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Internet: direito do empregado x interesse do empregador

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Recentemente, foi noticiada a dispensa de alguns empregados, promovida pela General Motors - GM, em razão do uso indevido de e-mails para remessa de mensagens com conteúdo pornográfico. Acreditamos que não seria correto, e até mesmo sensato, opinar acerca do procedimento adotado pela empresa, mas julgamos oportuno descrevermos, em linhas gerais, a problemática existente nestas situações.

Nesse sentido, procuramos elencar, resumidamente, os aspectos interessantes sobre o tema "direito à intimidade do empregado em face do poder diretivo do empregador".

Inicialmente, cabe esclarecer que poucos são os estudos sobre este recente tema, todavia é crescente a discussão acerca do uso (ou abuso) indevido dos modernos instrumentos de trabalho (acesso a internet e utilização de e-mails), por parte dos empregados, no ambiente de trabalho.

Quando os direitos do empregador e do empregado entram em choque, faz-se oportuno traçar até onde o primeiro detém poder de mando sobre o segundo, em face dos direitos constitucionalmente garantidos.

Sendo o contrato de emprego, essencialmente, trabalho subordinado, fica evidente a sujeição do obreiro ao poder de direção do empregador.

O chamado poder de comando ou diretivo, previsto no art. 2º da CLT, pode ser conceituado como aquele reconhecido ao empregador, consistente no direito de dar ordens ao empregado, ou nas palavras de Amauri Mascaro Nascimento, na obra Iniciação ao Direito do Trabalho, 24ª edição, 1998, página 188:

"(...) a faculdade atribuída ao empregador de determinar o modo como a atividade do empregado, em decorrência do contrato de trabalho, deve ser exercida."

O poder de mando se desmembra em outros tipos de prerrogativas:

- Poder de organização - parte do princípio que ordenar é ato inerente do empregador. Este poder sofre limitações;

-Poder de controle ou de fiscalização - fiscalizar a execução das ordens conferidas ao empregado. Amauri Mascaro Nascimento, na ob. Cit., página 191, apresenta três aspectos dessa prerrogativa do patrão. I - Que os tribunais pátrios tem entendido que a revista dos empregados vem sendo considerada como um direito de fiscalização do empregador, devendo, entretanto, ser moderada; II - O empregador poder instalar, em suas dependências, câmeras de circuito de televisão; III - O empregador pode obrigar os empregados a marcação de cartão de ponto ou livro.

- Poder disciplinar - aplicar penalidade ao empregado que descumpra ordens gerais ou dirigidas especificamente a ele. Mais adiante desenvolveremos as penalidades aplicadas no Direito Brasileiro, quando este tipo de poder é atingido.

Julgamos pertinentes delinear o posicionamento teórico acima esposado com a utilização indevida da Internet no ambiente de trabalho.

Na relação laboral há conflito entre o poder diretivo da empresa em face do direito à intimidade e à vida privada do empregado. A questão é, justamente, saber até onde um pode interagir com o outro.

Em princípio, os novos meios de comunicação (e-mails e internet) estão protegidos pelo sigilo profissional, à luz do art. 5, inciso XII da Constituição Federal de 1988.

"art. 5, inciso XII - é inviolável o sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal".

Celso Ribeiro Bastos, no livro Comentários à Constituição do Brasil, 2º Vol.,1989, página 71, firma seu entendimento acerca do inciso supra referido.

"Dizer que a correspondência assim como as comunicações telegráficas, de dados e telefônicas são invioláveis significa que a ninguém é lícito romper o seu sigilo, isto é; penetrar-lhe o conteúdo. Significa ainda mais: implica, por parte daqueles que em função do seu trabalho tenham de travar contato com o conteúdo da mensagem, um dever de sigilo profissional. Tudo se passa portanto como se a matéria transmitida devesse ficar absolutamente reservada àquele que a emite ou àquele que a recebe". (grifos nosso)

Sendo assim, na hipótese do empregador suspeitar de violações no sistema como fraudes de mensagens, abusos na troca dos conteúdos das informações, etc., deve, inicialmente, obter autorização judicial antes de perquirir os e-mails e sites acessados, sob pena de obter prova ilícita contra o empregado.

No mesmo entendimento, posiciona-se Zoraide Amaral, no livro Internet e Direito – Reflexões Doutrinárias, 2001, página 65.

"Resta, pois, que a interceptação de dados, mesmo que realizada dentro da rede interna de uma empresa, mostra-se ilícita ato criminal, que não poderá ser praticado pelo empregador sem que o juiz o autorize".

A autora alerta, ainda, para a diferença existente entre a regra e a exceção da chamada invasão de privacidade.

"Não se pode perder de vista que uma coisa é a invasão de privacidade, que não pode ser admitida; outra e esta em regime excepcional, quando envolver suspeita de fraude pelo empregado, o empregador deverá ter o direito de interceptar o correio eletrônico, desde que sejam atendidos os requisitos legais para a quebra de sigilo".

Como conseqüência à violação ao direito à intimidade, a Constituição Federal também assegura ao lesado o direito de indenização por dano material ou moral daí decorrente.

"(art. 5, inciso X) – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Assim, o empregador pode definir a finalidade e restringir o uso dos equipamentos colocados à disposição de seus empregados. Se o empregado for comunicado, antecipadamente, que o uso da ferramenta é restrito aos assuntos profissionais, o empregador poderá checar seus e-mails, conversas telefônicas e os sites acessados pelos empregados. Todavia, não poderá fazê-lo se permitir o uso irrestrito destas ferramentas de trabalho para outros fins. Nesse caso, a exceção poderá ocorrer, com a anuência do empregado, na verificação do conteúdo das informações, dividindo-as entre aquelas relacionadas à atividade laboral e às particulares.

Oportuno ressaltar que as provas obtidas licitamente podem dar ensejo à dispensa por justa causa do empregado e, inclusive, indenização por perdas e danos. Não obstante, as provas obtidas ilicitamente não acarretam a justa causa e não podem ser usadas em processo criminal contra o empregado. Assim, o empregador incidirá na violação do direito à intimidade do empregado que, em determinados casos, poderá dar causa à chamada rescisão indireta (ou dispensa indireta, que é a justa causa praticada pelo empregador, nos termos do art. 483 da CLT) e, ainda, ressarcir por danos materiais e morais.

Gravação de conversa telefônica. Desconsideração. Prova ilícita. A gravação de conversação telefônica não constitui meio de prova lícito e admissível no processo, pois ofensiva ao sigilo das comunicações e à liberdade de manifestação de pensamento, pelo que deve ser desconsiderada. Para que a escuta telefônica seja considerada válida, é indispensável a autorização judicial, o que não foi observado "in casu". (TRT da 3ª região - DJMG data: 20/03/01 - RO nº 21543/00 – 3ª Turma - Juiz Relator Paulo Maurício Ribeiro Pires).

No mesmo posicionamento encontra-se João Lima Teixeira Filho, que citado por Zoraide Amaral, ob. Cit. página 66, entende que o empregado que tiver sua correspondência violada pela empresa poderá requerer, além da rescisão indireta do contrato de trabalho, uma reparação, configurada em dano moral (in LTR – 60-9/1745).

Imprescindível ressaltar que a ruptura do contrato de trabalho por justa causa é a maior penalidade que o empregado pode sofrer, razão pela qual deve ser proporcional à falta praticada.

Conforme lição de Amauri Mascaro Nascimento, ob. Cit., página 417,

"Dispensa arbitrária e justa causa são qualificações diferentes (...). A dispensa arbitrária é a qualificação do ato praticado pelo empregador, justa causa, ao contrário, o é da ação ou omissão do trabalhado. A arbitrariedade é daquele. A justa causa é deste".

Para o aludido doutrinador, os elementos da justa causa podem ser divididos em: subjetivo ( que é a culpa do empregado latu sensu) e objetivo (gravidade do comportamento; imediatismo da rescisão; causalidade; e a singularidade – sendo vedada a dupla punição pela mesma justa causa – non bis in idem).

Segundo Evaristo de Moraes Filho, no livro A Justa Causa na Rescisão do Contrato de Trabalho, 1968, página 150, a justa causa é conceituada como:

"Todo ato doloso ou culposamente grave, que faça desaparecer a confiança e a boa-fé que devem entre elas (as partes) existir, tornando assim impossível o prosseguimento da relação".

Sobre o sistema brasileiro das justas causas, a obra Manual Individual do Trabalho, dos autores Geovay Jevezus, Marcos Pinto da Cruz e Ricardo Areosa, 1ª edição, 2002, página 392, acrescentam que:

"(...). Adotou-se, portanto, princípio semelhante ao vigente no direito penal: Não há justa causa sem previsão legal expressa. (...). Os arts. 482 e 483 da CLT constituem a principal fonte legislativa, mas não a única".

"(...). Os autores concordam, entretanto, em afirmar que a enumeração das justas causas, nos arts. 482 e 483 da CLT, é taxativa e não meramente exemplificativa (...). Nada impede que o legislador acrescente, como acrescentou, outras justas causas às já existentes. Isso confirma que a taxatividade decorre de lei, e somente ela pode criar as hipóteses de justa causa".

Então, veja-se as hipóteses legais, previstas no art. 482 da CLT, que ensejam a justa causa para rescisão do contrato pelo empregador:

a)ato de improbidade (ex. furto e extorsão);

b)incontinência de conduta (ato de natureza sexual) ou mau procedimento (viola norma ética);

c)negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregado, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;

d)condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;

e)desídia no desempenho das respectivas funções (negligência);

f)embriaguez habitual ou em serviço;

g)violação de segredo da empresa;

h)ato de indisciplina ou de insubordinação.

Obs.: Destaque-se que o ato de indisciplina (generalidade) é o descumprimento de uma ordem da empresa,diferentemente do ato de insubordinação (pessoalidade) que é diretamente contra o chefe imediato. Obviamente, para que o descumprimento da ordem constitua o ato de insubordinação, é indispensável que a ordem seja lícita, pois, se ilícita, o empregado tem o direito de negar-se a cumprí-la. Por sua natureza, a incontinência de conduta e a indisciplina não são capazes de ensejar a ruptura abrupta do contrato de trabalho, eis que não "quebram", definitivamente, a confiança do empregador e, como tal, deve se suceder de advertência ou suspensão disciplinar. É a reincidência que determinará a terminação justificada do vínculo empregatício.

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i)abandono de emprego, caracterizado por dois elementos: subjetivo – intenção em romper o contrato – e o objetivo – decurso de ausência do serviço, que para a jurisprudência majoritária é de trinta dias;

j)ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

k)ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

l)prática constante de jogos de azar (ex. jogo do bicho).

No Direito Brasileiro as penalidades disciplinares que podem ser aplicadas são as passíveis de advertência (também conhecida como admoestação ou repreensão) e a suspensão disciplinar. Cabe ressaltar que, neste último caso, a Consolidação Obreira é expressa no seu art. 474 ao esclarecer que a suspensão do empregado, por mais de 30 dias consecutivos, importa na rescisão injusta do contrato de trabalho. Em regra, a multa é atualmente proibida, porque representa redução salarial, admite-se exceções nos casos de contratos de atletas profissionais, regulados pela Lei nº 6.354/76. Não obstante, o ordenamento legal brasileiro veda outros tipos de sanções disciplinares como as de transferências (art. 469 da CLT), bem como rebaixamento ou redução salarial.

Importante salientar que o escalonamento das penalidades deve resultar da livre estipulação das partes, sendo fixada no regulamento das empresas, em contratos ou convenções coletivas, ou ainda, pelos usos e costumes. A princípio, tal escalonamento deveria constituir cláusula expressa no contrato, ou de qualquer fonte informativa em contrato, pois ao nosso ver não é justo alguém sofrer penalidade não expressamente prevista.

Complementando a assertiva acima descrita Amauri Mascaro Nascimento, ob. Cit., página 193, entende que:

"Assim, para ser despedido, não é necessário que o empregado anteriormente, tenha sido advertido e suspenso, salvo se o regulamento interno da empresa o determinar".

Entendemos que o envio de e-mails pornográficos, no ambiente de trabalho, é falta passível de ser repreendida, energicamente, mas não é o quanto basta para imputação de justa causa aos empregados.

Neste diapasão, duas medidas são recomendáveis nos casos de e-mails no setor de trabalho, quais sejam: 1) criação de cláusulas nos contratos de trabalho ou até mesmo de um "regimento ou código" interno sobre o assunto; 2) É preferível que além do e-mail do trabalho o funcionário tenha outro, para uso pessoal.

No caso dos sites pornográficos faz-se conveniente, e até certo ponto necessário, o bloqueio dos mesmos pelas empresas, além de impedir-se a transmissão de imagens pela internet. Esta medida restritiva e simples de "travar" determinados tipos de endereços eletrônicos, obviamente evita futuros constrangimentos e sua violação geraria um inquestionável descumprimento das regras do empregador.

Nunca é demais observar que a dispensa de um empregado acarreta perda para os três lados envolvidos direta e indiretamente: O trabalhador (que estará desempregado); o empregador (que terá que pagar as verbas resilitórias e contratar um novo funcionário para suprir a ausência do dispensado); e o Estado (o País tem o inconfortável recrudescimento do desemprego).

Assim sendo, é aconselhável ao empregador utilizar-se da possibilidade de impedir o acesso a sites impróprios, bem como a transmissão de imagens por e-mail, ou então criar normas internas proibindo ao empregado a utilização da Internet para fins não condizentes com assuntos relacionados à empresa, ou inseri-las até mesmo nos contratos de trabalho, a fim de justificar eventual rescisão da relação empregatícia e evitar possíveis demandas judiciais de parte a parte.

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Sobre o autor
Felipe Siqueira de Queiroz Simões

advogado do escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha e Lopes Advogados, no Rio de Janeiro (RJ)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIMÕES, Felipe Siqueira Queiroz. Internet: direito do empregado x interesse do empregador. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3049. Acesso em: 18 abr. 2024.

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