos princípios gerais de direito(64).

6.2 Conceito

No entender de MIGUEL REALE, os princípios gerais de direito são enunciações normativas de cunho genérico, que condicionam e norteiam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação, quer para a elaboração de novas normas(65).

Para DE PLÁCIDO E SILVA, os princípios gerais de direito revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixaram para servir de norma, servindo como alicerce, à toda a espécie de ação humana(66).

Afirma ainda, MIGUEL REALE, que toda a experiência jurídica, bem como a legislação que a integra, repousa sobre os princípios gerais de direito, podendo estes, serem considerados como o alicerce do ordenamento jurídico(67).

Para CAMPOS BATALHA, os princípios gerais de direito confundem-se com o Direito Natural, como reflexos da lei eterna da criatura humana, antecedendo e estando à base do direito escrito, como orientação cultural ou política do ordenamento jurídico(68).

Porém, tendo em vista a imprecisão da expressão princípios gerais de direito, os doutrinadores destoam em relação à sua concepção.

Alguns autores, tais como BRUNETTI, ESPÍNOLA e DEL VECCHIO, entendem que os princípios gerais de direito funcionam como formas de suprimento das lacunas, atribuindo a eles a natureza de normas de direito natural(69).

Neste mesmo sentido, LACAMBRA afirma que, os princípios gerais de direito são elevados à categoria de verdadeiro direito natural. Menciona ainda que são dotados de validez universal absoluta, verdadeiros princípios de direito natural(70).

Entendendo de forma diversa, outros autores, dentro os quais CARLOS COSSIO, defenderam a tese de que os princípios gerais de direito são meros "juízos estimativos de valor, preexistentes à ação legislativa". O referido autor, menciona que, os princípios gerais de direito expressam, realmente, valores estimáveis (sociais, culturais e econômicos), que inspiram o legislador em sua atividade criadora de normas(71).

CLÓVIS BEVILÁQUA e BIANCHI, consideram os princípios gerais de direito como tendo caráter universal, ditados pela ciência e pela filosofia do direito(72).

Ante à pluralidade de concepções, em síntese, pode-se dizer que os princípios gerais de direito possuem natureza plúrima, traduzindo-se na conjugação das várias correntes doutrinárias.

TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JÚNIOR assevera que, ainda que os princípios gerais de direito possam ser aplicados no sentido de suprir lacunas, estes não possuem a natureza de norma, mas princípio. Ainda, segundo o mencionado autor, os princípios gerais de direito não integram o repertório do sistema, mas são parte de suas regras estruturais(73).

Neste sentido, há de se mencionar que os princípios gerais de direito não são preceitos de ordem ética, política, sociológica ou técnica, mas elementos componentes do direito. São normas de valor genérico que orientam a compreensão do sistema jurídico, em sua explicação e integração, sendo que algumas são de tamanha importância que são expressamente contidas em lei(74).

Diante disso, o método da investigação e aplicação dos princípios gerais de direito, serve para que se possa chegar à determinação de qual princípio é pertinente ao caso concreto, trazido à apreciação do órgão judicante. Para tal, utiliza-se de operação indutiva e o próprio legislador sugere o emprego desse método(75).

Portanto, para conseguir atingir os princípios gerais de direito deve o juiz, gradativamente, subir por indução, da idéia em foco para outra mais elevada, abstraindo do que há nelas de particular, prosseguindo em generalizações crescentes e sucessivas até obter a solução(76).

6.3 Outros métodos de integração da norma

Após a utilização de forma infrutífera dos meios de integração da norma jurídica para suprimir a lacuna da lei, o aplicador do direito recorrerá à Eqüidade.

Portanto, passa-se ao estudo de mais este meio de integração da norma jurídica.

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Sobre o autor
Júlio Ricardo de Paula Amaral

juiz do trabalho em Londrina e doutorando em Direito Social pela Universidad de Castilla-La Mancha (Espanha).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMARAL, Júlio Ricardo Paula. As lacunas da lei e as formas de aplicação do Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30. Acesso em: 19 abr. 2024.

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