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O incidente de resolução de demandas repetitivas como instrumento de efetividade da tutela jurisdicional e segurança jurídica previsto no anteprojeto do novo Código de Processo Civil

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Este trabalho analisa o “Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas”, principal inovação prevista no anteprojeto do novo Código de Processo Civil (projeto de lei do senado nº 166/2010).

1. INTRODUÇÃO

O Código de Processo Civil vigente, instituído pela Lei nº. 5.869, de 11 de janeiro de 1973, em vigor desde o dia 1º de janeiro de 1974, tem sofrido numerosas alterações, todas justificadas pela busca da efetividade da tutela jurisdicional, inspirando-se sempre nas garantias constitucionais do acesso à justiça, mediante observância do devido processo legal, da moderna visão da instrumentalidade e da duração razoável do processo, bem como do emprego de medidas tendentes a garantir a celeridade de sua tramitação (THEODORO JUNIOR, 2012, p.9).

As referidas alterações tiveram como objetivo tornar o procedimento mais simples e eficaz, e por consequência, proporcionar uma prestação jurisdicional mais célere, previsível, capaz de concretizar o direito fundamental à duração razoável do processo e a efetividade da justiça, entregando uma resposta efetiva a quem procurou o poder judiciário.

Nas últimas décadas, principalmente no segundo pós-guerra, constatou-se uma mudança de paradigmas com o surgimento de novos anseios sociais. Nesta realidade, além de emergirem problemas antes inexistentes, a informação e o apelo ao consumo infiltram-se democraticamente na sociedade, e o cidadão passa a ter plena consciência de seus direitos ao trabalho, ao lazer, à saúde, à educação, à proteção do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural. Este maior número de informações instigou o desejo humano de buscar a satisfação de seus novos e antigos interesses. (ALMEIDA, 2011, p.164).

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, muitos direitos e garantias defendidas pela doutrina passaram a ter guarida na carta magna nacional. Para garantir a aplicação do direito material, foram criados vários diplomas, como o Código de Defesa do Consumidor, o Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatutos do Idoso e dos Servidores Públicos, entre outros tantos.

Com os novos direitos garantidos pela chamada constituição cidadã, milhares de ações começaram a se acumular no judiciário, levando ao crescimento dos chamados “litígios de massa”. Esses se dividem entre as ações coletivas (que tratam de direitos difusos, coletivos “stricto sensu” ou direitos individuais homogêneos), bem como pelas demandas individuais de massa, sendo aquelas que apresentam entre si um elemento de conexão, qual seja, a mesma questão de direito, sendo esta última, objeto do presente estudo.

Grande massa de processos que afluem nos tribunais, elevando sobremaneira o número de demandas e atravancando a administração da justiça, é constituída em grande parte por causas em que se discutem e se reavivam questões de direito repetitivas. (GRINOVER, 2009, p. 27). Essas ações individuais de massa encontraram no Poder Judiciário uma estrutura precária, sem recursos ou capacidade de atendimento, o que gera o atual estado de morosidade e, consequente crise na prestação da tutela jurisdicional.

A crise do Poder Judiciário, decorrente da gravidade da morosidade na tutela jurisdicional, pelo alarmante e absurdo número de ações em trâmite perante os tribunais, bem como pela insegurança e descrédito no cumprimento das leis, levaram o Estado a promover a chamada “reforma do Poder Judiciário”, com a promulgação da Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, que introduziu o inciso LXXVIII ao artigo 5º da Constituição Federal, que garante o direito à razoável duração do processo e aos meios que garantam a celeridade da tramitação processual, e consequentemente, uma adequada prestação jurisdicional a população.

De acordo com os números apresentados pelo Conselho Nacional de Justiça, no “Relatório Justiça em Números 2013" (Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/images/variados/sumario_executivo 09102013.pdf>. Acesso em 26 de dezembro de 2013), divulgado na data de 15 de outubro de 2013, o número de processos em tramitação perante o Poder Judiciário Brasileiro cresceu 10,6% nos últimos quatro anos, atingindo a marca de 92,2 milhões de ações em trâmite durante o ano de 2012.

O Código de Processo Civil vigente, em busca de uma maior previsibilidade e uniformidade nas decisões, criou as regras previstas nos artigos 476, 285-A; 543-B e 543-C, além do § 3º do artigo 102 e artigo 103-A da Constituição Federal de 1988, que trouxeram os institutos da uniformização de jurisprudência, do julgamento liminar de improcedência, da repercussão geral no recurso extraordinário, além da criação da súmula vinculante em matéria constitucional.

Porém, as referidas alterações, que deveriam tornar o processo mais célere e efetivo, trouxeram textos que dificultaram a compreensão dos operadores do direito, e o resultado foi o oposto do esperado.

Neste contexto, buscando a prestação jurisdicional mais célere e eficaz, a comissão especial responsável pelo substitutivo ao Novo Código de Processo Civil, projeto de Lei do nº. 166/2010, e projeto de Lei nº. 8.046/2010 da Câmara dos Deputados, com inspiração direta no procedimento especial originário do Direito Alemão do “Kapitalanleger-Musterverfahrensgesetz”, criou o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, instituto capaz de reunir processos e recursos com o mesmo fundamento jurídico, a fim de que sejam julgados de uma só vez, abolindo assim alguns instrumentos já existentes e que ao longo do tempo demonstraram sua ineficácia, e, consequentemente, reduzido o número de ações em tramitação perante o Poder Judiciário.


 

2. OS PRECEDENTES DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS NO DIREITO COMPARADO E NACIONAL

Para melhor entendimento do instituto de resolução de demandas repetitivas, demonstra-se necessário analisar os precedentes existentes no direito comparado e no nacional.

2.1. OS PRECEDENTES DO INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS NO DIREITO COMPARADO

O incidente de coletivização brasileiro possui modelos semelhantes no direito comparado que serviram de inspiração à criação do instituto objeto do presente estudo.

2.1.1. A DOUTRINA DA “STARE DECISIS” DO DIREITO NORTE-AMERICANO

O termo “stare decisis” provém da abreviação máxima latina “stare decisis et non quieta movere”, que significa “mantenha-se a decisão e não se moleste o que foi decidido” (RE, 1990, p.37), e abrange tanto a vinculação, por meio de precedentes em ordem vertical (ou seja, com representação da necessidade de uma Corte inferior respeitar decisão pretérita da Corte superior), como horizontal (a Corte respeitar decisão anterior proferida no seu interior, ainda que a constituição dos juízes seja alterada). (DUXBURY, 2008. p. 12-13).

Pelo instituto do “stare decisis”, as cortes devem seguir os precedentes estabelecidos pelos tribunais que lhe são hierarquicamente superiores, tendo assim, força obrigatória e vinculante sobre as decisões futuras em casos análogos.

No ordenamento jurídico pátrio, verifica-se a existência de instrumentos, introduzidos a partir de inúmeras reformas no Código de Processo Civil, que permitem o julgamento idêntico de casos que tratem da mesma questão de direito, tais como a súmula vinculante, a súmula impeditiva de recursos, o julgamento liminar de mérito, a repercussão geral e o julgamento por amostragem de recursos de caráter extraordinário, fazendo-o assim mais próximo da “common law”.

Tais modificações tiveram como influência a doutrina da “Stare Decisis”, segundo a qual os precedentes devem ser seguidos pelos órgãos que lhe são subordinados, inclusive os provenientes de suas próprias decisões. Dessa forma, ocorrem vinculações no sentido horizontal (vinculação interna), bem como no sentido vertical (vinculação à precedente de tribunal a qual é subordinado), e por consequência, a uniformização da jurisprudência, trazendo a segurança jurídica, através da previsibilidade das decisões judiciais.

Dessa forma, constata-se que o “stare decisis” serviu de inspiração à criação do instituto objeto do presente estudo, uma vez que se trata de um mecanismo de uniformização de decisões, com vinculação aos precedentes nos planos horizontal e vertical.

2.1.2. O “KAPITALANLEGER-MUSTERVERFAHRENSGESETZ” DO DIREITO ALEMÃO

O procedimento padrão denominado “Kapitalanleger-Musterverfahrensgesetz” foi introduzido no ordenamento jurídico alemão em 16 de agosto de 2005, pela Lei de Introdução do Procedimento-Modelo para os investidores em mercado de capitais (Gesetz zur Einfuhrung von Kapitalanleger-Musterverfahren, abreviada de KapMuG) (CABRAL, 2007, p.123).

Da exposição de motivos do anteprojeto do novo Código de Processo Civil (projeto de lei do senado nº 166/2010) resta declarada a inspiração da comissão ao criar o incidente de resolução de demandas repetitivas em consenso ao “Musterverfahren”:


Com os mesmos objetivos, criou-se, com inspiração no direito alemão, o já referido incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, que consiste na identificação de processos que contenham a mesma questão de direito, que estejam ainda no primeiro grau de jurisdição, para decisão conjunta. (PLS – nº166, 2010, p. 21).

Também da exposição de motivos do anteprojeto do novo Código de Processo Civil, pode-se obter o conceito básico deste procedimento:


No direito alemão a figura se chama Musterverfahren e gera decisão que serve de modelo (= Muster) para a resolução de uma quantidade expressiva de processos em que as partes estejam na mesma situação, não se tratando necessariamente, do mesmo autor nem do mesmo réu. (RALF-THOMAS WITTMANN. Il “contenzioso di massa” in Germania, in GIORGETTI ALESSANDRO e VALERIO VALLEFUOCO, Il Contenzioso di massa in Italia, in Europa e nel mondo, Milão, Giuffrè, 2008, p. 178).

Diferentemente do instituto de resolução de demandas repetitivas, o procedimento alemão caracteriza-se pela fixação de um posicionamento a respeito de questões de fato ou de direito que se repitam em uma quantidade expressiva de processos. Desta forma, o entendimento fixado pelo tribunal indicará os pontos fáticos expressamente indicados na exordial, de modo que possam atingir o maior número de litígios individuais que tratem igualmente daquela situação.

Nesse sentido:


Assim, percebe-se nitidamente a influência da sistemática de tutela coletiva da Alemanha na conformação do instituto do incidente de resolução de demandas repetitivas projetado para o Novo Código de Processo Civil a ser aprovado, destacando-se a diferença substancial de que no seu procedimento do novel instituto brasileiro apenas questões de direito podem ser analisadas, distintamente do que acontece no modelo alemão e inglês, nos quais as questões de fato também são apreciadas pelo Tribunal. (WELSCH, 2011, p. 234).

O procedimento alemão tem origem no juízo “a quo”, a partir de requerimento, de qualquer das partes de um dos processos repetitivos, sendo expressamente vedada a sua instauração de ofício. Ao realizar o pedido, a parte deverá apontar detalhadamente os pontos que serão resolvidos, bem como as provas que pretende produzir.

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Sendo admitido o requerimento, será determinada a sua publicação em um cadastro eletrônico, público e gratuito, administrado por órgãos federais, fazendo constar seus pontos mais relevantes, tais como o pedido, as partes e o objetivo do procedimento. Havendo outras solicitações similares de instauração do procedimento modelo, serão registrados juntamente aos anteriores.

Após a publicação da primeira solicitação de instauração do “Musterverfahren”, deve-se aguardar, por um período de quatro meses, que pelo menos outros nove procedimentos padrão venham a ser requeridos, unindo-se ao principal, ficando as demais ações relativas à mesma questão de fato ou de direito suspensas até o julgamento do procedimento modelo. Porém, é facultado a qualquer interessado intervir, apresentando os argumentos que contribuam para sua solução, podendo, inclusive, alargar seu objeto, requerendo a inclusão de outras questões comuns, de fato ou de direito.

Determinada sua instauração, o Tribunal responsável pelo julgamento escolherá, em decisão irrecorrível, um “litigante padrão” para os autores e outro para os réus, que serão responsáveis pela prática dos atos processuais junto ao próprio Tribunal. Os demais litigantes poderão aderir ao litigante padrão, acrescentando elementos para o convencimento judicial.

Uma vez julgado o “Musterverfahren”, a decisão a respeito da questão comum de fato ou de direito terá eficácia vinculante a todos os processos que ficaram suspensos, resolvendo-se, de uma só vez, diversos casos repetitivos.

Diante do exposto, pode-se concluir que, mesmo tendo algumas diferenças com o instituto objeto do presente estudo, o procedimento modelo previsto no direito alemão serviu de inspiração à criação do incidente de resolução de demandas repetitivas, por contribuir para a diminuição da morosidade da prestação jurisdicional, proporcionando uma uniformização da jurisprudência.

2.1.3. A AGREGAÇÃO DE AÇÕES DO DIREITO PORTUGUÊS

No direito processual civil português, pode-se identificar um instituto que serviu de inspiração ao incidente de resolução de demandas repetitivas. Trata-se da agregação das causas, a qual se encontrava prevista no artigo 6º do regime processual civil de natureza experimental, aprovado pelo Decreto-lei nº 108/2006 e revogado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho de 2013, in verbis:


Artigo 6.º Agregação de acções - [revogado - Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho]
1 - Quando forem propostas separadamente no mesmo tribunal acções que, por se verificar os pressupostos de admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou da reconvenção, pudessem ser reunidas num único processo, pode ser determinada, a requerimento de qualquer das partes e em alternativa à apensação, a sua associação transitória para a prática conjunta de um ou mais actos processuais, nomeadamente actos da secretaria, audiência preliminar, audiência final, despachos interlocutórios e sentenças.
2 - A decisão de agregação e os actos que esta tem por objecto são praticados na acção que tiver sido instaurada em primeiro lugar ou, no caso de relação de dependência ou subsidiariedade entre os pedidos, na acção que tiver por objecto a apreciação do pedido principal.
3 - Nos processos que pendam perante o mesmo juiz, a agregação pode ser determinada oficiosamente, sem audição das partes.
4 - Nos processos que pendam perante juízes diferentes, a agregação ou a apensação deve ser requerida ao presidente do tribunal, de cuja decisão não cabe reclamação, não sendo aplicável o n.º 2 do artigo 210.º do Código de Processo Civil.
5 - A decisão de agregação deve indicar quais os actos a praticar conjuntamente e respectivo conteúdo e é notificada às partes, consoante os casos, com a convocação para a diligência conjunta ou com o despacho ou a sentença praticados conjuntamente.
6 - A decisão prevista no número anterior só pode ser impugnada no recurso que venha a ser interposto da decisão final.
7 - A secretaria informa mensalmente o presidente do tribunal e os magistrados dos processos que se encontrem em condições de ser agregados ou apensados.

Pela agregação das ações, os processos que versassem sobre a mesma questão de fato ou de direito, eram reunidos transitoriamente, possibilitando ao magistrado a realização concomitante de atos processuais ou, até mesmo, a resolução simultânea de vários casos repetitivos.

Ao contrário do incidente de resolução de demandas repetitivas, a agregação de ações permitia que o juiz, a qualquer momento, praticasse um ato, ou determinasse uma diligência que seria extensível a todos aqueles processos reunidos transitoriamente, sendo realizada a reunião das demandas apenas para aquele ato específico, bastando que entre eles existisse um elemento de conexão entre as ações.

Por fim, o instituto português demonstra a preocupação do ordenamento jurídico português em proporcionar às demandas repetitivas um julgamento pautado na celeridade, isonomia e segurança jurídica.

2.2. OS PRECEDENTES DO INSTITUTO NO DIREITO NACIONAL

No ordenamento jurídico pátrio verifica-se a existência de institutos destinados ao tratamento das demandas repetitivas, os quais visam claramente trazer a celeridade na solução das ações de massa.

Entre os institutos criados para conferir maior celeridade nos julgamentos das demandas, que serviram de precedentes para a criação do incidente de resolução de demandas repetitivas estão a súmula vinculante, a súmula impeditiva de recursos, o julgamento liminar de mérito, a repercussão geral e o julgamento por amostragem de recursos de caráter extraordinário, tornando imprescindível uma breve análise sobre tais institutos, conforme segue.

2.2.1. SÚMULAS VINCULANTES

A crise do Poder Judiciário, decorrente da gravidade da morosidade na tramitação processual, pelo alarmante e absurdo número de ações em trâmite, bem como pela insegurança e descrédito no cumprimento das leis, levaram o Estado a promover a “reforma do Poder Judiciário”, com a promulgação da Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, que introduziu o artigo 103-A na Constituição Federal, criando a súmula vinculante, de exclusiva competência do Supremo Tribunal Federal, como instrumento de padronização da interpretação constitucional.

A súmula vinculante não apenas tem o efeito de impedir os recursos sobre matérias já sumuladas, mas, sobretudo, de fixar uma orientação a ser obrigatoriamente seguida pelo Poder Judiciário em geral e, especialmente, pela administração direita e indireta, responsável pela maioria dos recursos perante o Supremo Tribunal Federal (GRINOVER, 2009, p.28). Com a publicação imprensa oficial, a súmula vinculante adquire força de lei e cria um vínculo jurídico, não podendo mais ser contrariada.

De acordo com o referido instituto, o Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de 2/3 dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar a súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei, conforme estabelece o artigo 103-A, caput, da Constituição Federal, in verbis:


Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou

Dessa forma, assim como o incidente de resolução de demandas repetitivas, as súmulas vinculantes prezam pela efetividade da prestação jurisdicional e segurança jurídica, objetivando superar controvérsia atual, capaz de acarretar grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questões idênticas (MARINONI, 2013, p.489).

2.2.2. SÚMULAS IMPEDITIVAS DE RECURSOS (ART. 518, §1º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL)

Nos termos da súmula impeditiva de recurso, prevista no artigo 518, §1º do Código de Processo Civil, introduzido no ordenamento jurídico pela Lei nº 11.276 de 07 de fevereiro de 2006, o juiz não poderá receber do recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal:


Art. 518. Interposta a apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandará dar vista ao apelado para responder. (Redação dada pela Lei nº 8.950, de 13.12.1994)
§ 1o O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. (Renumerado pela Lei nº 11.276, de 2006)

Se a sentença afirmar o entendimento contido em súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, não há razão para se admitir que a parte possa interpor apelação reiterando argumentos definidos na súmula e consolidados o tribunal ao qual recorre. Em tais circunstâncias, a abertura de uma livre oportunidade para a interposição da apelação só traria prejuízo ao direito fundamental a duração razoável do processo, como também ocasionaria um acúmulo despropositado de recursos e processos nos tribunais, particularmente nos caos de “ações repetitivas”. É incontestável que a interposição exagerada de recursos resulta na lentidão do serviço jurisdicional e, portanto, aprofunda a crise do Poder Judiciário, que tem o grave compromisso de atender ao direito constitucional de todo cidadão a uma resposta jurisdicional tempestiva. (MARINONI; ARENHART, 2013, p.522).

A norma do §1º do artigo 518 complementa as hipóteses de julgamento liminar de improcedência e de sentença de procedência – proferidas após a participação do réu – nos termos de precedentes de tribunal superior. (MARINON, 2013, p.519).

Ressalte-se que o referido instituto não fere o princípio constitucional da recorribilidade, uma vez que não retira da parte o direito de recorrer do indeferimento ou impedimento da interposição do recurso com fulcro no artigo 518, §1º do Código de Processo Civil.

Desta forma, demonstra-se que a súmula impeditiva de recurso, assim como o incidente de resolução de demandas repetitivas, é mais um instrumento criado pelo legislador de valorização aos precedentes judiciais como forma de reduzir o número de processos nas instâncias superiores e conferir mais celeridade na prestação jurisdicional prestada pelo Estado.

2.2.3. JULGAMENTO LIMINAR DE IMPROCEDÊNCIA (ART. 285-A DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL)

O julgamento liminar de improcedência, incluído pela Lei nº 11.277, de 07 de fevereiro de 2006, que inseriu o artigo 285-A no Código de Processo Civil, com inspiração direta no já estudado instituto da “Stare Decisis” (item 2.1.1), é o instituto que possibilita ao juiz de primeiro grau, nos casos em que identificar uma ação que trate da mesma questão de direito, cuja matéria foi julgada improcedente reiteradas vezes, dispense a citação e profira decisão de improcedência, reproduzindo integralmente a decisão de precedentes daquele juízo, uniformizando a jurisprudência de forma célere, in verbis:


Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.
§ 1º Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.
§ 2º Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso.

A norma comentada é uma medida de celeridade (CF 5º, LXXVIII) e economia processual, que evita a citação e demais atos do processo, porque o juízo já havia decidido questão idêntica anteriormente. Seria perda de tempo, dinheiro e de atividade jurisdicional insistir na prática de certos atos do processo, quando o juízo játem posição firmada quanto à pretensão deduzida pelo autor. (NERY JÚNIOR; 2012, p.665).

Tal instituto busca eliminar a possibilidade da propositura de ações que objetivem pronunciamentos sobre temas pacificados em decisões reiteradas do próprio juízo de primeiro grau ou dos tribunais, tomadas em “casos idênticos”. (MARINONI; ARENHART, 2013, p.97).

Ressalte-se que o referido instituto alude apenas às sentenças de total improcedência reiteradas vezes proferidas em casos idênticos no juízo de primeiro grau, sendo que a parcial improcedência do pedido anterior não poderia autorizar a incidência do instituo em análise.

Da leitura do dispositivo se verifica a existência de dois requisitos para a aplicação do instituto do julgamento liminar de improcedência, quais sejam: a) que a matéria controvertida seja unicamente de direito; b) que já tenha sido proferida sentença anteriormente, no mesmo juízo, de total improcedência em outros casos idênticos.

Destaca-se que a matéria unicamente de direito é aquela na qual a solução do caso se dá unicamente pela aplicação, pura e simples, da letra da lei ao caso concreto, independentemente de instrução probatória, bem como não admite a análise dos fatos, o que demandaria uma análise mais complexa do caso.

Envolvendo questões de fato, as particularidades do caso concreto poderão importar soluções diferentes, de modo que a conclusão lançada em um processo pode não servir para outro. (MARINONI; MITIDIERO, 2011, p.295).

Em relação ao outro requisito, tem-se que não é necessário que a decisão tenha sido proferida pelo mesmo magistrado, tampouco que a ação seja idêntica àquela em análise, bastando apenas que contenham os mesmos fundamentos jurídicos.

Uma vez que a solução do litígio será fundamentada com a reprodução daquela sentença que serviu de paradigma, a decisão de improcedência fundamentada neste instituto será com julgamento de mérito, fazendo coisa julgada material.

Por fim, destaca-se que referido instituto não ofende o devido processo legal ou o contraditório, tendo em vista que esse apenas é diferido, podendo o autor apresentar recurso de apelação contra a sentença antecipada, sustentar suas razões em sede recursal, sendo dada ao juiz a faculdade de rever sua sentença. (GRINOVER, 2009, p.35)

Dessa forma, conclui-se que o instituto do julgamento liminar de improcedência é um precedente do instituto da resolução de demandas repetitivas, uma vez que, igualmente trata da solução de litígios de idêntica argumentação jurídica.

2.2.4. JULGAMENTO POR AMOSTRAGEM DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL (ARTS. 543-B E 543-C DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL)

O instituto do julgamento por amostragem, técnica de julgamento de recursos em bloco, previsto nos artigos 543-B e 543-C do Código de Processo Civil vigente, fora inserido na legislação pátria pela Lei 11.418, de 19 de dezembro de 2006, para os recursos extraordinários, e pela Lei 11.672, de 2008, para os recursos especiais, com inspiração direta no procedimento especial originário do Direito Alemão do “Kapitalanleger-Musterverfahrensgesetz”.

Neste procedimento, ao verificar a existência de uma multiplicidade de recursos que tratem de uma mesma questão de direito, o Tribunal Superior deverá selecionar alguns que servirão de recursos paradigma, denominados de representativos da controvérsia, ficando sobrestados os demais. O julgamento da tese do recurso paradigma será aplicado também sobre os recursos sobrestados, declarando-os prejudicados ou dando-lhes provimento, determinando que o órgão julgador exerça o juízo de retratação, nos termos dos artigos 543-B, § 1º e 543-C, §§ 1º, 2º e 3º do Código de Processo Civil.

A identificação da questão jurídica que deve ser imediatamente resolvida em nome da aplicação coerente do direito e da isonomia logicamente aponta para a necessidade de suspensão de todos os demais recursos especiais. (MARINONI, 2013, p.234/235).

Existindo uma diversidade de recursos extraordinários, que tratem de uma mesma controvérsia, por amostragem, deverá o Tribunal “a quo” selecionar um ou mais recursos que a representem, para, então, enviá-los ao Supremo Tribunal Federal, ficando os demais sobrestados na própria origem até o pronunciamento definitivo do Supremo Tribunal Federal. (GAIO JÚNIOR, 2010, p.9).

O instituto do julgamento por amostragem claramente busca atender aos princípios da razoável duração do processo, no sentido de uniformizar a jurisprudência, simplificando o julgamento dos recursos pelos tribunais superiores, conferindo assim uma maior efetividade à tutela jurisdicional ofertada pelo Estado, sem prejuízo do devido processo legal.

Sempre com o objetivo de fornecer uma maior celeridade na prestação jurisdicional, a escolha dos recursos-paradigma, denominados de representativos da controvérsia, bem como o sobrestamento dos demais recursos repetitivos deverão ser realizados pelos Tribunais “a quo”.

Em relação aos recursos extraordinários, existe um requisito de admissibilidade, que deve ser demonstrado em sede preliminar, sob pena de ter obstada a análise do mérito recursal. A repercussão geral, instituída pela Lei 11.418, 19 de dezembro de 2006, e pela Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, de 19 de dezembro de 2006, diz respeito à existência de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa, nos termos do art. 543-A, § 1º do Código de Processo Civil.

Caso seja negada a existência de repercussão geral do recurso- paradigma, os demais sobrestados serão automaticamente inadmitidos, conforme dispõe o artigo 543-B, § 2º do Código de Processo Civil. Em caso de reconhecimento, a decisão também terá efeito vinculante.

No mesmo sentido, uma vez proferido julgamento de improcedência pelo Tribunal Superior, sua decisão terá efeito vinculante, devendo ser aplicado a todos os recursos repetitivos sobrestados, tendo a sua admissibilidade negada, quando o acórdão recorrido coincidir com o entendimento firmado no recurso-paradigma, conforme artigos 543-B, § 2º e 543-C, § 7º, I do Código de Processo Civil.

Reconhecida a repercussão geral e julgado o mérito da controvérsia narrada no recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos órgãos jurisdicionais na origem, que poderão declará-los prejudicados (quando a decisão do Supremo Tribunal Federal fora no sentido da decisão recorrida, não havendo o que se falar em usurpação da competência do Supremo para apreciação da repercussão geral, como destaca a jurisprudência: STF, Rcl. nº 9.744/DF, rel. Min. Carmen Lúcia, julgado em 06.02.2010. Dje 23.02.2010) ou se retratar da decisão recorrida (quando a decisão do Supremo Tribunal Federal tenha sido contrária ao sentido da decisão recorrida - artigo 543-B, §3º, CPC). Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão recorrido, contrário à orientação firmada (artigos 543-B, §4º, CPC, 13, V, e 21,§1º, RISTF). (MARINONI; MITIDIERO, 2011, p.588).

Desta forma, sendo julgados procedentes os recursos paradigmas, essa decisão não tem natureza vinculante, uma vez que é facultado ao tribunal de origem manter sua decisão.

A técnica pode ser muito útil em casos de concomitância de processos coletivos, ajuizados em diversas comarcas, provocando o fenômeno de ações coletivas repetitivas, em que os mesmo critérios de seleção são aplicados; ou ainda; de processo (s) coletivo (s) concomitante (s) com processos individuais; nesse caso, deverá ser selecionado no mínimo um recurso atinente às ações individuais e um representativo das ações coletivas. (GRINOVER, 2009, p.33).

Por fim, conclui-se que o instituto do julgamento por amostragem, previsto nos artigos 543-B e 543-C do Código de Processo Civil vigente, assim como o instituto da resolução de demandas repetitivas, buscam uma maior celeridade a prestação jurisdicional.

2.2.5. DA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (ARTS. 476 A 479 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL)

O instituto de uniformização de jurisprudência, previsto nos artigos 476 a 479 do Código de Processo Civil, desde a sua vigência, será cabível sempre que severificar, em qualquer julgamento proferido por Tribunais, por meio de seus órgãos, divergência a respeito da interpretação do direito. (MARINONI; ARENHART, 2013, p.603).


Art. 476. Compete a qualquer juiz, ao dar o voto na turma, câmara, ou grupo de câmaras, solicitar o pronunciamento prévio do tribunal acerca da interpretação do direito quando:
I - verificar que, a seu respeito, ocorre divergência;
II - no julgamento recorrido a interpretação for diversa da que Ihe haja dado outra turma, câmara, grupo de câmaras ou câmaras cíveis reunidas.
Parágrafo único. A parte poderá, ao arrazoar o recurso ou em petição avulsa, requerer, fundamentadamente, que o julgamento obedeça ao disposto neste artigo.
Art. 477. Reconhecida a divergência, será lavrado o acórdão, indo os autos ao presidente do tribunal para designar a sessão de julgamento. A secretaria distribuirá a todos os juízes cópia do acórdão.
Art. 478. O tribunal, reconhecendo a divergência, dará a interpretação a ser observada, cabendo a cada juiz emitir o seu voto em exposição fundamentada.
Parágrafo único. Em qualquer caso, será ouvido o chefe do Ministério Público que funciona perante o tribunal.
Art. 479. O julgamento, tomado pelo voto da maioria absoluta dos membros que integram o tribunal, será objeto de súmula e constituirá precedente na uniformização da jurisprudência.
Parágrafo único. Os regimentos internos disporão sobre a publicação no órgão oficial das súmulas de jurisprudência predominante.

O referido instituto tem por objetivo evitar a desarmonia na interpretação de teses jurídicas, uniformizando, assim, a jurisprudência interna dos tribunais. Não se trata de um recurso, tampouco de uma ação incidental, é um incidente processual por meio do qual se quer predeterminar o conteúdo de uma decisão que ainda não foi proferida. (WAMBIER; TALAMINI, 2013, p.791/792).

Depois de fixada a tese jurídica adotada pelo tribunal pleno, esse resultado será aplicado àquele caso concreto que originou o incidente de uniformização. A Câmara ou Órgão competente para julgar o recurso ficará vinculado à tese fixada pelo plenário. Se a parte não se conformar com o julgamento proferido, poderá recorrer, sendo o recurso dirigido não contra o plenário, que resolve o incidente, mas contra o ato do órgão jurisdicional que julgou o feito. (NERY JÚNIOR; NERY, 2012, p.912).

Desta forma, pode-se afirmar que o incidente de uniformização de jurisprudência serviu de inspiração à criação do instituto objeto deste estudo, tendo sido realizadas algumas alterações, como a vinculação para todos os órgãos fracionários do tribunal, atendendo com maior fidelidade, portanto, aos imperativos de segurança e igualdade que derivam da ideia de Estado Constitucional. (MARINONI; MITIDIERO, 2010, p. 176).

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Sobre o autor
Bruno Oliveira de Souza Kryminice

Bacharel em Direito e Especialista em Direito Civil e Processual Civil pelo Centro Universitário Curitiba (UNICURITIBA). Membro das Comissões de Direito Bancário e de Responsabilidade Social e Política da Ordem dos Advogados do Brasil/Paraná.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KRYMINICE, Bruno Oliveira Souza. O incidente de resolução de demandas repetitivas como instrumento de efetividade da tutela jurisdicional e segurança jurídica previsto no anteprojeto do novo Código de Processo Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4221, 21 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30086. Acesso em: 24 abr. 2024.

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