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Alimentos orgânicos e agrotóxicos

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23/01/2015 às 19:50
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A utilização de agrotóxicos é apoiada por grandes produtores e empresários, como um mal necessário, mas até que ponto o uso de tais químicas é conflitante a direitos fundamentais, como meio ambiente, saúde e dignidade da pessoa humana.

1. Notas Introdutórias

Muito em voga atualmente, agrotóxicos são um mal por muitos tido como necessário. Protegem de pragas, mas seu alto teor de toxidade causa prejuízo, também, a outros seres vivos quem obtém contato – direto ou indireto – com tais produtos, inclusive o homem. A utilização desses pesticidas é apoiada por grandes produtores e empresários; os quais podem obter lucro exorbitante pela maior quantidade de produção, cujo produto possivelmente conterá riscos à saúde de seu consumidor final.

Para além do risco de quem aplica tais produtos, há risco ao consumidor, embora haja restrição e regulamentação quanto ao uso e produção de agrotóxicos. Entretanto, o Brasil é o país que mais consome agrotóxicos e, ainda, o que mais despende valor com a aquisição do produto.

Nossas safras estão ameaçadas, atualmente, mais pela recusa de compra no exterior do produto final[2], que pelas pragas que se almejam, falsamente, combater pela utilização de agrotóxicos.

O conteúdo do trabalho aqui exposto não trará enfaticamente, contudo, a análise da necessidade de maior lucro ou melhora da economia no setor agrário em detrimento da saúde – embora tema relevante aos Direitos Sociais. O foco será abordar a necessidade de igualdade de direitos à população como um todo, não se fazendo lógico o conflito entre direito à saúde e direito à alimentação – dois direitos sociais por gênese, e fundamentais por adequação ao §2º do artigo 5º da Constituição da República de 1988 (CR/88)[3].

O direito à alimentação saudável é um direito de todos, não se pode haver uma grande diferença entre produtos orgânicos e produzidos convencionalmente. Isto, pois somente haveria saúde para quem pudesse pagar mais pela sua alimentação, em detrimento de outrem, que sofreriam malefícios por manter sua alimentação diária a baixo custo.


2. Periculosidade dos agrotóxicos e a Responsabilidade Civil Ambiental

Bem regulados pela Constituição da República, no inciso V do §1º de seu artigo 225[4], agrotóxicos são substâncias que comportam risco à vida, à qualidade de vida e ao meio ambiente – este, direito fundamental de terceira geração, com preocupação direta com as gerações presentes e futuras. Pode-se, de pronto, considerar um produto perigoso uma vez que se depara com a sua nomenclatura – antes denominado “defensivo agrícola”, tem lugar, atualmente, “agrotóxico”, termo que segue melhor a linha da terminologia internacional, a qual é “pesticida” ou “praguicida”, como revela Paulo Affonso Leme Machado.[5]

A periculosidade do produto em questão é tão alta que as regulações por ele sofridas vão desde o seu pedido de registro e de sua produção, até seu uso e comercialização. É certo que deve haver sanção – e grave – baseada no dano causado ao consumidor dos produtos que tem em sua origem (e produção) a utilização do agrotóxico; difícil, porém é a atribuição dessa responsabilidade. Por dedução lógica, poder-se-ia chegar à conclusão de que responsáveis, civil e penalmente, – pelo dano ao ambiente e, principalmente, aos seres humanos atingidos pelo consumo direto e indireto do produto – são o produtor e o usuário do agrotóxico (quer pelos componentes utilizados na criação do produto, quer pelo excesso do uso do produto nas lavouras).

            2.1 A Responsabilidade Civil Ambiental

Cumpre tratar, aqui, mesmo que em resumida análise, da responsabilidade civil; a qual pressupõe

a presença de dois elementos de fato, quais: a conduta do agente e o resultado danoso; e de um elemento lógico-normativo, o nexo causal (que é lógico, porque consiste num elo referencial, numa relação de pertencialidade, entre os elementos de fato; é normativo, porque tem contornos e limites impostos pelo sistema de direito, segundo o qual a responsabilidade só se estabelece em relação aos efeitos diretos e imediatos causados pela conduta do agente).[6]

Desta, indubitavelmente esclarecedora, explanação dos elementos da responsabilidade civil, feita pelo magistrado Carlos Fernando Mathias, temos que os elementos componentes da Responsabilidade Civil são três: (i) conduta do agente; (ii) resultado danoso; (iii) nexo de causalidade entre os elementos (i) e (ii). Esta breve exposição é base para tanto para a responsabilidade civil subjetiva – na qual a culpa (stricto sensu ou lato sensu) do agente deverá estar presente na conduta – quanto para a objetiva – não havendo necessidade da culpa para que ocorra a responsabilização do agente.

A responsabilidade civil ambiental é também chamada de responsabilidade objetiva ambiental. É, portanto, óbvia a desnecessidade de culpa do agente na conduta do dano ambiental que causa. A Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº. 6.938/81) dá certeza – no parágrafo primeiro de seu artigo 14[7] – da qualidade desta responsabilidade. Não é sem fundamento que se faz de tamanha importância a objetivação desta responsabilidade. Pode-se ter noção da dimensão e importância da responsabilidade ser objetiva na aclamada doutrina de Paulo Machado, da qual se extrai que

A atividade poluente acaba sendo uma apropriação pelo poluidor dos direitos de outrem, pois na realidade a emissão poluente representa um confisco do direito de alguém em respirar ar puro, beber água saudável e viver com tranqüilidade (sic). Por isso, é imperioso que se analisem oportunamente as modalidades de reparação do dano ecológico, pois muitas vezes não basta indenizar, mas fazer cessar a causa do mal, pois um carrinho de dinheiro não substitui o sono recuperador, a saúde dos brônquios, ou a boa formação do feto.

A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambiente tem o dever jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano/reparação. Não se pergunta a razão da degradação para que haja o dever de indenizar e/ou reparar. A responsabilidade sem culpa tem incidência na indenização ou na reparação dos “danos causados ao meio ambiente e ao terceiros afetados por sua atividade” (art. 14, §1º, da Lei 6.938/81). Não interessa que tipo de obra ou atividade seja exercida pelo que degrada, pois não há necessidade de que ela apresente risco ou seja perigosa. Procura-se quem foi atingido e, se for o meio ambiente e o homem, inicia-se o processo lógico-jurídico da imputação civil objetiva ambiental. Só depois é que se entrará na fase do estabelecimento do nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano. É contra o Direito enriquecer-se ou ter lucro à custa da degradação do meio ambiente.[8]

2.1.1 – Responsável pelo dano

Dentre os possíveis responsáveis pelo dano causa encontramos, no mínimo, seis pessoas, que são: profissional, registrante, empregador, produtor, comerciante e usuário (comprador). Pelo teor do caput artigo 14 da Lei de nº. 7.802/89[9], seria lógico que houvesse uma responsabilidade solidária Porém, seria mais justo (questão difícil de ser apurada) que houvesse menor responsabilização do usuário, uma vez que ele também foi vítima da utilização de um agrotóxico produzido com alto teor de periculosidade em seus componentes.

Há empobrecimento e vício de seu solo, decorrente do uso de agrotóxico (como se verá em seguida). Mais certo seria, então, cobrar do produtor a recuperação (ou reparação, se não for possível aquela). A questão é delicada, pois é demasiadamente custosa a reparação de tal dano, a solução deste caso seria possível, apenas, em longo prazo.

Efeitos de Agrotóxicos

É certo que é alta a periculosidade dos agrotóxicos, havendo risco tanto à saúde humana quanto ao meio ambiente – mesmo quando utilizados adequadamente, donde se depreende a responsabilidade civil objetiva. O estágio atual da agricultura brasileira utiliza-se de uma grande quantidade de Organismos Geneticamente Modificados (OGM), os quais são mais resistentes às pragas, e também aos agrotóxicos. Deste modo, para se ter uma, equívoca, maior proteção contra as pragas, usou-se maior quantidade de pesticidas nessas novas culturas. Entretanto, não há segurança nenhuma em aumentar o uso de substâncias tóxicas; há maior risco.

Efeitos Sobre o Solo

Como é afirmado pelo Professor da Escola Superior de Agricultura da Universidade de São Paulo e Livre Docente Hasime Tokeshi,

É preciso pensar que além dos objetivos profissionais do agrônomo de orientar o controle dos problemas do produtor, deve existir a preocupação com o meio ambiente. O uso indiscriminado de agrotóxicos (inseticida fungicida) e adubações desequilibradas está causando doenças nas plantas, reduzindo a biodiversidade do solo e ecossistema como um todo. Isto ocorre porque na aplicação 50 a 80% não atingem a planta e caem diretamente no solo. O uso inadequado dos agrotóxicos é ocasionado pelo desconhecimento dos seguintes pontos: a) (…). b) Todos os desequilíbrios nutricionais das plantas levam direta ou indiretamente ao acúmulo de açúcares e aminoácidos livres na planta e isto as tornam mais suscetíveis as doenças e pragas.

O desconhecimento dos efeitos colaterais dos agrotóxicos, corretivos e fertilizantes no solo e ambiente está gerando nas culturas maior necessidades de agrotóxicos, criando um círculo vicioso que é necessário romper e corrigir (…).[10]

Temos, então, que – na busca da melhor produção – os agricultores acabam por danificar seus solos, prejudicando sua fonte de renda e sustento. Iludidos pelas ambições de cunho pecuniário dos produtores, e pela falsa esperança de uma alta produção, os agricultores fazem com que o nível de seu produto decaia e, assim, sua produção seja cada vez menor e / ou de menor qualidade. Inclusive, muitas vezes a garantia de proteção – alvo da utilização do agrotóxico – é perdida, havendo perda, também, para produtores que sequer cogitam a utilização dos produtos, como salienta o professor Tokeshi: “As derivas de agrotóxicos, (herbicidas) por quilômetros de distância submetem as plantas a sub-doses 100 a 1000 vezes menores que as recomendadas para as culturas. Estas sub-doses não produzem sintomas de toxidez nas plantas acidentalmente atingidas, mas causam o bloqueio de sistema de defesa.”[11] (grifo nosso).

Deste modo, há, ainda, prejuízo para quem não utiliza do agrotóxico, buscando, justamente, obter uma cultura melhor – mais saudável e mais rentável. Aquele que se priva deste meio técnico em prol de uma melhora na sua cultura pode ter um déficit de produção por enfraquecimento de seus alimentos.

Com tudo isso, não há dúvida de que é amplo o dano com qual o responsável deverá arcar. Pelo que se lê aqui, o prisma mais correto a ser adotado é o de culpa do produtor, isto é, o fabricante do agrotóxico. Isto, pois, há dano para quem consome (a ver no próximo tópico) e para quem utiliza o agrotóxico em sua agricultura. Deste modo, quem deve arcar com o dano causado (lembrando ser a responsabilidade civil objetiva) é o produtor – normalmente, grandes sociedades empresárias.

Efeitos Sobre a Saúde

A principal fonte de contato humano com os agrotóxicos é o alimento in natura, mas não é a única. Ar, solo e água também podem gerar problemas de saúde. O impacto é tão profundo e imensurável que, segundo relatório de uma subcomissão da Câmara dos Deputados (Casa representativa do povo no Congresso Nacional), nem mesmo a Agência Nacional de Águas (ANA) possui infraestrutura para monitorar os recursos hídricos quanto à contaminação por agrotóxicos[12].

O perigo não é, apenas, à saúde, mas também à vida; sendo que de 6.871 casos, notificados e tratados, de intoxicação por agrotóxico em 2010 – 430 notificações, 6%, por uso habitual –, 310 casos levaram ao óbito. Contudo, esses dados são de difíceis majoração, pois enquanto o órgão que quantificou os números acima (Sistema de Informação de Agravos de Notificação – SINAN) registrou 22.804 casos de intoxicação por agrotóxicos de 1999 a 2008, o Ministério da Saúde registrou 137.089 casos.

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Os efeitos mais conhecidos da intoxicação são de dois tipos, agudos e crônicos. Aqueles são mais visíveis, originando-se de grande concentração do produto (nota-se os sintomas após 24h da exposição), sendo, portanto, facilmente relacionados à utilização de agrotóxicos; os sintomas mais comuns envolvem espasmos musculares, alterações respiratórias, náuseas, vômitos, desmaios, convulsões, fraquezas, cólicas abdominais, vertigens, tremores musculares, hipertermia, conjuntivites, dermatites, alergias, entre outros.

Os efeitos crônicos são decorrentes de exposição continuada a doses baixas, esses efeitos podem aparecer após algum tempo (muitos anos, inclusive), sendo, portanto, de difícil relação ao uso de agrotóxico. Não raramente, esses efeitos são confundidos com o de outras moléstias, não sendo, sequer, relacionadas a agrotóxicos. Seus sintomas envolvem efeitos neurotóxicos, alterações cromossômicas, lesões hepáticas, arritmias, lesões renais, neuropatias periféricas, asma, alergias, doença de Parkinson, cânceres, fibrose pulmonar, distúrbios hormonais (hormônios da tireoide e sexuais), dentre outros.

Os supramencionados efeitos são de mais necessitada atenção quando se pensa nos casos em que o contato com o agrotóxico é realizado por crianças. Estas, assim como os fetos, são mais sensíveis a tóxicos.

Como é ressaltado pelo relator Deputado Padre João,

Dentre todas as moléstias causadas ao homem pelos agrotóxicos, a que mais chama atenção é o câncer. Não só pela alta taxa de letalidade dessa doença, mas pela forma agressiva e devastadora com que ela atinge o organismo humano. Atualmente, a incidência dos cânceres tem aumentado em todo o mundo. As principais causas de origem do câncer são relacionadas a fatores ambientais, fatores externos ao organismo.

Diversos estudos científicos produzidos ao redor do mundo indicam uma estreita associação entre a exposição aos agrotóxicos e o surgimento de diferentes tipos de tumores malignos.[13]

Embora existam diversas comprovações da relação desses tóxicos com patologias desenvolvidas pelo homem, a intensa e indiscriminada utilização desses determinados produtos não cessou até agora, nem acabará tão cedo. Tanto menos foi efetivada (ou intensificada) a fiscalização da aplicação dos agrotóxicos para que houvesse maior segurança no consumo de alimentos que, inevitavelmente, tiveram – em sua origem – a utilização de agrotóxicos.


3. Direito Social à Saúde

Todo direito tido como direito social pressupõe ações do Estado, isto é, o Poder Público deixa de ser passivo, ou omisso, como o faz na parte Econômica – para qual há atividade das agências reguladoras e do CADE, protegendo o consumidor. Nisto, pode-se perceber que há dissociação (tanto na essência quanto no texto da Carta Magna de 1988) da Ordem Social e da Ordem Econômica.

Focando o lado social, cumpre-se demonstrar o papel do Estado, lembrado muito bem pelo doutrinador mineiro Kildare Gonçalves, ao dizer que

Os direitos sociais referidos no artigo 6º da Constituição (…) são direitos que visam a uma melhoria das condições de existência, mediante prestações positivas do Estado, que deverá assegurar a criação de serviços de educação, saúde, ensino habitação e outros, para sua realização. A maioria dos direitos sociais vem enunciada em normas programáticas.

São direitos de status positivus, já que permitem ao indivíduo exigir determinada atuação do Estado, com o objetivo de melhorar suas condições de vida, garantindo os pressupostos materiais par o exercício da liberdade. Envolvem a melhoria de vida de vastas categorias da população mediante a instituição e execução de políticas públicas.[14] (grifo nosso)

Como bem salienta o desembargador do Tribunal de Justiça mineiro, há necessidade, para efetivação de tais direitos, de prestação positiva do Estado. O que é expresso no artigo 196 da Constituição da República, o qual diz ser a saúde “direito de todos e dever do estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Com base nisso, não restam dúvidas que a prestação do Estado – vale lembrar, aqui, que os três entes estatais, município, Estado e União, são responsáveis pelo cumprimento deste status positivus – deve-se dar a priori e a posteriori. Isto é, não se garante o direito à saúde simplesmente com implantação de um Sistema Único de Saúde – como diz o dito popular, “melhor prevenir que remediar” –, prestação a posteriori em relação à saúde. O Estado deve garantir que o cidadão não se deva socorrer dele (Estado), mas que tenha sim vida plena e saudável. Na mesma linha de raciocínio, segue Kildare Gonçalves, a saber

O direito à saúde, de que trata o texto constitucional brasileiro, implica não apenas no oferecimento da medicina curativa, mas também na medicina preventiva, dependente, por sua vez, de uma política social e econômica adequadas. Assim, o direito à saúde compreende a saúde física e mental, iniciando pela medicina preventiva, esclarecendo e educando a população, higiene, saneamento básico, condições dignas de moradia e trabalho, lazer, alimentação saudável na quantidade necessária, campanhas de vacinação, dentre outras.

A propósito, observa Wagner Balera: “Na esfera social, uma política que persiga esse objetivo (levar à saúde a todos) implica no cumprimento de amplos programas de combates a epidemias; de cuidados básicos; de proteção e recuperação dos doentes. Concorrente com essa esfera, à órbita econômica cabe investir em programas de alimentação e nutrição, de higiene e saneamento ambiental.”[15] (grifo nosso)

Neste prisma, observa-se, inclusive, que os gastos com o setor de saúde – seja na prestação de serviços médicos na área pública, da restituição de parte dos gastos com os mesmos serviços na área privada, ou na distribuição de remédios – seriam menores se houvesse forte investimento a priori.

Como já foi demonstrado, os alimentos produzidos com a suposta proteção do agrotóxico trazem diversos malefícios à saúde humana. Assim sendo, seria muito mais lógico investir em alternativas, ou conscientizar a população. Como já mencionado no trecho excertado de Kildare, dever-se-ia iniciar o tratamento da saúde pelo preventivo, inclusive, com programas de alimentação saudável e nutrição, assim como saneamento ambiental. Deste modo, é certo que se deve realizar um massivo investimento (não necessariamente massivamente econômico) informando a população dos malefícios provenientes da aplicação de agrotóxicos; bem como, a diminuição desse tipo de cultura (seja com aumento do custo da produção, seja com subsídio a quem não produzisse desta forma).

3.1 Direito Fundamental Social

Vale lembrar que os direitos sociais são, também direitos fundamentais, pois “o conceito material de direitos fundamentais não envolve tão-somente direitos declarados, estabelecidos, atribuídos pelo constituinte; trata-se também de direitos resultantes da concepção de Constituição dominante, da ideia de Direito, do sentimento jurídico coletivo.”[16]

Para além disto, são direitos materialmente fundamentais pela força do §2º do artigo 5º da Lei Maior, o qual diz “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros direitos decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados (…)”. Ressalta-se que, embora de prestação governamental positiva, são direitos de aplicação imediata, como menciona o §1º do mesmo artigo.

Deste modo, pode-se exigir de pronto a prestação governamental jurisdicionalmente. Isto é, uma vez que há resistência à pretensão, deve-se ajuizar a ação. Assim sendo, a efetivação de qualquer direito fundamental – havendo ou não o status positivus do Estado – pode ser requerida, se negada.

Dignidade da Pessoa Humana e o Direito à Saúde

Segundo Kildare, a “dignidade da pessoa humana significa ser ela (…) um ser que deve ser tratado e considerado como um fim em si mesmo, e não para a obtenção de algum resultado.”[17] Isto nos parece óbvio, uma vez que, após a vigência da Constituição Cidadã de 1988, a dignidade da pessoa humana (ou dignidade humana) é o fundamento que dá base a todo o Ordenamento brasileiro, é, pois, a Grundnorm[18] kelseniana do direito brasileiro.

É digno, destarte, que o homem seja um fim em si mesmo e que não seja meio para de enriquecimento – seja pelo trabalho, seja pela degradação em favor do ganho de outrem, como ocorre nas culturas convencionais na sua produção (para os trabalhadores das lavouras) e em seu consumo. Faz-se jus o que é agora sustentado, pois este

(…) princípio abrange não só os direitos individuais, mas também os de natureza econômica, social e cultural, pois no Estado Democrático de Direito a liberdade não é apenas negativa, entenda como ausência de constrangimento, mas liberdade positiva, que consiste na remoção de impedimentos (econômicos, sociais e políticos) que possam embaraçar a plena realização da personalidade humana.

A dignidade, como qualidade, intrínseca da pessoa humana (em todo o homem e em toda mulher se acham presentes todas as faculdades da humanidade), é irrenunciável e inalienável, e constitui elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado. Ela existe não apenas onde é reconhecida pelo Direito e na medida que este a reconhece, por se constituir dado prévio, preexistente e anterior a toda experiência especulativa. A dignidade representa o valor absoluto de cada ser humano (a despeito de se cogitar de uma eventual relativização do direito à dignidade em termos de sua normatização).[19]

É, assim, certa que a necessidade da prestação do Estado é englobada pela dignidade humana, quando tal ação positiva for necessária para manutenção da mesma. Não é diferente o caso do direito à saúde, o qual, como demonstrado, exige prestação positiva do Estado, sendo, também, um direito fundamental.

O raciocínio supramencionado, de ser a dignidade humana a base para o Ordenamento pátrio, é relembrado na doutrina, a saber “No âmbito da Constituição brasileira de 1988, a dignidade da pessoa humana é o fundamento de todo o sistema dos direitos fundamentais no sentido de que estes constituem exigências, concretizações e desdobramentos da dignidade da pessoa e que com base nesta é que devem aqueles ser interpretados.”[20]

Deste modo,não há dúvidas quanto à enorme importância da saúde, sendo direito fundamental, tendo como base e foco de interpretação a dignidade da pessoa humana. Desta feita, é dever a busca de uma solução para o problema da cultura convencional, produzida com agrotóxicos.

Alimentos livres de Agrotóxicos

Há, contudo, alternativa para quem considera perigoso o consumo dos alimentos produzidos sob a falsa proteção dos agrotóxicos. Esta saída rápida é deixar de consumir alimentos de culturas que sofreram a utilização de pesticidas; consumindo alimentos orgânicos (cultivados de forma natural, sem a utilização de agrotóxicos).

Esses alimentos são, atualmente, a melhor alternativa para quem busca saúde em sua alimentação, prevendo não sofrer com os danos à saúde física e mental (danos elencados no tópico 2.2.2). Tanto é assim que a procura por este tipo de alimento aumenta anualmente; como restou demonstrado em reportagem do veículo informativo online G1, datada do dia 22 de maio de 2012, com o título de “Número de produtores orgânicos em Rio Preto, SP, cresce 30% por ano”. E ainda mais produtores aguardam a certificação.

Segundo a reportagem,

O atrativo está nos valores pagos pelo mercado. (…) Livres de agrotóxicos, a saída para o desenvolvimento das plantas é usar recursos bem simples. Toda a propriedade passou por modificações para atender as exigências estabelecidas por normas federais. (…) Cada vez mais agricultores tem abandonado as culturas convencionais e investido na produção orgânica de alimentos.[21]

Da mesma fonte, há reportagem, datada de 31 de maio de 2012, a qual diz que o setor destes produtos (orgânicos) em Minas Gerais cresce, por ano, 20%. Como bem salientado nas duas matérias informativas, o que faz jus a esse crescimento atual é a busca por uma melhor saúde, pois são alimentos livres de agrotóxicos; é uma saída, também, para o desenvolvimento das plantas.

Entretanto não é fácil sair de uma cultura convencional (a qual se utiliza de adubos químicos, pesticidas – “defensivos agrícolas”, erroneamente chamados, como já mencionado). Há que se requerer selo para que se possa realizar tal cultura e, como observado, deve haver modificação na propriedade inteira para se adaptar à nova produção. Somando a isso o custo da manutenção da cultura sem pesticidas ou adubos químicos, mais as perdas por pragas, há alto custo para que se realize a produção orgânica de alimento.

O maior problema desse alto custo é o final de todo esse processo, isto é, o consumo. Quem mais sofre com um preço elevado destes produtos é justamente quem procura não sofrer com os possíveis danos causados pelos alimentos da cultura convencional. Entretanto, nem todos podem pagar caro pela saúde; posto isto, é extremamente necessária a intervenção estatal (além do Sistema Único de Saúde e afins), principalmente a priori.

Preço inacessível do Alimento Orgânico

Como lembra, ainda, o supramencionado professor mineiro, “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e, como objetivos, o bem-estar e a justiça sociais, diz o artigo 193.”[22] (grifo nosso). Ora, se o que se busca nos direitos sociais é a justiça social e, ainda, o bem-estar social, entende-se que estes direitos devem ser estendidos a todos. Vale lembrar, aqui, o caput do artigo 5º da Lei Fundamental brasileira, o qual diz que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza. Então os direitos fundamentais, essenciais ao cumprimento da dignidade humana, são efetivos quando alcançarem a todos.

Não é certo que apenas pequena parcela da população tenha plena saúde, podendo arcar com um alimento que não lhe cause prejuízo, e grande parte da população tenha que se alimentar (quando conseguir) de um produto que, julgando ser saudável – uma vez que é esse o entendimento majoritário do povo brasileiro sobre verduras, legumes e frutos –, causar-lhe-á mal. Ainda é mais refutável a ideia de que a minoria numérica (maioria em capacidade pecuniária) é, também, a parcela que terá plena saúde a posteriori. Ou seja, quem puder pagar terá uma melhor proteção, deixando de consumir os produtos da agricultura convencional, e melhor tratamento, pois pode pagar os melhores hospitais e melhores planos de saúde. Do outro lado, quem não puder pagar por uma boa alimentação sofrerá duplamente por falta de proteção e falta de cuidados médicos adequados (em tempo certo, especificação médica, vontade de atuar do profissional da medicina, entre outras qualidades).

Como bem lembra o Deputado Padre João em seu relatório para a subcomissão especial sobre o uso de agrotóxicos,

Se por um lado o setor agrícola responde de forma forte e positiva com o aumento da produtividade, por outro lado, conforme dados coletados pelo IBGE na PNAD 2004/2009 e apesar da citada pujança do setor primário brasileiro, cerca de 11,2 milhões de pessoas vivem insegurança alimentar e reportam alguma experiência de fome no período investigado.

Outros 14, 3 milhões de brasileiros estão sofrendo insegurança alimentar moderada, quando há limitação ao acesso quantitativo aos alimentos. Assim, 25,5 milhões de pessoas no nosso país vivem sob o risco alimentar de moderado a grave. É um número bem elevado, ainda mais se considerarmos a produção nacional. Já a insegurança alimentar leve atinge 40,1 milhões de pessoas. Ou seja, no total, 60,6 (sic) milhões de pessoas vivem sob o risco alimentar de algum nível.[23]

Destarte, observa-se que não só há má alimentação, como há, também, falta dela. Não se espera que quem não tem o que comer, quando puder se alimentar, vá escolher entre um alimento, de fato, saudável e um alimento que possa trazer algum risco. Escolher-se-á entre um preço ou outro. O que puder alimentar mais será escolhido.

Neste prisma, é certo que a escolha será pelo alimento da cultura convencional, mesmo com os riscos (não tão divulgados) da produção com agrotóxicos, pois esse é acessível a parte menos abastada da população. Enquanto os alimentos orgânicos têm preço mais elevado não somente pela dificuldade de sua produção (como poder-se-ia imaginar), mas, também, pela procura. Não se trata, aqui, de oferta e demanda – lei básica do sistema mercadológico; a procura em relação aos alimentos orgânicos não chega a ser tão grande (embora, como demonstrado, haja aumento de diversas produções) ao ponto de aumentar seu valor exacerbadamente em comparação com os alimentos da cultura convencional.

O que se procura – e a maior das razões de preço elevado – nos produtos orgânicos é, justamente, sua qualidade. A maior das causas pelo aumento de produção e elevação nos preços dos alimentos orgânicos é o benefício trazido por uma alimentação livre de resíduos tóxicos.

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Sobre o autor
Pedro de Sylos Bonecker

Estudante universitário, graduando do décimo semestre em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BONECKER, Pedro Sylos. Alimentos orgânicos e agrotóxicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4223, 23 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31221. Acesso em: 19 abr. 2024.

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