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O advogado e a sua prisão

01/03/1999 às 00:00
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          O art.133 da Constituição Federal no art. 133 disciplina que, "O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei".

          Mas, a realidade do profissional da advocacia no exercício de suas atividades no dia-a-dia tem se mostrado diversa daquilo que se encontra disciplinado na Constituição Federal e no Estatuto da Advocacia, normas que em tese devem ser observadas e respeitadas.

          O advogado foi afastado dos Juizados Especiais Civeis porque este profissional que possui a prerrogativa do "jus postulandi", que lhe foi outorgada pela Lei, poderá segundo alguns, que sonham com uma Justiça célere, impedir a efetiva prestação jurisdicional. Em recente pesquisa, 69% dos consultados disseram que sonham com uma Justiça sem a presença do advogado. Afinal essa classe tem impedido o regular andamento dos processos, quando com fundamento na Constituição e na Lei, buscam cumprir seu juramento na efetiva proteção dos direitos do seu constituinte.

          Em diversos casos, na ausência de argumentos que possam superar os apresentados pelos advogados, como noticiou a Comissão de Prerrogativas da Seccional de São Paulo, estes profissionais tem sido intimidados com a possibilidade de prisão por crimes de desacato, desobediência, difamação, injúria, calúnia, entre outros, o que não causa nenhuma novidade, para profissionais que foram perseguidos e ameaçados com a pena de morte por Napoleão Bonarte, e vivenciaram diversas dificuldades em tempos de exceção.

          A ampla defesa e o contraditório, e todas as garantias decorrentes do Estado democrático de direito, que foram conquistadas pela classe dos advogados, que lutou sem medo pela liberdade, estão sendo deixadas de lado, por alguns operadores do direito.

          Atualmente, exercer o ministério da advocacia, que por força do art. 133 da Constituição Federal é indispensável à administração da Justiça, com independência, acreditando nas prerrogativas outorgadas pela Lei, pode levar alguns ao caminho do cárcere e constrangimentos ilegais, passíveis de reparação por danos morais e materiais.

          A Tribuna da Defesa tem se entristecido uma vez que todos os ideais pelos quais seus soldados lutaram no decorrer dos anos estão sendo espezinhados e esquecidos, existindo uma espada suspensa por um fio, que conduz a uma cela úmida e escura.

          Mas, se não bastassem as questões trazidas à baila, que tem como fundamento os vários desagravos levados à efeito pela Seccional de São Paulo, busca-se negar ao advogado a prisão em sala do Estado Maior.

          O advogado não é um profissional que mereça tratamento privilegiado ou que esteja acima da Lei, o mesmo se aplicando aos demais operadores do direito, mas a função por ele exercida é que merece um tratamento diferenciado.

          Rui Barbosa a muito prelecionava que trata-se de forma igual os iguais, e de forma desigual ou desiguais, para se obter a perfeita igualdade jurídica, sem que isto venha a ferir o princípio da igualdade disciplinado no art. 5.o da Constituição Federal.

          Deve-se observar que o Texto Constitucional prevê foro privilegiado para o Presidente da República, Ministros de Estado, Governadores, e outras autoridades em respeito não a pessoa, mas a função por eles exercida.

          A classe dos advogados não possui foro privilegiado, ao contrário de outras instituições, e seus integrantes tem pleno conhecimento das disposições legais, mas possuem prerrogativas que lhe são outorgadas não por decreto, mas por Lei Federal, sob pena de desobediência ao Estado de Direito, instituído pela Constituição de 1988.

          O art. 7.o, inciso V, da Lei 8.906 de 04 de julho de 1994, disciplina que, "São direitos do advogado : "não ser recolhido preso, antes de sentença transitada em julgado, senão em sala de Estado Maior com instalações e comodidades condignas, assim reconhecidas pela OAB, e na sua falta, em prisão domiciliar".

          O dispositivo sob comento, que foi elaborado pelo Congresso Nacional, promulgado pelo Presidente da República, que poderia ter vetado o inciso, estando em conformidade com o Texto Constitucional, tendo eficácia e vigência, em nenhum momento falou em cela, Delegacia de Polícia, seja ela pertencente a Polícia Civil ou Federal, ou qualquer outro lugar, mas em sala do Estado Maior, devendo-se observar ainda que a Lei não fala em sala do Estado Maior das Forças Armadas.

          Mas, o que seria sala de Estado Maior, expressão contida no inciso V, do art. 7.o da Lei 8.906/94 ? Deve esta ser entendida como sendo o local existente nos quartéis das Forças Armadas ou Forças Auxiliares (Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares), que são forças reservas do Exército, onde a autoridade militar, federal ou estadual, exerce suas atividades de comando e planejamento, que são atribuídas a um oficial, que exercerá o cargo de oficial do Estado Maior junto a Força a qual pertença.

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          Essa disposição existente na Lei é uma prerrogativa do profissional que exerce à advocacia, não se confundindo com prisão especial, que pode ser cumprida em qualquer cela de Delegacia de Polícia, seja ela Civil ou Federal.

          É importante se observar que não é em toda localidade que se encontra uma sala do Estado Maior, seja ela das Forças Armadas ou das Forças Auxiliares, tendo em vista que estas se encontram relacionadas com o comando e planejamento de cada Unidade Militar. Mas, na ausência da sala, o advogado deve ser recolhimento a uma Unidade Militar mais próxima ao local dos fatos, seja em um quartel da Polícia Militar, Corpo de Bombeiro Militar ou das Forças Armadas, ou na ausência desta em prisão albergue domiciliar.

          Deve-se ressaltar ainda, que mesmo nos locais onde existe a sala do Estado Maior, o advogado ali não permanece pois àquele local é destinado a decisões do Comandando da Unidade Militar, sendo levado a uma sala existente nas dependências da Organização Militar, que possua as condições mínimas de higiene e com instalações dignas.

          Percebe-se que o conceito de sala do Estado Maior pode e deve ser entendido como sendo uma sala existente nos quartéis das Forças Armadas ou Forças Auxiliares, onde o advogado aguarda o transito em julgado da sentença.

          O benefício concedido pela Lei aos advogados não é nenhum privilégio, pois a própria jurisprudência o estende aos demais operadores do direito, que em tese teriam direito a prisão especial diversa da disciplinada no Estatuto da Advocacia, que aguardam o seu julgamento em uma unidade do quartel das Forças Armadas ou Auxiliares, mas a contrário dos advogados permanecem nesta situação mesmo após o trânsito em julgado.

          Preceito semelhante é concedido aos militares, federais ou estaduais, e aos policiais civis, que no Estado de São Paulo, possuem respectivamente o presídio Militar Romão Gomes e o presídio da Polícia Civil, que aguardam seus julgamentos, e posteriormente cumprem a sentença transitada em julgado.

          No Estado de São Paulo, não existem motivos que possam justificar o descumprimento do Estatuto, haja vista, que a Polícia Militar se faz presente em quase todos os municípios por meio de seus diversos batalhões, estando esta legitimada a receber os advogados no sistema de custódia, como já admitiu diversas vezes o Tribunal de Justiça e o Tribunal de Alçada do Estado de São Paulo.

          Ao contrário do que foi divulgado no Jornal do OAB/SP, janeiro/99, p. 6, ao tratar do tema prisão especial, a Polícia Militar não possui salas de Estado Maior apenas nos chamados Batalhões Históricos, Regimento de Cavalaria 9 de Julho, e os Batalhões de Choque, Tobias de Aguiar, Humaitá e Anchieta, mas também em todos os Comandos de Policiamento de Área do Interior (CPA/I), e Comandos de Policiamento de Área Metropolitano (CPA/M), que se encontram a disposição para serem utilizadas desde que exista ordem judicial neste sentido. Além disso, como mencionado anteriormente, o preso não fica na sala do Comandando, o que seria uma interferência nos assuntos da Corporação, mas em uma sala pertencente as dependências da Organização Policial Militar (OPM) ou Organização Militar (OM).

          Em tese a prisão decorrente da atividade profissional não deveria existir, mas ocorrendo deve-se observar o disposto no art. 7.o, V, sob pena de constrangimento ilegal sanável por "Habeas Corpus".

          Caso o advogado venha a ser processado por crimes que não sejam relacionados com a atividade profissional, este também faz jus a prisão em sala do Estado-Maior, até o trânsito em julgado. Essa disposição também se aplica em caso de prisão civil decorrente de inadimplemento de prisão alimentícia ou de depositário infiel, tal como ocorre com os militares, federais ou estaduais.

          A prerrogativa prevista no Estatuto busca preservar o advogado, da mesma forma que a prisão especial tem por objetivo preservar as pessoas por ela beneficiadas, para se evitar constrangimentos ou possíveis atos de violação a integridade física e moral destes profissionais, por pessoas descontentes com atos praticados por estes no decorrer de suas atividades.

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Sobre o autor
Paulo Tadeu Rodrigues Rosa

DOM PAULO TADEU RODRIGUES ROSA é Juiz de Direito Titular da 2ª Unidade Judicial da Justiça Militar do Estado de Minas Gerais, Mestre em Direito pela UNESP, Campus de Franca, e Especialista em Direito Administrativo e Administração Pública Municipal pela UNIP. Autor do Livro Código Penal Militar Comentado Artigo por Artigo. 4ª ed. Editora Líder, Belo Horizonte, 2014.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Paulo Tadeu Rodrigues. O advogado e a sua prisão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 29, 1 mar. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/300. Acesso em: 29 mar. 2024.

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