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Regime jurídico da coisa julgada no processo coletivo:

uma abordagem à luz do processo civil contemporâneo

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4) COISA JULGADA NO PROCESSO COLETIVO           

4.1) COISA JULGADA           

Recebe o nome de coisa julgada formal o fenômeno que torna uma sentença imutável dentro do mesmo processo onde foi proferida, porquanto esgotados os meios de impugnação, por decurso do prazo para sua interposição ou por terem todos sido utilizados e decididos, qualquer que seja a espécie de comando sentencial, terminativo ou definitivo. É o que ensina DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO NEVES (2012, p. 532):

 “Esse impedimento de modificação da decisão por qualquer meio processual dentro do processo em que foi proferida é chamado tradicionalmente de coisa julgada formal, ou ainda de preclusão máxima, considerando-se tratar de fenômeno processual endoprocessual. Como se pode notar, qualquer que seja a espécie de sentença – terminativa ou definitiva – proferida em qualquer espécie de processo – conhecimento (jurisdição contenciosa e voluntária), execução, cautelar – haverá num determinado momento processual o trânsito em julgado e, como consequência, a coisa julgada formal”.

Já a coisa julgada material, nos termos do art. 467, do CPC, representa “a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”. Trata-se, na lição da doutrina, de uma situação jurídica atribuída à sentença definitiva, que tem o condão de impedir eventuais rediscussões quanto à justiça ou injustiça da decisão transitada em julgado, em relação à parte dispositiva que enuncia (limites objetivos, art. 468 do CPC) e para as partes entre as quais é dada. DANIEL NEVES (2012, p. 532) esclarece:

 “Se todas as sentenças produzem coisa julgada formal, o mesmo não pode ser afirmado a respeito da coisa julgada material. No momento do trânsito em julgado e da consequente geração da coisa julgada formal, determinadas sentenças também produzirão nesse momento procedimental a coisa julgada material, com projeção para fora do processo em que foi proferida. Pela coisa julgada material, a decisão não mais poderá ser alterada ou desconsiderada em outros processos

Essa imutabilidade gerada para fora do processo, resultante da coisa julgada material, atinge tão somente as sentenças de mérito proferidas mediante cognição exauriente, de forma que haverá apenas coisa julgada formal nas sentenças terminativas ou mesmo em sentenças de mérito, desde que proferidas mediante cognição sumária, como ocorre para a maioria doutrinária na sentença cautelar.”.

Majoritariamente, reconhece a doutrina na coisa julgada uma “qualidade da sentença que torna seus efeitos imutáveis e indiscutíveis” (NEVES, 2012, p. 533), considerando-se, pois, a intangibilidade das situações jurídicas criadas sua principal característica.

No clássico processo individual, os limites subjetivos da coisa julgada material são bem delimitados, “não beneficiando, nem prejudicando terceiros” (art. 472, CPC), o que implica dizer que aquele que não foi parte na demanda não será afetado pelo manto da imutabilidade que reveste a sentença transitada em julgado.

Apresenta, pois, a coisa julgada, no tocante à tutela individual, eficácia “inter partes”, repercutindo, entre elas, tanto em benefício quanto em prejuízo. LENZA é enfático em afiançar que “a autoridade da coisa julgada, em regra, analisando a doutrina clássica, só valerá para as partes, sempre pro et contra” (2008, p. 218).

A delimitação eficacial da coisa julgada “justifica-se em razão dos princípios da ampla defesa e do contraditório, não sendo plausível que a sentença de mérito torne-se imutável e indiscutível para sujeito que não participou do processo”, consoante os ensinamentos de DANIEL NEVES (2012, p. 540).

Com efeito, referido instituto consubstancia a segurança jurídica que o Estado-juiz busca resguardar. A imutabilidade da norma jurídica concreta, pois, é verdadeiro fator de equilíbrio social, vez que os litigantes obtêm a última palavra do Poder Judiciário acerca do conflito posto sob crivo. ADA GRINOVER, secundada por PEDRO LENZA (2008, p. 215), destaca:

“O fundamento da coisa julgada, portanto, é eminentemente pragmático; trata-se de instituto que se impõe, porque é necessário solucionar situações de incerteza. É necessário escolher, entre várias afirmações possíveis, uma, que tende para verdadeira, ou até mesmo falsa, mas que deve prevalecer, a fim de assegurar a certeza das relações jurídicas”.

4.2) REGIME JURÍDICO DA COISA JULGADA COLETIVA           

As transformações vivenciadas pela sociedade e pelo Estado contemporâneos culminaram, no mundo jurídico, como anunciado, no fenômeno da multiplicação de direitos e, em especial, na extensão da tutela estatal aos novos direitos metaindividuais, titularizados por pessoas indeterminadas ou meramente determináveis. Tal fenômeno, ademais, repercutiu na seara do direito adjetivo, através da consolidação de um sistema processual coletivo, com princípios, regras e institutos próprios, representado essencialmente, no ordenamento pátrio.

Nesse passo, a partir da revisão de institutos tais como a legitimação ativa, que não mais exigia necessária correspondência entre a titularidade do direito material e a titularidade da ação, também – e principalmente – a noção de coisa julgada, no processo coletivo, revisitou-se, assumindo contornos peculiares em especial no tocante a seus limites e extensões. Aduz, nesse sentido, RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO (2004, p. 415):

“Existe uma íntima correlação entre três pontos nevrálgicos do processo civil: o pedido, que, por sua vez fixa os limites da sentença (arts. 2º, 128 e 460 do CPC), os quais, na sequência, irão circunscrever a extensão e a compreensão da coisa julgada (arts. 468 e 472 do CPC). Vista dessa forma, a coisa julgada nas ações coletivas apresenta-se como um posterius, em relação ao binômio formado pela natureza do interesse e pelo contingente de sujeitos aí subjacente. É dizer, a coisa julgada não é uma realidade autônoma, mas apenas ganha concreção à medida que se agrega, como qualidade (imutabilidade), aos efeitos de uma decisão de mérito; logo, para se compreender até onde vai a coisa julgada coletiva, deve-se começar indagando qual a projeção espacial por onde se estende o interesse metaindividual em lide e quais sujeitos lhe são concernentes”

Dessa forma, o regramento aplicável à coisa julgada coletiva é, apenas subsidiariamente, o disposto no Código de Processo Civil, tendo em vista que tanto a Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85) quanto o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) contemplam dispositivos específicos referentes à matéria, respectivamente o artigo 16 e os artigos 103 e 104, a seguir transcritos:

“Lei nº 7.347/85, Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. (Redação dada pela Lei nº 9.494, de 10.9.1997)”

“Lei nº 8.078/90, Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada:

I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81;

II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81;

III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81.

§ 1° Os efeitos da coisa julgada previstos nos incisos I e II não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou classe.

§ 2° Na hipótese prevista no inciso III, em caso de improcedência do pedido, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual.

§ 3° Os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99.

§ 4º Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória.

Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva”

Tais dispositivos aplicam-se indistintamente às ações coletivas em função da intercambialidade entre os diplomas prevista no artigo 21 da Lei nº 7.347/85 (“Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor”) e no artigo 90 do Código de Defesa do Consumidor (“Aplicam-se às ações previstas neste título as normas do Código de Processo Civil e da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições”). É o que registra LENZA (2008, p. 226):

“Portanto, os dispositivos processuais do Código de Defesa do Consumidor, no caso em análise as regras sobre os limites subjetivos e objetivos da coisa julgada, aplicam-se, no que couber, desde que não haja regramento específico incompatíveis, a todas e quaisquer ações coletivas para a proteção de interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos”.

E, ainda: “as regras processuais estabelecidas no Código de Processo Civil persistem e aplicam-se às ações coletivas desde que não conflitem com o espírito do microssistema processual coletivo formado pelo Código de Defesa do Consumidor, pela Lei de Ação Civil Pública e pelos dispositivos processuais coletivos específicos” (LENZA, 2008, p. 227).

4.2.1 Coisa julgada nas ações que versam sobre direitos difusos ou coletivos

Nas hipóteses de demandas que versem sobre direitos difusos e coletivos, preceitua o Código de Consumo que a imutabilidade dos efeitos do comando sentencial se dará, respectivamente, erga omnes e ultra partes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, nos termos do artigo 103, incisos I e II, antes transcritos.

Institui o CDC[4], dessa forma, em relação a tais espécies de direitos metaindividuais, a denominada “coisa julgada secundum eventum probationis”, vinculando a extensão dos efeitos da coisa julgada à sorte positiva da dilação probatória realizada nos autos, de modo que quando a ação for julgada improcedente por insuficiência de provas não haverá formação da coisa julgada material ou substancial, permitindo-se o reexame da relação de direito material entre as partes por qualquer outro juiz, desde que o pedido seja fundamentado em nova prova. É o que leciona ADA GRINOVER, citada por LENZA (2008, p. 282):

“Pode-se portanto sustentar, numa outra ótica, que nas ações coletivas em defesa de interesses difusos e coletivos (stricto sensu) a sentença faz coisa julgada secundum probationem, só alcançando, em caso de rejeição da demanda, os fatos provados no processo, sem precluir a via de outra ação coletiva idêntica, baseada em novas provas, tenha – ou não – o juiz se dado conta da insuficiência dos elementos probatórios produzidos no primeiro processo”.

Caso a ação seja julgada procedente, a autoridade da coisa julgada a todos atingirá, beneficiando, “de modo amplo (erga omnes), quando se estiver diante de bens e interesses difusos, ou de maneira restrita ao grupo, categoria ou classe (ultra partes), quando o objeto material for a proteção de interesses coletivos” (LENZA, 2008, p. 229). O autor exemplifica (2008, p. 229):

“Um outro exemplo pode ter por objeto a declaração de ilegalidade das prestações de um consórcio. Conforme já visto neste trabalho ao se sistematizarem as características dos interesses coletivos (art. 81, parágrafo único, II, do CDC), o aumento não poderá ser mais ou menos ilegal para um ou outro consorciado. A declaração de ilegalidade no pleito coletivo produzirá efeitos para todos os componentes do grupo. A autoridade da coisa julgada, que torna imutável, além do ato, os seus efeitos, ou seja, o comando emergente da sentença, a eficácia da sentença, atingirá a todos os consorciados daquele grupo (ultra partes). Já a eficácia natural da sentença, enquanto ato estatal, a todos atingirá (erga omnes), indistintamente”.

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Sendo julgada improcedente pelo mérito (após instrução suficiente), também configurada estará a coisa julgada material, “atingindo a todos os legitimados ativos que não mais poderão repropor aquela mesma ação coletiva, a não ser que consigam demonstrar, liminarmente, a existência de nova prova, inexistente à época do processo” (LENZA, 2008, p. 283).

Nesse caso último, entretanto, embora seja vedado novo tratamento molecularizado (interesses difusos e coletivos) da questão específica, já dirimida pelo Judiciário, nos termos do que prevê o artigo 103, parágrafo primeiro, do CDC, o particular, sentindo-se prejudicado, “poderá propor a sua própria ação individuai, inclusive em litisconsórcio, procurando obter a declaração de ilegalidade e abusividade do aumento em novo julgamento”, porquanto a decisão coletiva “em nada afetará o direito individual de cada consorte, ficando, assim, resguardado o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV)” (LENZA, 2008, p. 231).

A extensão subjetiva da coisa julgada, que apenas não se consolida na hipótese de improcedência fundada em insuficiência probatória, é, portanto, ampla, não se circunscrevendo às partes processuais, como tradicionalmente se perfaz no processo individual (art. 472 do Código de Processo Civil).

4.2.2.1 Transporte in utilibus da coisa julgada às ações individuais

Preceitua o artigo 103, §3º, do Código de Defesa do Consumidor que “os efeitos da coisa julgada de que cuida o art. 16, combinado com o art. 13 da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos arts. 96 a 99”.

Referido preceptivo, nos termos do que aduz ADA PELLEGRINI GRINOVER, secundada por LENZA (2008, p. 236-237), prestigia o princípio da “economia processual, bem como fundada nos critérios sobre a coisa julgada secundum eventum litis”, assim como “na ampliação ope legis do objeto do processo, autoriza, de forma expressa, o transporte in utilibus da coisa julgada resultante da sentença proferida em ação civil pública às ações individuais”.

Tal regra, ainda consoante os ensinamentos de LENZA, aplica-se às ações coletivas fundadas nos incisos I e II do parágrafo único do artigo 81 do CDC, sempre tendo “por objeto a proteção de bens ou interesses difusos ou coletivos” (2008, p. 237).

Nesse caso, haverá o transporte apenas do julgado procedente na ação coletiva, sendo certo que a inexistência da extensão subjetiva (às ações individuais) dos efeitos de eventual coisa julgada coletivamente formada “abrange tanto a situação de improcedência após instrução suficiente, na qual há análise de mérito, como no caso em que o juiz julga improcedente o pedido do autor coletivo por deficiência probatória” (LENZA, 2008, p. 237).

Noutra margem, caso a demanda coletiva seja julgada procedente, em nome da coletividade, as vítimas e sucessores dos lesados em seus direitos difusos ou coletivos poderão importar o resultado positivo da demanda metaindividuais às ações individuais por elas propostas, e, em consequência, proceder à liquidação e ao cumprimento da sentença, a teor dos artigos 97 a 99 do CDC. Arremata PEDRO LENZA:

“A sentença coletiva, portanto, valerá como título executivo judicial para as execuções dos danos individualmente sofridos, lembrando que, decorrido o prazo de um ano sem a habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquidação e o cumprimento da obrigação de indenizar, sendo o seu produto revertido para o Fundo criado pela Lei 7.347/85 (art. 100 do CDC)”.

Noutra margem, caso a demanda coletiva seja julgada procedente, em nome da coletividade, as vítimas e sucessores dos lesados em seus direitos difusos ou coletivos poderão importar o resultado positivo da demanda metaindividuais às ações individuais por elas propostas, e, em consequência, proceder à liquidação e ao cumprimento da sentença, a teor dos artigos 97 a 99 do CDC. Arremata PEDRO LENZA (2008, p. 238-239):

“Convém fixar a amplitude da expressão 'danos pessoalmente sofridos', prevista no §3º do art. 103, no sentido de não os restringir, exclusivamente, à 'pessoa' da vítima ou seus sucessores. Conforme observou Gidi, referida expressão abrange 'qualquer dano à esfera individual do atingido. Portanto, se uma pessoa não ficou doente com a poluição do rio, mas sofreu prejuízos em sua lavoura ou rebanho, ainda assim terá um título executivo judicial contra a indústria condenada na ação civil pública'. Melhor, então, a ideia traduzida no art. 99 do CDC, que fala em 'indenização pelos prejuízos individuais resultantes do mesmo evento danoso'”.

Assim, havendo nexo de causalidade entre o prejuízo individual, pessoal ou não, e objeto da demanda coletiva, afigura-se consubstanciada a regra do art. 103, §3º, do CDC, de modo a permitir o transporte in utilibus da coisa julgada procedente.

4.2.2 Coisa julgada nas ações que versam sobre direitos individuais homogêneos

A tutela coletiva de direitos individuais homogêneos permite a emissão de uma sentença condenatória genérica, consoante o artigo 95 do Código de Defesa do Consumidor, “certa, porém ilíquida, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados” (LENZA, 2008, p. 232).

Nesse sentido, o artigo 103, III, do mesmo diploma, estabelece que, em referidas ações coletivas, a autoridade da coisa julgada se formará erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido e tão somente para beneficiar as vítimas e sucessores, de modo que não prejudicará terceiros se for improvida, independentemente de insuficiência probatória.

A regra em comento atende ao escopo de defesa, de modo molecular, dos próprios interesses individuais decorrentes de origem comum, “desde que preenchidos os requisitos específicos da prevalência das questões de direito e de fato comuns sobre as questões de direito e de fato individuais e da superioridade da tutela coletiva sobre a individual, em termos de Justiça e eficácia da sentença”, consoantes os ensinamentos de PEDRO LENZA (2008, p. 233).

Diferentemente do que ocorre na tutela de direitos difusos e coletivos stricto sensu, a coisa julgada, sendo procedente ou improcedente a demanda, ainda que por deficiência de provas, sempre alcançará todos os colegitimados. No que tange aos substituídos (terceiros não integrantes da lide), a extensão subjetiva da coisa julgada se dará “secundum eventum litis”, aplicando-se apenas in utilibus (art. 103, III, do CDC), nunca para prejudicar.

Registre-se, nesse passo, que a doutrina costuma afiançar que não é a coisa julgada que se forma segundo a sorte da lide, mas a extensão de seus efeitos. Por todos, confira-se FREDIE DIDIER JR (2011, p. 340):

“O CDC determinou a ocorrência da coisa julgada material entre os colegitimados e a contraparte, ou seja, a impossibilidade de repropor a demanda coletiva caso haja sentença de mérito (pro et contra), atendendo, assim, aos fins do Estado na obtenção da segurança jurídica e respeitando o devido processo legal com relação ao réu que não se expõe indeterminadamente à ação coletiva, ficando, dessa forma, respeitada a regra tantas vezes defendida pela doutrina: ‘A coisa julgada, como resultado da definição da relação processual, é obrigatória para os sujeitos desta’. Nos processos coletivos ocorre sempre coisa julgada. A extensão subjetiva desta é que se dará ‘segundo o resultado do litígio’, atingindo os titulares do direito individual (de certa forma denominados substituídos) apenas para seu benefício.”

Há, apenas, uma exceção à regra da extensão subjetiva da coisa julgada segundo o evento da lide. É que permite o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 94, o “convite”, por intermédio de edital, de interessados para compor a lide como assistentes litisconsorciais e, nessa particular hipótese, nos termos do artigo 103, §2º[5], do mesmo diploma, lido a contrario sensu, aqueles que intervierem não poderão ajuizar ações individuais.

Dessa forma, a ação civil coletiva julgada improcedente não prejudicará a esfera individual de nenhum interessado que não compôs a lide como assistente litisconsorcial. Cada interessado, portanto, poderá demandar individualmente, desde que não tenha intervindo na ação coletiva, nos termos do que se infere do preceptivo acima referido.

LENZA (2008, p. 234-235) aclara, com um exemplo:

“Então, examine-se exemplo de interesses individuais homogêneos, já anunciado em páginas anteriores, qual seja o da explosão do Shopping de Osasco, em que inúmeras vítimas sofreram danos. (…)

Diante deste exemplo trazido à análise, pode-se sistematizar a amplitude da autoridade da coisa julgada: a) procedência do pedido: a todos atingirá (erga omnes) para beneficiar; b) improcedência do pedido, por suficiência ou insuficiência de provas: haverá formação da coisa julgada coletiva, não podendo mais ser rediscutida a ação, mesmo no caso de improcedência de provas, ao contrário do que ocorre no caso dos interesses difusos ou coletivos. A autoridade da coisa julgada coletiva, portanto, atingirá aos legitimados coletivos, indistintamente, bem como aos interessados que intervieram no processo como litisconsorte, aceitando o 'convite' do art. 94. A autoridade da coisa julgada em caso de improcedência da ação (seja por suficiência ou insuficiência de provas) só não atingirá àqueles que não intervieram no processo, restando a estes imaculado o direito constitucional de proporem a ação de indenização a título individual (art. 5º, XXXV, da CF/88).”

4.3) REPERCUSSÃO DA COISA JULGADA COLETIVA NO PLANO INDIVIDUAL

Registra a doutrina que o artigo 104[6] do CDC buscou solucionar a problemática dos efeitos decorrentes da concomitância de ações coletivas e individuais, fazendo-o, entretanto, por intermédio de “verdadeira confusão na indicação dos dispositivos legais” (LENZA, 2008, p. 241).

É que da simples leitura se percebe que a primeira parte do dispositivo refere-se às ações propostas para a defesa de bens ou interesses difusos ou coletivos (“incisos I e II”), ao passo que a segunda se volta aos efeitos da coisa julgada a que aludem os “incisos II e III”, quando o objeto for bens ou interesses coletivos ou individuais homogêneos. E complementa o processualista (2008, p. 241):

“Outra impropriedade redacional decorre, também, da segunda parte do art. 104 do CDC, na medida em que, ao tratar da extensão erga omnes ou ultra partes dos efeitos da coisa julgada, refere-se àquelas tratadas nos incisos II e III do art. 103. Acontece que o inciso II trata de efeitos ultra partes e o inciso III de efeitos erga omnes. A coerência, no mínimo, deveria seguir a ordem lógica de apresentação dos termos antecedentes, conforme anunciado”.

4.3.1 Concomitância de ações para a proteção de interesses difusos ou coletivos stricto sensu

A parte final do artigo 104 do CDC estatui que, para que os autores de demandas individuais possam se beneficiar dos efeitos erga omnes ou ultra partes da coisa julgada coletiva nas hipóteses dos incisos II e III do artigo 103 do CDC, deverão, em 30 dias a contar da ciência nos autos do ajuizamento da lide coletiva, requerer a suspensão da ação individual.

Como enfatiza LENZA, percebe-se claro “erro de remissão” (2008, p. 242) do diploma consumerista, referindo-se, em verdade, aos incisos I e II, que efetivamente, ao se referirem, respectivamente, aos efeitos erga omnes e ultra partes, cuidam dos interesses difusos e coletivos.

Nesse sentido, o efeito positivo da coisa julgada procedente coletiva, em relação a aludidas espécies de interesses metaindividuais, condiciona-se ao requerimento de suspensão da ação individual eventualmente já proposta no prazo de 30 dias a partir da ciência do ajuizamento da demanda coletiva, que “há de ser eficaz e sempre nos autos da ação individual” (LENZA, 2008, p. 243). E complementa o doutrinador:

“Assim, na hipótese de não terem requerido a suspensão da ação individual (desde que cientificados nos autos sobre a ação coletiva), não poderão se beneficiar da extensão subjetiva do julgado secundum eventum litis, em caso de procedência da ação coletiva. Por outro lado, caso tenham requerido a suspensão da ação individual (ou, como visto, caso a ação individual ainda não tenha sido proposta, é claro), a eles aproveitará a decisão favorável proferida na ação coletiva (extensão subjetiva do julgado in utilibus)”

Uma vez intimado, abre-se ao autor individual a possibilidade de exercer uma “espécie de right to opt in (requerendo a suspensão da ação individual) ou opt out (exclusão da extensão subjetiva in utilibus do julgado coletivo), caso prossiga em sua ação individual”, conforme LENZA (2008, p. 243).

Ao optar pela concretização do direito do opt out, prosseguindo com sua ação individual, arca o autor com a imutabilidade do comando de eventual sentença desfavorável, não se beneficiando com a coisa julgada coletiva favorável.

4.3.2 Concomitância de ações para a proteção de interesses individuais homogêneos

Doutrina e jurisprudência majoritárias reconhecem que a existência de ação coletiva “molecular”, que tenha por objeto direitos individuais homogêneos, também não induz litispendência com as ações individualmente propostas, reconhecendo-se ao postulante individual igual direito de suspensão da demanda singular, nos termos do artigo 104, do CDC.

Nesse sentido, ADA PELLEGRINI GRINOVER, citada por LENZA, assevera “a melhor interpretação do art. 104 é aquela que corrige a segunda remissão, como sendo os incs. I, II e III do art. 103”. Ademais, “ainda que assim não se faça, os próprios princípios sobre a coisa julgada impedirão que o demandante se sujeite a comandos praticamente contraditórios” (2008, p. 245).

É esse o posicionamento de ANTONIO GIDI, ao destacar que a melhor solução de interpretação do art. 104 do CDC é aquela “que o entende aplicável a qualquer ação coletiva, não só em defesa de direitos difusos e coletivos stricto sensu, como na defesa de direitos individuais homogêneos” (1995, p. 193).

Reconhece-se, conforme LENZA, uma relação de prejudicialidade, já que, “objetivando-se evitar decisões contraditórias, a sentença individual dependerá da solução de julgamento da ação coletiva que, se procedente, a todos beneficiará” (2008, p. 246), assegurando-se, ainda, a garantia constitucional do livre acesso ao Judiciário, de que não poderia ser privado o indivíduo. Arremata o doutrinador (2008, p. 247):

“Dessa forma, havendo concomitância de ação coletiva objetivando a proteção de bens individuais homogêneos e ação individual buscando o ressarcimento dos danos pessoalmente sofridos pela vítima ou seus sucessores, cientificado o autor nos autos da ação individual da existência da ação coletiva, se já não tiver atendido ao 'convite' do art. 94 do CDC, poderá, no prazo de 30 dias (contado da ciência nos autos, enfatize-se), requerer a suspensão de sua ação individual para que possa ser beneficiado em caso de procedência da ação coletiva. Essa solução, inclusive, consagra, acima de tudo, o preceito constitucional do livre acesso ao Judiciário que não pode privar o indivíduo da propositura de sua ação individual e, portanto, não tê-la compulsoriamente suspensa, tendo em vista as peculiaridades do processo coletivo”

É o que se extrai, ademais, do pensamento de SÉRGIO ARENHART e LUIZ GUILHERME MARINONI (2001, p. 717-718), a seguir transcrito:

“O objetivo do art. 104 é o de tornar possível o ajuizamento da ação individual mesmo que pendente ação coletiva para a tutela de direito difuso, coletivo e individual homogêneo e, ainda, o de deixar claro que a tutela coletiva não trará benefícios para aquele que não requerer a suspensão do processo individual no prazo de 30 dias após obter a ciência do ajuizamento da ação coletiva”

Nas ações coletivas, desta forma, vige o princípio da intangibilidade da via individual pela coletiva, segundo o qual a tutela coletiva não prejudica o direito constitucional de ação dos titulares lesados (art. 5º, XXXV), não os prejudicando em seu direito individual no caso de improcedência da demanda coletiva.

4.4) RESTRIÇÃO TERRITORIAL DA COISA JULGADA COLETIVA?

A Lei nº 9.494/97, resultado da conversão da Medi­da Provisória nº 1.570/97, incorporou à redação original do art. 16 da Lei nº 7.347/85, que dispõe sobre a coisa julgada nas ações civis públicas, a expressão “nos limites da competência territorial do órgão prolator”, com o fito de adstringir os efeitos erga omnes da sentença prolatada nessas ações à jurisdição do órgão que exarou a decisão. Nesse diapasão, assim ficou a redação do preceptivo:

“Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.”

Referida alteração, especialmente por ter advindo da função legislativa excepcional conferida ao Poder Executivo através das medidas provisórias, veio a ser densamente criticada pela doutrina, vez que desnaturou a finalidade própria daquelas demandas coletivas, a transcendência de seus efeitos.

A maioria dos doutrinadores, en­tão, passou a suscitar a inconstitucionalidade tanto formal do preceptivo em questão, porquanto regra introduzida por meio de medida provisória, “não se podendo falar em urgência e relevância da matéria veiculada”, bem como material, vez que “decorre da incompatibilidade com a regra insculpida no art. 5º, XXXV, CF/88, além de afronta aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade”, na lavra de NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA ANDRADE NERY (2001, p. 1558).

Nesse passo, discorrem os renomados processualistas (NERY JR; NERY, 2001, p. 1560):

“O Presidente da República confundiu limites subjetivos da coisa julgada, matéria tratada na norma, com jurisdição e competência, como se, v.g., a sentença de divórcio proferida por juiz de São Paulo não pudesse valer no Rio de Janeiro e nesta última comar­ca o casal continuasse casado! (…) Qualquer sentença proferida por órgão do Poder Judiciário pode ter eficácia para além de seu território. Até a sentença estrangeira pode produzir efeitos no Bra­sil, bastando para tanto que seja homologada pelo STF (sic). Tudo assim conflui para que a resposta judiciária, no âmbito da jurisdição coletiva, desde que promanada de juiz compe­tente, deva ter eficácia até onde se irradie o interesse objeti­vado, e por modo a se estender a todos os sujeitos concer­nentes. Assim se dá por conta do caráter unitário desse tipo de interesse, a exigir uniformidade do pronunciamento judici­al”

No mesmo sentido, discorre RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO (2009, p. 321):

“Todavia, a maioria dos doutrinadores vem se postando contraria­mente à inovação trazida ao art. 16 da Lei 7.347/85 pela Lei 9.494/97, cuja etiologia vem assim explicada por João Batista de Almeida: 'Objetivou-se, desse modo, fazer com que a sentença, na ação civil pública, tivesse seus efeitos limitados à área territori­al da competência do juiz que a prolatou, com isso afastando a possibilidade de decisões e sentenças com abrangência regional e, principalmente, nacional. Ou, por outra, o governo usou o seu poder de império para alterar a legislação da maneira como convi­nha, desnaturando a principal marca da ação coletiva – a coisa julgada –, tão logo se sentiu ameaçado com algo que não deveria incomodá-lo: a defesa coletiva de cidadãos, contribuintes, funcio­nários públicos etc.”

Enfática é também a ponderação de PEDRO LENZA (2008, p. 265):

“Vislumbre-se a propositura de determinada ação civil pública objetivando a interdição do tabagismo nas viagens aéreas (área de fumante e não-fumante). Trata-se de proteção a interesse difuso (saúde das pessoas – passageiros e tripulantes indeterminados), não podendo se identificar os eventuais indivíduos que fumariam em voos futuros, nem os que respirariam a fumaça. Supondo que a ação tenha sido proposta em juízo da capital do Estado de São Paulo (art. 93, II, CDC) e julgada procedente para proibir as áreas de fumantes das aeronaves. Nos termos do art. 16 da LACP, referido comando da sentença restringir-se-ia aos limites da competência territorial do órgão prolator da sentença. Assim, em determinado voo do Rio Grande do Sul para Fortaleza, imaginando que determinado passageiro acenda o cigarro quando o avião estiver sobrevoando o Estado do Paraná. Ao cruzar o espaço aéreo do Estado de São Paulo deverá o passageiro apagar o cigarro, podendo, contudo, novamente reascendê-lo, quando o avião estiver sobrevoando, por exemplo, o Estado do Rio de Janeiro”

Para além da inconstitucionalidade, registra a doutrina que a alteração legislativa introduzida pela MP 1.570/97 é, ademais, inoperante, não tendo o condão de modificar a sistemática processual referente à coisa julgada coletiva contida no Código de Consumo.

Em primeiro lugar, como sustenta ADA GRINOVER, secundada por LENZA (2008, p. 269), “o art. 16 da LACP não se aplica à coisa julgada nas ações coletivas em defesa de interesses individuais homogêneos”, uma vez que a Lei nº 7.347/85 foi “instituída para a proteção de interesses difusos ou coletivos stricto sensu, sendo os interesses individuais homogêneos, posteriormente, tratados no Código de Defesa do Consumidor” (LENZA, 2008, p. 270).

De outra sorte, não há que se confundir competência territorial com extensão e abrangência da autoridade da coisa julgada, como parece querer a modificação impingida ao artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública. Com efeito, “o âmbito de abrangência da coisa julgada é delimitada pelo pedido e não pela competência”, de modo que “a decisão corresponderá ao pedido, não se podendo confundir as regras previstas nos incisos I, II e III do art. 103 do CDC, sobre os limites subjetivos da coisa julgada, com os institutos da jurisdição e da competência” (LENZA, 2008, p. 270-271).

NERY JR e ROSA NERY (2001, p. 1558), com toda propriedade, disciplina:

“Confundir jurisdição e competência com limites subjetivos da coisa julgada é, no mínimo, desconhecer a ciência do direito. Portanto, se o juiz que proferiu a sentença na ação coletiva tout court, quer verse sobre direitos difusos, quer coletivos ou individuais homogêneos, for competente, sua sentença produzirá efeitos erga omnes ou ultra partes, conforme o caso (v. art. 103 CDC), em todo o território nacional – e também no exterior –, independentemente da ilógica e inconstitucional redação dada ao art. 16 da LACP pela Lei nº 9494/97. É da essência da ação coletiva a eficácia prevista no art. 103 do CDC”

Ainda, discorre RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO (2009, p. 323):

“Todavia, a maioria dos doutrinadores vem se postando contraria­mente à inovação trazida ao art. 16 da Lei 7.347/85 pela Lei 9.494/97, cuja etiologia vem assim explicada por João Batista de Almeida: 'Objetivou-se, desse modo, fazer com que a sentença, na ação civil pública, tivesse seus efeitos limitados à área territori­al da competência do juiz que a prolatou, com isso afastando a possibilidade de decisões e sentenças com abrangência regional e, principalmente, nacional. Ou, por outra, o governo usou o seu poder de império para alterar a legislação da maneira como convi­nha, desnaturando a principal marca da ação coletiva – a coisa julgada –, tão logo se sentiu ameaçado com algo que não deveria incomodá-lo: a defesa coletiva de cidadãos, contribuintes, funcio­nários públicos etc.”

É esse o entendimento perfilhado pela jurisprudência majoritária do Superior Tribunal de Justiça, em recentes julgados, de que serve como paradigma o voto condutor do Ministro Relator Luís Felipe Salomão na apreciação do Recurso Especial nº 1.243.887-PR[7], a seguir transcrito parcialmente:

“A bem da verdade, o art. 16 da LACP baralha conceitos heterogêneos - como coisa julgada e competência territorial - e induz a interpretação, para os mais apressados, no sentido de que os 'efeitos' ou a 'eficácia' da sentença podem ser limitados territorialmente, quando se sabe, a mais não poder, que coisa julgada - a despeito da atecnia do art. 467 do CPC - não é 'efeito' ou 'eficácia' da sentença, mas qualidade que a ela se agrega de modo a torná-la 'imutável e indiscutível'.

É certo também que a competência territorial limita o exercício da jurisdição e não os efeitos ou a eficácia da sentença, os quais, como é de conhecimento comum, correlacionam-se com os 'limites da lide e das questões decididas' (art. 468, CPC) e com as que o poderiam ter sido (art. 474, CPC) - tantum judicatum, quantum disputatum vel disputari debebat.

A apontada limitação territorial dos efeitos da sentença não ocorre nem no processo singular, e também, como mais razão, não pode ocorrer no processo coletivo, sob pena de desnaturação desse salutar mecanismo de solução plural das lides.

A prosperar tese contrária, um contrato declarado nulo pela justiça estadual de São Paulo, por exemplo, poderia ser considerado válido no Paraná; a sentença que determina a reintegração de posse de um imóvel que se estende a território de mais de uma unidade federativa (art. 107, CPC) não teria eficácia em relação a parte dele; ou uma sentença de divórcio proferida em Brasília poderia não valer para o judiciário mineiro, de modo que ali as partes pudessem ser consideradas ainda casadas, soluções, todas elas, teratológicas.

A questão principal, portanto, é de alcance objetivo ('o que' se decidiu) e subjetivo (em relação 'a quem' se decidiu), mas não de competência territorial.

Pode-se afirmar, com propriedade, que determinada sentença atinge ou não esses ou aqueles sujeitos (alcance subjetivo), ou que atinge ou não essa ou aquela questão fático-jurídica (alcance objetivo), mas é errôneo cogitar-se de sentença cujos efeitos não são verificados, a depender do território analisado.”

Inócua, pois, a alteração, tendo em vista que os efeitos subjetivos da coisa julgada encontram-se perfeitamente delimitados nos artigos 103 e 104, que se estendem “a todas as ações coletivas em razão da íntima interação entre o Código de Defesa do Consumidor e a Lei de Ação Civil Pública” (LENZA, 2008, p. 274), devendo-se aplicar todo o regramento ali disposto. MANCUSO (2009, p. 326), nesse passo, assim dispõe:

“Assim é que na parte processual do CDC distinguem-se as eficácias erga omnes e ultra partes da coisa julgada, em função do tipo de interesse metaindividual objetivado (art. 103, inci­sos e parágrafos, e art. 104), e, bem assim, faz-se o discrímen entre os danos local, re­gional e nacional (art. 93 e incisos), autorizando-se, por fim, o translado de todo esse conjunto para o âmbito da Lei 7.347/85 (cf. art. 117 do CDC, que para tal acrescen­tou um artigo – n. 21 – à Lei 7.347/85).”

E, em sequência, arremata MANCUSO (2009, p. 326):

“Com a aplicação conjunta desses textos torna-se possível demonstrar que, no ambiente processual coletivo, a com­preensão e a extensão da coisa julgada não podem ser deli­mitadas em função do território, que é critério determinativo de competência, justamente por isso empregado em outro dispo­sitivo: o art. 2º da Lei 7.347/85, de modo que as sentenças exaradas em ACP produzem seu regular efeito erga omnes ou ultra partes, sem qualquer espécie de restrição territorial.'

Conclui-se com PEDRO LENZA (2008, p. 274), ao afirmar que “assim, por todo o exposto, não há qualquer dúvida em se afirmar que a modificação ao art. 16 da LACP, além de inconstitucional, é inócua”.

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Sobre o autor
Antônio Pereira Nascimento Júnior

Analista do MPU/Apoio Jurídico/Direito lotado na Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão da Procuradoria da República em Sergipe.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JÚNIOR, Antônio Pereira Nascimento. Regime jurídico da coisa julgada no processo coletivo:: uma abordagem à luz do processo civil contemporâneo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4066, 19 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31076. Acesso em: 18 mai. 2024.

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