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Execução e efetividade no processo do trabalho:

como equacionar esse desafio?

01/08/2002 às 00:00
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A execução é, sem sombra de dúvida, a fase processual que envolve mais complexidade e desafio à função judicante, pois é nela que se descortina verdadeiramente a prestação jurisdicional, com a entrega do bem da vida perseguido no processo.

Cada vez mais, por motivos que escapam à moldura do direito, a execução tem se tornado sinônimo de inefetividade. No processo do trabalho é possível dizer que a crise é causada por diversos fatores: a falta de políticas públicas implementadoras do crescimento empresarial, cujo reflexo é a crise expressa na dissolução informal das sociedades, quando não se alcança à própria falência; a falta de um controle na própria formação das sociedades, cujo reflexo é a formulação fraudulenta de contratos sociais, que indicam, como sócios, pessoas sem respaldo patrimonial ("laranjas") ou de formação de sociedades anônimas do tipo "capital fechado" (geralmente empresas de natureza familiar), que funcionam sob a aparência legal de sociedades abertas. Crescentemente, a tessitura social abre "fendas" insondáveis, nas quais o direito não consegue colocar sua mão. Atos considerados imorais, porém não ilegais tornam-se sinônimo de inefetividade do próprio direito. O desafio dos juízes é fazer com as esferas da imoralidade e da ilegalidade se toquem, para que seja possível fazer valer o direito. A execução é o palco onde, crescentemente, essa luta se trava sem tréguas, através de pedidos que envolvem complexidade e desafio na montagem de decisões que sejam ao mesmo tempo justas e dentro da legalidade.

Primeiramente, é importante ressaltar uma questão aparentemente óbvia, mas que não raro é esquecida nas decisões em fase de execução: ela se dá no interesse do credor, diante de dívida incontesta. O art.620 do CPC é costumeiramente invocado pelos devedores numa interpretação que nos leva a crer o contrário. O interesse do credor tem total prevalência na fase executória, e somente com total respeito a ele, deve o juiz buscar a maneira menos gravosa para o devedor. Essa maneira menos gravosa deve ser entendida restritivamente, no sentido de não aumentar desnecessariamente as despesas da execução.

Uma das questões trazidas com freqüência e cujo reflexo é fundamental na fase executória é a da sucessão de empregadores. Os requisitos para o instituto da sucessão na esfera trabalhista podem ser condensados através da manutenção dos fins da empresa, decorrência do princípio da continuidade da empresa. O sucessor é aquele que, total ou parcialmente, absorve o patrimônio do sucedido, para desenvolver o mesmo objeto social. Ela é admitida inclusive com a aquisição do acervo em hasta pública, conforme observa Pontes de Miranda. É como se o crédito trabalhista tivesse um direito de seqüela sobre o patrimônio, acompanhando-o para onde quer que ele vá. De acordo com os arts.10 e 448 da CLT, o instituto visa facilitar o empregado no recebimento de seu crédito. Dessa forma, torna-se o sucessor integralmente responsável, inclusive por atos causais anteriores à mudança da estrutura da empresa. A cisão da responsabilidade é incompatível com a facilitação visada. A questão é remetida sob a forma de discussão na esfera cível. Nem mesmo a invocação de leis estaduais, que moldaram protocolos de cisão de empresas de economia mista, podem ter prevalência sobre os preceitos celetizados, visto serem estes de órbita federal, cuja competência é exclusiva na elaboração de normas trabalhistas. De se ressaltar que a fraude através da qual os sócios dissolvem uma sociedade para constituir outra com o mesmo objeto social, deve ser enquadrada dentro do instituto da sucessão, considerando-se o ato de constituição de nova sociedade como simulatório, com o fito de fraudar a legislação trabalhista, o que é vedado através do art.9º da CLT.

Outro tema relevante é a do sócio retirante. A citação do sócio que se retirou da sociedade é inválida, nos termos do art.12, VI do CPC. Apesar disso, suporta a execução o sócio que, durante a atuação na empresa, usufruiu do labor do reclamante, decorrência do cotejo do lapso do contrato de trabalho e da atuação societária. Assim, a responsabilidade do sócio retirante é sempre subsidiária. O amparo legal encontra-se insculpido nos arts. 592, II do CPC, art. 339 do Código Comercial e até o art.135, III do CTN, analogamente invocado em face da Lei de Execuções Fiscais – Lei 6830/80 (legislação subsidiária primária em face da execução trabalhista).

Outra questão invocada é a do imóvel que é considerado bem de família. A malsinada Lei 8009/90 parece conspirar contra a única réstia de efetividade processual. Com freqüência o imóvel torna-se o único bem sobre o qual pode recair a execução. Em verdade o problema comporta mais complexidade do que aparentemente possa parecer. Primeiramente, a invocação de uma tal proteção, que fere de morte o art.592, II do CPC, deveria ser acompanhada de prova, nos termos do art.333, II do CPC. E, essencialmente, a impenhorabilidade invocada deveria ser cuidadosamente analisada sob a ótica do art.5º, XXII da Constituição Federal que fala sobre o direito à propriedade, o qual pode ser traduzido como direito subjetivo público ao respeito. A propriedade ali delineada refere-se ao círculo mínimo de bens, indispensáveis ao desenvolvimento da personalidade e da dignidade humana, inscrita no art.1º, III do mesmo diploma legal. O círculo mínimo ainda seria respeitado com a venda do único imóvel do devedor, cuja dívida não excedesse ou abarcasse integralmente seu valor. Decorrência da ponderação de interesses legítimos conflitantes no processo. A invocação da Lei 8009/90, com freqüência dá margem à escusa imoral no cumprimento da obrigação pelo devedor. Em verdade o problema enseja ponderação entre a concretização da justiça e o suporte dos riscos sociais. Francisco Antonio de Oliveira afasta a aplicabilidade da Lei 8009/90, apoiando-se na Constituição Federal, que diz ser impenhorável apenas a pequena propriedade rural; no art.186 do CTN, argumentando que o empregado não participa dos lucros e não pode assim arcar com os riscos do empreendimento.

Outro aspecto importante é o da execução de sociedade anônima. Para que se possa aplicar a desconsideração da personalidade jurídica (em analogia ao art.28 do CDC), não se deve recorrer à aplicação subsidiária do art.592, II do CPC, cabível em execução de sociedade por cotas de responsabilidade limitada. No caso da anônima, recorre-se à responsabilidade do acionista majoritário ou do gestor (aquele que participou da gestão do negócio, qualquer que seja a denominação do cargo, ou seja o administrador). Decorrência da aplicação dos arts. 166 (com destaque para o parágrafo único), 117 e 158 da Lei 6404/76. É importante ressaltar novamente que, com o intuito de fraudar a lei e os credores, costuma-se constituir uma sociedade sob a aparência legal de aberta, quando seu funcionamento se dá nos moldes de uma sociedade fechada. A estrutura familiar costuma denotar a diferença, claramente especificada na dicção do art.4º da Lei 6404/76. No caso, já que não há a pulverização das ações, com a obtenção de recursos junto à população, a proteção dispensada a esse tipo societário não pode prevalecer. A sociedade anônima de capital fechado deveria ser tratada legalmente como a que se constitui por cotas de responsabilidade limitada, com a responsabilização subsidiária de qualquer dos acionistas, se este for o último recurso possível na execução.

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Há que se ressaltar também que, na hipótese de execução na pessoa do sócio, não tendo este bens aptos a responder pelo débito, é possível a invocação do quanto disposto nos arts.274 e 275 do Código Civil, com a responsabilização dos bens comuns do casal, tanto quanto dos particulares de cada cônjuge, havendo proveito comum na gestão do negócio.

Freqüentemente surgem pedidos de penhora na renda ou faturamento da empresa. O faturamento deve ser entendido como renda bruta mensal, aferida através da juntada do balancete mensal da empresa. O depositário deve ser o representante legal da mesma, com função de administrador e auxiliar da justiça, nos termos dos arts.677 e 678 do CPC. O limite jurisprudencialmente traçado é de 30% da renda. O descumprimento injustificado por parte do depositário da ordem emanada, implica na incursão no art.600 do CPC, caracterizando ato atentatório à dignidade da Justiça, cabendo multa de até 20% do valor atualizado da execução, em reversão ao exequente, além da caracterização do instituto de depositário infiel, com pena de prisão civil, nos termos do art.5º, LXVII, da Constituição Federal. Tal instituto deve ter sua caracterização abrangida e elastecida para os casos de depositário-administrador e não apenas depositário-detentor.

Um novo incidente de execução invocado ultimamente é a exceção de pré-executividade. Decorrência da aplicação do art.618, II do CPC. Como negar a aplicação do instituto no processo do trabalho se a nulidade pode ser conhecida de ofício pelo juiz e pode ser alegada por mera petição? O instituto tem inteira legitimidade de invocação, na hipótese de nulidade alegada comprovadamente por mera prova escrita. No caso, a exigência do depósito do quantum debeatur, injustamente cobrado, levaria ao absurdo da exigência legal da garantia do juízo para discussão de questão de ordem pública, qual seja a nulidade da execução pela falta de pressupostos processuais válidos, mesmo diante do disposto no art.799 da CLT. Decorrência do princípio da ampla defesa, inscrito constitucionalmente como garantia do devedor. No processo do trabalho, em que a celeridade é princípio informador, não se deve abrir prazo para resposta da parte contrária, quando o convencimento do juiz se dá no sentido do indeferimento de plano da medida. Somente na hipótese contrária e na falta de elementos maiores de convencimento do Juízo esse prazo deve ser aberto, pois a medida suspende os efeitos da execução. É possível a adaptação necessária do processamento da medida, diante dos princípios informadores do processo do trabalho, como forma de reprimir, pela via da celeridade, o uso abusivo da medida com caráter protelatório manifesto. Interessante também se faz o estudo do instituto à luz do brilhantismo de Pontes de Miranda, na obra Dez Anos de Pareceres.

O grande desafio dos juízes, na fase executória, é encontrar meios para que seja cumprida a própria sentença. Cada um dos pontos abordados envolve complexidade e defesa de interesses conflitantes. Mas o norte desse caminho está sinalizado na enorme responsabilidade do empresário, espelhada na função social da empresa, sinalizada no art.5º, XXIII da Constituição Federal, bem como no art.170 caput, o qual afirma que deve estar a ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano. Trata-se a função social da empresa de um poder-dever não do proprietário, mas do controlador. No dizer de Fábio Konder Comparato: "Função, em direito, é um poder de agir sobre a esfera jurídica alheia, no interesse de outrem, jamais em proveito do próprio titular. Algumas vezes, interessados no exercício da função são pessoas indeterminadas e, portanto, não legitimadas a exercer pretensões pessoais e exclusivas contra o titular do poder. É nessas hipóteses, precisamente, que se deve falar em função social ou coletiva. A função social da propriedade não se confunde com as restrições legais ao uso e gozo dos bens próprios; em se tratando de bens de produção, o poder-dever do proprietário de dar à coisa uma destinação compatível com o interesse da coletividade transmuda-se, quando tais bens são incorporados a uma exploração empresarial, em poder-dever do titular do controle de dirigir a empresa para a realização dos interesses coletivos". Dessa forma, a empresa atua não apenas para atender aos interesses dos sócios, mas de toda a coletividade e principalmente dos empregados.

Dessa forma, todo o direcionamento do processo de execução visa coibir a fraude e o abuso no exercício do poder do empresário, diante da responsabilidade emoldurada pela função social da empresa, com o intuito de dar vida ao princípio mestre do direito do trabalho, qual seja o da proteção.


Referências bibliográficas:

CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. Saraiva, 2001.

COMPARATO, Fábio Konder. Direito empresarial: estudos e pareceres. Saraiva, 1990.

GOMES, Orlando e Elson Gottschalk. Curso de direito do trabalho. Forense, 2002.

OLIVEIRA, Francisco Antonio. Execução na Justiça do Trabalho. RT, 1999.

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Sobre a autora
Scheilla Regina Brevidelli

acadêmica de Direito na USP, servidora da Justiça do Trabalho, psicóloga

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BREVIDELLI, Scheilla Regina. Execução e efetividade no processo do trabalho:: como equacionar esse desafio?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3051. Acesso em: 25 abr. 2024.

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