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A Lei 12.462/2011 como norma geral de licitações

Breves (e pontuais) comentários acerca do Regime Diferenciado de Contratações

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20/10/2014 às 14:01
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Investigação acerca da existência da Lei do Regime Diferenciado de Licitações no ordenamento jurídico como norma geral de licitações, erigindo conceitos e analisando a validade do proposto diante da já existente Lei Geral de Licitações.

 1.      INTRODUÇÃO           

Ao fim do ano de 2011, o Congresso Nacional aprovou a conversão da Medida Provisória nº 527/2011 na Lei 12.462/2011, inaugurando no ordenamento jurídico pátrio novo regime licitatório denominado Regime Diferenciado de Contratações.

 Ocorre que o novo regime, consagrador de diversas inovações, guarda diversas polêmicas que vêm efervescendo os debates entre os estudiosos e profissionais do Direito Administrativo.

 Discute-se, destarte, com intensidade, a pretensão da nova norma de sagrar-se como norma geral. As questões que surgem permeiam a possibilidade jurídica, as razões pragmáticas e, sobretudo, a constitucionalidade de uma nova Lei existir como norma geral de licitações, em paralelo à já existente, materializada na Lei 9.666/93.

 Diante deste panorama, o presente trabalho apresenta em linhas breves a questão, adentrando no tema “normas gerais de licitações”, identificando o gênero, compreendendo seu conteúdo, e investigando a possibilidade de que o RDC e a Lei Geral de Licitações conviverem, ambos como normas gerais do mesmo instituto, em um mesmo ordenamento jurídico.


2.      OS COMPROMISSOS NACIONAIS E O REGIME DIFERENCIADO DE CONTRATAÇÕES 

Nos últimos anos, o Brasil conquistou o posto de sede de eventos esportivos de elevada envergadura, a Copa do Mundo Fifa de 2014 e as Olímpiadas e Paraolimpíadas de 2016. Muito se discute na sociedade sobre o mérito desta atribuição, sendo fato que o direito de sediar os jogos traz em seu bojo, em contrapartida, uma série de deveres.

É notório que os eventos atraem atenção do mundo todo, trazendo para o território nacional os atletas (junto com seus técnicos, treinadores e toda a equipe de apoio), a mídia, o público, autoridades políticas, o que demanda uma otimização nas obras e nos serviços aqui realizados, além de exigir estrutura para realização dos jogos e competições. Ora, não só falamos de estádios, complexos esportivos, leitos e acomodações, mas também de aeroportos, estradas, serviços especializados e prestadores de serviço treinados. Enfim, há um demanda urgente por preparações das mais diversas em todo o Brasil, em especial nas cidades sedes e suas adjacentes, para possibilitar a perfeita realização dos eventos e satisfação de todos os deveres assumidos pelo Estado com as organizações internacionais responsáveis.

O tempo é exíguo, as adequações necessárias são diversas e a prerrogativa de ser sede é também o dever de bem sediar os eventos. Tornou-se deveras importante a contratação eficaz, sobretudo, de obras e serviços para aprimoramento da estrutura interna brasileira.

Nessa conjuntura, nasceu na legislação pátria o Regime Diferenciado de Contratação – RDC, presente na Lei 12.462, de 2011, trazendo uma alternativa ao regime licitatório geral presente na Lei 8.666, de 1993, com o intuito principal de trazer maior celeridade às licitações realizadas em razão dos eventos esportivos que “batem à porta”.


3. NORMAS GERAIS 

Nos termos do inciso XXVII, do art. 22, da Constituição Federal, é de competência privativa da União legislar sobre normas gerais de licitação e contrato.

O termo norma geral é de conceituação tormentosa, mas que é comumente associado às normas aplicáveis indistintamente a todos os entes da federação, apta a estabelecer princípios e diretrizes nacionais básicas. Implica que, possui a União, em matéria de licitações e contratos, o poder/dever de produzir legislativamente normas gerais – assim compreendidas como nacionais – e leis especiais, federais, aplicáveis somente a si.

Atento a esse conceito tradicionalmente reconhecido, Bandeira de Mello propõe a sua flexibilização, sobretudo para que se garanta padrões mínimos de defesa do interesse público que deveriam estar assegurados em todo o território nacional. Afirma o autor que “de fora parte diretrizes, princípios e delineamentos genéricos, a União estaria autorizada também a qualificar, em casos de símile compostura, um patamar, um piso defensivo do interesse público que as legislações estadual e distrital não poderiam desatender”{C}[1]{C}.

Legislar além desse panorama acima demonstrado, portanto, é indevido e aviltaria dos demais Estes Federativos a matéria a que lhe compete legislar suplementarmente (art. 24, § 2º), em evidente desrespeito à distribuição constitucional de competências e ao conceito jurídico de normas gerais.

A importância jurídica dessas normas está na possibilidade de integrar os entes federados através de um tratamento normativo comum, apto a tratar de matérias afetas ao interesse de todos. De tal maneira – no que toca à regulamentação do art. 22, XXVII, CF – é possível criar um ambiente seguro para a atração de interessados, uma vez que haverá um regramento basilar padrão, o que privilegia a competição e potencializa as oportunidades de se encontrar propostas mais vantajosas, além de facilitar o controle interno e externo. 


4.  NORMAS GERAIS DE LICITAÇÕES 

É necessário, outrossim, identificar os limites de uma norma geral de licitações e contratos. Não se pode compreender que é opção política e discricionária da União a determinação dessa extensão, não em um Estado de Direito que adota o Princípio Federativo e que presa pela segurança pública. É necessário que essas normas respeitem uma delimitação das matérias abordáveis, de forma a não desrespeitar a competência que remanesce às demais unidades da federação.

Expôs-se a necessidade de as normas gerais tratarem dos “delineamentos genéricos” sobre a matéria. No caso das licitações e contratos, quais seriam esses delineamentos?

Como é cediço, a Constituição é um texto único, orgânico, que deve ser interpretado de maneira conjunta. Entende-se, portanto, que a resposta para identificação do conteúdo jurídico da norma geral em comento está no próprio Texto Maior. Aliás, o próprio dispositivo que prevê a competência da União, determina a observância do art. 173, § 1º, II, da CF. Assim sendo, a União, ao exercer tal competência, deverá tratar dos casos excepcionais em que a contratação não dependerá de processo licitatório, de medidas que assegurem o tratamento isonômico dos concorrentes e sobre os requisitos de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações a serem assumidas contratualmente.

Ora, identifica-se uma norma geral através da identificação de regras e princípios essenciais acerca do instituto[2]e o diploma que identifica o que é essencial dentro da república não é outro, senão a Constituição Federal. Não pode se extrair o conteúdo jurídico de uma norma geral de licitações de outro texto normativo, nem muito menos daquele diploma identificado como normal geral, aposterioristicamente.

Note-se, entretanto, que o entendimento supraexposto é desenvolvido para este trabalho e não necessariamente corresponde àquele identificável na doutrina majoritária. Marçal Justen Filho, por exemplo, adiciona, ao rol indicado, a previsão de modalidades de licitações[3]. Discorda-se, nesse particular, do autor, compreendendo-se que a sistematização de suas disposições em modalidades de licitações é tão somente uma opção metodológica da Lei 8.666/93, que deverá ser adotada pelos demais entes federativos no que tratar do tratamento igualitário entre os licitantes e dos requisitos habilitatórios, mas que, a bem da verdade, engessa a Administração e não foi repetido pela Lei 12.462.


5.      LEI 12.462/2011, NORMA GERAL DE LICITAÇÕES 

A opção pela utilização do regime diferenciado da Lei 12.462/2011, que deverá constar expressamente no instrumento convocatório do certame, implica no afastamento das disposições da Lei Geral de Licitações e Contratos (art. 1º, § 2º, LRDC). Analisando essa situação, Sylvio Toshiro Mukai nota que:

[...] o RDC não apenas institui normas diferenciadas de licitação para as contratações necessárias à realização dos eventos de que trata, e da infraestrutura e serviços dos aeroportos que se encontram no limite estabelecido pela lei de regência, mas, também, afastou a efetiva aplicação de quase a totalidade dos dispositivos da Lei nº 8.666/93 que tratam do procedimento administrativo de licitação.[4]

Assim, a nova lei pretende propor uma normatização paralela à matéria licitatória, trançando todo o regramento em um nível de generalidade peculiar a ser observador uniformemente em todo o país, informando “os princípios, os fundamentos, os critérios básicos, conformadores das leis que necessariamente terão de sucedê-las para completar a regência da matéria” [5].

Nota-se, entretanto, que o legislador de 2011 não enfrentou a matéria contratual, de forma que a sistemática proposta é justamente contrária àquela sobre matéria licitatória; naquele quesito, as normas aplicáveis ao RDC serão aquelas propostas pela Lei 8.666/2011, salvo quando houver disposição contrária (art. 39, LRDC).

O fato é que, mais do que uma nova modalidade, a Lei 12.462/2011 representa uma nova norma geral de licitações, apesar de, pelo seu conteúdo, possuir caráter de lei especial, ou seja, apesar de reger as licitações dentro de uma aplicabilidade particular, excepcional[6].

Dessa forma, não se pode cometer o equívoco de interpretar o regime diferenciado de contratações públicas a partir das disposições do regime geral. Proceder dessa maneira pode levar a erros crassos, levar a entender pela ilegalidade de regra contida na Lei 12.462/2011, por desrespeito à norma geral contida na Lei 8.666/93. Nesse mesmo sentido são as lições de Moreira e Guimarães:

[...] o RDC é regime excepcional de licitações e contratos administrativos que tem a natureza de norma geral e que, por isso mesmo, tem autonomia interpretativa – tanto em relação às demais licitações e contratos extraordinários (pregão, concessões comuns e parcerias público-privadas). Isto significa que não se deve ler a Lei 12.462/2011 com a lente da LGL (e/ou demais diplomas pretéritos).[7]

Da mesma forma não se pode crer que a Lei 12.462/11 pretende revogar a Lei 8.666/93, nem mesmo parcialmente. Ora, as regras nesse sentido encontram-se na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), que, em seu art. 2º, determina que a lei persistirá em vigor até que outra a modifique ou revogue. O dispositivo estabelece que: (1)  a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior; (2) a lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

Nota-se, portanto, que, ao contrário de declarar a revogação da Lei 8.666/93, a Lei que estabelece o RDC protege a convivência harmônica dos dois regimes. Também não há incompatibilidade, pois não haverá aplicação simultânea de ambas as leis; nem muito menos há regulação completa da matéria anteriormente tratada, ao contrário, há regulamentação diferenciada daquela. Assim sendo, a Lei 12.462/2011, estabelecendo disposições especiais (aplicáveis em um âmbito legalmente delimitado), na forma de norma geral, não revoga a lei de 1993.

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Discorda-se, neste particular, de Maurício Zockum, para quem o § 2º, art. 1º, da Lei 12.462/2011 seria inconstitucional, pois não seria possível que uma lei especial veiculasse norma geral[8]. Com efeito, não se encontra regra na Constituição com indicação semelhante. Concorda-se, outrossim, com o exposto por Vanice Regina Lírio do Valle:

[...] é de se reconhecer que o critério identificador do caráter esquematizante de norma geral de uma lei não pode estar associado à abrangência material de situações que sob sua égide venham a se subsumir, mas sim ao caráter dispositivo-organizacional de que se revista essa mesma norma.

[...]

 Em síntese, caráter de norma geral exigível como legitimador do exercício da competência legislativa da União não pode ser tido como incompatível com a especificação do objeto de cogitação dessa mesma lei – a saber, regime jurídico próprio aplicável a um determinado universo de contratações – sob pena de se apequenar o potencial estruturante deferido ao ente federado central pelo mesmo art. 22 CF.[9]

            Fica, pois, firmada a existência da Lei do RDC como norma geral e lei especial de licitações públicas.


6. A COEXISTÊNCIA DA LEI 12.462/11 E DA LEI 8.666/93 

É de se indagar, ainda, se podem coexistir duas normas gerais tratando do mesmo aspecto específico dentro do sistema. O entendimento é positivo. A redação do próprio art. 22, XXVII, CF indica que a competência de união para editar “normas gerais” sobre licitações e contratos. Entender que essa competência se resume à promulgação de um único diploma prejudica a própria produção normativa e os fins por ela almejados. É nesse sentido que se desenvolve o entender de Pereira Junior e Dotti:

A competência privativa da União para legislar sobre licitações e contratações administrativas não se restringe à edição de uma única norma, a que todas as situações concretas devam amoldar-se. O universo de objetos que podem ser adquiridos pela Administração Pública e os mecanismos à sua relação pode exigir disciplina própria, de caráter geral, para efeito de regra o conjunto de atividades que devam ser empreendidas na contratação.

Tome-se, por exemplo, a construção e reforma de arenas esportivas para as cidades sedes dos jogos da Copa das Confederações e da Copa do Mundo FIFA. Essas obras, a cargo dos Estados, não poderiam ser contratadas pelo Regime Diferenciado de Contratação se a Lei 12.462/2011 fosse apenas norma especial, fosse apenas aplicável à união. A própria razão da nova lei estaria prejudicada, a eficiência por ela prometida estaria por demais restrita. A estrutura organizacional federativa estaria prejudicada. Cada ente federativo precisaria legislar sobre o tema, o que abalaria a uniformização da matéria, demandaria custos e geraria confusão para aplicação e controle. A mais, boa parte de seus dispositivos restaria viciados, por desrespeito à “suprema” norma geral, a Lei 8.666/93.

O reconhecimento da LRDC como norma geral é fundamentado pelo seu art. 1º, § 2º, é juridicamente possível e pragmaticamente necessário.

Aliás, ao comentar a Lei 8.666/93, Marçal Justen Filho já reconhece a possibilidade de que outras normas gerais fossem editadas pela União com base na competência constitucional:

A edição da Lei nº 8.666 não produziu a “exaustão” da competência legislativa federal para editar normas gerais sobre a matéria. Nada impede que a União edite outras leis, disciplinando o mesmo tema. A competência para produzir “normas gerais” não significa o dever de concentrar todas elas no mesmo diploma legislativo. Aliás, e como as normas gerais sobre licitações e contratações administrativas não demandam lei complementar, é descabido presumir que uma lei federal posterior encontraria algum obstáculo para disciplinar a mesma matéria. A Lei n 8.666 não é hierarquicamente superior a outra lei ordinária.[10]

Dispunha da mesma forma Hely Lopes Meirelles:

Para fins de licitação, deve-se entender por normas gerais todas aquelas leis, chamadas de leis nacionais, que estabelecem princípios e diretrizes aplicáveis indistintamente a todas as licitações e contras administrativos e, por isso, obrigatórias para a União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Assim, pode haver uma, duas ou mais lei com a natureza de normas gerais. Logo, a Lei 8.666, de 1993, não é a única com essa estrutura.[11][os grifos não são do original].

Assim sendo, a Lei 12.462/2011 é uma lei especial, aplicável somente às licitações que protestam as contratações tematicamente compatíveis com o rol previsto no art. 2º, incisos e § 3º, da mesma, apta a reger as atividades do Gestor de todos os entes da federação e que convive harmônica e paralelamente com a Lei Geral de Licitações e Contratações Públicas. A utilização do Regime Diferenciado de Contratação é opcional, devendo constar expressamente no ato convocatório e, como se trata de ato discricionário, deve ser devidamente motivada.

A situação fática possibilitando a utilização da Lei 12.462/2011, a Administração deverá indicar os fundamentos de fato e de direito que determinaram a sua decisão em utilizá-la em detrimento da Lei 8.666/93. O simples fato de ser o RDC uma sistemática mais recente e especializada não pode induzir à presunção de que sempre será invariavelmente o mais adequado; a situação fática demonstrará qual regime será mais conveniente e oportuno.

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Sobre o autor
Luiz Quintella

Advogado no Escritório Jacoby Fernandes & Reolon. Mestre em Direito Administrativo pela Universidade de Lisboa. Especialista em Direito Público pela Faculdade Baiana de Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUINTELLA, Luiz. A Lei 12.462/2011 como norma geral de licitações: Breves (e pontuais) comentários acerca do Regime Diferenciado de Contratações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4128, 20 out. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30394. Acesso em: 15 nov. 2024.

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