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Igualdade e discriminação à luz das políticas de ações afirmativas

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07/03/2015 às 10:13
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Quais as relações entre igualdade, discriminação e ações afirmativas? Cotas e ações afirmativas significam a mesma coisa? Este trabalho pretende demonstrar que a igualdade formal, por si só, não contribui efetivamente para diminuir a discriminação social

Resumo: Quais as relações entre igualdade, discriminação e ações afirmativas? Cotas e ações afirmativas significam a mesma coisa? Qual o seu fundamento legal? Este trabalho pretende demonstrar que a igualdade formal, representada pelo princípio da igualdade perante a lei, por si só, não contribui efetivamente para diminuir o preconceito, a discriminação social e racial ou qualquer outra forma de discriminação. Faz-se necessário promover, portanto, a discriminação positiva através de políticas de ações afirmativas. Para tanto, em um primeiro momento, apresentaremos os conceitos básicos de etnia, diversidade, preconceito, racismo, estereótipos, reparação e discriminação social e racial. Já  segundo momento, trataremos de uma questão básica para promover a igualdade, que é o debate e a discussão sobre desigualdade e discriminação. Em um terceiro momento, analisaremos o que significam e a finalidade das ações afirmativas e cotas. Tratando da origem e experiências dos Estados Unidos da América e do Brasil no que tange as políticas de ação afirmativa e as cotas. No caso brasileiro será destacando a importância da Lei Federal nº 12.711/2012, que contempla cotas raciais e sociais para afrodescendentes, indígenas e estudantes que tenham cursado integralmente o Ensino Médio nas escolas públicas.

Palavras chaves: Igualdade, discriminação, preconceito, ação afirmativa e cotas.

Sumário: 1. Considerações iniciais; 2. Conceitos básicos utilizados no contexto da igualdade e discriminação; 3. Igualdade, desigualdade e discriminação; 4. Ação afirmativa e cotas como medidas compensatórias; 5. Considerações finais; Referências bibliográficas.


1. Considerações iniciais

A Constituição Federal declara que “todos são iguais perante a lei” [...] (art. 5º “caput”), mas a desigualdade e discriminação são históricas e permanentes, fazendo parte da atual realidade brasileira. Então, como promover a igualdade neste contexto para atender o princípio da isonomia previsto na Constituição Federal? Por um lado, este trabalho pretende analisar e/ou demonstrar que a igualdade formal não é suficiente, por si só, para efetivamente diminuir o racismo, o preconceito e qualquer outra forma de discriminação. Por outro lado, apresenta as ações afirmativas como um porto seguro para implementação de medidas compensatórias, que incluem o sistema de cotas, propondo uma discriminação positiva de inclusão social, que atenda o princípio da isonomia como base de sustentação do Estado Democrático de Direito.

Para tanto, no primeiro momento vamos apresentar conceitos básicos utilizados no contexto da igualdade e discriminação, como das expressões etnia, diversidade, preconceito, racismo, estereótipos, reparação, discriminação, discriminação racial. No segundo momento, vamos analisar e discutir a igualdade, a desigualdade e a discriminação (racial e positiva) do ponto de vista teórico, legal e no Direito Internacional dos Direitos Humanos. No terceiro momento, responderemos algumas indagações como: o que é ação afirmativa? Cotas e ação afirmativas significam a mesma coisa? Qual o fundamento legal? Qual a relação da discriminação positiva com as ações afirmativas? Em relação às ações afirmativas e cotas vamos tratar das experiências dos Estados Unidos da América e do Brasil. No caso brasileiro, vamos destacar a importância dos programas de ações afirmativas e cotas no campo da educação, em especial no curso superior.

Enfim, estamos em um bom momento para refletir, discutir e contribuir para as políticas de ações afirmativas e de cotas raciais e sociais, quer sejam na educação ou no mercado de trabalho. Observamos que nos meados da década de 1990, mais precisamente a partir do século XXI, os governos passaram a desenvolver programas de ações e políticas públicas afirmativas principalmente na área da educação, fato que vem provocando a participação e a discussão dos diferentes segmentos da sociedade brasileira, por ser tema de política de Estado e de interesse geral. Aliás, em uma sociedade do conhecimento e globalizada, a educação é prioridade.


2. Conceitos básicos utilizados no contexto da igualdade e discriminação

Antes de adentrarmos ao tema proposto, é importante apresentar os conceitos e entendimentos das expressões etnia, diversidade, preconceito, racismo, estereótipos, reparação e discriminação social e racial.

a) Etnia – Etnia refere-se a um conjunto de dados culturais — língua, religião, costumes alimentares, comportamentos sociais — mantidos por grupos humanos (grupo étnico) não muito distantes em sua aparência, os quais preservam e reproduzem seus aspectos culturais no interior do próprio grupo, sem que estejam necessariamente vinculados por nacionalidade comum, ainda que compartilhem um território comum e se organizem, em determinados casos, como população geral deste território (SILVA, 2002, p.18). Para alguns autores, a noção de etnia supõe uma base biológica, um grupo com características raciais próprias. Isto significa que uma etnia pode ser definida tanto como cultura, como por uma raça, ou por ambas. Apesar da constante associação entre etnia e raça, estes dois conceitos não podem ser tomados como sinônimos. Em suma, raça é um conceito cuja fundamentação científica é exclusivamente biológica, enquanto que etnia tem base social e cultural e, tal como grupo étnico (Dicionário de Ciências Sociais – Fundação Getúlio Vargas MEC, 1987, p.435).

b) Diversidade – A expressão diversidade pertence ao vocabulário da doutrina do multiculturalismo, não raro associada à ideia do relativismo cultural, ou seja, à ideia de que todas as culturas e formas de vida têm um valor equivalente. Os Estados Unidos é o país onde o argumento da diversidade foi articulado pela primeira vez devido à política de ação afirmativa. Nas últimas décadas, o termo diversidade adquiriu grande popularidade no cenário político e institucional norte-americano, tornando-se central em discursos multiculturalistas e na justificação das políticas de identidade. No caso brasileiro, a diversidade cultural engloba o conjunto de culturas que existem com identidades próprias, reforçando as diferenças culturais que existem entre os seres humanos, justificando assim tratamentos ou medidas diferenciadas. O reconhecimento da existência da diversidade exige tratar desigualmente as pessoas que estão em situações de desigualdade em razão de discriminação racial e social. O argumento da diversidade não é muito comum no debate jurídico sobre ação afirmativa, mas presente nos debates públicos, principalmente nos discursos de pessoas ligadas aos movimentos sociais e movimento negro (Igualdade, diferença e direitos humanos, 2008, p. 356).

c) Preconceito – É um julgamento prévio ou pré-julgamento de uma pessoa com base em estereótipos, ou seja, simples carimbo. Este conceito prévio nada mais é do que preconceito. Trata-se de atitudes negativas, desfavoráveis, para com um grupo ou seus componentes individuais. É caracterizado por crenças estereotipadas. A atitude resulta de processos internos do portador e não do teste dos atributos reais do grupo. Nas ciências sociais, o termo preconceito é usado quase exclusivamente em relação aos grupos étnicos. Preconceito é a atitude desfavorável para com um grupo étnico ou membros individuais do grupo. Mas os psicólogos, em geral, se referem a uma atitude como preconceito, quando ela não está de acordo com testes adequados da realidade dos atributos do grupo contra o qual é dirigida, nem se baseia neles (Dicionário de Ciências Sociais – Fundação Getúlio Vargas – MEC, 1987, p 962). O preconceito localiza-se na esfera da consciência dos indivíduos e, por si só, não fere direitos. Mas o preconceito inconsciente também é problemático na medida em que ele não pode ser objeto de autocorreção pelas vias jurídicas. Embora violando as normas do bom-senso e da afetividade, o preconceito não implica, necessariamente, em violação de direitos. Isto porque ninguém é obrigado a gostar, por exemplo, do portador de deficiência, do homossexual, do idoso, do índio ou do afrodescendente. Aliás, a legislação pouca alusão faz ao preconceito. Embora o Preâmbulo da Constituição Federal manifeste o seu repúdio ao preconceito, bem como o art. 3º, IV dispõe: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: [...] promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

d) Racismo – É uma doutrina ou ideologia que defende a existência de hierarquia entre grupos humanos, ou seja, algumas raças são superiores a outras, assim os superiores teriam o direito de explorar e dominar os inferiores. As teorias racistas surgem na Europa, em meados do século XIX, preconizando superioridade do povo europeu em contrapartida à inferioridade dos povos não europeus. E, atualmente, em várias partes do mundo, as teorias racistas servem para justificar a dominação e a exploração de determinados grupos humanos sobre outros. O racismo inclui no seu conceito de raça, indiscriminadamente, agrupamentos não biológicos tais como seitas religiosas, nações, grupos linguísticos e grupos culturais (Dicionário de Ciências Sociais – Fundação Getúlio Vargas – MEC, 1987, p 962). Trata-se de um equívoco, pois além das dificuldades de definir uma raça pura, não existem raças superiores, e sim culturas e valores diferentes. No entanto, mesmo admitindo que a raça não exista do ponto de vista biológico, ela existe do ponto de vista sociológico, e continua a atuar no plano social e político.[1] No Brasil, 98% dos brasileiros reconhecem que existe racismo, mas 95% declaram que não são racistas. Percebe-se que, apesar da existência do racismo, ele muitas vezes é oculto e/ou invisível, manifestando-se em determinadas situações e momentos. Na realidade, ninguém nasce racista e/ou com preconceito, estas atitudes são adquiridas na convivência social, inicialmente na família e também na sociedade, inclusive devido aos padrões e/ou estereótipos criados no contexto social e institucional.

e) Estereótipos – O termo deve ser claramente distinguido do preconceito, pois pertence à categoria das convicções, ou seja, de um fato estabelecido. Trata-se de uma convicção que não está alicerçada por hipótese apoiada na evidência, mas é antes confundida, no todo ou em parte, com um fato estabelecido. Uma vez “carimbados” os membros de determinado grupo como possuidores deste ou daquele “atributo”, as pessoas deixam de avaliar os membros desses grupos pelas suas reais qualidades e passam a julgá-los pelo carimbo. Exemplo: todo judeu é sovina; todo português é burro; todo negro é ladrão; toda mulher não sabe dirigir (Dicionário de Ciências Sociais – Fundação Getúlio Vargas – MEC, 1987, p 419).

f) Reparação – É um argumento de grande apelo moral e social, para justificar medidas compensatórias tanto para descendentes de africanos, os quais foram trazidos para este país à força e escravizados, como para os indígenas e seus descendentes, que foram, em grande parte, dizimados ou, às vezes, escravizados. Existe, hoje, um grau razoável de consenso acerca da existência de desigualdade e discriminação racial em nosso país, da perpetuação dessa realidade desde os tempos da colônia e da necessidade de se fazer algo para remediar esse problema. Não é por acaso que indígenas e afrodescendentes são os únicos grupos humanos nomeados explicitamente na Carta de 1988, o qual recomenda a proteção de suas manifestações culturais por parte do Estado. O argumento da reparação é muito comum no debate público sobre as cotas e também se faz presente no discurso jurídico (Igualdade, diferença e direitos humanos, 2008, p.357). No entanto, a medida compensatória de reparação justifica-se pelo fato de o Estado, após a abolição da escravatura, ter negado aos descendentes africanos a educação, a qualificação para o trabalho e a reforma agrária.

g) Discriminação – Diferentemente do preconceito, a discriminação depende de uma conduta ou ato (ação ou omissão), que resulta em violar direitos com base na raça, sexo, idade, estado civil, deficiência física ou mental, opção religiosa e outros. A Carta Constitucional de 1988 alargou as medidas proibitivas de práticas discriminatórias no país. Algumas delas como, por exemplo, discriminação contra a mulher (discriminação de gênero), discriminação contra a criança e o adolescente, discriminação contra o portador de necessidades especiais,  discriminação em razão da idade, discriminação em razão de credo religioso, discriminação em virtude de convicções filosóficas e políticas, discriminação em função do tipo de trabalho. Além disso, é oportuno combater a discriminação contra o índio, o homossexual, o cigano, a cultura afro-brasileira[2] e as religiões de matriz africana (JOAQUIM, 2009, p.255).

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h) Discriminação racial – A discriminação racial está em foro constitucional, que considera prática do racismo como crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão (art. 5º, incisos XLI e XLII). Para o direito penal brasileiro, a prática da discriminação e preconceito por raça, etnia, cor, religião ou procedência nacional consiste em delito previsto na lei 7.716/89, alterada pela lei 9.459/97. Aqui, segundo art. 140, parágrafo terceiro do Código Penal: Se a injúria utilizar elementos relacionados à raça, cor, etnia, religião ou origem, a pena é de reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos e multa. De acordo com a intenção da lei nova, chamar alguém de judeu, pretão, negão, crioulo, miserável, preto, fanático religioso, pobretão etc., desde que com intenção ou vontade de lhe ofender a honra e a dignidade relacionada com a cor, religião, raça ou etnia, [1] sujeita o autor a uma pena prevista na lei penal. Da mesma forma, a prática da discriminação constitui-se, em matéria civil (art. 186 do Código Civil), em um ato ilícito praticado em desacordo com a ordem jurídica, violando direito subjetivo individual. Causar dano à vítima comete ato ilícito, criando o dever de repará-lo (MARTINS, 1999, p.27). A discriminação racial ocorre com a manifestação exteriorizada do preconceito do racismo.


3. Igualdade, desigualdade e discriminação

            Igualdade, desigualdade e discriminação são inseparáveis na realidade social. Contudo, em relação à igualdade existe dificuldade inicial de estabelecer o seu significado, sobretudo pela sua indeterminação. Aliás, dizer que todos são iguais não significa ausência das diferenças e discriminação na sociedade, até porque uns são mais iguais do que outros. Falando em igualdade, temos que reconhecer que existem as desigualdades nas relações humanas. O campeão do igualitarismo, J.J. Rousseau, não exige que, como condição para instauração do reino da igualdade, todos os homens sejam iguais em tudo (BOBBIO, 1996, p. 25). No discurso sobre a origem e sobre os fundamentos das desigualdades entre os homens Rousseau diz o seguinte:

Concebo, na espécie humana, duas espécies de desigualdade: uma a que chamo natural ou física, por ser estabelecida pela natureza, e que consiste na diferença das idades, da saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito ou da alma; a outra, a que se pode chamar desigualdade moral ou política, por depender de uma espécie de convenção e ser estabelecida, ou pelo menos autorizada pelo consentimento dos homens. Esta consiste nos diferentes privilégios que alguns usufruem em prejuízo dos outros, como serem mais ricos, mais reverenciados e mais poderosos do que eles, ou mesmo em se fazerem obedecer por eles. (ROUSSEAU, 1993, p. 144)

No caso brasileiro, a Constituição Federal de 1988, caput de seu artigo 5º, declara expressamente que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...]”, mas a desigualdade e a discriminação social são históricas e permanentes, bem como fazem parte da atual realidade brasileira de uma forma acentuada, que exigem medidas compensatórias e justiça social. A propósito, quando afirmamos que todos são iguais perante a lei, é preciso responder a duas perguntas: a) Igualdade entre quem?; e b) Igualdade em quê? Todos são iguais, porém alguns são mais iguais do que outros (BOBBIO, 1996, p.12). Além disso, para erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, como objetivos fundamentados da República Federativa (Art. 3º, III, CF/88) não podemos aplicar o princípio da igualdade formal, e sim tratar os desiguais de forma desigual através de políticas públicas e ações afirmativas.

A concepção de igualdade puramente formal, ou seja, com base apenas na lei, representada pelo princípio da igualdade perante a lei, não contribui para erradicação da pobreza, tampouco reduz as desigualdades sociais e regionais. O princípio da igualdade torna-se efetivo não somente pelo oferecimento de iguais condições a todos, mas, também, pela estipulação de discriminação positiva, quando verificado um desequilíbrio entre determinados grupos sociais que torna difícil a plena isonomia constitucional. Nesse sentido, a reserva de vagas para os negros, indígenas e estudantes de baixa renda como verdadeira discriminação positiva, não ofende o princípio da isonomia previsto no caput do art. 5º da Constituição Federal (Igualdade, discriminação e direitos humanos, 2008, p. 354).

Vale lembrar que o Estado e a sociedade brasileira demoraram muito a perceber que o princípio da igualdade de todos perante a lei não é suficiente para defender uma ordem social justa e democrática, pois as desigualdades foram acumuladas no processo histórico. Além da base geral em que assenta o princípio da igualdade perante a lei, ou seja, a igualdade formal se faz necessário tratamento desigual a situações desiguais, isto é, a igualdade real ou material. Contudo, com advento da Constituição Federal de 1988 e de algumas leis ordinárias, surgem inovações no que diz respeito à igualdade e à discriminação.

 A Constituição Federal estabelece a “proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência” (Art. 7º, XXXI).  Ainda em relação às pessoas portadoras de deficiência, no caso dos cargos e empregos públicos, a constituição determinou que a lei reservasse percentual, ou seja, cotas para deficiente físico no mercado de trabalho e na universidade. Outro exemplo está no art. 37, VII, da Constituição Federal, e nas Leis n.º 7.835/89 e 8.112/90, que regulamentaram o dispositivo constitucional referido, no qual há reservas de vagas em concurso público para os portadores de deficiência física. Aqui, temos também cotas para deficientes físicos no mercado de trabalho e na universidade. Aliás, a Lei 8.213/91 chamada “Lei de Cotas” para deficientes, em seu art. 93 no setor privado, determina uma cota mínima para pessoas com alguma deficiência em empresas com mais de 100 empregados. A propósito, os portadores de deficiência foram os primeiros a serem beneficiados pelas ações afirmativas e de cotas em foro constitucional e leis ordinárias no mercado de trabalho, educação e outras situações.

 Em sentido semelhante, a Lei 9.504/1997 assegura cotas para mulheres nas candidaturas partidárias, ao determinar que “cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidatura de cada sexo” (art. 10,§ 3º).

Outra inovação da Constituição de 1988 ocorreu com a superação do tratamento desigual fundado no sexo, ao equiparar os direitos e obrigações de homens e mulheres (art. 5º, I). A questão mais complexa consiste na discriminação sofrida pelos homossexuais. “Aqui, embora a Constituição não mencione a expressão textualmente, entende-se que é proibida a discriminação de qualquer natureza, inclusive em razão de orientação sexual”. Quanto à criança e ao adolescente, é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar com absoluta prioridade todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, previstos no art. 227 da Constituição Federal:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Da mesma forma, o idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, conforme dispõe o art. 9º do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741, de 01/10/2003): “É obrigação do Estado, garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade”.

Cabe também ressaltar, como mais uma forma de ação afirmativa, o que contém a Lei do Estatuto do Idoso, na qual se deu prioridade de tramitação aos procedimentos judiciais no qual figure como parte, pessoas com idade igual ou superior a sessenta e cinco anos.

Mas é no Direito Internacional dos Direitos Humanos que se encontram as melhores definições para o fenômeno da discriminação, como diz Joaquim Barbosa (2001, p.19). Para Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação racial de 1966:

Discriminação racial significa qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseadas em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica, que tenha por objeto ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, o gozo ou o exercício, em condições de igualdade, dos direitos humanos e liberdades fundamentais no domínio político, econômico, social e cultural ou em qualquer outro domínio da vida pública.

            A Convenção destaca a necessidade de que não haja discriminação de qualquer espécie e enfatiza a questão de raça, cor ou origem nacional. Um ponto interessante na referida Convenção é de que os Estados, além de condenarem a discriminação racial, se comprometem a adotar uma política de eliminação da referida discriminação em todas as suas formas, criando, inclusive, a chamada discriminação positiva, isto é, as chamadas ações afirmativas (GUERRA, 2014, p. 137). Nesse sentido, o Brasil vem desenvolvendo uma série de ações afirmativas para aumentar as possibilidades de alguns grupos que tradicionalmente ficaram afastados das oportunidades patrocinadas a outros segmentos sociais, como verá no momento próprio neste artigo. No entanto, o Brasil demorou a entender a importância do Direito Internacional para o combate ao racismo e a implementação das ações afirmativas e das cotas. Principalmente os movimentos sociais, em especial o movimento negro, ignoravam as convenções e os pactos internacionais no contexto dos Direitos Humanos.

            O repúdio ao racismo nas relações internacionais foi, também, expressamente estabelecido no art. 4º inciso VIII da Constituição Federal: “A república Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios [...] repúdio ao terrorismo e ao racismo”. Nele se encontra inclusive, o reconhecimento de que o preconceito de origem, raça e cor, especialmente contra os negros, não estão ausentes das relações sociais brasileiras. Disfarçadamente ou, não raro, ostensivamente, pessoas negras sofrem discriminação até mesmo nas relações com entidades públicas (SILVA, 2003, p. 223).

            Segundo o jurista constitucionalista José Afonso da Silva:

A discriminação é proibida expressamente, como consta no art. 3º, IV da Constituição Federal, no qual se dispõe que, entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, está: promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Proibiu-se, também, a diferença de salário, de exercício de fundações e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor, estado civil ou portador de deficiência (art. 7º, XXX e XXXI). (Curso de Direito Constitucional Positivo, 2003, p. 222)

No que diz respeito à discriminação na educação, a “Convenção sobre a luta contra a discriminação no domínio do ensino”, adotada pela Conferência Geral da Unesco em 1960, foi o principal instrumento jurídico internacional específico sobre direito à educação. A propósito, o termo discriminação abarca qualquer distinção, exclusão, limitação ou preferência que, por motivo de raça, cor, sexo, língua, opinião pública ou qualquer outra opinião, origem nacional ou social, condição econômica ou nascimento, tenha por objeto ou efeito destruir ou alterar a igualdade de tratamento em matéria de ensino (Convenção relativa à Luta Contra a Discriminação no Campo do Ensino – adotada pela Conferência Geral da Unesco em Paris, 1960 – promulgada pelo Decreto nº 63.223, de 6 de setembro de 1968).

Nesse sentido, vale destacar que uma das mais graves discriminações ocorre quando o direito de ser educado de uma pessoa e/ou de uma geração ou de um segmento social é negado e atingido. O direito à educação é um direito natural, humano, social e fundamental para o ser humano. Aliás, do ponto de vista histórico, o direito à educação foi negado aos descendentes de escravos após a abolição da escravatura no Brasil. Não foi proporcionado a este segmento social educação para a sua inserção no mercado de trabalho.

Enfim, ao tratar da discriminação, quer seja racial ou social, com a pretensão de estabelecer a igualdade como solução, verifica-se que a melhor opção é reconhecer a importância da discriminação positiva como medida compensatória para promoção da igualdade na sociedade.[3] Além disso, não basta combater a discriminação apenas no campo normativo, com regras meramente proibitivas de discriminação, é preciso também promover a igualdade material. Para tanto, surgiram às ações afirmativas e as cotas que têm como objetivo, sobretudo, de eliminar ou atenuar a discriminação do passado e do pressente, como veremos a seguir. 

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Sobre o autor
Nelson Joaquim

advogado, mestre em Direito pela UGF, especialista em Direito Civil, Romano e Comparado, professor da Universidade Estácio de Sá

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JOAQUIM, Nelson. Igualdade e discriminação à luz das políticas de ações afirmativas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4266, 7 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31323. Acesso em: 18 abr. 2024.

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Artigo elaborado para o I Seminário de Arte, educação e relações étnico-raciais.

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