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Alimentos orgânicos e agrotóxicos

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23/01/2015 às 19:50
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4. Direito à Alimentação

Ora, se a escolha para o consumo de alimentos orgânicos é por uma alimentação saudável, isto é, para efetiva manutenção da saúde, não é justo o alto preço para este consumo. É, ainda, menos justo que se faça a opção entre alimentar-se e alimentar-se com saúde; isto, pois, como se viu, não é possível para a maioria dos brasileiros eleger a alimentação com saúde como prioridade, é necessário, primeiro, que se alimente.

Ainda, assevera Kildare, ao elencar Alimentação como um direito social[24] em sua obra, que há previsão para o direito à alimentação na Declaração e Programa de Ação de Viena, assinado pelo Brasil em 1993 – lembrando que pela redação do §2º da Lei Maior, isto é, mesmo não estando expresso na Constituição.

É correta a assertiva de que o direito à saúde é consequência do direito à vida[25], diferente não é o direito à alimentação. Ora, se não se vive sem saúde, menos pode-se viver sem se alimentar.

Vê-se, pois, aqui, dois casos a serem resolvidos: (i) a desigualdade social que leva à escolha entre os dois direitos; e (ii) uma colisão entre dois direitos fundamentais sociais relacionados ao direito à vida.

4.1  Ações afirmativas

A princípio, cumpre esclarecer o que são ações afirmativas, de modo que se encaixem no tema abordado; são medidas que visam nivelar partes da sociedade, por em pé de igualdade, desfazer desigualdades sociais, dando – justamente – tratamento desigual para os desiguais, isto é, atuando em favor dos menos favorecidos. Em melhores palavras, é claro o dizer do tão citado doutrinador mineiro:

As ações afirmativas envolvem um conjunto de estratégias, iniciativas ou políticas públicas que têm por escopo favorecer grupos ou segmentos sociais que se encontram em piores condições de competição na sociedade em razão, na maioria das vezes, da prática de descriminações negativas, presentes ou passadas. São medidas que objetivam eliminar os desequilíbrios existentes entre determinadas categorias sociais até que sejam neutralizados, concretizando-se mediante providências efetivas em favor daquelas categorias que se encontram em situação desvantajosas.

Além de se ater às famigeradas quotas para ingresso em universidades ou aprovação em concursos públicos; afora, ainda, fixar a ideia de política pública de assistencialismo. Deseja-se, aqui, levar a ideia de ação afirmativa como uma ação positiva do Estado (nas figuras de seus três entes) que leve à maior acessibilidade dos alimentos orgânicos a todas as camadas sociais. Modos possíveis para a efetividade destas medidas seriam incentivos fiscais e tributários, subsídios na produção (cumulativamente ou não); quiçá poder-se-ia cogitar uma parceria público-privada para diminuição do preço dos alimentos orgânicos.

Deste modo, haveria acesso ao direito de alimentação saudável independentemente de desigualdades sociais. Embora, em sentido estrito, as ações afirmativas se devam dar diretamente ao grupo em pior condição de competição.

4.2  Princípio da Proporcionalidade

Em tese, para que se solucione um conflito, uma colisão entre direitos (ou princípios) fundamentais, utiliza-se do princípio da proporcionalidade. Como bem nos mostra o douto Ministro Gilmar Mendes em julgamento de Suspensão de Antecipação de Tutela, a saber:

A máxima da proporcionalidade, na expressão de Alexy, coincide igualmente com o chamado núcleo essencial dos direitos fundamentais concebido de modo relativo - tal como o defende o próprio Alexy. Nesse sentido, o princípio ou máxima da proporcionalidade determina o limite último da possibilidade de restrição legítima de determinado direito fundamental.

A par dessa vinculação aos direitos fundamentais, o princípio da proporcionalidade alcança as denominadas colisões de bens, valores ou princípios constitucionais.  

Nesse contexto, as exigências do princípio da proporcionalidade representam um método geral para a solução de conflitos entre princípios, isto é, um conflito entre normas que, ao contrário do conflito entre regras, é resolvido não pela revogação ou redução teleológica de uma das normas conflitantes nem pela explicitação de distinto campo de aplicação entre as normas, mas antes e tão-somente pela ponderação do peso relativo de cada uma das normas em tese aplicáveis e aptas a fundamentar decisões em sentidos opostos. Nessa última hipótese, aplica-se o princípio da proporcionalidade para estabelecer ponderações entre distintos bens constitucionais.

Em síntese, a aplicação do princípio da proporcionalidade se dá quando verificada restrição a determinado direito fundamental ou um conflito entre distintos princípios constitucionais de modo a exigir que se estabeleça o peso relativo de cada um dos direitos por meio da aplicação das máximas que integram o mencionado princípio da proporcionalidade. São três as máximas parciais do princípio da proporcionalidade: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.[26] (grifo nosso)

Destarte, a fim de solucionar a dúvida entre alimentação ou saúde (alimentação saudável), deve-se utilizar este método geral de solução de conflitos entre princípios. Ambos são direitos sociais fundamentais provindos da proteção do direito à vida. Neste primeiro prisma, parece impossível distinção suficiente deles para que seja ponderado e estabelecido o “peso relativo de cada um dos direitos” como mostra Gilmar Mendes.

Entretanto, é ilógico pensar que estão em todos os níveis equiparados, pois uma vez que se opte pela alimentação saudável, optou-se por alimentar; a questão do direito à vida, mais que na saúde, está na alimentação. É certo que sem saúde não há vida, mas não há como haver vida ou saúde sem alimentação. Sendo assim, havendo a infeliz tarefa de optar por um dos direitos, elegendo-o de maior peso que o outro; para além da “adequação” ou da “proporcionalidade”, por uma mera questão de necessidade, tem-se que a solução do conflito é escolher pelo direito à alimentação.

Contudo, identificar qual é o mais importante dentre os dois direitos não acaba com o problema, sendo necessária a aplicação de uma política pública, quer seja focada nos grupos menos abastados (no Brasil, são os miseráveis e pobres, podendo ser incluída, quiçá, a classe média), por meio de ações afirmativas; ou por uma prestação positiva de modo amplo.


Conclusão

É certo que os mais prejudicados com tudo isso são os produtores que se utilizam do agrotóxico (agricultores de cultura convencional). Isto, pois eles, na maioria das vezes, consomem o que produzem – sendo, eles e as famílias, vítimas diretas como consumidores finais – e, também, sofrem com o vício e danificação de seus solos (fonte de renda e sustento); não raramente, ocorre, também, a improdutividade do solo.

Decerto, não há alteração a curto prazo para se fazer que não traga maior insegurança alimentar à população; daí que não se pode combater (sem déficits) a presença de agrotóxicos nos alimentos. Porém, a médio prazo, “se houver uma priorização por parte do governo federal [tendo em vista o caráter de status positivus deste direito], com políticas públicas agroecológicas, este cenário poderá ser modificado. Obviamente, métodos produtivos que respeitem a coexistência de todos os seres vivos e o equilíbrio dos ecossistemas apresentam ganhos consideráveis para a promoção da saúde humana e, por isso, precisam ser incentivados.”[27] (grifo nosso).

Entretanto, como ressalta Kildare

A efetivação do direito à saúde, como de outros direitos sociais, tem sido caracterizada por dificuldades decorrentes, sobretudo, das relações entre normas constitucionais e infraconstitucionais, a tensão entre direito e políticas públicas. Argumenta-se que os direitos prestacionais somente poderiam ser satisfeitos segundo conjunturas econômicas, de acordo com as disponibilidades do momento, que seriam avaliadas pelo legislador ordinário dentro das condições sociais e econômicas do país e das reservas orçamentárias. Os direitos prestacionais, nessa perspectiva, se encontrariam sob a reserva do possível, é dizer, daquilo que o indivíduo poderia esperar razoavelmente da sociedade, sendo que esses direitos somente poderiam ser garantidos na medida do possível e do adequado.[28]

Lembra, também, o Professor mineiro que não se pode revestir o princípio da reserva do possível com caráter absoluto. Isto seria deixar à míngua um direito que se relaciona com a garantia da vida e da dignidade da pessoa humana, que é o direito à saúde. Desta feita, há que exigir as medidas positivas do Estado, que só podem ser tomadas pelo Executivo e garantidas (a priori) pelo Legislativo, no Judiciário. É inequívoco o entendimento que o judiciário deve ser a ultima ratio e que a máquina judiciária esta, atualmente, superlotada; portanto, essas mediadas devem ser exigidas por essa via caso não haja espontaneidade, e de modo a abranger a coletividade.


Referências

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo : Malheiros Editores, 2011.

Recurso Especial nº 325.622-RJ. Ministro Relator Carlos Fernando Mathias (Juiz Convocado), Quarta Turma do STJ, julgamento em 28/10/2008, DJe em 10/11/2008. p. 9.

TOKESHI, Hasime. Efeitos dos Agrotóxicos no Solo. <http://www.cpmo.org.br/artigos/Efeito_Agrotoxicos_Solo_Tokeshi.pdf> acesso em 17 de jun. de 2012.

JOÃO, Deputado Padre. in Relatório, da Subcomissão Especial sobre uso de agrotóxicos e suas consequências à saúde, Comissão de Seguridade Social e Família, Câmara dos Deputados. Nov. 2011. <http://www.padrejoao.com.br/> acesso em 9 de jun. de 2012.

CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 17 ed. rev., atual. e ampl./ Belo Horizonte : Del Rey, 2011.

Número de produtores orgânicos em Rio Preto, SP, cresce 30% por ano. G1 <http://g1.globo.com/sao-paulo/sao-jose-do-rio-preto-aracatuba/noticia/2012/05/numero-de-produtores-organicos-em-rio-preto-sp-cresce-30-por-ano.html> Acesso em 27 de mai. de 2012.

STF, Suspensão de Tutela Antecipada nº 233 – RS, Rel. Min PRESIDENTE. julgamento em 27/04/2009, Dje em 04/05/2009. Presidente: Ministro Gilmar Mendes.


Notas

[2] Há que se lembrar do veto à entrada de suco de laranja brasileiro nos Estados Unidos no início de 2012, pela utilização do fungicida carbendazim, cujos limites estavam mais de 500% acima do permitido pelas leis americanas. (Exportação de suco concentrado aos EUA é suspensa temporariamente. G1 Economia. Seção: Agronegócios <http://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2012/02/industria-suspende-exportacao-de-suco-concentrado-aos-eua.html> acesso em 9 de jun. de 2012.)

[3] Art. 5º, §2º - “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”

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[4] Art. 225, §1º, V – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. §1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.

[5] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo : Malheiros Editores, 2011,pp. 679 e 681.

[6] Recurso Especial nº 325.622-RJ. Ministro Relator Carlos Fernando Mathias (Juiz Convocado), Quarta Turma do STJ, julgamento em 28/10/2008, DJe em 10/11/2008. p. 9.

[7] Art. 14, §1º, da L. 6.938/81 – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente. (grifo nosso)

[8] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Op. cit. p. 369.

[9] Art. 14, L. 7.802/89 – As responsabilidades administrativa, civil e penal pelos danos causados à saúde das pessoas e ao meio ambiente, quando da produção, comercialização, utilização, transporte e destinação de embalagens vazias de agrotóxicos, seus componentes e afins, não cumprirem o disposto na legislação pertinente, cabem: a) ao profissional, quando comprovada receita errada, displicente ou indevida; b) ao usuário ou ao prestador de serviços, quando proceder em desacordo com o receituário as recomendações do fabricante e órgãos registrantes e sanitário-ambientais; c) ao comerciante, quando efetuar venda sem o respectivo receituário ou em desacordo com a receita ou recomendações do fabricante e órgãos registrantes e sanitário-ambientais; d) ao registrante que, por dolo ou por culpa, omitir informações ou fornecer informações incorretas; e) ao produtor, quando produzir mercadorias em desacordo com as especificações constantes do registro do produto, do rótulo, da bula, do folheto e da propaganda, ou não der destinação às embalagens vazias em conformidade com a legislação pertinente; f) ao empregador, quando não fornecer e não fizer manutenção dos equipamentos adequados à proteção da saúde dos trabalhadores ou dos equipamentos na produção, distribuição e aplicação dos produtos.

[10]TOKESHI, Hasime. Efeitos dos Agrotóxicos no Solo. <http://www.cpmo.org.br/artigos/Efeito_Agrotoxicos_Solo_Tokeshi.pdf> acesso em 17 de jun. de 2012.

[11] TOKESHI, op. cit.

[12] JOÃO, Deputado Padre. in Relatório, da Subcomissão Especial sobre uso de agrotóxicos e suas consequências à saúde, Comissão de Seguridade Social e Família, Câmara dos Deputados. Nov. 2011. p.25. <http://www.padrejoao.com.br/> acesso em 9 de jun. de 2012.

[13] JOÃO, Deputado Padre. op. cit., p.28.

[14] CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 17 ed. rev., atual. e ampl./ Belo Horizonte : Del Rey, 2011, p. 629.

[15] CARVALHO, op. cit. p. 1274.

[16] CARVALHO, op. cit., p. 610.

[17] CARVALHO, op. cit., p. 582.

[18] "Norma Fundamental", em tradução livre.

[19] CARVALHO, op. cit., pp. 582 e 583.

[20] CARVALHO, idem ibidem

[21] Número de produtores orgânicos em Rio Preto, SP, cresce 30% por ano. G1 <http://g1.globo.com/sao-paulo/sao-jose-do-rio-preto-aracatuba/noticia/2012/05/numero-de-produtores-organicos-em-rio-preto-sp-cresce-30-por-ano.html> Acesso em 27 de mai. de 2012.

[22] CARVALHO, op. cit., p. 1271.

[23] JOÃO, Deputado Padre. op. cit., p.13.

[24] CARVALHO, op. cit. p. 784.

[25] CARVALHO, op. cit. p. 649.

[26] STF, STA nº 233 – RS, Rel. Min PRESIDENTE. Julgamento em 27/04/2009, Dje em 04/05/2009. Presidente: Ministro Gilmar Mendes.

[27] JOÃO, Deputado Padre. op. cit., p.14.

[28] CARVALHO, op. cit., p.649.

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Sobre o autor
Pedro de Sylos Bonecker

Estudante universitário, graduando do décimo semestre em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BONECKER, Pedro Sylos. Alimentos orgânicos e agrotóxicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4223, 23 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31221. Acesso em: 2 mai. 2024.

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