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Breve estudo sobre guias de trânsito e porte de armas de fogo.

Análise dos critérios, definições e enquadramento jurídico

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25/11/2014 às 12:13
Leia nesta página:

Aqui inicio um estudo sobre o porte de armas de fogo e o transporte de armas, munição e equipamentos.

No Brasil o porte de armas é proibido de forma geral, exceto para algumas pessoas previstas em lei ou mencionadas nos incisos do art 6o do Estatuto do Desarmamento – Lei 10.826/2003. As penas podem variar de 2 a 4 anos de reclusão, em se tratando de armas de uso permitido, até 3 a 6 anos de reclusão, se o agente estiver portanto armas de uso restrito. Lógico que aqui se diz armas em sentido genérico, existem muitos itens, descritos no R-105, cujo porte implica nas mesmas penas.

Então, em se tratando de prática proibida em todo o país, o transporte (ou porte) de armas, munições e acessórios só pode acontecer mediante prévia autorização da autoridade competente, dispondo a lei e seu regulamento (Dec. 5.123/04) sobre as formas como isto deve acontecer. A lei não trata diferentemente “transporte” e “porte” de armas, o simples fato de se estar na posse dos itens descritos como proibidos já configura sempre o porte – até mesmo quando a arma esteja em uma mala, mochila, porta-malas do veículo, ainda que desmontada. Quem tenha um cartucho de munição debaixo do banco do carro irá responder pelo mesmo crime daquele que porta uma arma carregada na cintura, no que diz respeito à lei. As diferenças podem e devem ser consideradas de acordo com a doutrina e a jurisprudência, e dizem respeito à lesividade potencial e afetam a questão da culpabilidade, com reflexos na dosimetria da penalidade.

Basicamente, as autorizações para porte de arma são deferidas por normas especiais, pela Polícia Federal e pelo Exército Brasileiro, sendo basicamente as seguintes:

  1. Guia de Trânsito Federal – documento excepcional, se presta a permitir o deslocamento da arma registrada no SINARM em casos de mudança de endereço ou outro caso em que se demonstre a necessidade do transporte da arma, e é deferido nos termos definidos pela Polícia Federal, por força do art. 28 do Dec. 5.123/04;

  2. Porte de subsistência - § 5o do art. 6o do Estatuto do Desarmamento;

  3. Guia de Trânsito de pessoa jurídica – aplicável no deslocamento ou envio de produtos controlados, pode inclusive ser deferido à pessoa jurídica a cautela de selos, onde a empresa emitirá as próprias guias, submetendo sempre as emissões e utilizações à autoridade competente. O aprofundamento no estudo das guias de trânsito de pessoas jurídicas exige estudo separado, fora do escopo do presente artigo.

  4. Porte de armas excepcional – previsto no art. 10 do Estatuto do Desarmamento, se presta a cidadãos que comprovem efetiva necessidade, sendo que como este conceito é subjetivo, na verdade o deferimento fica a critério discricionário da autoridade policial;

  5. Porte de armas legal – previsto em leis recepcionadas pelo Estatuto do Desarmamento para os sujeitos relacionados nos diversos incisos do art. 6o, inclusive nas leis orgânicas da magistratura e do ministério público;

  6. Guia de trânsito de CACs – documento exigido, nos termos dos artigos 30 a 32 do Dec. 5.123/04, para o porte de armas, munições e equipamentos pelas pessoas mencionadas;

  7. Porte de armas de categorias especiais – porte de arma deferido a agentes públicos em razão da função, desde que estejam listados em alguns dos incisos do art. 6o da Lei 10.826/2003, e se cumpram os requisitos formais, que variam de uma categoria para outra. Este é um assunto que pretendo tratar em um estudo separado por cada categoria.


GUIA DE TRÂNSITO FEDERAL

A primeira situação que deve ser analisada, é a do cidadão comum que tem uma arma registrada, e vai mudar, vai levar a arma a um armeiro, vai efetuar prática de tiros em um estande oficial registrado no Exército Brasileiro, ou até mesmo entregar a arma para o governo.

A questão de se transportar uma arma particular para a prática de tiro está implícita no direito que todo cidadão tem de adquirir, no comércio, certa quantidade de munição por ano. A autorização de compra importa na autorização para se utilizar esta munição, o que é absolutamente necessário para que o proprietário da arma mantenha o mínimo de proficiência para o uso da arma, por questões de segurança. A proficiência é questão considerada inclusive no ato da compra da arma, pois sem o Curso de Tiro aplicado por instrutor credenciado o cidadão não poderá adquirir a sua arma de fogo. Como a lei também proíbe a utilização da arma em área urbana, e a maior parte da população brasileira reside em área urbana, depreende-se que a única maneira de se praticar ESPORADICAMENTE o tiro é mediante a utilização de Guia de Trânsito expedida pela Polícia Federal – pois as armas de cidadãos comuns são controladas pelo SINARM.

Esta guia é limitada à arma e ou à munição nela descrita, será emitida apenas para o período de tempo necessário para o deslocamento, a arma deverá estar obrigatoriamente descarregada e embalada para transporte.


PORTE DE SUBSISTÊNCIA

Por proposta de Marina Silva, foi inserido no Estatuto do Desarmamento o chamado “Porte de Subsistência”.

A ideia é que a pessoa que depende da caça para o sustento de sua família, e entenda-se aqui a caça não comercial, mas limitada à SOBREVIVÊNCIA da família, possa ter e portar uma espingarda de caça, de calibre 16 ou inferior, de até dois canos. Não se confundir em relação aos calibres de armas de alma lisa, onde números MAIORES expressam calibre MENORES [i].

De acordo com o art. 6o, §5o da Lei 10.826/2003, os critérios se assemelham um pouco com o do porte de arma para cidadão comum, exceto por uma diferença fundamental: Como o caçador de subsistência se encontra listado no art. 6o, então ele está afastado da proibição geral do caput, com a única diferença que é necessário se comprovar a efetiva necessidade. É o único caso na legislação brasileira de pessoa não vedada ao porte de arma, mas que precisa comprovar efetiva necessidade.

Nenhuma das restrições existentes quanto a locais de uso de arma se aplicam aos caçadores de subsistência (isto só se aplica ao porte de arma do art. 10), mas a regulamentação deste dispositivo, no art. 26 do Dec. 5.123/04, abre espaço para algumas observações.

Primeiro, não se colocou ali que a pessoa devesse estar com uma arma de cano longo, mas apenas uma arma “portátil”. Assim, o caçador de subsistência não pode portar um Revólver RT 410 (alma lisa, calibre 36 GA), mas poderia portar uma garrucha. No mínimo estranho.

Segundo, o parágrafo único do art. 26 diz que o autorizado a portar a arma se submete “as demais obrigações estabelecidas neste Decreto”, mostrando que são aplicáveis os exames psicotécnicos, curso e exame de proficiência de tiro. Fica a dúvida: Esta pessoa também tem as restrições de acesso a determinados locais, tal como o que tem porte pelo art. 10 do Estatuto do Desarmamento? Isto não está claro.

O que Marina Silva pretendeu inicialmente, era com certeza ter uma grande categoria de famintos armados em todo o país. O que conseguiu, na prática, foi ter um elefante branco dentro da lei, inaplicável na prática, simplesmente porque qualquer um que conseguir enfrentar todas as despesas para conseguir obter um porte de armas de subsistência, simplesmente não depende da caça de subsistência para o sustento da família. Simples assim. Nem mesmo a isenção de taxas prevista no art. 11, §2o do Estatuto do Desarmamento resolve esta questão, porque de uma forma ou de outra todas as outras exigências envolvem custos que são totalmente incompatíveis com a renda de uma pessoa que se declare pobre, e necessite de uma arma de caça para prover o alimento da família.


PORTE DE ARMAS EXCEPCIONAL

O cidadão comum, a quem o caput do art. 6o da Lei 10.826/2003 PROÍBE o porte de armas, pode, em caráter excepcional, requerer autorização à Polícia Federal, desde que comprove, entre outros requisitos, a efetiva necessidade.

Apenas um ínfimo percentual das pessoas autorizadas a portar armas no Brasil se incluem nesta categoria, e este número só tende a diminuir, em face das crescentes restrições.

O Porte de Armas do artigo 10 do Estatuto do Desarmamento

SÓ SE DEFERE a quem o porte é PROIBIDO

A questão do porte de armas (ou a vedação a este direito) é considerada de vital importância para o Governo Federal, este é Objetivo estratégico no 1 do PNDH-3: Ampliação do controle de armas de fogo em circulação no país [ii].

A Polícia federal, órgão do Ministério da Justiça, cumpre integralmente as determinações superiores, e por este motivo nega sistematicamente as autorizações de Porte de Armas, e na grande maioria das vezes o faz simplesmente por não aceitar a questão da “efetiva necessidade”.

Como se trata de autorização e não de licença, a questão não tem forte firmamento para ser enfrentada judicialmente, sendo que o sucesso de um eventual Mandado de Segurança depende de o cidadão conseguir demonstrar em juízo a prova irrefutável de efetiva necessidade.

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO LEGAL. MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. AUTORIZAÇÃO PARA PORTE DE ARMA DE FOGO. LEI Nº 10.826/03. ATO DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. RECURSO IMPROVIDO. 1. Enfatiza-se que ao Poder Judiciário cabe o controle do ato administrativo apenas e tão-somente no que concerne aos aspectos da legalidade, não podendo interferir nas razões administrativas de decidir quando pautadas pela estrita legalidade e o ato esteja revestido de todos os pressupostos de validade, como é o caso dos autos, em que a decisão contrastada não se mostra ilegal ou abusiva, verificando-se que se encontra bem fundamentada e motivada. 2. A concessão de autorização para porte de arma de fogo é ato discricionário, ficando a cargo da Administração a análise de sua conveniência e oportunidade. 3. A pretendida autorização foi indeferida em virtude do impetrante não demonstrar efetivamente o exercício de atividade profissional de risco ou ameaça concreta a sua segurança física, conforme previsto no art. 10, §1º, I, da Lei nº 10.826/03, pois se infere da exordial que o impetrante é empresário. 4. O artigo 6º da Lei nº 10.826/2003, tem como regra geral a vedação ao porte de arma de fogo em todo o território nacional, criando exceções para casos específicos previstos na legislação, o que não é o caso dos autos. 5. Em caráter excepcional, admite a lei que outros cidadãos portem armas de fogo de uso permitido, mediante autorização da polícia federal, desde que atendidos os requisitos previstos no artigo 10 da referida legislação. 6. Entendeu a autoridade que o impetrante não comprovou a necessidade de portar arma de fogo, assim, esta decisão não merece qualquer reparo, tendo em vista que a autorização é ato discricionário da Administração. Precedentes: TRF 3ª Região, SEXTA TURMA, AMS 0009260-08.2006.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MAIRAN MAIA, julgado em 02/06/2011, DJF3 CJ1 DATA:09/06/2011; TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA, AMS 0005083-38.2010.4.03.6107, Rel. DESEMBARGADORA FEDERAL CECÍLIA MARCONDES, julgado em 20/10/2011, e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/11/2011. 7. Recurso improvido. ( TRF 3ª Região, Sexta Turma, AMS 0008606-11.2012.4.03.6100, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, julgado em 27/03/2014, e-DJF3 Judicial 1 DATA:04/04/2014)

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E o que poderia ser considerado como prova de efetiva necessidade, além do fato de se residir em um país que responde sozinho por 11% de todos os homicídios do planeta? [iii]

Pode se colocar, entre outras coisas, provas de que a pessoa transporta, por função de ofício, objetos e valores de alto valor, de forma regular e constante.

De fato, é isto que consta na IN 023/2005-DG/DPF/2005 [iv]:

§ 2o. São consideradas atividade profissional de risco, nos termos do inciso I do § 1o. do art. 10 da Lei 10.826 de 2003, além de outras, a critério da autoridade concedente, aquelas realizadas por:

I – servidor público que exerça cargo efetivo ou comissionado nas áreas de segurança, fiscalização, auditoria ou execução de ordens judiciais;

II – sócio, gerente ou executivo, de empresa de segurança privada ou de transporte de valores; e

III – funcionários de instituições financeiras, públicas e privadas, que direta ou indiretamente, exerçam a guarda de valores.

A instrução normativa acima não contempla muitos outros casos de risco, como o caso de algum dono de casa lotérica, que transporta bilhetes de loteria que tem alto valor econômico, e que são alvos preferenciais de meliantes, pela facilidade de sua disposição. Ainda assim, pela lei e pela forma como o porte de armas excepcional está regulamentado, um funcionário que faça este transporte, não teria o direito ao porte.

O cidadão que conseguir vencer todos os obstáculos e obter um Porte de Armas Federal (que poderá ter cobertura estadual ou nacional), ainda estará limitado pelo disposto no artigo 26 do Dec. 5.123/04, não podendo trazer a arma exposta, e “não poderá conduzi-la ostensivamente ou com ela adentrar ou permanecer em locais públicos, tais como igrejas, escolas, estádios desportivos, clubes, agências bancárias ou outros locais onde haja aglomeração de pessoas em virtude de eventos de qualquer natureza”.

A única categoria a que se aplicam estas restrições é a dos cidadãos comuns a que foi deferido o Porte Excepcional do art. 10, e a depender de interpretação, também os caçadores de subsistência, art. 6 §5o.

Aqui no Brasil ainda não se abriu a discussão sobre vantagens de porte de armas expostas (Open Carry) ou encobertas (CCW, ou Concealed Carry Weapon), a princípio porque sempre existiu a tradição de cidadãos portarem suas armas de fogo não expostas, mas também porque a atual legislação foi totalmente construída com o objetivo de se VEDAR a comercialização, a posse e o porte de armas de fogo em todo o território nacional. De qualquer forma, esta regra está inscrita no art. 26 do Dec. 5.123/04.

O porte de armas excepcional se defere através da expedição de um documento de Porte de Armas, de uso obrigatório, sem o qual o porte de arma será considerado crime MESMO cumpridas todas as outras obrigações.


PORTE ARMAS LEGAL

Eu já vi o porte de armas expedido pela Polícia Federal ser chamado de “Porte de armas legal”. Isto não procede. Porte de armas legal, é aquele especificamente previsto em lei. O porte de armas do art. 10 do Estatuto do Desarmamento não se defere como direito natural, mas exclusivamente em caráter excepcional – de vez que se defere a quem a princípio o porte de armas é PROIBIDO.

Na legislação brasileira já havia a referência ao porte de armas funcional, sendo os casos mais expressivos aqueles constantes no Lei Orgânica da Magistratura e na Lei Orgânica do Ministério Público.

O Dec. Lei 35/1979, em seu art. 33, Inc. V declara o porte de arma como prerrogativa do Magistrado.

A Lei 8.625/1993 diz que “os membros do Ministério Público terão carteira funcional, expedida na forma da Lei Orgânica, valendo em todo o território nacional como cédula de identidade, e porte de arma, independentemente, neste caso, de qualquer ato formal de licença ou autorização”. Na mesma esteira, a LC 75/93 (art. 18, inciso I, alínea e), que neste caso apenas ratificou o Dec. 92.696/1986, que já dava este direito ao Ministério Público Federal.

A diferença mais importante é que a LOMAN coloca o porte de armas de magistrados como mera consequência da função, enquanto a LOMP especifica que no documento funcional deve constar o porte de arma. Então na carteira de magistrados não precisa constar nenhum termo afirmando que os mesmos estão autorizados a portar arma de fogo – embora em ambos os casos, baste a apresentação da carteira funcional e o registro da arma de fogo, que pode ser de calibre permitido ou restrito.

NÃO SE PODE CONFUNDIR o porte de armas legal, dos magistrados e do ministério público, com o porte de armas dos demais listados nos incisos do art. 6o.

Em ambos os casos o porte de armas é inerente às suas funções, mas em um caso existe a previsão em lei especial, enquanto os membros das entidades listadas nos incisos do art. 6o simplesmente são EXCLUÍDOS da proibição geral. E por princípio básico de direito, aquilo que a doutrina denomina “Princípio da Legalidade”, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Este é exatamente o texto da Constituição Federal de 1988, art 5o, Inc. II – e é preceito fundamental, cláusula pétrea, que não depende de regulamentação nem pode ser modificado senão por outra constituição.

O que é comum aos detentores de porte legal, e os excluídos da proibição geral, é que lhes basta comprovar a sua qualidade funcional E a propriedade da arma, exceto no caso do Incs. VIII e IX onde se requer Guia de Trânsito.

Por exemplo, a princípio um analista tributário de qualquer receita estadual que esteja portando uma arma registrada em seu nome, não está praticando nenhum ilícito, desde que faça prova de sua função e do registro da arma.


GUIA DE TRÂNSITO DE CACs

A única categoria de “civis” fora da proibição geral ao porte de armas, são aqueles pertencentes à entidades desportivas de tiro.

São os chamados “CACs” - Colecionadores, Atiradores e Caçadores.

Para se tornar um “CAC”, é necessário se submeter às rígidas exigências do Exército Brasileiro, que ao contrário das exigências da Polícia Federal, são objetivas e não subjetivas.

Os custos para se tornar um CAC é bastante elevado, e o cidadão precisa se sujeitar a coisas tais como a inspeção regular do Exército feita em sua residência, onde uma séria de exigências precisam ser cumpridas, sob pena de se indeferir a concessão ou revalidação do CR – Certificado de Registro.

As regras para compra de armas em loja, de particulares e ou diretamente da indústria (uma das prerrogativas dos CACs) são sempre duras, mas novamente o Exército não tem o hábito de denegar as autorizações, uma vez que se cumpram as exigências legais.

Algumas pessoas buscam obter o CR apenas para vencer a burocracia intransponível da Polícia Federal, e assim poder ter e portar suas armas legalmente. Na maioria das vezes, porém, estas pessoas sucumbem à pressão da burocracia exacerbada, e acabam vendendo suas armas e desistindo do seu CR. É muito comum inclusive se ver até mesmo CACs antigos dispondo de todas as suas armas.

Outro grande, gigantesco problema, é que o Exército não tem estrutura para tratar os registros dos CACs e de suas armas, o que faz com que, a despeito da gigantesca arrecadação proveniente das taxas de serviços, as autorizações e renovações durem meses a fio, às vezes demorando mais de um ano para se renovar um CR ou se fazer todo o processo de compra de uma única arma, e sendo até relativamente comum se perder todo um processo, sem que ninguém dê conta disto.

Quem consegue transpor todos estes problemas tem a vantagem de ser afastado da proibição geral ao porte de armas de fogo.

De acordo com a Lei, os CACs precisam comprovar sua qualidade de desportistas de tiro, se amoldar ao regulamento da lei, e cumprir as leis ambientais (Lei 10.826/03, Art. 6o, Inc. IX).

O art. 9o da Lei trata da questão da segurança de autoridades estrangeiras em solo nacional, sob o controle do Ministério da Justiça, e dos desportistas brasileiros e estrangeiros em competições internacionais realizadas em solo brasileiro, onde as autorizações de CR e Guias de Tráfego são autorizadas pelo Exército Brasileiro “na forma do regulamento” (Dec. 5.123/04).

Para adquirir a qualidade de desportistas de tiro, os CACs devem ser registrados no Exército Brasileiro (art. 24), enquanto a lei deixa bem claro que “O AUTORIZADO A PORTAR ARMA” fica responsável por sua guarda (art. 8o ). Embora o art. 24 não tenha o “na forma do regulamento” em seu bojo, somos remetidos diretamente ao art. 6o, Inc. IX, onde se menciona que o PORTE DE ARMA dos CACs se faz na forma do regulamento.

O art. 24 não repete o disposto no art. 8o , pois trata de matéria diferente, e isto se reflete no Dec. 5.123/04, que dá tratamento diferente aos atletas em competições nacionais e internacionais.

Enquanto aos atletas em competições nacionais só é exigido a Guia de Trânsito (algumas vezes mencionada como Porte de Trânsito), para os atletas em competições internacionais ocorrendo em solo nacional existe uma exigência adicional, onde além de se exigir a Guia de Trânsito, vem a regra de se manter as armas descarregadas, e munição separada da arma.

Com todo o devido respeito, esta regra é inconstitucional. A Presidência da República não pode legislar em matéria penal através de decreto, e ao se exigir que os atiradores em competições internacionais trafeguem com suas armas desmuniciadas, sendo que estão sujeitos ao mesmo perigo de qualquer outro competidor, criou-se um tipo penal novo, “portar arma municiada”. Nem mesmo onde se define os tipos penais do Estatuto do Desarmamento existe qualquer referência a isto, lá se considera crime o porte ilegal de ARMA ou MUNIÇÃO, jamais da arma municiada.

A mesma regra se aplica a Colecionadores e Caçadores. Veja que o caçador de subsistência não precisa trafegar com sua arma desmuniciada, mas o caçador desportivo sim.

Com o passar dos anos nasceu uma corrente doutrinária fortíssima, afirmando que CACs não tem porte de arma, e que a Guia de Trânsito não é porte de arma.

Disfarçam uma mentira com uma verdade.

Guia de Trânsito não é e nem nunca será documento de “Porte de Arma”, apenas e tão somente porque não tem este objetivo, nem tampouco cabe ao Exército Brasileiro conceder porte de armas a CACs. A Guia de Trânsito é apenas e tão somente um documento que faz prova, simultaneamente, tanto da qualidade de CAC, da regularidade do registro da arma de fogo, enquanto determina TEMPO e ESPAÇO de sua validade.

Enquanto caçadores de subsistência e detentores de Porte Excepcional precisam apresentar o DOCUMENTO DE PORTE (mais o registro da arma e documento de identidade) para comprovar seu direito de estar portando a arma de fogo, o CAC só precisa apresentar a Guia de Tráfego e identidade.

Isto que está na lei:

→ o porte de armas de desportistas de tiro se submetem ao regulamento da lei (Dec. 5.123/04) e à legislação ambiental;

→ o Dec. 5.123/04 determina que todos os CACs precisam portar Guia de Trânsito;

→ o Dec. 5.123/04, a exemplo do Estatuto do Desarmamento, divide os atiradores segundo a natureza da competição em que está participando: Se internacional, a arma deve estar desmuniciada (art. 31, § 2o );

→ o Dec. 5.123/04 separa os atiradores das outras duas categorias de CACs, estipulando que Colecionadores e Caçadores devem portar suas armas desmuniciadas.

A ITA 01/2014 DO DFPC

Dentro do estabelecido no Estatuto do Desarmamento e do Dec. 5.123/04, ao Exército Brasileiro compete autorizar o registro de CACs, e a emissão de Guias de Trânsito, que por serem emitidas via internet, hoje são chamadas de GTEs [v] (Guias de Trânsito Eletrônicas). O Dec. 3.665/00, conhecido como R-105, define em art. 28, Inc. IX que cabe ao DFPC “ elaborar as instruções técnico-administrativas que se fizerem necessárias para complementar ou esclarecer a legislação vigente”.

Na ITA 01/2014, este documento é denominado GT, ou Guia de Trânsito, mesmo nome constante do R-105.

O art. 3o da nova ITA define a Guia de Trânsito, de forma bastante incompleta:

GT é o documento expedido pela fiscalização de produtos controlados que autoriza a circulação de produtos sujeitos a controle do Exército.

Esta seria a definição histórica da Guia de Trânsito, mas desde a edição do Estatuto do Desarmamento, e em especial, do Dec. 5.123/04, a GT ganhou importância e relevância.

Se antes a GT se prestava exclusivamente para autorizar a circulação de PCEs [vi], agora ela também é o documento que legitima o porte de arma de atiradores. Não que o Exército Brasileiro queira isto, bem pelo contrário, e faz questão de mostrar isto em suas portarias e instruções normativas, mesmo violando normas superiores. 

Como visto anteriormente, não compete ao Exército Brasileiro regular o Porte de Armas de CACs, em nenhuma das três categorias – Colecionador, Atirador ou Caçador.

O que ficou como competência residual do Exército Brasileiro, são as REGRAS para cumprimento do disposto na lei e no decreto. Infelizmente a Portaria 04 do DLog não se adequou à lei e ao decreto, deixando de separar os atiradores em competições nacionais das outras categorias, e atualmente TODAS AS GTEs são emitidas com textos garrafais em vermelho, afirmando que não se trata de documento de porte de arma, e que a arma deve ser transportada separada da munição.

Se um atirador em treinamento ou em competição nacional estiver portando sua arma municiada, não está violando NENHUM DISPOSITIVO LEGAL, o que está ilegal é a sua GTE, sobre a qual ele não detém controle – ele precisar TER o documento, mas como o documento é expedido pelo Exército Brasileiro, o atirador não tem como alterar os textos do documento, nem poderia fazê-lo.

O Exército Brasileiro, dentro de sua esfera de competência, mas seguindo uma filosofia desarmamentista, alterou suas instruções internas no que diz respeito à emissão de Guias de Trânsito. Percebe-se que a nova instrução, que revogou a ITA 03D/03 DFPC, inovou ao dar definição à GTE diversa da prescrita em lei.

Art 9o - A GT expedida para pessoa física é uma autorização para transporte visando atender a uma finalidade específica, tal como treinamento de tiro ou de caça esportiva, competição de tiro esportivo, caça esportiva, abate a javali, exposição, demonstração, mudança de domicílio, realização de manutenção ou outra atividade que exija o deslocamento de PCE

PCE é “Produto Controlado pelo Exército”.

A definição anterior, no item 4-a da ITA 03D/03, definia a GT já como GTE, da seguinte forma:

GTE: é o documento que autoriza os CAC a transportarem as suas armas e munições relacionadas nos respectivos acervos de colecionador, atirador ou caçador com a finalidade específica de utilização na prática dessas atividades.

A inovação da nova ITA, é que ela criou uma GTE para cada “finalidade específica”.

Até então, qualquer GTE tinha validade de um ano, limitada ao vencimento do CR, esta era a única regra temporal. CACs tem suas armas organizadas em um “mapa”, onde se fica averbada a atividade a que esta arma se presta. Então uma arma de caça não podia ser utilizada em atividade de tiro, exceto para prática, e uma arma de tiro jamais poderia ser utilizada para caça.

E as regras de espaço eram relativamente simples: um atirador que fosse apenas filiado a clube, recebia uma GTE cobrindo o espaço compreendido entre sua residência e o clube; um atleta federado recebia uma GTE de cobertura ESTADUAL, enquanto um atleta confederado recebia uma GTE de cobertura NACIONAL.

As regras para colecionadores e caçadores eram distintas, a GTE era deferida para o tempo-espaço de um evento específico.

Agora se inovou, com grande ampliação das limitações das GTEs, e a emissão das GTEs continuou não atendendo as especificações da lei – aplicaram-se as regras mais restritivas tanto do que existia antes do Estatuto do Desarmamento, acrescido das novas limitações.

A novidade veio no que diz respeito às regras para emissão de GTEs para abate de javalis, que agora inclusive podem ser feitas tanto com armas de tiro quanto com armas específicas de caça, obedecidas as potências mínimas.

Neste caso se regulou algo que já estava funcionando.

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Sobre o autor
Arnaldo Adasz

Advogado, Perito em Balística Forense e Legislação Brasileira de Armas de Fogo, Primeiro Presidente e co-fundador da Associação Brasileira de Atiradores Civis, membro do Conselho Consultivo de Fiscalização de Produtos Controlados do Exército Brasileiro.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ADASZ, Arnaldo. Breve estudo sobre guias de trânsito e porte de armas de fogo.: Análise dos critérios, definições e enquadramento jurídico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4164, 25 nov. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30605. Acesso em: 18 abr. 2024.

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