Colisão de direitos fundamentais informação versus privacidade

Direito natural do homem ou um privilégio constitucional de estar sozinho consigo mesmo?

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21/07/2014 às 17:55
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Monografia apresentada e defendida no Curso de Pós em Direito Público com Habilitação do Ensino Superior. LFG/Anhanguera/Uniderp 2011

EPÍGRAFE

A dignidade da pessoa humana é o mais importante fundamento do sistema constitucional brasileiro considerado o primeiro fundamento e o último arcabouço da guarida dos direitos fundamentais. [1]

RESUMO

O presente trabalho tem como escopo ouvir os principais atores que se interrelacionam na cadeia de produção de informações invasivas: os jornalistas e os meios de comunicação em geral, as pessoas comuns ou famosas, bem como os doutrinadores e os operadores do direito, destacando suas opiniões, analisando as impressões dissidentes e as considerações harmoniosas, interpretando os casos concretos e a jurisprudência, traçando um norte opinativo como elemento solucionável ao complexo embate que se descortina, diante da nítida perda de valores por parte da sociedade e da evidente derrocada da própria Família enquanto sólida instituição, sob pena de vivenciarmos, num futuro não muito distante, a banalização dos princípios fundamentais e o completo exaurimento da dignidade da pessoa humana, ante o triunfo da liberdade de informação a qualquer custo num caminho espinhoso e sem volta.

Palavras-chave: Liberdade de Imprensa; Dignidade da Pessoa Humana; Direito Natural; Regulamentação; Princípio Constitucional.

 

ABSTRACT

This paper aims to hear the principal actors who are interrelated in the production of invasive information: journalists and the media in general, famous or ordinary people, as well as scholars and jurists, highlighting their views analyzing the dissenting views and considerations harmonious, interpreting actual cases and case law, drawing a north opinionated as solvable element to the complex conflict that unfolds before the sharp loss of values by society and the apparent collapse of his own family as solid institution, lest we experience in a not too distant future, the trivialization of the fundamental principles and the complete depletion of human dignity, against the triumph of freedom of information at any cost and a thorny path of no return.

Keywords: Press Fredom; Human Dignity; Natural Law; Regulations; Constitutional Principle.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................

1.    OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO................................................................

2.    A PRIVACIDADE.........................................................................................

3.    O CHOQUE DE PRINCÍPIOS......................................................................

4.    O JUSNATURALISMO................................................................................

5.    A “AUSÊNCIA” DE REGRAS DIANTE DO CONFLITO............................

6.    A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE..................

7.    OUTRAS FORMAS DE PACIFICAR O CONFLITO...................................

8.    FALTA DE  SOLUÇÃO SANEADORA – CONSEQUÊNCIAS...................

9.    CONCLUSÃO..............................................................................................

10.  REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................

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INTRODUÇÃO

Com este ensaio não temos a pretensão de subjugar o fogo, reinventar a roda ou redescobrir a pólvora; antes disso, sentimos a necessidade de conhecer e dimensionar o palpitante assunto, aprofundar o debate envolvendo as multiplicidades dos denominados Direitos Fundamentais, assim recepcionados em nossa Magna Carta, estabelecendo uma distinção entre o direito à privacidade da pessoa humana e o direito à informação sinalizando a necessidade de gradação, através de escala de valores, quando ambos se abalroam diante de um caso concreto.

Para que tenhamos êxito, a palavra de ordem é a de não sermos contrários ao direito à informação, alçado pelo Constituinte originário e, via de conseqüência, pela vontade geral de todos os concidadãos à categoria de direito fundamental, portanto, não é nosso desejo disciplinar a liberdade de expressão nos moldes imaginados por Zeleuco de Locros - citado por Francisco José Karam[2] - figura da Grécia Antiga, que no século VI a.C. publicou uma Lei proibindo as pessoas de falarem contra a cidade e contra o governo.

Pelo contrário, esta vitória democrática, ou seja, o direito de ir, de vir e de permanecer, de se expressar, de informar e de ser informado é um louro conquistado a duras penas por uma geração que sofreu com a Ditadura, nascida no Regime Militar e nos chamados “anos de chumbo” que devem ser lembrados permanentemente, à despeito de que muitos gostariam de esquecê-los, outros tantos deles guardam vaga lembrança e não nos causa estranheza saber que não está longe o dia no qual muitos de nossos filhos, incautos, sequer acreditarão que houve um momento, em nosso país, em que era terminantemente proibido expressar uma opinião contrária ao regime, sob pena de prisão, de repressão, de tortura de... morte.

Quem faz esta interlocução, esse avivamento de nossas memórias melhor do que os meios de comunicação? Quem grava no mármore de nossas trajetórias a história, com todos os seus detalhes, suas impressões, seus pormenores, seus reflexos e suas consequências, fatos, atos e relatos os quais desejamos um dia recontar aos nossos futuros descendentes?

A resposta, todos nós sabemos, é a imprensa livre através da qual são divulgadas as idéias para que possamos continuar vivendo na plenitude da democracia. Esta liberdade é ressaltada no trabalho de Isabela Rodrigues Veiga[3], mencionando os ensinamentos de Rui Barbosa, para quem a imprensa, por sua natureza e dignidade inestimável reina dentre todos os outros poderes, sendo considerada alma gêmea de governos representativos, conservadores ou liberais diante da certeza de que a segurança do Estado será abalada, se alguém ousar levantar a mão contra ela.

A brilhante defesa da imprensa livre feita por Rui Barbosa certamente seria menos efusiva diante da publicação da informação de maneira indiscriminada, causando danos imensuráveis capaz de, segundo as palavras de Jairo Gilberto Schäfer[4]: “transformar o cidadão de destinatário das informações em seu refém, pois a imprensa declarada livre desde a Constituição Federal de 1988, muitas vezes invade a privacidade do indivíduo”.

Seguindo o entendimento de José Laurindo de Souza Netto[5] temos que a notícia possui valor social e de reflexão para que os indivíduos receptores possam conhecê-la, processando àquelas que lhes interessem dentro da sociedade. Assim, resume ele: “a crônica é a verdade por meio da imprensa. A notícia deve ser o meio para o conhecimento da realidade”.

A linha mestra do nosso ensaio é a defesa da imprensa livre, desde que responsável, opinativa, não invasiva, esposando o entendimento elaborado no excelente trabalho da jornalista Isabela Rodrigues Veiga[6], de que: “o 4º Poder do Estado está nas mãos da imprensa pela sua capacidade de penetração na massa popular; contudo há que se ter cuidado porque este ‘poder’ constrói e destrói reputações, podendo estruturar ou desintegrar uma sociedade através do domínio do consciente coletivo, por intermédio de notícias honestas ou tendenciosas”; nosso trabalho é justamente interpretar as especificidades da imprensa e da vida das pessoas por ela retratada.

1. OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO

Em nossa cidade, costumamos ouvir as notícias matutinas veiculadas pela Rádio Saudades FM, cuja vinheta de abertura diz: “a informação é matéria prima da vida, são mais largos os passos do homem bem informado”.  frase de efeito que nos remete a outra, a de que “informação é poder”, ou seja, isso quer significar que as pessoas bem informadas são dotadas de senso crítico e analítico que as diferenciam das demais. Neste momento, o que nos interessa saber é de quais tipos de informações nós estamos falando e de como elas são absorvidas, lapidadas, manuseadas e processadas pelos meios de comunicação, através dos diversos tipos de profissionais que tem a missão de divulgá-las, respostas que tentaremos obter através do conhecimento de como nasceu à imprensa periódica denominada jornalismo.

Cássio Augusto de Barros Brant[7] comenta sobre a existência de três correntes sobre a origem do jornalismo. A primeira, ligada a comunicação social é inerente da natureza humana. A segunda estaria ligada à expansão da imprensa na Europa e a terceira, ocorrida nos primeiros anos do século XIX, com o advento das máquinas de impressão, entendimento igualmente trazido pelo Professor Rogério Ferraz Donnini da PUC/SP, citado por ele de que: "Seria a mais adequada para responder a origem do jornalismo que tem início na Idade Contemporânea, numa sociedade industrializada, com máquinas de impressão”.[8]

Tal invento ganhou notoriedade em 1456 quando o Papa Nicolau V autorizou a impressão da Bíblia, fato que ficou conhecido como a “Bíblia de Gutenberg”. Enquanto o jornal Inglês The Times - o mais antigo jornal do mundo - passava a utilizar a primeira rotativa a vapor que rodava mil e cem exemplares descobrimos que o primeiro relato sobre a imprensa brasileira começa justamente com a sua proibição, em 1747, pela Corte Portuguesa, vetando a impressão de livros e avulsos. Somente em 1808 com a Corte de Portugal instalada no Brasil nasceu a Imprensa Régia, mais tarde transformada na Imprensa Nacional que em nossos dias de hoje corresponde ao Diário Oficial da União, lançado em 1862.

Dentro desse momento “retro”, e da tentativa de se entender a origem do interesse humano sobre a vida das pessoas, Isabela Rodrigues Veiga[9], vem em nosso auxílio, dizendo que tal fenômeno foi potencializado pela indústria cultural e pela sociedade de massa. Denominando de natureza do interesse “voyeur” dos indivíduos, a citada jornalista narra como um dos primeiros casos em que foi possível identificar esse interesse sobre a vida alheia, o fenômeno popular das visitas ao necrotério de Paris, construído em 1864 e que atraía até 40 mil pessoas em dias mais movimentados, que a pretexto de cumprir um dever cívico, iam só para olhar. Citando SCHWARTZ[10]: “Era o voyeurismo público – flânerie a serviço do Estado”.

 A referida jornalista narra ainda um segundo fenômeno semelhante: a inauguração do Museu de Cera de Paris, o Museu Grévin, que em 1882 exibiu figuras de cera de diversas celebridades, para confirmar o gosto popular pela vida das pessoas públicas. Esta referência nos propiciou navegar na Internet o que nos fez descobrir que o Museu de Cera de Madame Tussauds, é ainda mais antigo do que o Museu Grévin, de Paris. De acordo com o site oficial[11], o complexo Madame Tussauds, instalado em Londres, Inglaterra em 1835 já recebeu mais de 500 milhões de visitantes, possuindo filiais em várias partes do mundo exibindo estátuas de personalidades feitas de cera especial que não derrete ao custo de R$ 450 mil cada exemplar.

A precitada jornalista comenta ainda que a “fotografia possibilitou uma exteriorização ampla do mundo que cerca as pessoas famosas, beneficiando a curiosidade de forma ampla e irrestrita e transformando as pessoas em coisas, como mercadorias produzidas em massa”. Citando MCLUHAN[12]:

Os astros e estrelas de cinema e os ídolos nas matinês são levados ao domínio público pela fotografia. Eles se tornam sonhos que o dinheiro pode comprar; podem ser comprados, abraçados e apontados mais facilmente do que mulheres públicas.

Além do advento da fotografia e dos reflexos que esta invenção causou no mundo, retomamos o texto de Brant[13] que continua a nos instruir em seu inestimável material de consulta, ao afirmar que a imprensa atual abrange todos os meios de comunicação, informando-nos sobre o tempo que foi necessário para que as inovações tecnológicas atingissem os primeiros 50 milhões de usuários: o telefone levou longínquos 74 anos; o rádio 38 anos, a TV 13 anos, a TV a cabo 10 anos e a internet apenas 4 anos, observando  ainda que em 2006, a internet contava com cerca de 1,1 bilhão de usuários no mundo[14].

É inegável que os meios de comunicação colocados à nossa disposição nos atraem pela sua rapidez permitindo uma interatividade até então impensável anos atrás. Em muitas mídias esse contato ou é auditivo (emissoras de rádios) ou é visual (imagens fotográficas) ou a soma do auditivo e do visual, comodidade trazida pela televisão e depois pelo desenvolvimento de diversos inventos multimídias a exemplo dos celulares que não só permitem a conversação pura e simples, como também oferecem várias outras funções dentre as quais a possibilidade de navegação na internet.

Graças à chamada inclusão digital, acessamos a internet através de micros estáticos ou por meio de notebooks e seus mais diversos segmentos impulsionados pelo sinal “wireless”, dentre outros. Portanto, não há dúvida nenhuma que isso é uma revolução incomensurável.

Entretanto, todos nós sabemos que as inovações criadas pelas mãos humanas possuem uma utilidade, ou seja, a capacidade inventiva do homem se aperfeiçoa quando ele consegue transformar uma idéia em praticidade, em melhoria para as demais pessoas. Todas as invenções são bem vindas, desde que utilizadas para o bem comum, criadas para minimizar o sofrimento, para reduzir tarefas, para encurtar distâncias, para aumentar a produção; enfim para melhorar a condição de vida das pessoas beneficiadas pelo invento. Foi assim com o fogo, com a roda, com a imprensa, com o cinema, com a revolução industrial, com os carros e navios movidos a vapor, com os automóveis com motores a explosão, com a eletricidade, com o rádio, com o relógio, com a televisão, com as máquinas, com o telex, com o fax, com o telefone, com o celular e com a internet. 

A internet é, guardadas as devidas proporções, uma criação humana semelhante ao badalado invento da televisão e do cinema. Com a internet, a vida mudou, o mundo mudou, tudo mudou. Para melhor, dirão muitos. Para pior, dirão alguns. Como ferramenta de pesquisa, de troca de informações, de encurtamento de tempo e de distância, dentre outras múltiplas utilizações é o maior invento que a mente humana criou. Mas, como já dito, continuará sendo assim considerada desde que utilizada para o progresso e para o bem comum das pessoas, como foi a televisão quando veio ao mundo.

Todavia, hoje muitos de nós fazemos parte da massa de críticos – não da televisão como invento – e sim da forma como esta maravilhosa geringonça vem sendo utilizada e nem precisaremos pormenorizar que este desvio foi causado pela péssima qualidade não só de programas sofríveis e intransmissíveis, como também pelos desqualificados profissionais que se utilizam dela para desinformar, para estagnar as famílias, para corromper a sociedade.

Com a internet, que nasceu como uma “jóia de grande valor” acontece algo semelhante. Há quem a defenda e há quem a incrimine. Hoje, furta-se, rouba-se e mata-se por intermédio dela. Tais crimes virtuais causam insegurança e pesadelos às instituições públicas e privadas, à polícia, aos legisladores e à justiça. Clonam-se senhas, cartões, números sigilosos, invadem-se computadores domésticos, de grandes corporações e do poder público, infiltram-se em páginas virtuais falsas objetivando vantagens ilícitas, implantam-se vírus que destroem arquivos, sendo ainda a causadora da proliferação da pedofilia através do crime em tempo real, permitindo a invasão da privacidade das pessoas através de sites, “portais” e “hospedeiros” devidamente cadastrados que se esquivam de suas responsabilidades pela má utilização do suporte que oferecem, além dos incontáveis endereços oficiais de cunho pornográfico e de sites especializados em fazer da invasão da privacidade alheia uma fonte de renda inesgotável.

O assunto foi abordado pelo jornal Folha de São Paulo[15]. Sob o título “Janelas Indiscretas, o desafio de combater o crime na rede”, o jornalista Roberto Kaz relata o dia-a-dia dos profissionais que cuidam de recepcionar e encaminhar aos órgãos governamentais, como a Polícia Federal, por exemplo, as denúncias de crimes praticados através do uso da internet. Segundo a reportagem “existem hoje no Brasil, cerca de 40 milhões de usuários da chamada rede social, composta de diversos sites de relacionamentos”.

Em toda a rede (que é virtual) detecta-se a ocorrência de crimes da vida off-line: maus tratos a animais, racismo, nazismo, invasão de privacidade, tráfico e apologia as drogas e pedofilia, citando os mais comuns. Há, por exemplo, dentro da rede de compartilhamento social, os denominados “Fóruns” ou “Comunidades” debatendo assuntos específicos que atraem opiniões favoráveis e contrárias.

No Orkut, por exemplo, existe um Fórum pela “legalização do estupro”, e as Comunidades “eu já cometi um homicídio” ou “sente o drama”, debochando da justiça letárgica, afirmando que “o bagulho é louco. Já o processo pode ser lento”. A reportagem revela que das 80 mil denúncias de crime cibernético levantados pela Polícia Federal em 2010, 65 mil deles chegaram pela Safernet, principal canal para denúncia de crimes cibernéticos no país. Mais da metade são de pedofilia.  

No Facebook, que detêm 12 milhões de perfis e que, diferentemente do Orkut (que tem acesso liberado e irrestrito), mantêm a maioria de suas páginas fechadas a desconhecidos (só acessadas por “amigos). Algumas delas, abertas à visitação, apresentam informações sem nenhum “interesse público”, tais como: em 29/07/2010, no perfil de um torcedor do Internacional (RS) está postada a seguinte frase: “vagabunda tem que apanhar. Mulher é bicho ruim, por isso vomito nelas. Coloraaaaadoooo!!!!”. Mais recentemente, em 22/01/2011, podia ser acessada a foto de um adolescente no Museu de Cera de Madame Tussauds, ao lado de uma estátua de Hitler, com a seguinte legenda: “esse aí tá junto pro que der e vier, hahahahaha!”.

Segundo o Delegado da Polícia Federal Stênio Santos, o Orkut é: “a primeira droga, aquela de fácil acesso.” Para ele, a internet não criou a pedofilia, “mas facilitou sua propagação”. Félix Ximenes, do GOOGLE, também entrevistado pela reportagem, se defende dizendo que a empresa não pode arcar com o conteúdo do que é publicado na rede: “é como se a gente brigasse pelo telefone e processasse a Telefônica”. Corroborando esta afirmação, a reportagem traz ainda a informação de que em Janeiro de 2011, o Superior Tribunal de Justiça negou pedido de indenização de uma mulher que teria sido insultada no Orkut, sob a alegação de que descabe ao provedor a prévia fiscalização do conteúdo das informações postadas, já que esta não é uma atividade intrínseca ao serviço por ele prestado.

Por isso é que se constata que a televisão e a internet se assemelham. Citando Stanilslaw Ponte Preta[16] que considerava a televisão, uma “máquina de fazer doido”, afirmamos, com indubitável certeza, de que a internet também merece dividir com ela esse título, senão abocanhá-lo sozinha!

A Igreja Católica que historicamente sempre se posicionou em assuntos áridos da existência humana não poderia ficar de fora sobre a questão da internet. Em matéria publicada no Jornal Folha de São Paulo[17] o Papa Bento 16 criticou a “vida paralela” na internet, pedindo que os católicos não usem perfis “artificiais” na rede, evitando substituir contatos reais pelos virtuais. Elogiando o potencial das redes, o Pontífice, que tem 83 anos e que escreve os seus discursos à mão, advertiu para os riscos de uma “existência paralela” no ciberespaço, afirmando que:

O contato virtual não pode nem deve substituir o contato humano direto com as pessoas. As novas mídias possibilitam a busca autêntica de encontro pessoal com o outro, mas requerem uma reflexão séria acerca do sentido da comunicação na era digital.

Entretanto, a “crítica” e a “preocupação” do Papa Bento 16 se esvai dentro da própria reportagem, uma vez que a sagacidade dos jornalistas é evidente quando afirmam que o Vaticano tem utilizado cada vez mais a Internet, pretendendo lançar, até o mês de abril de 2011, um novo portal multimídia, a princípio apenas em inglês e italiano, com outros idiomas acrescentados posteriormente, além de intensificar a presença da Igreja através de sites como o www.pope2you.net, um canal do You Tube e aplicativos para iPods e iPhones.

Ou seja, o mesmo poder que seduziu o mundo com a invenção da televisão, seduz agora com o advento da internet. Resumindo: a duas tecnologias são, fatalmente, máquinas de fazer doidos”.

2. A PRIVACIDADE

Além da multiplicidade e da rapidez ofertadas pelos meios de comunicação, vimos coexistir nos dias atuais duas ramificações de privacidade: a consentida e a invasiva. A primeira resulta da quebra de valores da personalidade da pessoa humana que passou a vender a própria imagem vinte e quatro horas por dia, expondo escancaradamente não só seus atributos físicos como suas idéias, suas opiniões e sensações. Um exemplo de caso da privacidade consentida, nos dizeres de Antonio Baptista Gonçalves[18] é o programa Big Brother, do romance de George Orwell (1984), onde o Big Brother controla a vida das pessoas através da televisão.

Neste caso, ocorre o que Gassen Zaki Gebara[19] denomina de: “comercialização da intimidade e da privacidade do cidadão”, transformada em mercadoria e alterando o “interesse público” da informação pelo “interesse do público” com total desprezo pelo real significado do direito à intimidade.

Interessante registrar que fomos destinatários de e-mail de três páginas sobre o “Big Brother Brasil” (BBB) – que já está em sua 11ª edição - comentando que através da Rede Globo conseguimos chegar ao fundo do poço, lembrando que o Império Romano desmoronou pela depravação dos valores morais e pela banalização do sexo. Citado e-mail questiona ainda:

Como um jornalista, documentarista e escritor como Pedro Bial, que cobriu a Queda do Muro de Berlim, se submete a apresentar um programa desse nível que já foi defendido até mesmo por um psicólogo de vanguarda, afirmando que o BBB ajuda a entender o comportamento humano?

O indigitado e-mail combate os milhões desembolsados pelos telespectadores em noites de paredão – ponto alto do programa – quando alguém é eliminado pelo voto dos incautos através de ligações ou envio de torpedos e o muito que se poderia fazer com o dinheiro, para finalmente concluir que:

Assistir ao BBB é ajudar a Globo a ganhar rios de dinheiro é destruir o que ainda resta dos valores sobre os quais foi construída a sociedade. Um abismo chama outro abismo! (Grifos).

Pedro Bial[20], ao que tudo indica, não estaria muito preocupado com a sua imagem dentro do programa:

Esse papo de credibilidade (...) Quem quer isso é pastor, padre. Não vou fundar igreja, não quero que acreditem em mim. Os jornalistas em geral se levam muito a sério.

Nosso trabalho volta a focar as outras duas categorias da raça humana: as pessoas comuns e aquelas que detêm notoriedade, as pessoas públicas. Com relação às pessoas comuns não há contenda alguma a merecer grande ponderação. Muitos entendem que o direito fundamental da privacidade foi insculpido apenas e simplesmente para esta categoria de mortais. Já no tocante às personalidades a ótica é diferente. Há quem defenda, principalmente no campo jornalístico, que as pessoas públicas não possuem o direito à privacidade justamente porque suas trajetórias interessam a grande maioria da população. Tais celebridades ao atingirem o ápice da fama, argumentam alguns, abriram mão de sua privacidade despindo-se do traje e do direito à intimidade. Outros tantos afirmam que elas possuem o direito minimizado diante da importância da figura pública e notória que representam.

Vejamos como isto se dá. Citando dois casos concretos, um ocorrido no Brasil e outro nos Estados Unidos, a jornalista Isabela Rodrigues Veiga[21], em seu trabalho de Mestrado apresentado no XII Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação da Região Sudeste tenta demonstrar que a vida privada das pessoas famosas é pública, ou seja, é de interesse público e passível de invasão. O caso brasileiro envolveu o cantor Chico Buarque e ocorreu em março de 2005, quando ele foi fotografado na companhia de uma morena, na praia do Leblon, no Rio de Janeiro. Chico teria interpelado o fotógrafo para não divulgar as fotos; ele não o atendeu, vendendo o material para a Revista Quem. O fotógrafo foi entrevistado pelo Jornal do Brasil em 13 de março de 2005, assim declarando:

Cheguei a pensar em não publicar, mas pensei: “o que estou fazendo de errado? É como diria Sérgio Cabral: “não quer aparecer não sai de casa”. Chico deu mole, não tem como negar. Se a Vera Fischer passar pelada na rua eu não vou fotografar”? – Citando CALDEIRA[22]: “Muitas celebridades sempre sonharam em ficar famosas. Mas depois não podem querer andar na rua como um anônimo. Tudo tem um preço”.

O caso norteamericano nasceu na esfera judicial em 1892, quando um juiz de Nova York, apreciando o caso Schuyler versus Curtis, pronunciou a seguinte sentença:

No momento em que alguém voluntariamente se expõe ao público, seja aceitando um cargo público ou se candidatando, ou sendo um artista, essa pessoa abdica do seu direito à privacidade.

 Citados casos fizeram com que a jornalista Veiga[23] afirmasse que: “as pessoas célebres, uma vez expostas voluntariamente ao público, abdicam em parte de sua intimidade como preço da fama ou do prestígio que possuem, para assim concluir: “o direito à intimidade possibilita uma maior proteção aos cidadãos comuns do que aos homens públicos ou céleres”.

Fazendo um contraponto, o jornalista Francisco José Karam[24], adentra no tema com muita propriedade questionando como poderemos respeitar a privacidade do cidadão quando a sociedade precisa ter conhecimento de casos relevantes? Como poderemos defender um jornalista que busca sua própria fama e envolve o nome de uma personalidade em fato que não possui nenhum interesse público? E quando é a própria personalidade a “forjar” um aparecimento em busca de prestígio com a divulgação? Como coincidir os relatos ou verdades com os interesses comerciais, financeiros e mercadológicos da mídia?

A constatação feita por Karam é muito interessante porque analisa os aspectos e todos os atores envolvidos no cenário deste nosso trabalho: os maus profissionais da imprensa que invadem a vida das pessoas por interesses próprios, as celebridades que fabricam notícias para se beneficiar e os donos da mídia, que muitas vezes transformam o interesse público, no interesse do público.

Dessas colocações tiramos uma grande lição: no campo do estrelato e da mídia convivem harmoniosamente, os jornalistas, os fotógrafos, as pessoas públicas e as celebridades, profissionais que ainda valorizam a ética em suas áreas de atuação e que possuem vidas privadas sem sobressaltos. Numa disputa limpa entre esses “craques” na acepção do termo, impera o denominado “fair play”: cumprem-se as regras, cada equipe respeita o espaço do oponente, ninguém “esconde o jogo”, não se faz “cera”, não se humilha o adversário, não existem carrinhos nem faltas desnecessárias e a posse de bola é disputada com lealdade. O resultado final deste “clássico” é aceito com muita tranqüilidade. Ganha a equipe que tiver se aplicado melhor nos fundamentos. 

Por outro lado, nos mesmos órgãos de imprensa e nos mesmíssimos locais de convívio comum do estrelato, existem os “amadores”. Quando estes “pernas de pau” conseguem formar vários grupos de “iguais”, formam equipes de segunda linha que não “entram em campo”, já que permanentemente se encontram a campo o tempo todo, disputando o “vale-tudo”, onde impera a deslealdade como forma de sobrevivência. Quando se enfrentam, não há como reclamar da baixaria, dos golpes baixos, dos gols feitos com a mão, ou em situação de impedimento, simplesmente porque são iguais.

O problema ocorre quando há o encontro dos craques com os amadores. No “derby” entre pessoas públicas e personalidades altamente qualificadas de um lado e o “escrete” de jornalistas, fotógrafos e apresentadores amadores ocorrerá verdadeiro massacre, pois o primeiro que joga bonito, estilo “academia” não resistirá diante da falta de tática, de ética e de escrúpulos do adversário que almeja invadir o campo e a intimidade dos seus oponentes, sempre de forma sub-reptícia para poder, ao final da peleja, tripudiar sobre seus oponentes, entoando glórias pelo estrago nas vidas alheias.

Em outro campo, podemos vislumbrar outra partida, o “choque-rei” colocando frente a frente uma imbatível seleção com os melhores articulistas, jornalistas, apresentadores, comunicadores, redatores, fotógrafos e demais atletas de peso e de prestígio da imprensa em geral, reconhecidos pelo profissionalismo que neste dia enfrentam uma turma da pesada que não leva desaforo para casa ou, o que é pior, transformam tudo em homéricos desaforos: são as celebridades e personalidades públicas que se encontram abaixo da linha da ética, daquilo que entendemos como sujeitos “bons de bola”. Esse time de segunda divisão vai utilizar de toda a manha possível, de toda a “catimba” necessária para vencer o jogo. Se os craques da imprensa estiverem com a bola, “simularão” que sofreram faltas, jogando a torcida contra eles. O goleiro simulará que foi agredido pelo centroavante do jornal famoso para depois tirar proveito no campo e fora dele, durante muito tempo. Todos eles, falsas promessas de pessoas públicas, personalidades de nada e de ninguém irão cavar faltas em jogadas ensaiadas ou premeditadas para “pressionar o Juiz” (literalmente falando) para que ele “decida” em seu favor. Farão de tudo para vencer no campo, pela pressão, pela artimanha, pela deslealdade, pelo “cai, cai” e se não conseguirem vencer, com certeza tentarão “recuperar” os pontos no “tapetão”, sempre utilizando a fé pública dos “fenômenos” da imprensa na defesa dos seus próprios interesses. Infelizmente, esse jogo, como muitos outros que já assistimos, não acabará bem.

Ao término da “rodada futebolística”, pudemos reconhecer as diferenças das equipes envolvidas que exigem imediata mudança de regras e de comportamentos, da necessidade de exemplar punição ao anti-jogo, eliminando-se os componentes medíocres. Há que se efetuar uma mudança estrutural do próprio “campeonato”, expurgando os “atletas” que jogam em nome do quanto “pior-melhor”.

Neste jogo de invasão de privacidade, Antonio Baptista Gonçalves[25] nos ensina ser falsa a noção de alguns jornalistas de que celebridade não possui intimidade, afirmando que ela pode até ser diminuída, mas nunca abolida, opinião igualmente esposada por Stéphanie Assis Pinto de Oliveira[26] quando fala em limitação e não supressão da vida privada. Para ele, muitas informações são forjadas e manipuladas pela mídia, conforme seu próprio interesse, aumentando os fatos demasiadamente, citando, como exemplo, o apresentador Nelson Rubens, dono do bordão “eu aumento, mas não invento” como elemento pernicioso a macular a imagem da personalidade enfocada. Para ela, a invasão somente se justificaria diante de motivo significativo e de real interesse público e não apenas o de informar.

No caso do fotógrafo que flagrou o cantor Chico Buarque perguntaríamos: Havia interesse público na divulgação da foto? E o que é interesse público? Larissa Savadintzky[27] comenta que a discussão do que seria “interesse público” não é apenas brasileira, desenvolvendo-se em nível internacional e que nem os acadêmicos, nem os eruditos, nem os cientistas; ou seja, que até hoje, nenhuma inteligência chegou a um consenso.

George Marmelstein[28], Juiz Federal e Professor de Direito Constitucional mantêm um blog sobre direitos fundamentais, enumerando diversos casos de celebridades que acionaram a justiça em face dos perversos meios de comunicação que invadiram suas privacidades, como, por exemplo:

O caso Luana Piovani e Dado Dolabella contra o Programa Pânico na TV, da Rede TV, que obrigou a emissora a desembolsar cerca de R$ 300 mil reais ao casal, além de multa diária no caso de exibição de imagens. Outra que também processou o mesmo programa foi a atriz Carolina Dieckman, “homenageada” a calçar as “sandálias da humildade”. Neste caso, a invasão de privacidade foi no apartamento da atriz, onde a mesma residia com seu filho menor. Carolina manifestou sua vontade de não aparecer nem participar da brincadeira; entretanto, isso de nada adiantou. No Acórdão por ela vencido, manifestou-se interesse imediato da criança em ter resguardada a sua honra e a liberdade de imagem e de locomoção de sua mãe.

Segundo nota capturada em site especializado sobre pessoas famosas[29], Carolina deveria receber cerca de R$ 1,5 milhão da Rede TV, R$ 50 mil de indenização mais multa de R$ 500 mil para cada veiculação não autorizada. Outros programas de TV foram igualmente alvo de indenizações milionárias, como o caso do Programa CQC, da Rede Bandeirantes[30] apresentado por Marcelo Tass. Após chamar as integrantes do Grupo Sexy Dolls de prostitutas, a atração deixou de ser exibida ao vivo por algumas semanas. Conhecemos ainda outras celebridades que foram invadidas em suas privacidades. Marmelstein[31]nos relata o caso Thiago Lacerda versus Gugu Liberato que leiloou em rede nacional uma sunga utilizada pelo ator na Peça “Paixão de Cristo”, sem a sua autorização. Comenta ainda sobre o escândalo que quase acabou com a família da atriz Glória Pires por causa de boatos de que ela estava se separando de Orlando Morais porque o cantor estaria tendo um caso com a filha da atriz, a também famosa Cléo Pires que na época tinha apenas dezesseis anos. A ação, que tramitou no TJRJ fixou indenização de R$ 200 mil para a atriz, R$ 100 mil para o cantor e R$ 300 mil para Cléo Pires.

Chico Buarque volta a fazer parte do nosso ensaio, vez que foi citado pelo dono do blog na fofoca envolvendo o cantor e sua esposa, a atriz Marieta Severo. Ambos recorreram à justiça e obtiveram indenizações de R$ 500 salários mínimos cada um. O referido Juiz Federal e Professor de Direito Constitucional coleciona também casos em que as celebridades não obtiveram êxito, como a tentativa da atriz Nívea Stelmann que pleiteou indenização pela exposição de fotos não autorizada; do ator Gerson Brenner contra uma revista que teria publicado a sua separação; da atriz Deborah Secco contra a publicação de fotos em novas capas da revista Playboy, dentre tantos outros casos que não conseguiram provar a ocorrência de dano.

George Marmelstein[32] nos relata ainda um caso “sui generis” que apesar de não ser tão interessante, foi um dos únicos sobre direito à imagem que chegou até o STF. Trata-se do caso “Cássia Kiss” versus Editora Ediouro que publicou fotos da atriz, sem autorização, na capa das revistas “Remédios Caseiros” e “Coquetel”, de palavras-cruzadas:

Não era uma foto constrangedora, mas mesmo assim a atriz ingressou com ação de indenização, pedindo a reparação dos danos materiais e morais. O STF concordou com a atriz e reconheceu tanto o dano material quanto o dano moral. Veja a Ementa: EMENTA: CONSTITUCIONAL. DANO MORAL: FOTOGRAFIA: PUBLICAÇÃO NÃO CONSENTIDA: INDENIZAÇÃO: CUMULAÇÃO COM DANO MATERIAL: POSSIBILIDADE. Constituição Federal, art. 5º, X. I.Para a reparação do dano moral não se exige a ocorrência de ofensa à reputação do indivíduo. O que acontece é que, de regra, a publicação da fotografia de alguém, com intuito comercial ou não, causa desconforto, aborrecimento ou constrangimento, não importando o tamanho desse desconforto, desse aborrecimento ou desse constrangimento. Desde que ele exista, há o dano moral, que deve ser reparado, manda a Constituição, art.5º,X. II. –R.E. conhecido e provido.

Como pudemos observar celebridade ou não, tratando-se de invasão da esfera da privacidade ocorre afronta a um direito fundamental; entretanto, como já verificamos, coexistindo dois princípios fundamentais de mesma envergadura, um deles fatalmente perecerá, solução exarada não só pelo judiciário pátrio como também pelos tribunais de outras Nações, como nos informa Gassen Zaki Gebara[33] sobre decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos:

Em polêmica decisão, apesar das Leis Federais americanas proibirem gravações de conversas alheias, a Corte convenceu-se da existência de um conflito entre interesses individuais e coletivos da mais alta ordem, preponderando à tese de que as informações eram de interesse público, com uma votação de 6 votos a favor e 3 contrários, defendidos por juízes mais conservadores. Constou do relatório que a decisão só vale para informações especiais sobre figuras públicas e com interesse público. Nas palavras do juiz: “não estamos dando imunidade para a mídia sair bisbilhotando”.

 Afirmação que, segundo seu entendimento, não cerrou as portas para um precioso precedente para a imprensa de escândalos dos EUA. Dito isto, tivemos acesso de uma nota inserida em sítio especializado na vida das celebridades[34], de que os atores Catherine Zeta-Jones e Michael Douglas processaram e ganharam a ação movida contra a revista britânica Hello! Pela divulgação não autorizada de fotografias do casamento dos atores que fizeram de tudo para manter a imprensa afastada da festa de casamento, mas não conseguiram.

 Cláudio Lembo[35] também ilustra um assunto internacional sobre a liberdade de expressão:

A liberdade de expressão do pensamento, a partir de setembro de 2005, mereceu questionamentos muito profundos a respeito de sua extensão e da responsabilidade de quem a emite. Um jornal dinamarquês –Jyllands-Posten- publicou doze caricaturas do profeta Maomé, segundo expresso pelo editor do diário, Fleming Rose, em resposta a vários incidentes de sectarismo verificados em países europeus que hospedam comunidades muçulmanas. Escreveu o editor a vários colunistas, solicitando que tratassem o profeta de conformidade com o ângulo de visão de cada um. Ao publicar as doze charges, o jornal dinamarquês causou revolta entre os muçulmanos europeus em todo o mundo islâmico. O debate, que se seguiu no mundo Ocidental, mostrou as facetas do pensamento múltiplo do próprio individualismo. O editor, que premeditadamente convocou cartunistas a elaborarem caricaturas de Maomé, defendeu-se apontando para um debate construtivo sobre a liberdade de expressão, do qual participaram crentes islâmicos e laicos europeus. As mais contraditórias opiniões foram expostas no conflito de idéias que se estendeu por toda a parte. Alguns chegaram a brandir a concepção de um direito à blasfêmia ou de um direito de ofender de que seria titular cada pessoa (grifos).

Voltando ao instigante livro do jornalista Francisco José Karam[36], registramos o caso do cantor CAZUZA, que repercutiu em toda a imprensa brasileira. Trata-se da veiculação de foto do cantor, já em fase terminal da AIDS, doença que o vitimou:

A Revista Veja, sob o pálio de uma reportagem completa com o cantor Cazuza, resolveu estampar a foto do cantor na página da edição que circulou em abril de 1989. O próprio Cazuza e diversas celebridades se levantaram contra a publicação da foto (...) Veja tratou tanto de sua obra e coragem quanto de sua doença. Segundo a Professora da Universidade de Brasília, Célia Ladeira: “qual a opção feita por VEJA? Ao escolher para a capa a foto de um Cazuza esquálido e sério, fotografado com um jogo de sombras a lhe obscurecer metade do rosto (logo ele, Cazuza, que havia preferido o jogo aberto dos holofotes…), ao fazer essa opção, Veja preferiu o estigma, a lição em praça pública (o espaço público de uma capa de revista) para os que sofrem de Aids…” O público e a própria revista se manifestaram na edição seguinte, de 10 de maio de 1989. Veja argumentou, após o manifesto “Brasil, mostra a tua cara”, de que houve fidelidade aos fatos relatados por Cazuza e se defendeu argumentando ainda que personalidades públicas como José Sarney ou Paulo Maluf, apesar de duramente criticados, nunca se insurgiram contra a liberdade de informação que os atingira. Indiretamente buscou responder ao questionamento feito por Marília Pêra à TV Cultura de São Paulo ao indagar o que é liberdade de imprensa? O que é liberdade de expressão? Respondia também para Fernanda Montenegro (que também assinou o manifesto dos artistas “Brasil, mostra a tua cara”) e que havia sugerido, em entrevista ao Jornal Nacional, que deviam lutar pelo direito de saber no que resulta uma entrevista de um artista ou indivíduo. Veja perguntou: ‘esse direito, se levado em prática, coloca dificuldades de ordem operacional. Ao se entrevistar e fotografar Mikhail Gorbatchev, ou o General Leônidas Pires Gonçalves, ou Paul McCartney, ou o Papa João Paulo II, ou Cazuza, deve-se levar a reportagem para eles aprovarem? Por que, então, num espetáculo de Fernanda Montenegro ou Marília Pêra o público que paga ingressos não têm o direito de ler o texto da peça, opinar sobre os detalhes da cenografia e empostação de voz da encenação? O aiatolá Khomeini tem respostas claras a essas perguntas prosaicas. Quando não concorda com a arte de um escritor como Salman Rushdie, manda matá-lo. Rushdie deveria ter mandado Os Versos Satânicos a Khomeini, antes de publicar o romance?A revista comenta que o manifesto contou com ilustres assinaturas (Pelé, Roberto Carlos, Xuxa, Lobão, por exemplo), dizendo que: “com Cazuza é perfeitamente possível que 510 pessoas considerem o cantor um herói de nosso tempo e que o que ele diz está dito, bendito, bendito ele entre os malditos. Mas que não queiram impor essa idolatria cega a quem pensa de maneira diferente. Ou a quem está empenhado em contar as coisas como são – por mais tristes e terríveis que sejam – e não como gostariam que fossem”.

A defesa feita pela Revista Veja para acobertar o sensacionalismo da foto publicada não se sustenta porque se todos os profissionais que participam de uma entrevista estiverem imbuídos do “interesse público” não “manipularão” a reportagem que será aprovada pelo interessado e pelos leitores, sem a necessidade de prévia autorização do mesmo. Entretanto, se os citados profissionais – e os donos dos órgãos de imprensa - estiverem a serviço do interesse do público, com autorização ou sem autorização, o estrago será consumado.

Sobre o Cazuza cantor, cuja expressão e repertório musical pautaram o idealismo de alguns artistas e algumas centenas de fãs, não se pode afirmar que tenha sido herói de alguma coisa ou de alguém. Filho de pessoas influentes, este Cazuza, a exemplos de muitos outros Cazuzas que acham que podem tudo, utilizava seus shows para (num deles) “cuspir” na bandeira do Brasil, entoando palavras de ordem como se a sua história fosse suficiente para transformá-lo em algum novo “ícone” revolucionário ou algo que o valha.

Essa atitude do cantor foi reproduzida num blog[37] denominado “mundo cólica”, cujo objetivo é: “falar sobre as dores do mundo, não por causa social ou em uma visão poética, falar das dores do mundo no mais popular possível”. No referido espaço encontra-se postada uma matéria mencionando que o Jornal do Brasil entrevistou várias pessoas sobre a atitude do cantor que, durante um show, cuspiu na bandeira do Brasil.

O próprio Cazuza utilizou o referido blog para responder:

Está havendo uma polêmica, um escândalo, como diz o JB (jornal do Brasil) de terça-feira, 18 de outubro, com o fato de eu ter cuspido na bandeira brasileira durante a música BRASIL, no meu show de domingo no Canecão. Eu realmente cuspi na bandeira, e duas vezes. Não me arrependo. Sabia muito bem o que estava fazendo, depois que um ufanista me jogou a bandeira da platéia. O senhor Humberto Saad declarou que eu não entendo o que é a bandeira brasileira, que ela não simboliza o poder, mas a nossa história. Tudo bem, eu cuspo nessa história triste e patética. Os jovens americanos queimavam sua bandeira em protesto contra a guerra do Vietnã, queimavam a bandeira de um pais onde todos têm as mesmas oportunidades, onde não há impunidade e um presidente é deposto pelo ‘simples’ fato de ter escondido alguma coisa do povo. Será que as pessoas não têm consciência de que o Vietnã é logo ali, na Amazônia, que as crianças índias são bombardeadas e assassinadas com os mesmos olhos puxados?Que a África do Sul é aqui, nesse apartheid disfarçado em democracia, onde mais de cinqüenta milhões de pessoas vivem á margem da Ordem e Progresso, analfabetos e famintos? Eu sei muito bem o que é a bandeira do Brasil, me enrolei nela no Rock’n’Rio junto com uma multidão que acreditava que esse país podia realmente mudar. A bandeira de um país é o símbolo da nacionalidade para um povo. Vamos amá-la e respeitá-la no dia em que o que está escrito nela for uma realidade. Por enquanto, estamos esperando.

A história provou que o Cazuza revolucionário estava enganado. Primeiro porque não fez nada para mudar a situação que combatia e cuspir no Pavilhão Nacional “contra” o “status quo” é cuspir contra si mesmo, mesmo porque não há como comparar as diferenças culturais entre os jovens americanos e os brasileiros. Ele, como jovem brasileiro, o que fez para mudar a realidade do nosso país? Cantou? Cazuza, com todo o respeito, não foi figura revolucionária de nada, nem dele mesmo.

Sobre o Cazuza cidadão, os fatos que vieram à tona comprovaram que a Veja errou, vendendo a capa com sua foto e vendendo-se aos interesses do público faminto que na época assinava ou comprava a referida publicação que, em muitas oportunidades, além dessa, se mostrou rancorosa, exagerada, afoita e perniciosa no que concerne ao assunto da invasão de privacidade.

Por tudo isso, muito bem recebidas as palavras da jornalista Isabela Rodrigues Veiga[38] quando afirma que a limitação da liberdade de imprensa é um crime contra a sociedade; entretanto - como ela mesma salientou - se a imprensa tiver toda a liberdade para traçar seus próprios limites, haverá lesão aos direitos da privacidade.

Ilustrando a dificuldade de se encontrar o exato limite entre a liberdade de expressão e a privacidade, calha mencionar a reportagem veiculada no periódico paulista Folha de São Paulo[39] informando que “Dono de jornal é alvo de atentado no Paraná”. Segundo a nota, a casa do diretor de redação do jornal “Morretes Notícias”, da cidade de Morretes (PR), Orley Antunes, foi alvo de atentado a bomba. Para Antunes, proprietário do jornal e de um blog que trata dos problemas da cidade, o objetivo do atentado – já que ninguém se feriu - era assustá-lo: “eu achava que era vandalismo. Agora vi que é intimidação”. Ex- Secretário Municipal de Turismo entre 1989 e 1992 e entre 2001 e 2005, Orley afirmou na reportagem que estava “incomodando” os políticos locais por meio do jornal e do blog.

Não houve aprofundamento da reportagem sobre o que estaria incomodando os políticos locais, todavia, atentados contra a liberdade de expressão como o relatado não deveriam mais acontecer; do mesmo modo, os meios de comunicação também não devem – se é que o fizeram – abusar da liberdade de expressão para atingir pessoas públicas. Eis o maior desafio: a exata dosagem dos princípios em jogo.

3. O CHOQUE DE PRINCÍPIOS

Os casos concretos que utilizamos para colorir o nosso ensaio demonstram a máxima “cada caso é um caso”; ora vimos prevalecer o direito à privacidade como um princípio em si mesmo, vez por outras, venceu o da liberdade de expressão, comprovando que ambos possuem heterogeneidade: no caso concreto um sobrepujará o outro, mesmo que isso não signifique existir - tese defendida por vários doutrinadores pesquisados - hierarquia entre si.                                                       

Claudio Lembo[40] confirma a preocupação esposada em nosso trabalho de que o direito à privacidade perdeu terreno para a liberdade de expressão ao afirmar que o direito à intimidade é “aquele que mais sofreu degradação ou contaminação pelo contágio com a tecnologia”.

Ocorre que, citando Cássio Augusto de Barros Brant[41] ambos, direito à informação e proteção da personalidade são regras constitucionais e, quando em choque ocorre um conflito aparente superado através do equilíbrio. Para Alexandre Araújo Costa[42], nestes casos deve imperar a flexibilidade e harmonização das normas, pelo controle da razoabilidade, levando-nos a reiterar que sendo misturas não homogêneas, a simples combinação causa reação e resultado explosivo.

Ele afirma que as leis restritivas são uma das expressões: “mais claras e problemáticas da discricionariedade do legislador”. Joubert Farley Eger, Denise Carvalho Thives, de et all, citam CANOTILHO[43], para quem:

Quando o exercício de um direito fundamental por parte de um titular conflita com o exercício de direito fundamental de outro, ocorre o choque de direitos.

 Luiz Guilherme Arcaro Conci[44], constrói seu pensamento citando ALEXY:

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É a partir do caso concreto que se constrói o conteúdo jurídico dos princípios o que informa que em caso diferente o mesmo princípio pode ser construído com conteúdo jurídico diverso porque os princípios estipulam uma relação de precedência referida unicamente ao caso que se decide, ou seja, são as condições fáticas e jurídicas do caso concreto e os princípios e regras em colisão que firmam a precedência de um princípio sobre outro.

Outro que comenta sobre a colisão dos princípios é o co-autor José Eduardo Junqueira, na obra de Celso Martins Azar Filho[45], chamando o direito da liberdade de expressão e da privacidade de: “princípios constitucionais do mais elevado quilate” e que por isso é necessário que se aborde, analise e se discuta como eles se interagem, se relacionam e até mesmo se contradizem, já que as divergências doutrinárias e jurisprudenciais são inúmeras.

 Na contramão dos autores visitados, a Advogada Stéphanie Assis Pinto de Oliveira[46] afirma categoricamente que em: “face do princípio da unicidade constitucional, a Constituição não pode estar em conflito consigo mesma”, defendendo que o operador do direito deve chegar a uma vontade única evitando contradições e, segundo seus apontamentos, parte da doutrina já estabelece valor maior aos direitos da personalidade quando ocorre eventual colisão com demais princípios; portanto os direitos da personalidade deveriam prevalecer em qualquer situação:

Para compreendermos de onde surge o interesse das pessoas na vida alheia seria necessário um profundo estudo psicológico, mas à primeira vista nos parece que o mesmo não justifica a imposição de prevalência do direito de informação e expressão sobre o da privacidade e intimidade. Defendemos que a mídia pode continuar explorando esse infundado desejo do público pela invasão à privacidade alheia, desde que o titular da privacidade invadida concorde com isso (grifos).

Essa afirmativa reflete nosso esforço argumentativo de que o direito à privacidade está em grau infinitamente superior ao de qualquer outro, seja ele qual for. O trabalho produzido por José Laurindo de Souza Netto[47] merece aprofundamento doutrinário ao afirmar que:

O direito da personalidade não depende da inclusão no ordenamento do direito positivo das regras relativas. O Magistrado nos ensina ainda que: “... não são encontrados vários direitos de personalidade, existe o direito da personalidade, um direito único de conteúdo indefinido e variado que não se identifica coma norma positiva (grifos).

Para o professor e Magistrado nenhuma norma codificada consegue disciplinar e tutelar totalmente a unicidade da personalidade humana, utilizando-se ainda da frase de SZANIAWSKI[48], para quem: “o princípio da dignidade da pessoa humana constitui-se em cláusula geral de proteção da personalidade no Brasil”, para logo depois nos brindar com a frase lapidar de NUNES[49], texto que consta da epígrafe do nosso trabalho, dando conta de que:

A dignidade da pessoa humana está acima de qualquer discussão, considerada como o primeiro fundamento e a última morada dos direitos fundamentais.

Para o operador do direito Souza Netto:

A dignidade da pessoa humana é a base do Estado Democrático, vetor hermenêutico indispensável para o balanceamento dos valores e interesses nos casos de colisão de direitos fundamentais, remetendo ao reconhecimento da superioridade do indivíduo como valor intangível, exigindo proteção frente a todo poder (grifos).

Como não se encorajar com a opinião de que a dignidade, como valor supremo a orientar a interpretação constitucional é “imponderável de ceder diante do caso concreto, a outro direito qualquer que lhe seja”, diante da assertiva de que “a interferência do núcleo da dignidade humana não é coberta pela liberdade de expressão?”

Nossa afirmação pode ser ilustrada por um caso concreto, trazido por Priscyla Costa[50]. Trata-se do caso do Promotor de Justiça de São Paulo, Thales Ferri Schoedl, réu confesso de matar um rapaz e ferir outro, em dezembro de 2004, em Riviera de São Lourenço, condomínio de veraneio de Bertioga, no litoral paulista. Segundo a jornalista, o Programa Domingo Espetacular, da Rede Record, apresentado por Paulo Henrique Amorim fez diversas reportagens sobre o cotidiano do Promotor, mostrando detalhes de sua vida particular, através de gravações com câmeras e microfones escondidos. O Advogado de Thales conseguiu liminar contra a veiculação da reportagem e em março de 2008 obteve decisão de mérito que acolheu o argumento de abuso do direito de imprensa, fixando multa diária de R$ 100 mil para cada vez que as cenas forem ao ar. Segundo a sentença: “Nada impede a gravação de imagens do requerente em locais públicos. Porém, constitui ato ilícito a gravação de imagens do autor em ambientes privados, sem seu conhecimento ou consentimento”.

Como identificaríamos o caso do Promotor Thales? Será que ele ficou famoso porque sendo Promotor virou também réu confesso? Ou será que já era famoso antes e com o crime virou uma personalidade às avessas? A Juíza não o tratou como pessoa famosa que tem “um nome a zelar”, porque isso, com certeza, ele não mais detêm. Na realidade, ela considerou sua privacidade como um bem da vida acima do direito à informação, desprezando seu cargo e sua posição Ministerial (se é que ele ainda o possui), para defender sua dignidade – lembrando que ele desprezou às de seus desafetos - sentenciando sem se deixar contaminar pelo desprezível e imotivado crime que ele cometeu, procurando vê-lo como um cidadão comum que teve a intimidade e a privacidade invadida pela reportagem, que poderia ter sido veiculada sem as cenas obtidas de forma sub-reptícias.

Sintetizando: se a imprensa não tem o direito de expor a privacidade de réu em crime de grande repercussão pública, sem o seu conhecimento ou consentimento, o que dizer das pessoas comuns ou das celebridades, que não figuram em processos judiciais? Todas elas, grosso modo, são destinatárias desse direito à privacidade, à imagem e a intimidade, porquanto tal leque de direitos fundamentais faz parte de um postulado maior e inquebrantável que é: a dignidade da pessoa humana (grifos).

No artigo produzido por Gassen Zaki Gebara[51]existe a narração de um fato que praticamente paralisou o país, drama vivido por um famoso apresentador de televisão que ficou, dentro da sua residência, por mais de seis horas nas mãos de um sequestrador e como a imprensa, durante a cobertura, acabou por fornecer todos os pontos deficientes da segurança não só da casa como do bairro inteiro, tudo em nome do “interesse público”, transmitindo tudo em tempo real, com altos índices de audiência.

Por tudo quanto já dito, identificamos que nem a doutrina nem a jurisprudência conseguiram produzir receita eficaz solucionável para diversos casos concretos. Verificam-se decisões distintas em casos de aspectos semelhantes e decisões idênticas em casos diametralmente opostos.

Há que se atentar para a imperiosa necessidade de parametrização dos casos invasivos da privacidade alheia através dos meios de comunicação para minimizar ou estancar definitivamente a ocorrência dos choques dos princípios considerados fundamentais.

4. O JUSNATURALISMO

Não teríamos uma tarefa muito árdua pela frente se pretendêssemos negar a existência de choque, de colisão ou de colidência dos princípios fundamentais bastando, para isso, interpretarmos as palavras de Cláudio Lembo[52] sobre a fonte dos direitos fundamentais:

A corrente jusnaturalista, que defende a idéia de que os direitos da pessoa preexistem à própria humanidade (...) Da Lei Eterna, emanada da razão ou vontade de Deus, que ordena todas as coisas, inclusive o direito inerente aos seres humanos, dimana o Direito Natural que é, pois, conseqüência da Lei Eterna e não foi posto por ninguém, salvo por Deus. O Direito Natural é próprio das pessoas, mesmo antes de sua concepção e nascimento (grifos).

O referido doutrinador nos brinda com o primeiro registro histórico da existência do Direito Natural, nascido do diálogo entre Creonte e sua sobrinha, Antígona, na obra de Sófocles (Circa 440 a.C.), que leva o nome dessa mulher corajosa e destemida que desobedeceu a Lei imposta pelo Tio Creonte, rei de Tebas, que proibia o sepultamento do corpo de seu irmão, Polinices.

George Marmelstein[53], também comenta o mesmo fato, fazendo a seguinte tradução do diálogo entre Antígona e Creonte:

Antígona- Descumpri mesmo (a lei que proibia o sepultamento). Quer saber porquê? Porque não foi Zeus que a proclamou! Não foi a justiça, sentada junto a deuses inferiores; não, essas não são as leis que os deuses tinham algum dia prescrito aos homes, e eu não imaginava que as tuas proibições fossem assaz poderosas para permitir a um mortal descumprir as outras leis, não escritas, inabaláveis, as leis divinas! Estas não datam de hoje nem de ontem,e ninguém sabe em que dia foram promulgadas. Poderia eu, por temor de alguém, qualquer que fosse, expor-me à vingança de tuas leis?

O referido magistrado ressalva que na mesma peça existe outro diálogo que nem sempre é citado, demonstrando que o grande vitorioso desse embate não foi o direito positivo autoritário nem o direito natural. Citando STONE [54]: “quem venceu foi o direito democrático”. Trata-se do diálogo entre Creonte e Hémon, seu filho que, de forma até meio petulante questiona a ordem do pai de manter a punição contra Antígona:

“-Creonte: - não está Antígona violando a lei?

-Hémon: - o povo de Tebas não concorda com você.

-Creonte:- querias que a cidade me dissesse que ordens devo dar?

-Hémon:- agora é você que fala como um menino. [pouco antes, Creonte havia perguntado se cabia a seu filho ensinar-lhe sabedoria].

-Creonte:- deverei reinar conforme julgam os outros ou segundo meu próprio discernimento?

-Hémon:- uma pólis governada por um só homem não é uma pólis.

-Creonte:- então o Estado não pertence àquele que o governa?

- Hémon:- sem dúvida, num deserto desabitado poderia governar sozinho”.

Ao final, o professor constitucionalista reafirma que a vitória foi da democracia, opinião que merece respeito e reflexão. No entanto, por tudo o que já foi dito aqui, fica claro que não há direito democrático ou uma democracia pura que sobreviva sem reservar ao direito da dignidade da pessoa humana um diferencial capaz de proteger a polis, não contra a liberdade de expressão, mas contra a invasão da privacidade das pessoas que não desejam, declaradamente, dividir sua intimidade com ninguém, celebrando um “contrato” com o Estado que lhes assegurem as garantias fundamentais e individuais de não serem molestadas se assim não desejarem, em nome das regras naturais e do princípio da existência da pessoa humana, cujos direitos lhe são inatos desde a concepção com vida.

Se assim o é, precisamos mergulhar ainda mais para entender esse tipo de jusnaturalismo cortejado e reconhecido pela raça humana e aceito pela vontade geral, que, no entendimento de Jean-Jacques Rousseau[55], “é sempre reta e tende sempre para a utilidade pública”. 

Em outro ponto de sua obra[56] o filósofo, escritor, compositor, teórico, político e um dos maiores pensadores do Século XVIII, traduz o exato momento em que a vontade geral, resultante da união de entendimento do corpo social, vê a necessidade do nascimento da figura do legislador para transformar o Direito Natural em regras positivadas:

De que maneira uma turba cega, que em geral não sabe o que quer, porque raramente conhece o que lhe convêm, executará por si mesma um empreendimento de tal importância e tão difícil como um sistema de legislação? O povo, de si mesmo, sempre deseja o bem; mas nem sempre o vê, de si mesmo. A vontade geral é sempre reta; mas o julgamento que a dirige nem sempre é esclarecido. É necessário fazer-lhe ver os objetivos tais como são, e muitas vezes tais como devem parecer-lhe; é preciso mostrar-lhe o bom caminho que procura, protegê-la da sedução das vontades particulares, aproximar de seus olhos os lugares e os tempos, equilibrar o encanto das vantagens presentes e sensíveis com o perigo dos males afastados e ocultos. Os particulares vêem o bem que rejeitam, o público deseja o bem que não vê. Todos igualmente necessitam de guias; é preciso obrigar uns a conformar suas vontades com sua razão; é necessário ensinar outrem a conhecer o que pretende. Então, das luzes públicas resulta a união do entendimento e da vontade no corpo social; dá o exato concurso das partes e, finalmente, a maior força do todo. Eis de onde nasce a necessidade de um legislador.

O suíço Jean-Jacques Rousseau[57], dono da obra prima “Do Contrato Social” não veio fazer parte do nosso trabalho como mero expectador; pelo contrário, sua preocupação com o homem que nasce livre, e por toda a parte encontra-se acorrentado pelos grilhões da vida em sociedade amolda-se aos casos concretos que já vimos desfilar algures. A pergunta que o incomodou era por que os homens que nasciam livres abandonavam o estado de natureza? Certamente, lá pelos idos de 1762, ano da publicação de sua obra, Rousseau não conhecia o “BBB”, nem “A Fazenda”, nem “Solitários”, nem “Ídolos”, nem “No Limite” e tantos outros programas televisivos cujas mercadorias são as privacidades consentidas em seu máximo grau de exposição. E como se dá tal consentimento senão através de um contrato? Ou seja, os citados programas que oferecem escancaradamente a intimidade alheia só existem porque nascidos de um contrato bilateral e sinalagmático, de obrigações recíprocas e contraprestações sucessivas: “fulano ou sicrana querem vender suas “almas”, seus pensamentos, suas sensações, espalharem ao mundo suas preferências e apetites sexuais (quando não as executam em rede nacional!), brindando os telespectadores com a exposição de seus dotes físicos? Se eles preencherem os “requisitos” que nós elencamos, nós contratamos e pagamos muito bem!”.

Por outro lado, como bem diagnosticado por Rousseau e “capturado” por nós, se os homens nascem livres, a eles é erigido um “contrato” que não precisa estar escrito muito menos assinado, no qual o restante da sociedade defenderá o direito fundamental da dignidade humana acima de qualquer outro. Portanto, nos dias de hoje, no terreno da privacidade consentida e invasiva temos dois contratos e é pena, muita pena mesmo que não tenhamos um “segundo” Rousseau para decifrá-los.

Sobre o segundo contrato, que nasceu de forma anômala, ou seja, como forma de mitigar o princípio fundamental da privacidade, nem será preciso discorrer muito. Ele existe e tem conotação e interesses recíprocos equivalentes: vale tudo pelo dinheiro.

No instante presente o mais importante contrato é aquele que faço comigo mesmo. Ele tem uma única regra, citando a famosa frase cunhada pelo Juiz Louis D. Brandes, no caso concreto trazido por Adhemar Ferreira Maciel[58]: “the right to be let alone”. (o direito de “ser deixado em paz”).

O direito de ser deixado em paz não é uma simples afirmativa ou figura de retórica, é antes de tudo uma opinião, baseada no Direito Natural a lhe dar supedâneo. Por isso, não foi à toa que parte do título do nosso trabalho ostenta o logotipo jusnaturalista do “estar sozinho, consigo mesmo” como um direito natural do homem.

Rousseau[59] cita o Marquês d’Argenson sobre sua idéia de República e de liberdade dos homens de forma natural:

Na República –diz o Marquês d’Argenson – cada qual é perfeitamente livre naquilo em que não prejudica os outros...” Para Rousseau: “...Eis ai o limite invariável. Não é possível colocá-lo com maior exatidão. Não posso recusar-me o prazer de citar algumas vezes esse manuscrito, embora desconhecido do público, a fim de honrar a memória de um homem ilustre e respeitável, que conservou até no Ministério o coração de um verdadeiro cidadão, e vistas retas e sãs no referente ao governo de seu país (grifos).

Se entendermos esse limite invariável, no qual a liberdade do ser humano tudo pode, desde que não adentre na liberdade de outrem, não precisaremos discutir decretos, insculpir tratados, erigir normatizações diversas, tampouco edificar códigos que tipifiquem condutas e imponham sanções.

Para isto, basta que adotemos como princípio a frase de Antonio Baptista Gonçalves[60]: “não faça com o próximo o que não gostaria que fizessem com você”.

Segundo Cláudio Lembo[61]: “a literatura jurídica estrangeira arrola até quatrocentas maneiras de transgredir a intimidade”, o que nos traz à certeza de que apenas o Direito Natural é capaz de superar a escalada da quebra da dignidade da pessoa humana, vez que o direito escrito, por mais dinâmico que se apresente não tem conseguido descer às minúcias de forma a regular o comportamento humano que teima na transgressão da privacidade alheia.

 A reflexão do advogado Lembo[62], de que: “no passado, o agressor da privacidade das pessoas era o Estado e de que hoje o Estado é convocado a preservar a intimidade delas”, confirma a desenfreada escalada nefasta do comportamento humano que usa a “bisbilhotice” da vida privada alheia como vitamina de enriquecimento de suas próprias inconseqüências, ao traçar comparativo entre passado e presente sobre a intimidade, antes tida como uma vida solitária e que agora necessita de proteção já que, como sabemos, a convivência na sociedade moderna é indispensável ao ser humano.

Cláudio Lembo[63] cita ainda um julgado internacional que nos auxilia a compreender sobre a intimidade como “autodeterminação informativa”, assim acolhida pela justiça Alemã. Com fundamento no direito à intimidade, cabe: “as pessoas decidir o que e em que ocasião podem conhecer ou virem a ser utilizados dados que lhes digam respeito, transformando a intimidade de direito negativo de defesa em direito ativo de controle”.

Sobre o mesmo tema, eis a nota de Adhemar Ferreira Maciel[64]

A Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que a polícia não precisa de ordem judicial para bisbilhotar latas ou sacos de lixo colocados nas calçadas para saber o que levam dentro. O Juiz Thurgood MARSHAL, voto vencido, enfatizou que “a investigação do lixo é contrária à noção aceita de um comportamento civilizado”. “um simples saco de lixo denuncia, de modo eloqüente, aquilo que se come, se lê, bem assim os hábitos de diversão de quem os produziu”. O caso concreto aconteceu com BILLY GREEWOOD, em Laguna Beach, Califórnia. Em 1984, logo após receber denúncia de vizinho, a polícia, sem nenhum mandado judicial, revirou seu lixo e encontrou sinais de cocaína, listas de endereços telefônicos de pessoas envolvidas com drogas etc. Isso foi o bastante para, após municiada de mandado judicial de busca e apreensão, entrar na casa de BILLY. A polícia estava certa: em sua casa havia cocaína e haxixe (...) esta decisão da Suprema Corte estadunidense, que aparentemente protege a sociedade contra marginais e traficantes de drogas não deixa de ser uma porta aberta para outras violações da privacidade e da intimidade do indivíduo.

Por isso, destacamos a incongruência apontada por Celso Martins Azar Filho[65] de que:

Ao mesmo tempo em que o homem busca dar ao mundo uma unidade interativa através da informação e da comunicação, pretende o mesmo homem manter para si um microcosmo de individualidade absoluta, denominada privacidade.

Devemos todo o respeito às opiniões daqueles que defendem que o direito à expressão/informação e o direito à privacidade/intimidade foram forjados da mesma matéria-prima e que, portanto, possuem tamanho, peso e massa idênticos, mas o levantamento feito até o presente momento nos permite dizer que esta “paridade” não existe, simplesmente porque o direito garantido ao homem de se expressar e multiplicar as informações só foi possível, pelos dados aqui manifestados, no momento que se estabeleceu que a raça humana detem o direito nato da individualidade e da dignidade. Citando Thomas Hobbes[66]:

Mas a mais nobre e útil de todas as invenções foi a da linguagem, que consiste em nomes ou apelações em suas conexões, pelas quais os homens registram seus pensamentos, os recordam depois de passarem e também os usam entre si para a utilidade e conversas recíprocas sem o que não haveria entre os homens nem Estado, nem sociedade, nem contrato, nem paz, tal como não existem entre os leões, os ursos e os lobos (grifos).

Quer isso dizer que a linguagem, invenção do homem que naturalmente se descobriu dono indiscutível de sua dignidade, de sua intimidade e de sua individualidade, é, nada mais, nada menos do que “um acessório que segue o principal”. Portanto, esta dignidade é um componente tão poderoso que dispensa Convenções, Tratados ou e Leis, bastando apenas que seja alçado – e assim considerado nos casos concretos - como significado mater da existência humana para que depois se possa fazer a interpretação dos demais princípios deles decorrentes.

5. A “AUSÊNCIA” DE REGRAS DIANTE DO CONFLITO

                    

Parte dos doutrinadores pesquisados apontam ainda que a causa do conflito seria a inexistência de regras mais claras. Para Gassen Zaki Gebara[67]: “a tutela jurídica desse direito (privacidade) está dispersa no nosso sistema normativo e apesar de contar com suporte constitucional, carece de disciplina normativa mais sistematizada”, defendendo uma reflexão que transcenda as esferas dos direitos individuais dos entes envolvidos, seja da pessoa que tenha o direito de personalidade ofendido, seja dos órgãos de imprensa, munidos da garantia da ampla informação, seja, ainda, o direito da população em geral em receber as informações pela mídia. Segundo o ele:

Interessa ver se a sociedade pretende ter um mínimo de respeito pelo conceito de ser titular de um direito, ou até que ponto pode-se abrir mão disso em nome de algum suposto interesse público, advertindo que, havendo privilégio da supremacia do benefício geral sobre o individual, no sentido de que um bem comum, conceito tão fluido, tão sujeito a influências ideológicas e a diferentes concepções do mundo, uma maioria de ocasião, pode fulminar o direito à intimidade ou a privacidade do particular. Ainda se esse suposto ‘interesse público’ está legitimamente credenciado ao aniquilamento do direito da informação pela mídia em geral.

Larissa Savadintzky[68], em esparsos comentários diluídos em três páginas do seu artigo, aponta a inexistência de legislação específica sobre o tema aqui analisado além da sua nítida preocupação de que continuaremos órfãos da subjetividade das decisões, pela ausência de limites mínimos legalmente dispostos. Tal cenário fica ainda mais cinzento nas palavras do professor José Laurindo de Souza Netto[69], com a afirmativa de que a repercussão negativa de um fato por parte da imprensa acaba por influenciar os órgãos judiciários, gerando o aniquilamento da sua liberdade de autodeterminação. Citando BLAZQUEZ[70]: “não se pode esquecer que ainda falta uma preparação específica e uma adequada deontologia profissional para alguns jornalistas”.

Esta preocupação com a “falta” de formação ética dos profissionais que militam na imprensa encontrou eco em nosso trabalho, quando fizemos o contraponto entre os “craques” profissionais e os “amadores da segunda divisão” e isto muito nos animou porque estávamos no “campo” certo da discussão. A ética, considerada pela psicologia como ciência relativa aos costumes tem por objetivo juízo de valoração entre o bem e o mal, distinguindo o comportamento correto e incorreto, traçando diretrizes de regência do comportamento humano, enquanto que a deontologia é uma disciplina especial adaptada ao exercício de uma profissão; portanto, a “ausência de deontologia” ocorre tanto com relação aos profissionais de imprensa, quanto com relação às personalidades. Ambos têm misturado e se servido indistintamente de valoração dos conceitos de forma inapropriada, causando o choque de conflitos e dos direitos que estão em jogo.

Ainda percorrendo o texto confeccionado pelo citado professor Souza Netto[71], vamos entender que: 

Os órgãos judiciários são influenciados pela repercussão negativa da prática criminosa, muitas vezes construídas artificialmente por parte da imprensa. Por outro lado, o desgaste sofrido pelo sujeito com a divulgação gera o quase aniquilamento da sua liberdade de autodeterminação. Além do mais, são limitados os meios que o ordenamento positivo coloca a sua disposição para reagir à indevida penetração da imprensa no próprio âmbito da privacidade, renunciando ao exercício de ação, pois causaria maior repercussão.

Apenas para exemplificar voltamos ao tema do Big Brother: Antonio Baptista Gonçalves[72] afirma que no caso do referido programa: “Não há se falar em invasão de privacidade ou intimidade, porque fora exatamente a pessoa que “convidou” as demais a participarem de sua intimidade”, mais ainda neste caso ele defende que a imprensa: “pode e deve ser penalizada quando ultrapassar os limites impostos pelas personalidades, e na ausência de regramentos, o senso comum impera”; manifestando existir um “contrato de ajuste entre as partes e que quebrada as regras deste, haverá invasão de privacidade”.

Esta ótica sobre a ausência de regramentos serve também para os casos invasivos, ou seja, aqueles nos quais não há conhecimento ou consentimento da pessoa enfocada e que acabam, invariavelmente sendo discutidos na esfera judicial, interpretados de maneiras distintas e obtendo decisões diversas, causando, em muitos deles, uma insegurança jurídica de qual princípio deva prevalecer.

Luiz Guilherme Arcaro Conci[73], no desfecho do seu artigo assim se manifesta:

Devo, unicamente deixar marcado que em momento algum quis dizer ou fazer com que a regra da proporcionalidade seja usada indiscriminadamente, vez que continuo a entender que o legislador tem a primazia da conformação dos direitos fundamentais, inclusive nas relações entre particulares, sendo, por exemplo, a CLT e o Código de Defesa do Consumidor expoentes desse raciocínio (grifos).

Confirmando que cabe ao legislador diagnosticar a ausência de regramentos sobre o assunto, preenchendo as lacunas necessárias para diminuição do conflito; portanto, que se faça valer a voz do legislador para regular as situações travadas entre os particulares e suas relações jurídicas, afirmando que ele “é o mais legitimado democraticamente” para tal mister.

Além da citada “ausência de leis” que regulamentem o assunto, dando guarida ao número cada vez mais crescente da ocorrência de choques entre os princípios fundamentais, George Marmelstein[74], aponta ainda a:

Ocorrência de uma suposta colidência entre os ordenamentos (...) a Constituição Federal protege o direito à imagem de modo incondicionado, estatuindo o direito à indenização pelo uso indevido da imagem, independentemente de violação à honra, consoante norma expressa do art.5, incisos V e X: Art.5º (...) V- é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (...) X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Contrário senso, ele infirma que:

O Código Civil, diz que somente haverá indenização pelo uso indevido da imagem, se houver ofensa à honra, à boa fama ou à respeitabilidade, ou se houver a análise da matéria à luz do art.20 do novo Código Civil, que assim dispõe: Art.20 Salvo se autorizadas, ou se necessárias à Administração da Justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais.

Entretanto, pelo levantamento e pelas opiniões já colacionadas neste nosso trabalho há manifesta certeza de que a suposta colidência não existe, porque é mais do que cediço que a norma estatuída na Constituição Federal está acima das leis descritas no Código Civil; portanto, bastaria sua aplicação para resolver os possíveis conflitos. E ainda que existisse a possibilidade de dúvida, o próprio Art.21 do Código Civil afirma que a “vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”.

Não obstante tudo que foi levantado nenhum dos doutrinadores que afirmam existir ausência de regramentos específicos para minimizar a colidência dos princípios fundamentais em conflito conseguiu enumerar concretamente quais regras seriam justas nem como as mesmas deveriam ser aplicadas.

Tendo já citado os dispositivos constitucionais do direito à privacidade, impende reproduzirmos também, as regras constitucionais do direito à expressão, contidas no mesmo art.5º, incisos IV, V, X, XIII e XIV, bem como a previsão do art. 220, § 1º:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (...) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

Portanto, são esses os comandos que causam os conflitos entre os direitos fundamentais e, nas palavras de Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior[75]:

A liberdade de informação jornalística é por assim dizer a herdeira primogênita da antiga liberdade de imprensa. A existência de uma opinião pública livre é um dos primeiros pressupostos de democracia de um país. Só é possível cogitar de opinião pública livre onde existe liberdade de informação jornalística. Por isto, entende-se que esta, mais do que um direito, é uma garantia institucional da democracia (...) Por esse raciocínio, quer-se precisar que, versando sobre fato importante, a informação jornalística prefere aos demais direitos da personalidade. Assim sendo, o veículo ou o jornalista não podem ser onerados pelo exercício regular de um direito. Porém, versando sobre fatos sem importância, no mais das vezes, relacionados a aspectos íntimos da vida de um artista ou de pessoa da vida pública, não há que se falar em direito à liberdade de informação jornalística, pois, a bem do rigor, a informação não teria qualquer caráter jornalístico (...) A liberdade de informação, no entanto, também encontra limites. A notícia, mesmo verdadeira, não deve ser veiculada de forma insidiosa e abusiva, entregando-lhe contornos de escândalo (grifos).

Neste momento, cumpre adentrarmos no assunto da revogação da Lei de Imprensa, pois se o tema abordado é a colisão entre os direitos fundamentais e se, ao longo do texto conseguimos construir argumentos sólidos em defesa pelo direito à privacidade, não poderíamos nos furtar de mencionar a revogação da Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967, que regulamentava a liberdade de manifestação do pensamento e de informação até 30 de abril de 2009, por mais de 42 anos.

Não há como afirmar que os autores pesquisados e que se manifestaram pela ausência de regras definidas como pacificadoras dos conflitos objeto deste trabalho são contrários ou favoráveis ao definitivo expurgo da Lei de Imprensa do nosso sistema legislativo; uns porque elaboraram seus trabalhos antes da revogação e outros porque não comentaram o assunto.

Segundo nota do site G1 Política- Notícias[76], em 30/04/2009, uma quinta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) acabava de revogar a Lei de Imprensa, atendendo ação protocolizada pelo PDT- Partido Democrático Trabalhista. Segundo a nota, sete dos onze ministros votaram pela revogação total da Lei, editada em 1967, durante a ditadura militar. Com a derrubada da Lei, deixaram de existir penas de prisão específicas para os jornalistas e suas atividades passaram a ser decididas com base nos Códigos Penal, Civil e na Constituição, alterando também as formas de indenização e do direito de resposta.

A seção de revogação da Lei de Imprensa foi cercada de altos debates e embates entre os Ministros do Supremo. Três Ministros – Joaquim Barbosa, Ellen Gracie e o então Presidente da corte, Gilmar Mendes, defenderam a revogação parcial da Lei. Joaquim Barbosa defendia a manutenção de seis artigos, dentre eles os que responsabilizam o jornalista por preconceito de raças e classes, por fatos falsos que perturbam a ordem pública e os que tratam da calúnia, injúria e difamação, por considerar que: “a imprensa pode destruir a vida de pessoas privadas, como nós temos assistido nesse país”. (grifos).

Ellen Gracie votou concordando com Joaquim Barbosa, acrescentando a manutenção dos artigos proibindo a propaganda de guerra, itens igualmente apoiados pelo Ministro Barbosa. O Presidente Gilmar Mendes defendia que os artigos prevendo o direito de resposta deveriam ser mantidos. Para ele:

A desigualdade de armas entre a mídia e o indivíduo é patente. O direito de resposta é uma tentativa de estabelecer um mínimo de igualdade de armas. Vamos criar um vácuo jurídico numa matéria dessa sensibilidade? É a única forma de defesa do cidadão (...) não se pode permitir abusos irreversíveis como o ocorrido no caso da Escola Base, em 1994, em São Paulo (grifos).

A nota postada no site G1 informa que o caso citado pelo Ministro foi a divulgação, pela imprensa, de que os donos da escola teriam abusado sexualmente de crianças. No entanto, o inquérito policial acabou arquivado por não haver indício de que a denúncia tivesse fundamento.

No entender do Ministro Ricardo Lewandowski, favorável à extinção da Lei de Imprensa, o artigo 5º da Constituição Federal, que assegura o direito de resposta proporcional ao agravo, além da indenização por dano material é: “autoaplicável, não necessitando de outro comando jurídico”. Para o Ministro Menezes Direito: “não é possível legislar com conteúdo punitivo e impeditivo da liberdade de imprensa, que crie condições de intimidação”.

Não obstante, a voz verdadeiramente dissidente foi a do Ministro Marco Aurélio de Mello – único que defendeu que a Lei continuasse em vigor - sugerindo a formulação de nova legislação para substituir a Lei de Imprensa, cuja ausência completa de lei “causaria insegurança jurídica”.

Esse histórico debate na alta corte do nosso país, dentro das paredes da residência oficial dos “guardiões da Constituição” onde se decidiu a revogação integral da Lei de Imprensa não por unanimidade, mas sim pela maioria - sete votos pela revogação integral, três votos pela revogação parcial e um voto pela manutenção do atual comando normativo jurídico e sua posterior reformulação - comprova, uma vez mais que o assunto é relevantíssimo, controvertido e instigante, precisando ainda de mais alguns capítulos para que possa solucionar os conflitos em jogo.

Os dados manipulados neste nosso ensaio nos levam a esposar dos mesmos entendimentos dos quatro Ministros que tiveram votos e argumentos derrotados porque pior do que uma Leia antiga, com alguns importantes e necessários artigos que poderiam continuar vigendo, semiretalhada pela revogação de tantos outros artigos considerados ultrapassados porque gerados na época ditatorial – que poderiam até ser objeto de “recauchutagem”, ganhando uma sobrevida – é não termos mais Lei nenhuma, regramento nenhum, parâmetro nenhum para que, repetindo a frase do Ministro Gilmar Mendes: “o indivíduo possa utilizá-la como arma na luta desigual travada contra a mídia”.

Por outra vertente, vencidos nesta batalha, mas ainda não derrotados na guerra, os preclaros Ministros deveriam adotar a literalidade do discurso vencedor do Ministro Ricardo Lewandowski, sobre a autoaplicação das normas constitucionais dos direitos fundamentais, contidas no artigo 5º da Carta Prima; aliás, citado entendimento deveria ser igualmente adotado por todos os operadores do direito que apontam existir “ausência de regras” para solucionar o conflito dos princípios aqui pesquisados.

Colocada assim a “falta” de regras mais bem definidas, nos encontramos diante de um grande desafio social a ser transposto e, como já bem dito por Gassen Zaki Gebara[77], importa saber, nesta reflexão, o que interessa a sociedade: “eleger como regra um mínimo de respeito à dignidade da pessoa humana”, advindo, logicamente do Direito Natural, ou acenar “pelo interesse geral, ou da informação sobre o individual, ou da privacidade”.

Se esta fosse a única saída, ficaríamos com a opinião de Gebara de que: “uma maioria ocasional fulminaria os direitos individuais”, portanto insistiríamos que o direito à privacidade é Direito Natural e como tal deveria ser reconhecido. Todos os demais direitos são reflexos à existência da pessoa humana e, se fosse preciso - para estatuir definitivamente esta inata situação da privacidade do homem como centro irradiador de todos os demais direitos - dispostos estaríamos a alinhavar tratados, decretos, resoluções, códigos e Leis que além de reconhecerem e tutelarem a privacidade como elo central acima de outras garantias fundamentais, prescrevesse adequados remédios punitivos para aliviar a dor quando da quebra desse princípio primeiro, inibindo àqueles que se aventurassem a desconsiderá-lo em nome do vago termo “interesse público”.

Todavia, nosso trabalho não detectou ausência de regras específicas para a solução dos conflitos; pelo contrário, apontou sim uma ausência de aplicação - por parte daqueles que foram incumbidos de dizer o direito – de maneira pura e simples dos comandos da nossa Carta Magna, indiscutivelmente soberana e acima de todos os demais ordenamentos jurídicos, irradiando sobre os demais preceitos a sua força ápice de nascedouro da “vontade geral” de toda uma sociedade. Não foi à toa que o legislador originário, eleito pelo voto popular para integrar a Assembléia Nacional Constituinte, recepcionou, como Princípio Fundamental da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana.

Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Júnior [78] exploraram o assunto, afirmando que:

Os direitos fundamentais têm caráter histórico, isto é, se formos rebuscar seus antecedentes, encontraremos uma cadeia evolutiva, no pico da qual eles se situam. Os direitos fundamentais nasceram com o cristianismo. A doutrina cristã elevava o homem à situação de semelhança a Deus, indicando a igualdade como um dos pressupostos fundamentais. Assim, o ser humano foi alçado a um novo patamar de dignidade (grifos).

Esta frase explica, até este momento, os direitos fundamentais pela ótica do Direito Natural, não positivado juridicamente, mas elevado como princípio pela religião. Entretanto, os referidos constitucionalistas continuam sua reflexão, dizendo que:

Depois desse período, a discussão sobre os direitos humanos ficou adormecida, vindo depois a ser despertada com o advento das declarações de direitos humanos. Dentre elas podemos citar a Magna Carta Libertatum, de 1215, a Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia, de 1776, e a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, sobrevindo a Declaração Universal de Direitos do Homem, da Organização das Nações Unidas, 1948.

 Os mencionados doutrinadores observam que este processo evolutivo: “ainda não chegou ao seu final em decorrência de diversas manifestações que vem aumentando o rol desses direitos”, citando, como exemplo recente a questão do meio ambiente.

Todavia, os primeiros direitos fundamentais defendidos pela Igreja, que olhou a dignidade da pessoa humana através de novos óculos, tinham como destinatário o homem e não sua forma de linguagem ou de comunicação. Do mesmo modo, as primeiras leis colocavam o homem como centro dos direitos humanos e uma vez mais, cuidaram da dignidade e da privacidade da pessoa humana enquanto sujeito de direitos, rol que foi abrangendo com o passar do tempo outros tantos direitos considerados fundamentais, mas todos eles possuindo uma relação de co-dependência com o pressuposto maior: o da dignidade da pessoa humana. Tanto é assim que a nossa Carta Maior recepcionou em seu Primeiro Artigo, sob o título “Dos Princípios Fundamentais”, no inciso III, a dignidade da pessoa humana, como uma chave-mestra de todas as outras que dela derivam ao longo do texto constitucional.

Parafraseando, as palavras do Professor José Laurindo de Souza Netto[79]:

O respeito da dignidade da pessoa humana remete ao reconhecimento da superioridade do indivíduo como valor intangível, exigindo proteção frente a todo poder. Impõe-se de maneira absoluta na ordem jurídica, pois consiste o ponto nuclear onde se desdobram todos os direitos fundamentais (grifos).

Ora, dada a claridade solar desta afirmação pinçada da análise do primeiro artigo escrito pelos legisladores originários no Preâmbulo do nosso Estatuto Maior, nada mais precisaria ser dito ou debatido. O homem, centro de tudo, trajando as vestes da dignidade (e não as “sandálias da humildade”) é detentor de superioridade absoluta e encontra-se sentado no ápice da pirâmide. Abaixo dele se desdobram todos os demais direitos que só foram escritos e depois descritos por causa da existência do homem, indivíduo que possui valor intocável, impalpável, intangível.

Como se não bastassem os comandos jurídico-normativos em favor desta dignidade exclusiva e absoluta que possui força motriz capaz de repelir qualquer intenção da mais leve tentativa de sua mitigação, encontramos vários julgados[80], além dos diversos casos concretos já citados ao longo deste ensaio, que a recepcionam, em desfavor do direito de expressão:

1-STJ. Responsabilidade civil. Dano moral. Pessoa pública. Artista de televisão. Limitação ao Direito de imagem. Verba fixada em R$ 5.000,00. CCB/2002, art. 186. CF/88, art. 5º, V e X. Ator de TV, casado, fotografado em local aberto, sem autorização, beijando mulher que não era sua cônjuge. Publicação em diversas edições de revista de fofocas. Por ser ator de televisão que participou de inúmeras novelas (pessoa pública e/ou notória) e estar em local aberto (estacionamento de veículos), o recorrido possui Direito de imagem mais restrito, mas não afastado. Na espécie, restou caracterizada a abusividade do uso da imagem do recorrido na reportagem, realizado com nítido propósito d (...) (Doc. LEGJUR 103.1674.7535.2300).

2-TJRJ. Responsabilidade civil. Dano moral. Direito de imagem. Uso indevido. Indenização bem arbitrada. Autor que trabalhava para a ré, como pianista. Comercial divulgado pela televisão em que aparecia a imagem do autor. Posterior extinção do contrato de trabalho. CCB/2002, art. 186. CF/88, art. 5º, V e X. Ré, que sem autorização expressa do ex-empregado, consentiu que aquelas mensagens publicitárias, continuassem a ser divulgadas. Responsabilidade exclusiva dela, que assim se beneficiava, e não da agência publicitária. Dever de indenizar pelo uso inconsentido da imagem, como direito personalíssimo, tutelado constitucionalmente. (...) (Doc. LEGJUR 103.1674.7518.6700).

3-STJ. Responsabilidade civil. Dano moral. Imprensa. Direito de imagem e a intimidade. Direito e liberdade de informação. conciliação. Considerações do Min. Cesar Asfor Rocha sobre o tema. CF/88, arts. 5º V e X e 220. Desse modo, o deslinde da controvérsia, como se desprende, reclama a conciliação de dois valores sagrados das sociedades culturalmente avançadas, quais sejam o da liberdade de informação (no seu sentido mais genérico, aí incluindo-se a divulgação da imagem) e o da proteção à intimidade, em que o resguardo da própria imagem está subsumido. É certo que em se tratando de direito à imagem, a obrigação da reparação decorre do próprio uso indevido do direito personalíssimo, não havendo de cogit (...) (Doc. LEGJUR 103.1674.7419.9300).

4-STJ. Direito de imagem. Reprodução indevida. Lei 5.988/73, art. 49, I, f. Dever de indenizar. CCB, art. 159. A imagem é a projeção dos elementos visíveis que integram a personalidade humana, é a emanação da própria pessoa, é o eflúvio dos caracteres físicos que a individualizam. A sua reprodução, consequentemente, somente pode ser autorizada pela pessoa a que pertence, por se tratar de direito personalíssimo, sob pena de acarretar o dever de indenizar que, no caso, surge com a sua própria utilização indevida. É certo que não se pode cometer o delírio de, em nome do direito de privacidade, esta (Doc. LEGJUR 103.1674.7419.9400).

5-TJRJ. Responsabilidade civil. Dano moral. Imprensa. Direito de imagem. Direito da personalidade. Imagem publicada em jornal. Foto tirada da multidão. Lei 5.250/67, art. 56. CF/88, art. 5º, V e X. De logo, afaste-se a incidência do art. 56 da Lei 5.250/67 (Lei de Imprensa). Não se trata de indenização por dano moral, mas indenização por uso indevido de imagem. No mérito, trata-se de foto tirada da multidão ilustrando a primeira página do jornal e da qual se destaca, em primeiro plano, a figura do autor. Logo se vê que não se tirou a foto pessoal do autor, senão a foto da multidão e nela estava o autor. Nestes casos, de interesse público, de mera coleta de fatos públicos, não se pode prete (...) (Doc. LEGJUR 103.1674.7252.1600).

Ainda em nosso socorro, comprovando que não há vazio legal para enfrentar os choques dos princípios fundamentais, importante colacionar a Súmula 403 do STJ:

SÚMULA 403: Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada da imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.

Citado verbete, aprovado pela Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e divulgado em novembro de 2009 pelos sites jurídicos especializados, teve como referência a Constituição Federal de 1988, art.5º, inciso V, dispositivos já citados alhures.

Como se percebe, não falta disposição, no direito material, para se coibir a tentativa de atingir a dignidade da pessoa humana. A ausência não está, como já afirmado e comprovado, na falta de regras, normas e parâmetros, mas sim na sua correta interpretação e subsunção ao caso concreto. Nosso trabalho acena no sentido de não existir balança capaz de igualar duas máximas tão distintas: a primeira, que acompanha o homem desde o mais remoto horizonte dos seus dias e que fez dele um ser honorável, que o levou do inconsciente estado Neanderthal para a glória do Australopitecus Erectus, traduzida como dignidade natural; a segunda, que lhe possibilitou a linguagem, dando-lhe a capacidade de expressão. Quem possui mais força, mais peso, mais importância? Aquela nascida naturalmente ou aquela que o capacitou ao longo de sua jornada dentro da existência humana? Quem se capacita, nos nossos dias, o faz para se profissionalizar, para melhorar sua condição de vida, para se adequar, para enfrentar o mercado de trabalho que exige homens (e mulheres) mais preparados; mas todos os “capacitandos” trazem consigo algo que a capacitação não lhes ofertará: a criação, a ética, a responsabilidade, a dignidade, a intimidade, a privacidade. Todos esses atributos que não fazem parte da grade da capacitação significam um conjunto de elementos naturais incorporados ao homem que aprendeu a se comunicar para melhorar sua situação enquanto integrante do gênero humano e não para se autoridicularizar, se autodestruir. Quem assim pensa, com certeza ainda não evoluiu da Idade da Pedra Lascada para a Idade do Fogo, da luz, da consciência e da razão.

6. A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

Nosso sistema democrático recepcionou o direito à privacidade de forma positivista; no entanto, para muitos doutrinadores tais regras padecem de especificidades; para outros, o que ocorre é uma tímida vontade de interpretá-las adequadamente, aplicá-las devidamente, distinguindo qual o melhor caminho para a solução dos casos concretos. Esta celeuma acaba por colocar sobre o manto do judiciário um pesado ônus de caráter saneador já que em nome da efetividade da entrega da prestação jurisdicional este último não pode deixar de julgar milhares de ações envolvendo os chamados princípios fundamentais da privacidade e da liberdade de informação, sob a desculpa da falta de normatização ou de frágil sistematização legislativa.

Assim, para o deslinde dessas e de muitas outras ações, os Magistrados se valem do denominado princípio da proporcionalidade, que na afirmação do Juiz José Laurindo de Souza Netto[81] “é uma construção do pensamento jurídico, que propicia a solução de combinação, sem a ocorrência de sacrifícios de uns em relação aos outros”. Por seu turno,  Stéphanie Assis Pinto de Oliveira[82] é contra a utilização do princípio da proporcionalidade em virtude das inúmeras divergências doutrinárias e jurisprudenciais, vertidas em escalas defendidas por diferentes correntes que não solucionam os conflitos: “simplesmente divide ainda mais a têmpera que se espera de um judiciário forte e vigoroso, definitivo pacificador das lides”. (grifos).

Esta multiplicidade de entendimento, trazida pela utilização do princípio da proporcionalidade é igualmente questionada por Isabela Rodrigues Veiga[83], que após a análise de alguns casos nos quais as celebridades venceram na justiça, obtendo o direito à indenização por publicações não autorizadas, ainda teve acesso a outros semelhantes, nos quais as celebridades foram vencidas.

Para a jornalista, o tema ainda se mostra muito polêmico, o que reflete as divergências de opinião. Enquanto isso, José Laurindo de Souza Netto[84] nos socorre trazendo um parâmetro de proporcionalidade que deve ser sopesado, ao afirmar que:

Num país livre não pode ser reconhecido o direito de usar a vida privada de uma pessoa como matéria de domínio público, causando graves conseqüências na pessoa sobre a qual se colhe a notícia ou se indague fazendo com que ela sinta-se constrangida a fechar-se em si mesma, com inevitável prejuízo da própria liberdade de agir ou desafiar o julgamento do público, muitas vezes tendencialmente formado por uma imprensa que fornece informações unilaterais. Trata-se, portanto, de evitar que a vida do privado seja exposta sem defesa quando se incute uma opinião frenquentemente não correspondente à realidade.

Podemos ainda citar outros remédios indicados para a solução do embate que se descortina. Cristina de Mello Ramos[85], por exemplo, prega: “o juízo de ponderação dos direitos fundamentais por entender que entre ambos não há hierarquia, ora preponderando um em detrimento do outro ou vice-versa”.

Outros que também se manifestam favoráveis à utilização da ponderação ou da harmonização como forma de debelar os conflitos são Joubert Farley Eger, Denise Carvalho Thives, de et all[86], opinião igualmente esposada por Gassen Zaki Gebara[87]:

Portanto, somente é possível notar a supremacia de um direito sobre o outro mediante a análise do caso concreto, em que as próprias peculiaridades do caso nortearam a decisão. Não existe, a nosso sentir, um rígido critério de solução de conflitos em termos abstratos, daí a necessidade da interpretação constitucional mediante a utilização de princípios com o afastamento de regras, tudo sem perder de vista o juízo de ponderação, alicerçado na razoabilidade e na proporcionalidade.

O minucioso levantamento até agora produzido demonstra que o princípio da proporcionalidade, ou a utilização da ponderação ou ainda da harmonização não se traduzem em elementos divisores e pacificadores do embate travado entre os princípios fundamentais colocados em choque; basta ver as decisões divergentes para entendermos que tais critérios subjetivos são utilizados e interpretados de maneira diversa pelo Estado que avocou para si, perante seus administrados, a obrigação de entregar a prestação jurisdicional que lhe é submetida. Sobre esta impressão, Luiz Guilherme Arcaro Conci[88] afirma que:

Vale dizer que a regra da proporcionalidade recebe tratamento bastante diferente a partir dos distintos autores que sobre ela se debruçaram, sendo impossível conciliar essas posições, exceto entender que se referem a um instrumento de reflexão sobre os meios utilizados para alcance do fim objetivado pelo ato analisado.

Então, devemos ficar muito mais apreensivos quando reconhecemos que a proporcionalidade não nasceu como um princípio, e sim como uma ficção jurídica elaborada justamente pela ausência (para muitos) de um parâmetro eficaz que erigisse o Direito à Privacidade como um Princípio Natural a ser preservado pela raça humana, uma verdadeira “massa de modelar” que, diante da inércia do legislador em se esmerar na definição das regras do jogo, é manuseada por diversos modeladores; cada qual manufaturando uma decisão com uma determinada quantidade de massa para um recipiente, com tamanho, forma e profundidade inquestionavelmente iguais. Nesta “fábrica caseira”, alguns até apresentam como resultado final uma peça justa, robusta e aceita conforme pelos “consumidores”, como um prático e versátil utensílio cuja capacidade de armazenamento satisfaz a todos; entretanto, outros tantos terminam a “obra” faltando acabamento, sem o cozimento necessário de sua matéria-prima que permita sua utilização, sua impermeabilidade e durabilidade, uma peça frágil que não atende às exigências do mercado consumidor porque a maneira como foi fabricada não oferece a segurança jurídica que a sociedade espera.

No mercado da proporcionalidade, temos, portanto, dois tipos de utensílios para a comercialização: os inquebrantáveis e com garantia e os frágeis de pouca ou nenhuma durabilidade. Uns levam os primeiros artefatos e se transformam em consumidores felizes. Outros, sem saber, levam o segundo produto e não se satisfazem jamais.

A solução tem que ser prática (e rápida): qualificar os modeladores, melhorando a massa ou abandonar as oficinas manufatureiras e partir para a industrialização onde os modeladores não mais serão os responsáveis por todas as fases de produção, mas consultores de qualidade do produto final, cujas técnicas serão sopesadas através da utilização de matéria-prima “natural” e da introdução de uma normatização de regras específicas que cuidem da harmonização dentro da fábrica, resultando num produto qualitativo, cujo custo-benefício será aceito pela sociedade de consumidores como uma peça única, de rara beleza e praticidade ímpar.

7. OUTRAS FORMAS DE PACIFICAR O CONFLITO

Cuidemos agora de pacificar os conflitos. Gassen Zaki Gebara[89] aponta a necessidade de: “demarcar os limites para o exercício de cada um desses direitos, seja pela legislação, seja pela doutrina, seja pela jurisprudência e, em especial, pela hermenêutica constitucional”. Segundo o Professor Mestre em Direito Constitucional:

Quando há conflito de direitos fundamentais não se pode exigir do intérprete exegético uma solução direta, extraída do direito positivo já que a única forma de se garantir a manutenção de ambos, ou do sacrifício equânime de um deles, é fazer a leitura de cada caso concreto sob o pálio da doutrina Häberliana, encontrando ancoradouro seguro na interpretação pluralista e procedimental da Constituição dentro do redimensionamento hermenêutico da Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição de Peter Häberle.

Segundo Antônio Soares Silva Júnior[90], a sociedade definida por Häberle cumpre papel dúplice no novo método de interpretação constitucional: “a interpretação constitucional é, realidade, mais um elemento da sociedade aberta. Todas as potências públicas, participantes materiais do processo social, estão nela envolvidas, sendo ela, a um só tempo, elemento resultante da sociedade aberta e um elemento formador ou constituinte dessa sociedade (...) Os critérios de interpretação constitucional hão de ser tanto mais abertos quanto mais pluralista for a sociedade”.

Portanto, a sociedade aberta significa a participação, direta ou indireta de todos os agentes sociais no processo hermenêutico, quer seja, o da ciência da interpretação das normas jurídicas, cabendo aos mesmos tanto a função de intérpretes como a de destinatários das normas. A idéia de Häberle é a de que todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma é, indireta ou, até mesmo diretamente, intérprete dessa norma. Através deste pensamento, rompe-se o monopólio estatal da interpretação constitucional, admitindo-se a participação, não só dos tradicionais intérpretes da norma jurídica (como juízes e políticos), como também dos seus co-intérpretes (experts, grupos singulares, organizações religiosas, imprensa, etc), influenciando tanto no momento da criação quanto no da concretização da norma jurídica.

Nessa coleta de sugestões pacificadoras, vamos encontrar a receita de José Laurindo de Souza Netto[91] para quem não se pode resolver o problema simplesmente proibindo a informação, mas sim estipulando sanções aos abusos, como forma de privilegiar a privacidade de forma equilibrada. Tais sanções podem ser definidas se acrescentarmos a opinião de Isabela Rodrigues Veiga[92] de que o direito à privacidade das celebridades é diferenciado, tudo dependendo de como a pessoa famosa interage com os meios de comunicação e deles se beneficia.

Outros doutrinadores, como Jairo Gilberto Chäfer[93] e o co-autor José Eduardo Junqueira, na obra de Celso Martins Azar Filho[94], pregam a ponderação para a superação dos conflitos em rota colidente, prevalecendo o de maior nobreza. Nesta “relação belicosa”, os citados autores apontam quatro elementos do interesse público que devem se utilizados para que a liberdade de expressão saia vitoriosa no embate: 1-verdade; 2-necessidade; 3- utilidade; 4-adequação.

Por arremate, a “receita” de George Marmelstein[95], é de que tudo depende dos elementos trazidos com o caso concreto, mais alguns parâmetros: 1- a informação é de interesse público? 2- está havendo lucro direto com a sua divulgação? 3- houve violação da honra do interessado? 4- ocorreu violação de sua intimidade? 5-em lugar público ou privado? 6- a informação é verdadeira? 7- a matéria possui interesse humorístico?

Das respostas haverá o sopesamento através da ponderação, como forma de solucionar ocaso. O referido professor menciona ainda que:

O que se observa, em síntese é que havendo utilização indevida da imagem, sem consentimento do interessado, é cabível a indenização nos casos em que há intuito comercial, quebra de contrato, ofensa à honra (ressalvado o direito de sátira, dentro dos limites da razoabilidade).

Como já vimos, a solução apresentada pelo Magistrado não significa inovação, uma vez que as referidas questões já são atualmente utilizadas pelos julgadores, dentro da ficção jurídica denominada proporcionalidade e, conforme verificamos, a proporcionalidade não vem resolvendo os conflitos de maneira convergente. Então, melhor aceitarmos outra sugestão de George Marmelstein[96], que, a título de informação, cita o principal “leading case” que consegue compatibilizar a liberdade de informação e o direito à privacidade:

O caso Carolina de Mônaco versus Paparazzi, julgado pela Corte Européia de (...) No julgamento, foram feitas as seguintes ponderações: a) se a celebridade estiver em local público (praia ou rua, por exemplo), uma eventual fotografia pode ser publicada livremente, desde que não se destine a fins lucrativos; b) se a celebridade estiver em local privado (sua casa ou seu barco, por exemplo), a publicação indevida de imagens pode gerar direito à indenização; c) se a celebridade estiver em local público, mas em área reservada (um setor privativo de uma loja ou uma área privativa de um restaurante, por exemplo), demonstrando interesse em não ser fotografada, a publicação da imagem também pode gerar direito à indenização.

Se adotássemos o exemplo no Brasil quantas invasões de privacidade deixariam de acontecer? Apenas para lembrar o caso do Cantor Chico Buarque, por exemplo, que foi flagrado na praia com outra mulher. A foto do cantor “comercializada” pelo fotógrafo com uma revista certamente faria dele destinatário de uma polpuda indenização. E o que não dizer dos inúmeros programas televisivos que “flagram” as personalidades em Shoppings Centers, dentro de lanchonetes, cinemas, restaurantes, dentre outros inúmeros locais reservados, mesmo quando eles demonstram não querer ser incomodados?

Caso não recepcionemos o direito à privacidade como Direito Natural, como célula-tronco da dignidade da pessoa humana, poderemos ainda exigir que se editem leis mais claras que emoldurem e tipifiquem os excessos cometidos em nome do direito à informação e em detrimento ao direito da privacidade e da intimidade do ser humano.

E, se isso ainda não for possível, quer seja pela inércia, pela inépcia ou pela inamovibilidade ou ainda pela falta de interesse ou de comprometimento do corpo legislativo, ficamos com Häberle, apregoando uma “sociedade aberta”, através de uma discussão participativa com todos os “atores” direta ou indiretamente envolvidos na questão, vez que todos nós, integrantes da sociedade, detentores da “vontade geral” (Rousseau) sem exceção, em algum momento de nossas vidas estaremos sob os “flashes” ou os holofotes, seja na condição de intérpretes ou de destinatários das normas.

8. FALTA DE SOLUÇÃO SANEADORA – CONSEQUÊNCIAS

Segundo José Laurindo de Souza Netto[97] para que os direitos em conflito sejam exercidos concomitantemente exige-se harmonia, equilíbrio e balanço, como forma de se evitar a: “erosão da privacidade”. Esse momento de harmonização está perto, conforme as palavras de Larissa Savadintsky[98] quando da conclusão do seu trabalho:

Impulsionados pela informática e pela globalização, nossos costumes estão em constante mutação. Isso está exigindo dos operadores do direito uma atualização sem precedentes, que nos levará a uma verdadeira revolução de métodos e conceitos jurídicos (grifos).

Já na opinião de George Marmelstein[99] o STF e o STJ já sinalizaram existir dano moral pelo uso indevido da imagem. Entretanto, esposa o entendimento de uma extremada valorização da imagem que pode culminar numa limitação ao direito à informação e à liberdade de imprensa, opinando pelo meio termo, de que a divulgação de fotografia não deveria gerar, por si só, dever de indenizar.

Diante de todos os argumentos já manifestados, a limitação desproporcional do direito à informação e à liberdade jornalística não nos parece uma conseqüência negativa e prejudicial diante da escalada invasiva na privacidade da pessoa humana. A opinião especializada do professor constitucionalista é muito importante neste nosso ensaio; entretanto, devemos considerar também dois importantes aspectos contra este argumento: o primeiro é que a Súmula 403 do STJ já mitigou o assunto ao afirmar que a publicação não autorizada da imagem, para fins comerciais, independe de prova do prejuízo; portanto indenizável. O segundo contra-argumento é a frase utilizada pelo próprio doutrinador de que o “leading case” mundial, Caso Carolina de Mônaco versus paparazzi, aqui já referenciado, foi para o citado professor um “julgamento memorável”.

Portanto, o referido Magistrado, cujas opiniões foram importantes para contextualizarmos o nosso assunto, habilmente utilizou a retórica na conclusão do seu trabalho, comprovando a aridez do assunto e as dificuldades para se definir quais dos dois princípios possui maior relevância, escolha que por tudo quanto já produzido até o momento nos permite afirmar que não nos causou nenhuma dificuldade já que reconhecemos que a “erosão da privacidade”, anunciada por José Laurindo de Souza Netto[100] já se encontra estabelecida entre nós e a iminente “revolução de métodos e conceitos jurídicos impulsionados pela informática” preconizada por Larissa Savadintsky [101] terá que ser imediatamente deflagrada.

Hoje, além da convivência diária da mídia impressa que ainda sobrevive através de muita criatividade e leitores fiéis (jornais, revistas, periódicos especializados), com os meios mais ágeis de multiplicação da informação (rádio, TV, celulares, Internet, Portais, páginas virtuais, sites de relacionamentos, blogs e twitters, dentre outros, estamos vivendo a entrada, no mercado mundial, do jornal digital que através do iPad se tornará, segundo seus idealizadores, “a mídia de massa”.

Reportagem do jornal Folha de São Paulo[102], que entrevistou o consultor americano Ken Doctor sobre recente lançamento do “The Daily”, jornal exclusivo para iPad pelo bilionário e pioneiro da mídia, Robert Murdoch, informa que se trata de uma mistura de revista, jornal e TV com interatividade. A “revista eletrônica”, comandada por apenas 130 pessoas entre editorial e produção, terá metade do custo anual (estimado por Murdoch em US$ 25 milhões) custeado pelos 450 mil a 500 mil assinantes e o restante, com publicidade. O consultor reconhece que o número de assinantes é alto, mas viável. Só não acha que vai atingi-lo com facilidade, estimando que de imediato conquistarão 100 mil assinantes, depois brigarão para chegar a 200 mil: “ai temos de ver o que farão os outros jornais, como o New York Times”, disse Ken Doctor, chamado de guru da nova mídia e autor do livro intitulado: “Newsonomics: Twelve New Trends That Will Sahpe The News You Get” (Newsonomics: 12 novas tendências que moldarão as notícias que chegam a você). A reportagem listou os 12 mandamentos do novíssimo jornalismo cujas informações e notícias globais serão dominadas por uma dúzia de empresas multinacionais e multiplataformas. Dentro das 12 “tábuas” propostas pelo norteamericano, encontramos algumas “pérolas” que nos colocam de prontidão: 

O mundo no qual crescemos já era, as revoluções que envolvem os leitores e os anunciantes sacudiram a indústria estável (sobre o antigo mundo). Se a revolução na Internet acabou com muitos intermediários, ela criou outros. Os vencedores reúnem conteúdo muito rápido (sobre o conteúdo). Antes, nós editávamos, você lia. Agora o público responde, entra no debate e cria ‘conteúdo’. As empresas de notícias cada vez mais aderem a esse mundo de troca (sobre a “transição” de profissionais a amadores). Os que transcenderam essa linha estão mudando a cara do jornalismo (sobre os repórteres que viraram blogueiros). Para sobreviver, é preciso tirar algumas lições da história, ser multitarefa e desenvolver diversas habilidades (sobre a situação dos jornalistas). Dá pra ver a luz no fim do túnel. Mas antes há uma travessia dolorosa (sobre o cuidado com os buracos).

Se essa noticiada “revolução” da informação - que já começou - quebrar todos os paradigmas listados pelo guru da nova mídia, em pouquíssimo tempo significará o oligopólio da liberdade de expressão no mundo, ou seja, estaremos nas mãos de uma dúzia de multinacionais ou, como ele denomina, “plataformas” de TVs, sites ou jornais! E como ele mesmo afirmou: metade dos custos desta nova parafernália inventiva será sustentada pelos assinantes enquanto que a outra metade será captada através da publicidade, que significa marketing, interesse e poder. É justamente este ponto que nos preocupa: como identificar e comprovar se as inúmeras informações (manipuladas indistintamente por todos os seus criadores, intérpretes e destinatários) serão alicerçadas no interesse público ou no interesse “do público?”

Como já afirmado no alvorecer do nosso ensaio, não somos contra o direito à informação nem contra as múltiplas opções dos canais comunicativos e interativos cujas inovações tecnológicas caminham na velocidade da luz. Mas, diante da interpretação literal das previsões do guru americano Ken Doctor de que: o mundo tal como o conhecemos até então “já era”, ou das afirmações de que, a cada vez mais o público criará conteúdo. Ou ainda pior, a de que “neste admirável mundo novo nascido do tripé: cibernético-informativo-interativo não haverá evolução e sim retrocessão”, transformando “profissionais em amadores”, mudando a cara da imprensa como a identificamos até então, como também diagnosticando que os “repórteres virarão blogueiros” e que os jornalistas serão “multitarefas, tendo que desenvolver diversas habilidades”. - tudo para sobreviverem - que armas utilizaremos para continuarmos defendendo a invasão da privacidade e da dignidade da pessoa humana que evidentemente se multiplicará diante de tais previsões “nostradâmicas”?

Sinceramente, gostaríamos de concluir nossa pesquisa reproduzindo a afirmação estampada na contracapa da obra: “A pessoa, seus direitos, de Cláudio Lembo:[103]

Ao longo da história dos direitos da pessoa, os séculos são mínimas frações de tempo e o sofrimento sempre esteve presente. É preciso acreditar que, na contemporaneidade, com veículos de comunicação instantâneos tudo será mais fácil e os povos – independentemente de posicionamentos coletivos ou individuais – poderão se entender em tempo menor que os seus antepassados e aquilatar a importância de preservar os direitos da pessoa.

Mas, infelizmente, a julgar pelas previsões do guru da nova mídia, Ken Doctor[104], para quem: “o mundo, no qual crescemos, já era!”, fomos alvejados não apenas com um balde de água fria, mas pela quase certeza da impunidade anunciada.

Caso tivéssemos finalizado nosso trabalho a cerca de quatro ou cinco anos atrás, a frase acima ainda poderia ter sido encerrada com uma indagação: Será?

No entanto, a quase certeza da impunidade anunciada, se transformou em triste certeza, diante do estrondoso “caso” WikiLeaks e seu criador, o australiano Julio Assange, uma organização transnacional, com sede na Suécia, que publica, em seu site, posts de fontes anônimas, documentos, fotos e informações confidenciais, vazadas de governos ou empresas, sobre diversos assuntos.

Segundo notícia veiculada em sítio da internet[105]:

O site WikiLeaks, lançado em dezembro de 2006, e que em meados de novembro de 2007 já continha 1,2 milhões de documentos,  foi construído utilizando vários pacotes de software, incluindo MediaWiki, Freenet, Tor e PGP, que permite a privacidade dos seus usuários, garantindo que a informação por eles postadas não é rastreável. O site, que não é resultante de experiências amadoras, já recebeu vários prêmios para novas mídias, incluindo o New Media Award 2008 da revista The Economist. Em 2009, a WikiLeaks e seu diretor, o australiano Julian Assange (jornalista e ciberativista) ganharam o Media Award 2009 (categoria “New Media”) da Anistia Internacional, pela publicação de Kenya: The Cry Of Blood- Extra Judicial Killings And Disappearances, em 2008 um relatório da Comissão Nacional Queniana de Direitos Humanos sobre a política de extermínio no Quênia. Em maio de 2010, figurou com o número um entre os “websites que poderiam mudar completamente o formato atual das notícias”.

Diz a nota que a organização teria sido fundada por dissidentes chineses, jornalistas, matemáticos e tecnólogos dos Estados Unidos, Taiwan, Europa, Austrália e África do Sul. Em abril de 2010, WikiLeaks postou, no website Collateral murder, um vídeo feito em 12 de julho de 2007, que mostrava civis iraquianos sendo mortos durante um ataque aéreo das forças militares dos Estados Unidos. Em julho do mesmo ano, a organização ganhou maior visibilidade mundial, ao divulgar o Afghan War Diary, uma compilação de mais de 76.900 documentos secretos do governo americano sobre a Guerra do Afeganistão.

No mês de outubro, em articulação com grandes organizações da mídia, Wikileaks publicou um pacote com quase 400.000 documentos secretos, denominado Iraq War Logs, sobre a Guerra do Iraque. Em novembro, publicou uma série de telegramas secretos de embaixadas e do Governo estadunidense. Seus organizadores afirmam que o WikiLeaks constitui uma entidade auto-regulada e que: “irá providenciar um fórum onde a comunidade global poderá examinar qualquer documento testando a sua credibilidade, plausibilidade, veracidade ou falsidade”.

Em abril de 2010, o site publicou um vídeo mostrando um helicóptero Apache dos Estados Unidos, no contexto da ocupação do Iraque, matando pelo menos 12 pessoas – dentre as quais, dois jornalistas da agência de notícias Reuters – durante um ataque a Bagdá, em 2007. O vídeo (Collateral Murder) é uma das mais notáveis publicações do site. Outro documento polêmico mostrado pelo site é a cópia de um manual de instruções para tratamento de prisioneiros na prisão militar norte-americana de Guantánamo, em Cuba.

Outra pesquisa sobre o WikiLeacks  possibilitou-nos conhecer um pouco mais sobre o “poder” de Julian Assange. Segundo o blog Macroscópio[106]:

Julian Assange vulnerabilizou e ridicularizou, como ninguém antes dele, o poder tecnológico e o aparelho diplomático da República Imperial, chamuscou as relações que os EUA têm com a Europa, e instrumentalizou os conhecimentos informáticos que pôs ao serviço da sua mega-empresa de denúncia globalitária. Nasceu, pois, um poder simbólico com base no qual Assange passou a reconstruir a realidade que tende a estabelecer uma ordem política e comunicacional emergente. “... Matá-lo, seria estúpido, e os EUA não podem cometer tais disparates aos seus "indesejados" como a Rússia de Putin e de Medvedev fez aos jornalistas indisciplinados que caem que nem tordos com duas balas na testa. Isso não se pode fazer no Ocidente europeu por causa dos valores e dos princípios-guia que orientam a filosofia do Estado e da sociedade...” A emergência de Assange no sistema internacional é, porventura, o dado mais relevante dos últimos anos, já que emerge como o cidadão-global cujo empower radica nas TIC - e o interacionismo com a sociedade mundial e a respectiva opinião pública planetária acabam por redefinir as relações de força da comunicação entre os principais players do mundo atual, desde políticos a financeiros e especuladores, que hoje vivem de modo cada vez mais inseparável, na medida em que dependem cada vez mais, na forma e no conteúdo, não apenas do poder material mas, sobretudo, do designado poder simbólico acumulado pelos milhares de telegramas que Assange - e a sua equipa de piratas informáticos - em conluio com os militares detratores à (dita) República Imperial - conseguiram esbulhar dos canais formais do aparelho diplomático. A esta luz, Assange representa o novo sistema simbólico que vai reestruturar as linhas de comunicação e de conhecimento para o futuro no quadro da função política e de legitimação de dominação contribuindo, assim, para a domesticação dos dominadores (e não, "domesticação dos dominados", segundo Weber).  É a este novo campo de produção simbólica que algumas editoras vão pagar a Assange 1 milhão e 200 mil euros, coisa que dezenas de investigadores não ganham numa vida. Ainda por cima, esta luta simbólica serve os interesses particulares de Assange - que vê a sua organização sendo financiada por doadores desconhecidos (com recursos financeiros sabe-se lá donde!!!) nesta nova luta interna e externa pelo poder na esfera da globalidade. Dantes esta luta fazia-se através de filósofos e de ideólogos cujas idéias procuravam modificar as sociedades, de que Carlinhos Marx foi um pioneiro no séc. XIX e XX, com desvios grosseiros, hoje, ao invés, essa luta realiza-se através de piratas informáticos, o que é um sinal dos tempos. Giro-giro seria vir a descobrir que Assange é um espião que veio do frio, e que os serviços de intelligence do ex-KGB já não o conseguiram absorver, levando Julinho a esta reconversão espetacular que domina a arena política mundial.  Vejam bem o homem, e digam lá se não se aproxima do padrão do espião que veio do frio de há umas décadas a esta parte.

 A reportagem postada no blog Macroscópio[107] sobre a vertiginosa ascendência de Assange no mundo das celebridades é corroborada na reportagem veiculada no jornal Folha de São Paulo[108], de autoria de Fernanda Ezabella, correspondente de Los Angeles. A repórter do periódico informa que depois do sucesso do filme sobre Mark Zuckerberg (do Facebook), outro “fenômeno” da internet logo chegará aos cinemas. Segundo ela:

A história de Julian Assange e seu WikiLeaks ainda não têm data para chegar às livrarias, mas o premiado jornalista australiano Andrew Fowler já vendeu os direitos para os produtores de Hollywood, Barry Josephson e Michelle Krumm. Em entrevista ao semanário “Variety”, eles contaram que farão suspense na mesma linha do filme “Todos os Homens do Presidente” (1976), sobre o Watergate, escândalo que derrubou o Presidente norteamericano Richard Nixon. Michelle Krumm foi a produtora de “Bobby” (2006), sobre o assassinato do Senador Robert F. Kennedy, e de “Uma Garota Irresistível” (2006), sobre a modelo problemática Edie Sedwick. Barry Josephson, por sua vez, é o produtor executivo da série investigativa “Bones”. O livro “The Most Dangerous Man in the World” (o homem mais poderoso do mundo) será lançado pela editora da Universidade de Melbourne neste ano. Segundo a repórter, já começaram as especulações sobre quem interpretará Assange nas telas. Um blog da revista “Time”, fez a sua seleção: Neil Patrick Harris, da série “How i meet your mother”, o britânico Paul Bettany ou até mesmo a atriz Tilda Swinton.

Pelo visto, Julian Assange indubitavelmente já conseguiu gravar seu nome na história, desejo de consumo de milhares de mortais. Todavia, o homem mais poderoso do mundo, o homem da vez, o homem bomba, apesar de toda a badalação da mídia também tem suas contas para acertar com a justiça. Nota no blog do combate à pedofilia[109] informa que: “Assange comparece a tribunal que deve decidir sobre sua extradição”.

A nota, postada de Londres em 07 de fevereiro de 2011, afirma que:

O fundador do site WikiLeaks compareceu nesta segunda-feira ao tribunal britânico que deve decidir sobre sua extradição à Suécia, país que deseja interrogá-lo por supostos crimes de caráter sexual. O australiano, de 39 anos, chegou ao tribunal na zona sudeste de Londres, onde houve a audiência, tendo sido autorizado pelo juiz a dormir na capital britânica, excepcionalmente, durante os dois dias de Audiência.

Segundo a nota, Assange nega as acusações e considera que o caso está “politicamente motivado”, em conseqüência da divulgação pelo WikiLeaks e muitos jornais, de centenas de telegramas confidenciais da diplomacia americana, além de documentos secretos sobre as guerras do Iraque e do Afeganistão. Seus advogados utilizarão todos os remédios processuais contra a extradição, alegando que a demanda não se justifica porque Assange não foi acusado formalmente a respeito das agressões denunciadas por duas mulheres suecas em agosto de 2010.

Um dos seus advogados denunciou que se ele for extraditado “será julgado a portas fechadas” em um flagrante indeferimento da justiça, como ocorre habitualmente na Suécia nos julgamentos por agressão sexual.

Um relatório policial confidencial vazado – não poderia ser diferente, tratando-se de Assange – na semana passada na internet revelou, entre outras coisas, um documento no qual uma das queixosas dá detalhes de como Assange iniciou uma relação sexual sem proteção com ela enquanto estava adormecida e como, depois de uma breve discussão, permitiu que ele continuasse.

A defesa do fundador do WikiLeaks alegará também que se a justiça britânica aceitar o pedido sueco “existe um risco real” de que o governo dos Estados Unidos busque a “extradição ou entrega ilegal” do australiano e de que, neste caso, termine em Guantánamo ou corra o risco de ser condenado à pena de morte.

Já foi iniciada uma investigação contra Assange na justiça americana, mas até agora não houve nenhuma acusação. Assange havia sido preso em 7 de dezembro de 2010 em cumprimento de uma euro-ordem emitida pela Suécia e desde o dia 16 do mesmo mês encontra-se em liberdade condicional, sob fiança de 386.000 dólares, vivendo praticamente recluso em Ellingham Hall, uma mansão de propriedade de seu amigo Vaughan Smith, situada no campo, a cerca de 200 km de Londres, usando bracelete eletrônico e se apresentando diariamente numa delegacia local, mas continua trabalhando à frente do WikiLeaks. Diante da possibilidade recursal a sentença do juiz, prevista para meados deste mês de fevereiro de 2011 não será definitiva, o que pode levar o processo durar vários meses.

Navegando na internet, encontramos um blog[110] intitulado “Morte a Julian”, contendo comentários de jornalistas e políticos conceituados dos EUA, que abertamente pedem a sua execução em canais de TV. Jeffery T. Kuhner escreveu um artigo intitulado: Assassinem Assange, com uma foto e legenda: “Procurado vivo ou morto”, dentre outras opiniões contra o dono do WikiLeaks.

Divulgar reportagens de guerra e as atrocidades cometidas pelos países em conflito é sem sombra de dúvida uma forma louvável de escancarar os verdadeiros interesses escusos e sorrateiramente camuflados pelos líderes das Nações mais poderosas do mundo, acontece que, à evidência, muitas informações serão “fabricadas” através do conhecido fenômeno tratado em nossa pesquisa como “interesse do público” e, até aonde se sabe, ninguém que detêm o poder da mídia foi vacinado contra esta patologia e Julian Assange (assim como Cazuza), não serve de exemplo para ninguém, já que não se encontra acima do bem e do mal.

Diante da entronização de Assange e do fato consumado de que cidadãos a ele assemelhados cuidarão dos nossos destinos como detentores do poder virtual e da informação mundial, quais outras conseqüências funestas poderemos esperar?

Como já visto, a invasão da privacidade é tema corriqueiro não só nos sites e na TV como também nos jornais, o que muda nessas informações é apenas o lado vencedor ou perdedor: uma hora vence a privacidade, noutra a informação. O jornal Folha de São Paulo [111] trouxe a manchete: “Grampo derruba superassessor de premiê”. Reportagem assinada por Vaguinaldo Marinheiro, de Londres, informa os leitores que:

Escândalo que se desenrolava há cinco anos envolvendo um império de mídia, política, a realeza e celebridades acabou derrubando o chefe de comunicações do governo Britânico, Andy Coulson, que se demitiu por causa das denúncias de ter promovido esquema de grampos telefônicos no tablóide “News of the World”, onde trabalhou como editor até 2007, antes de ir para o governo para exercer o cargo de chefe de comunicação do primeiro-ministro britânico David Cameron. O jornalista informa que em 2005, sob sua direção, o jornal publicou reportagem sobre um problema no joelho do príncipe William, assunto tratado em segredo pela família real que chamou a polícia para investigar a possível “quebra de sigilo”. Durante as investigações, um repórter do jornal foi preso em 2007, causando a descoberta da utilização de grampos para descobrir segredos de políticos, jogadores de futebol e astros da TV e do cinema (cerca de 3.000 escutas telefônicas ilegais) como, por exemplo: do cantor George Michael e da atriz Gwyneth Paltrow, através da contratação de detetives, com o interesse de obter informações exclusivas para vender mais jornais. Na época, Andy negou que o esquema era incentivado por ele, mas mesmo assim, pediu demissão do jornal para se aventurar na política. Entretanto, no início do mês de janeiro de 2011, o escândalo voltou a esquentar quando a justiça mandou a polícia tornar pública toda a investigação sobre o caso, obrigando-o a renunciar dizendo que: “... quando um porta-voz precisa de um porta-voz, é hora de sair...”

Após este rosário de casos concretos, e no mais das vezes da pura derrota da privacidade podemos concluir que já estamos presenciando as conseqüências geradas pela ausência concreta de uma solução pacificadora para o conflito entre a privacidade e o direito à informação, tema de nosso trabalho, de forma mansa e pacífica.

Petrificados e maravilhados pelas facilidades tecnológicas que nos cercam, bombardeados diuturnamente pelos meios de comunicação de todas as maneiras, fomos pouco a pouco sendo seduzidos, nos esquecendo de que nossas privacidades já foram “engolidas” pelo sistema e que, fatalmente em algum momento desta trajetória faremos parte da notícia não mais como simples espectadores e sim como protagonistas de uma narrativa histórica não autorizada, bastando verificar nos sites e portais especializados em notícias, mantidos comercialmente por ávidos anunciantes que sustentam os rodapés e as laterais das referidas “páginas virtuais”, que a intimidade, a privacidade, a honra e a imagem de pessoas públicas ou desconhecidas são manipuladas como objetos, sonhos de consumo de um público que num simples apertar de botão desnuda a dignidade alheia, e ninguém parece mais se importar com o irreparável dano causado em desfavor do indivíduo que possui o inato direito de ser deixado em paz.

Portanto, combater a anunciada e decantada vitória da livre informação sobre a privacidade não será tarefa fácil por parte da sociedade que ainda almeja a manutenção da sua dignidade; será mesmo um hercúleo trabalho tendo como estandarte o senso de preservação da pessoa humana e da instituição familiar num enfrentamento desigual, aviltante e desproporcional fomentado pela mídia e pelo infeliz comportamento das várias almas já “abduzidas” ao longo deste penoso processo de desconstrução absoluta da individualidade do gênero humano.

9. CONCLUSÃO

Em outubro de 2010, entre os dias três e trinta e um, cento e trinta e cinco milhões, oitocentos e quatro mil e quatrocentos e trinta e três brasileiros[112] aptos a exercer a cidadania, foram convocados a votar e a decidir quem ocuparia o cargo mais importante da Nação. A princípio, este assunto não teria ligação com o teor do nosso ensaio, mas a julgar pela forma com que as campanhas se desenrolaram o assunto amolda-se anatomicamente ao objeto do nosso trabalho, sendo o último “caso” que iremos destacar.

Os quase 136 milhões de protagonistas do futuro deste país conviveram, no período de campanha, com dois assuntos que muito embora não guardassem nenhuma relação de importância com uma séria plataforma de governo consubstanciada em propostas passíveis de concretização, polarizou o dia-a-dia dos candidatos, sustentou a sanha da mídia, instigou os eleitores e dividiu opiniões.

De um lado, uma “bolinha de papel” e de outro, uma frase retirada de um contexto e transformada em “discurso contra a vida”, em favor do aborto. Perguntamos: como é que essas duas variáveis – extrapolíticas – conseguiram se transformar em temas centrais numa campanha presidencial? Além dos correligionários de cada uma das agremiações que disputavam as eleições, entraram em campo: a internet através das centrais de boatos, multiplicando inverdades e calúnias; a mídia televisiva e impressa escolhendo um dos lados para defender; a Igreja Católica, através do Bispo de Guarulhos, que imprimiu e mandou distribuir milhões de folhetos acusando a proposta de descriminalização do aborto, dentre outras religiões que também engrossaram a defesa da vida.

Este caso recentíssimo da história política do nosso país é um sinal de alerta sobre a facilidade de se transformar situações bucólicas em “atentados” e de manipular frases tiradas de contextos específicos transformando-as em “metas de governo”, aspectos que foram propositadamente alçados à primeira grandeza graças à mídia, que em sua maioria, comprou-as, manipulou-as, potencializou-as e as vendeu em nome do “interesse do público” (de alguns). Analistas e cientistas políticos confirmaram que só houve segundo turno da eleição presidencial em razão da escalada de assuntos e de situações que não guardavam nenhuma co-relação com a complexidade dos temas exigidos e que deveriam ser exaustivamente debatidos numa eleição desta envergadura.

Utilizando uma frase lapidar: “nunca, na história deste país” [113] houve uma campanha tão velada da mídia em geral – com poucas exceções, é claro – em favor de uma agremiação política, de um determinado nome, afirmação inegavelmente comprovada pelo vasto material produzido nos meses de duração da referida campanha eleitoral, pela grande mídia brasileira (emissoras de rádio e redes de televisão, jornais de circulação nacional, revistas da área político-econômica de grande circulação e sites especializados em notícias) além dos blogs, twitters e sites de relacionamento que postaram, comentaram e divulgaram um único assunto em comum: a corrida presidencial e o embate que se polarizou, sem nos esquecermos que citadas manchetes também ganharam o mundo, pela importância do cargo que estava em disputa.

 Mas, felizmente, a vontade geral (Rousseau) venceu. Meio machucada, bem espancada é verdade, mas não subjugada pela calúnia, pela injúria e pela difamação. Muitos eleitores brasileiros, bombardeados pela mídia e pela Igreja aceitaram as informações como fatos consumados; a maioria, entretanto, não “comprou” esta idéia e demonstrou nas urnas aquilo que defendemos ao longo do nosso trabalho: que as coisas precisam mudar. Que não podemos continuar sendo massa de manobra dos interesses da mídia, que não podemos permitir que invadam nossa privacidade, pois desejamos continuar sendo livres e donos de nós mesmos, em nossos afazeres, em nossos pensamentos, em nossas ações, em nossos desejos, em nossos sufrágios.

Esse país está mudando. Pena que Cazuza não esteja vivo para constatar que o “Brasil está mostrando a sua cara” sem precisar cuspir ou rasgar bandeiras, sem precisar imitar ninguém. Entretanto, muitos daqueles que compartilharam de suas idéias estão vivenciando este momento e percebendo que o país está mudando através da democracia, pela sua consciência, pela participação popular, pelo voto. E, milhares de irmãos nossos que viviam na linha de pobreza – objeto do discurso do cantor – não precisaram pegar em armas tampouco gritar palavras de ordem para ascenderem socialmente: hoje trabalham e estudam em Universidades Públicas, têm onde morar ganharam perspectivas de vida, conquistaram a dignidade. Nem todos os problemas foram resolvidos, é verdade, mas com certeza vivemos hoje dias muito melhores do que aqueles nos quais Cazuza foi considerado quase um herói.

Heróis são os brasileiros que não se deixam levar pela sedução da mídia, que não se deixam corromper pelas facilidades tecnológicas, que não vendem suas privacidades, cidadãos que ainda defendem a dignidade e que preservam a família.

Neste nosso “leading case” fica evidente o inegável poder da mídia que possui uma capacidade de “bombardear” os assuntos que lhe são afetos, através dos múltiplos tentáculos nascidos das inúmeras inovações tecnológicas; como contraveneno, a sociedade não consumerista ou que não se deixa levar pelas artimanhas midiáticas não pode se calar, não pode se transformar em marionete, fantoche ou “avatar” dos interesses e das vontades alheias. É preciso resgatar nossas dignidades enquanto ainda é tempo de aprendermos de uma vez por todas que o sistema que nos rodeia deve trabalhar para nós e não “contra nós”.

O leitor atento possivelmente percebeu que em todos os tópicos abordados ao longo do nosso trabalho manifestamos que os elementos pesquisados nos apontavam um norte, uma conclusão sobre aquele tema especificamente levantado, restando, neste momento, apenas retomá-la em forma de síntese para que permaneça impregnada do nosso entendimento geral sobre o assunto aqui ventilado.

Como afirmado na introdução, não subjugamos, nem reinventamos e tampouco redescobrimos o palpitante assunto dos princípios fundamentais em conflito, procuramos sim firmar nossa convicta defesa em favor da imprensa livre como elemento construtor, estruturador e propulsor da sociedade, desde que de forma responsável, honesta e verdadeira na manipulação e divulgação das informações.

Viajamos pela história dos meios de comunicação até chegarmos aos nossos dias, afirmando que a internet, inegavelmente, é o maior invento criado pela mente humana como instrumento do progresso e do bem comum das pessoas, como foi a televisão quando veio ao mundo; do contrário, como também enfatizamos, será uma nova versão da máquina de fazer doido, e tal afirmativa se prova e se comprova pela má utilização do invento, que tal como a televisão pode facilmente destruir a dignidade alheia num piscar de olhos.

Com relação à privacidade, pudemos confirmar que este princípio está em “baixa” nos dias atuais seja por culpa das pessoas que a vulgarizaram ou dos meios de comunicação que multiplicam as lesões contra um direito constitucionalmente garantido, comercializando a vida alheia de forma inescrupulosa, sem nenhuma preocupação com as conseqüências deste ato.

No tópico sobre a colisão ou do choque dos princípios em comento, delineamos com mais ênfase nossa defesa em favor da privacidade e, pelos elementos pesquisados, acabamos por concluir que ela se encontra acima de qualquer outro interesse secundário, seja ele qual for, uma vez que a dignidade da pessoa humana é o elo central de nossa existência, afirmativa reiterada quando da discussão sobre o Jusnaturalismo, que por si só dispensaria Convenções, Tratados ou Leis para que a dignidade, a intimidade, a individualidade e a privacidade do homem fossem alçadas como significados “mater” da própria existência humana.

Cuidamos de interpretar ainda a denominada “ausência de regras” apontada pelos doutrinadores como uma das causas dos conflitos, terminando por verificar, na realidade, verdadeira ausência de aplicação das regras já existentes, pois nossa pesquisa nos leva a acreditar que a Constituição Federal possui plena capacidade normativa para exterminar muitos conflitos antes mesmo de abarrotarem o judiciário em busca de solução, uma vez que os dados pesquisados demonstram cabalmente que os princípios em jogo não possuem a mesma valoração; fazendo-nos crer que a dignidade da pessoa humana está acima de tudo.

Detectamos também que o princípio da proporcionalidade, ficção jurídica criada para resolver os casos concretos não conseguiu diminuir as divergências verificadas nos diversos julgados trazidos à lume, causando insegurança jurídica que o direito deve repelir, procurando forma mais adequada para sanar ou evitar as colisões e uma das alternativas encontradas neste nosso ensaio seria o reconhecimento do direito à privacidade como Direito Natural ou a positivação deste Direito Natural através da melhor intelecção dos comandos já existentes por parte dos operadores do direito.

 Independentemente da constatação de que a Carta Magna já se encontra suficientemente aparelhada para dizer o direito e impedir a multiplicação dos conflitos, caso ainda seja necessário a edição de um novo ordenamento específico, sugerimos uma discussão participativa de todos os atores direta ou indiretamente envolvidos – a sociedade - para o estabelecimento da vontade geral, refletindo e decidindo quais serão os destinos que desejaremos doravante trilhar.

Por último, no capítulo destinado às conseqüências originadas pela ausência de elemento saneador dos conflitos em jogo não fizemos prognósticos para um futuro distante, pelo contrário, descobrimos que as conseqüências já são sentidas hoje, agora, neste exato momento. O mundo da mídia, ao eleger como sonho de consumo, as 12 tendências que moldarão as notícias propostas pelo consultor americano Ken Doctor[114] e, como seu principal ponta-de-lança, Julian Assange e seu WikiLeacks, nos acenou que o futuro da privacidade é seu extermínio, assim como aconteceu há milhares de anos atrás com os dinossauros.

Contemporaneamente temos a certeza de que eles existiram, mas durante muitos e muitos anos este período “jurássico” não passava de mera teoria. Pelos dados pesquisados em nosso trabalho, se a nova ordem mundial realmente continuar a escalada que hoje vivenciamos daqui a algum tempo, a privacidade e a dignidade da pessoa humana serão temas doutrinários, defendidos em teses de Mestrado e Doutorado, jurassicamente esquecidos.

Se a mídia escolheu as “12 tábuas” e o WikiLeacks como precursores do “apocalipse now”, não vamos subestimá-los porque por detrás deles existem milhões (de pessoas e de interesse financeiros) envolvidos, ou seja, trata-se de um verdadeiro “tsunami” silencioso e devastador cujos seguidores se multiplicarão como gafanhotos, varrendo o que tiver pela frente.

Portanto, não podemos ficar parados, esperando. Temos que nos defender. Temos que enfrentá-los com armas igualmente poderosas, afinal é a nossa vida privada que está em vias de ser arrancada; os nossos relacionamentos com a sociedade, a nossa intimidade, a nossa privacidade e o nosso direito natural de “estar sozinho consigo mesmo” estão em jogo e isso, por mais bem vinda que seja a tecnologia, por melhor que sejam os inventos e por maior que seja o progresso que possamos desfrutar ela não pode ser furtada, roubada ou expropriada de nós porque nasceu conosco, integra o nosso DNA, é parte indissociável da existência da pessoa humana, cuja dignidade não é apenas sinônimo, mas seu elemento intrínseco.

E a arma, no caso do Brasil, já está pronta e carregada. Possuí considerável autonomia de 250 balas de grosso calibre (artigos). É ainda muito bem servida de balas de médio e de pequeno calibre (incisos, alíneas, letras, números e parágrafos). Comporta ainda, através de quórum qualificado, a rápida recomposição da artilharia pesada, composta de pentes sobressalentes (Emendas Constitucionais). Não é objeto de fabricação em série, nem de outorga sem durabilidade como muitas similares existentes no mercado, que teimam em falhar na hora “h”.

Trata-se de exemplar sui generis, promulgada por uma Assembléia Constituinte de armeiros especializados escolhidos em processo seletivo e direto pela vontade geral dos demais soldados. Possuí arcabouço de garantia, de rigidez, de validade e de supremacia invejável no mundo “bélico-normatico-jurídico”.

Necessita de um pouquinho de graxa em alguns componentes balísticos e de um lustro final para deixá-la pronta para o combate.

É a artilharia pesada da Constituição da República Federativa do Brasil, calibre CF/1988.

Possui certidão de “nascimento”, datada de 05 de outubro. Quando bem manejada é letal. A única coisa que precisamos para pô-la efetivamente em combate é preparar os “atiradores de elite” fazendo deste artefato democrático poderoso inibidor da quebra da ordem estabelecida pela vontade geral dos seus membros que não desejam ser derrotados sem ao menos entrar no “front”.

 “Mundo da mídia imediatista, defensores do fim da intimidade alheia, da quebra da privacidade e da desconstrução da honra e da dignidade da pessoa humana, tremei! CF neles!!!”.

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EMAIL RECEBIDO:

[email protected], assunto: Fwd: Fw: BIG BROTHER BRASIL, em 30 de janeiro de 2011.

NOTÍCIAS DE JORNAIS/REVISTAS:

JORNAL

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FOLHA DE S. PAULO, Caderno Mundo, título “Grampo derruba superassessor de premiê”, p.A8edição de 22 de janeiro de 2011.

FOLHA DE S. PAULO, Caderno Mundo, título “Vida de Assange deve virar suspense em Hollywood”, p. A8, edição de 22 de janeiro de 2011.

FOLHA DE S. PAULO, Caderno Mundo, título “Papa critica ‘vida paralela’ na internet”, p. A17, edição de 25 de janeiro de 2011.

FOLHA DE S. PAULO, Caderno entrevista da 2ª, título “Com iPad, jornal digital se tornará mídia de massa”, p. A16, edição de 7 de fevereiro de 2011.

FOLHA DE S. PAULO, Caderno Ilustríssima, título “Janelas indiscretas”, p.5, edição de 13 de fevereiro de 2011.

REVISTA

Ana Maria, Editora Abril, Edição nº 746, p.8 de 28 de janeiro de 2011.

NORMAS BIBLIOGRÁFICAS:

Normas para referências bibliográficas, Rafael Mafei Rabelo Queiroz, acessível em: http://lfg.com.br, em fevereiro de 2011.

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