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A substituição da sujeição passiva tributária e suas consequências jurídico-sociais

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01/04/2015 às 09:15
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Reflexões sobre o deslocamento da sujeição passiva tributária, a problemática da responsabilidade tributária, sob os princípios da norma matriz de incidência.

1 - Aplicação da Teoria Geral das Obrigações

1.1 Definição de Obrigação Tributária

Pela Teoria Geral das Obrigações da lavra do insigne civilista Caio Mário da Silva[1], obrigação é vinculo jurídico em virtude do qual uma pessoa pode exigir de outra prestação economicamente apreciável.

É neste contexto que se insere a obrigação tributária, sendo relação jurídica que muito se aproxima da relação obrigacional do direito privado. A exegese do conceito de direito tributário, segundo Hugo de Brito Machado[2], revela a similitude guardada entre as espécies de obrigações: “Direito Tributário se ocupa das relações entre o fisco e as pessoas sujeitas às imposições tributárias”.

Para o eminente tributarista citado, obrigação tributária é “vínculo jurídico mantido com um particular (denominado Sujeito Passivo), logo, não constitui mero poder, mas direito de o Estado constituir crédito seu através do lançamento tributário por meio de atividade administrativa plenamente vinculada sempre consubstanciada em lei prévia.  O contribuinte tem o dever de prestar pecúnia, a título de pagamento de tributo, perante o sujeito ativo da Obrigação Tributária ou de fazer, não fazer ou tolerar algo no interesse da arrecadação ou fiscalização de tributos. Não o fazendo, cabe ao Estado Tributante o dever de lançar o valor do tributo, constituindo, ulteriormente, um crédito tributário. Esta dinâmica se revela como poder-dever do Fisco de constituir um crédito tributário exigível através do procedimento de lançamento do crédito tributário.

Segundo entendimento de Paulo de Barros Carvalho[3] a obrigação tributária é “vínculo abstrato que une os sujeitos no binômio fisco-contribuinte e tem uma prestação pecuniária como objeto”.

A obrigação tributária sempre decorre da lei, mormente no que tange acerca da obrigação principal, devido ao Princípio da Estrita Legalidade Tributária que lhe é inerente, motivo pelo qual induz-se tratar-se de Obrigação Legal. No direito privado, a fonte primordial das obrigações são os contratos, logo, a manifestação de vontade revela salutar papel neste tipo de obrigação, o que não ocorre na Obrigação Tributária.

Há ainda resistência no que se versa sobre a aceitação da obrigação tributária como obrigação da Teoria Geral. Todavia, por certo não me parece que a observação tenha qualquer procedência, devendo figurar nesta obra apenas para fins de compulsação, haja vista que o legislador se valeu da expressão “obrigação” no bojo do Código Tributário Nacional, Título II do Livro Segundo, revelando seu verdadeiro escopo. Ademais, se valendo da ausência da vontade, a minoria doutrinária referida, liderada por Paulo de Barros Carvalho, acaba por excluir da Teoria Geral das Obrigações todo o leque de obrigações legais. De forma análoga, laboram também na exclusão das obrigações de fazer, não fazer ou tolerar algo no interesse da administração, por carecerem de conteúdo patrimonial, alegando que seriam meros deveres administrativos. Entretanto, a Teoria Geral elenca, entre suas espécies, as obrigações de fazer, não fazer e suportar, o que condena a exegese criada.

A obrigação tem conteúdo não determinado e sujeito passivo ainda não identificado. Por isso a obrigação tributária é ilíquida e inexigível. Machado[4] entende que a obrigação tributária é o direito de lançar o tributo, lhe atribuindo similitude com a obrigação ilíquida do direito privado. Destarte, funcionaria o lançamento como procedimento de liquidação da obrigação referida.

Segundo exegese do art. 113 do CTN, a obrigação tributária pode ser principal ou acessória. A obrigação é Principal (art. 113, §1º) quando tem como núcleo mandamental a ordem de dar de natureza patrimonial, que consiste no pagamento de tributo ou penalidade pecuniária, e surge por ocorrência do fato gerador, previamente disposto na lei como um dos aspecto da hipótese de incidência, esta adiante especificamente abordada. No direito tributário, a obrigação não é simultânea e íntima ao crédito, como ocorre no direito privado. O crédito somente surge a posteriori, com o lançamento do crédito tributário conforme descrito supra.

A Obrigação Acessória (art. 113, §2º) é obrigação de fazer, não fazer ou tolerar tudo o que a legislação tributária (lei em sentido amplo) estabeleça no interesse da arrecadação ou fiscalização dos tributos. É o caso de o contribuinte se ver jungido a manter escrituração fiscal regular (obrigação de fazer), não receber mercadorias sem documentos exigíveis (obrigação de não fazer) ou admitir a fiscalização pelo fiscal fazendário dos seus livros de escrituração (obrigação de tolerar). Não há, no seu bojo mandamental, patrimonialidade e transitoriedade como há na obrigação principal, talvez por este motivo, Paulo de Barros Carvalho[5] não aceita que sejam obrigações em sentido geral, mas meros deveres formais ou instrumentais, conforme já fora expendido acima.

A expressão “legislação tributária”, constante no §2º do art. 113, deve ser entendida com temperamentos, não sendo concebível acolher, neste ponto, o ensinamento do conspícuo Sacha Calmon Navarro Coelho[6], que, fundamentando sua colocação no Princípio da Legalidade (CF, art. 5º, I), expõe que deve a interpretação ser restritiva, ou seja, somente lei em sentido estrito seria capaz de impor obrigações acessórias ao contribuinte. É razoável imaginar que tal exegese teve advento quando da análise da dinamização da norma que traz a obrigação. É que o primeiro momento da dinâmica da obrigação acessória, qual seja, a criação da prestação, pode se dar por lei em sentido amplo, porém, a cominação de penalidade somente se dá com lei em sentido formal e material. Contudo, frise-se, tal entendimento se mostra isolado.

Como não tem o Fisco meio direto de coagir o cumprimento das obrigações acessórias, tem o direito potestativo de criar contra o sujeito passivo inadimplente um crédito tributário de natureza sancionatória (penalidade pecuniária), que já passa a ser obrigação principal diversa e independente (art. 113, §3º) desde o seu exórdio. O CTN fala de conversão da obrigação acessória em principal, porém, Ives Gandra da Silva Martins[7], na ocasião acorrido por Machado[8], critica tal terminologia, pois não há conversão, apenas há advento de nova obrigação principal, cujo conteúdo é justamente a multa referente ao inadimplemento da obrigação acessória que, inclusive, continua existindo. Esta nova obrigação deve, dessarte, ser reconhecida como obrigação decorrente de ato ilícito.

Ademais, não se deve confundir a multa com natureza moratória ou substancial (decorrente do não pagamento do tributo) com a multa punitiva, sancionatória ou formal (decorrente do inadimplemento de obrigação acessória). A jurisprudência já se manifestou no sentido de excluir a multa de mora devido a contabilização dos juros moratórios, entendendo que a acumulação implicaria em bis in idem, impondo duplo encargo ao contribuinte retardatário.

Já me parece pacificado, inclusive com a ratificação do STF, o entendimento de que a multa pecuniária, quer punitiva ou sancionatória, não pode ter caráter confiscatório, opinião não compartilhada por Machado[9], que não vê limites à aplicação de ônus ao inadimplente de obrigação acessória, pois este agiu de forma reprovável, motivo pelo qual deveria não se ver albergado pelo Princípio da Vedação à Tributação Consfiscatória, que deveria somente sobrevalorizar a boa-fé dos contribuintes. Neste ponto, devo compartilhar o posicionamento do insigne doutrinador, todavia, fa-lo-ei com ressalvas. É que toda norma deve ser interpretada de forma teleológica, visualizando, no espírito do legislador, o verdadeiro sentido que lhe é imanente. O princípio invocado pelo doutrinador, expresso no Constituição Federal (art. 150, §IV), tem aplicabilidade ampla e deve ser salvaguardado, porém, não implica em incondicionalmente broquelar o agente que procedeu com conduta ilícita e que se evadiu de dar cumprimento à obrigação acessória. Assim, a vedação deve ser a regra, porém, com intuito de desmotivar condutas ilícitas, deve o aplicador do direito manter postura rigorosa no combate à evasão fiscal, chegando ao ponto de desconsiderar a estrita interpretação principiológica.

A obrigação acessória existe para viabilizar o cumprimento das obrigações principais, inobstante não haver liame jurídico absoluto entre elas. Tanto é que o titular de benefícios fiscais (ex., isenção, anistia, imunidade etc) não pode se eximir do cumprimento da obrigação acessória. Assim, se não for tomada a postura acima proposta, o objetivo final da norma, sendo justamente a coerção viabilizadora do cumprimento das obrigações principais, não se tornará exaurido e efetivado.

1.2 Aspectos da Hipótese de Incidência

A hipótese de incidência é a descrição legislativa abstrata que, implementada, implica na incidência da norma tributária. A incidência se dá com a ocorrência do fato gerador.

Como se trata de mera hipótese abstrata já ultrapassada pelo crivo do processo legislativo rígido que vigora em nosso ordenamento constitucional, não há possibilidade da hipótese de incidência restar eivada de ilicitude[10] argüível em ação judicial comum, o que ocorre de forma diversa em relação ao fato gerador. Ocorrida a situação prevista na hipótese de incidência, inobstante ser ato nulo, anulável ou ilícito, desde que o ato seja efetivo e subsistente e não careça de requisito de existência, há o advento da obrigação tributária. É o caso, por exemplo, da mercadoria com origem ilícita (descaminho, por exemplo, que, se não for decretado o perdimento da mercadoria, será devido o imposto de circulação e demais tributos legais previstos, ou ISS sobre o Jogo do Bicho). Daí depreende-se a interpretação predominantemente econômica sobrevalorizada na seara tributária.

Abordemos a problemática a partir do modelo proposto por Paulo de Barros Carvalho[11], quando apresenta sua regra-matriz de incidência tributária. Segundo o notável professor, essa regra é composta pela hipótese e pela conseqüência. A hipótese, que é descritiva, compreende os critérios material, espacial e temporal. A conseqüência, de caráter prescritivo, abrange os critérios pessoal e quantitativo, neste inclusa a base de cálculo.

Para Aliomar Baleeiro[12], são seis os aspectos da Hipótese de Incidência, sendo que subdivide o aspecto subjetivo em duas partes, no passivo e no ativo. Somente aí é divergente, haja vista que a Teoria da Norma Matriz de Incidência considera o aspecto subjetivo como uno, não o subdividindo.

Ademais, os aspectos objetivos serão o material, definidor do conteúdo substancial da hipótese de incidência, qual seja, o Fato Gerador; o espacial precisa a amplitude local de incidência, recaindo, justamente, sobre o princípio da territorialidade das leis vigente em nosso ordenamento jurídico; o temporal versa acerca do momento de incidência e emanação de efeitos; por fim, abordemos o aspecto quantitativo, que preza pela definição da parte valorativa da dinâmica tributária.

Quanto ao aspecto subjetivo ou pessoal, interpreta-se servindo como base o binômio fisco-contribuinte, sendo o sujeito ativo aquele titular de capacidade tributária, ou seja, capaz de figurar na posição de agente fiscal lançador e sujeito passivo o contribuinte e responsável, obrigados pela lei ao pagamento do tributo nas obrigações principais.

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O critério – ou aspecto – quantitativo é chamado de base imponível, ou de base de cálculo. O componente quantitativo da hipótese de incidência deve também trazer definida a alíquota. É indiscutível a relevância do critério quantitativo, pois é da aplicação da alíquota sobre a base de cálculo que resulta a dimensão valorativa da obrigação, o valor pecuniário do tributo, o exato montante de dinheiro que deve ser recolhido aos cofres do Fisco. Alfredo Augusto Becker[13] atribui à base imponível a qualidade de núcleo e de elemento mais importante da hipótese de incidência: “Na composição da hipótese de incidência o elemento mais importante é o núcleo [...] Nas regras jurídicas de tributação, o núcleo da hipótese de incidência é sempre a base de cálculo”.

Considerando a lição de Bernardo Ribeiro de Moraes[14], somente três aspectos são indispensáveis de serem trazidos expressamente, quais sejam, o material, o subjetivo passivo e o financeiro, sendo este a definição da base de cálculo, o que se leva a concluir que os demais podem ser presumidos.

1.3 Fato Gerador da Obrigação Principal

Para Amílcar Falcão[15], Fato Gerador é fato, conjunto de fatos ou estado de fato a que o legislador vincula o nascimento de obrigação tributária. Fato Gerador é, assim, a concretização das circunstâncias fáticas descritas na norma matriz de incidência.

O CTN define fato gerador da obrigação tributária principal como sendo “a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência”. Para Machado, é situação fática incluída entre os aspectos objetivos da hipótese de incidência, somente veiculada através de lei em sentido estrito, salvaguardando, portanto, o princípio da Estrita Legalidade Tributária. A lei diz que é situação necessária que vincula o advento da obrigação tributária à anterior previsão da situação fática pela hipótese de incidência.

O Fato Gerador pode ocorrer de forma instantânea, quando se processa através de único ato subitâneo (IRRF, ICMS, ISS); continuada, sendo que há único fato que se prolonga no tempo (IPVA, IPTU) ou de forma complexiva.

Periódico, complexo ou complexivo é o fato gerador previsto no art. 105 do CTN, ao qual a doutrina atribui a expressão “Fato Gerador Pendente”. Terminologia muito criticada por Paulo de Barros Carvalho[16]. Para ele:

“[...] fato gerador é aquele que reúne as condições necessárias e suficientes para determinar os efeitos que lhe são próprios (quer se trate de situação de fato, ou de situação jurídica), minguando qualquer elemento de sua composição intrínseca, não merecerá o nome de Fato Gerador, pois nenhum efeito virá a tona, em termos de nascimento de obrigação tributária. Fato Gerador pendente é aquele que não aconteceu e, se por alguma razão deixou de completar-se, não pode ser chamado de fato gerador.”

Sacha Calmon[17] concorda ao dizer que inexiste Fato Gerador pendente no Direito Brasileiro, o que há é fato dependente de situação ou condição jurídica para que seja aperfeiçoado, ocasionando na constituição da obrigação tributária. Logo é negócio jurídico sob condição suspensiva de aperfeiçoamento. Seguido tal entendimento por Misabel Derzi, atualizando Baleeiro[18].

Machado[19] se manifesta no sentido de que o art. 105 do CTN, que versa acerca da aplicação da legislação tributária, não foi recepcionado pela CF de 1988, posto que vai de encontro ao Princípio da Anterioridade. Sob este aspecto, me parece que o doutrinador age arrimado pela melhor exegese.

Por fim, a doutrina, trazendo a nova figura inserida pela EC 03/93, fala do fato gerador presumido, prevista a possibilidade de sua ocorrência no art. 150, §7º da CF, in verbis:

“Art. 150. [...] §7º A lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva concorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.”

Não vislumbro nenhum impedimento em aplicar, de forma analógica, a crítica de Paulo de Barros ao fato gerador presumido. Todavia, a crítica ao tema deve ser feita de forma mais acurada e precisa. É que o tema já é alvo de ferrenha discussão desde seu advento, mesmo antes da edição da referida emenda constitucional, surgindo por ocasião da aplicação da presunção do fato gerador pelo Decreto-Lei 406/68. 

Primeiramente, a celeuma muito se volta para a correta interpretação da disposição trazida pela CF, quando define o fato gerador ainda não consumado como fato gerador presumido.

O tipo previsto na Hipótese de Incidência somente pode ser analisado conjuntamente com a Base de cálculo. É que o contribuinte somente deve pagar a quantia exata da exação e não um valor aproximado como ocorre na presunção do Fato Gerador. É assim que a doutrina costuma aduzir a inconstitucionalidade da EC 03/93, considerando a ofensa ao Princípio da Legalidade, que constitui cláusula pétrea, previsto no art. 5º, II da CF.

No Princípio da Legalidade está implícita a tipicidade cerrada absolutamente inflexível, de forma que somente com a efetiva ocorrência do Fato Gerador é que a lei vinculará o evento ao advento da obrigação tributária. Não há clara ofensa ao princípio da tipicidade cerrada pelo fato da presunção ser considerada absoluta, motivo pelo qual há quase plena certeza de que o fato ocorrerá.

Para o legislador se valer de figuras artificiais, deve tê-lo como extremo recurso, de forma que seja a derradeira maneira de evitar a evasão fiscal. É por isso que, no direito tributário, há a máxima que o real sempre prevalece frente ao suposto, ao presumido. Becker[20], como já visto, não admite a dissociação do fato jurídico tributário de sua base de cálculo. Segundo seus ensinamentos, a base diferente implicaria em fato diverso. Logo, é a Base de Cálculo aspecto substancial da hipótese de incidência, motivo pelo qual não há fato gerador sem que haja definição exata do quantum devido, impossibilitando a utilização de figuras artificiais que somente contribuem para arruinar o sistema tributário.

Parte da doutrina se inclina no sentido de aduzir que a existência do fato gerador presumido implica em ficção jurídica prevista constitucionalmente. Ficção jurídica ocorre quando a lei atribui a certo fato características reais, assim, a lei constrói nova realidade que não admite ser contradita, se aproximando, neste momento, da presunção juris et de jure, ou presunção absoluta, mas neste caso a lei simplesmente recusa prova em contrário valorizando a possibilidade. Na presunção há referência tão somente aos efeitos que são prováveis de acontecer, enquanto na ficção jurídica há real construção de realidade provável.

Na substituição tributária para frente o que acontece é de fato a presunção relativa, ou juris tantum, sendo que se a presunção não se confirmar, resta garantido ao substituto a repetição de valor recolhido indevidamente. A contenda parece mais nebulosa do que aparentemente transpassa, até por que ultrapassa os limites do direito positivado, espraiando para os discutidos caminhos da Teoria Geral do Direito, além da polêmica acerca da possibilidade de restituição do indébito que adiante será analisada de maneira mais acurada.

Misabel Derzi[21], ao se referir ao Fato Gerador Presumido, previsto no §7º do art. 150 da CF, defende que a exegese do artigo traz diversas presunções interdependentes, de forma que nesta cadeia uma surge com o exaurimento da próxima, o que implica, inexoravelmente, qualificá-las como relativas, haja vista que não há significativa possibilidade de ocorrência das presunções subsecutivas que justifique a impossibilidade de produção de prova em contrário. A doutrinadora teoriza que há Presunções Conexas vinculadas a uma Presunção Nuclear, da qual deriva o fato gerador da obrigação, ou seja, não ocorrendo o situação fática, não haverá subsunção da norma ao fato ou sua Base de cálculo.

Derzi induz-nos a acolher uma presunção dupla ou presunção de presunção. Destarte, com o adimplemento da primeira presunção, satisfazendo todos os aspectos hipotéticos da etapa precedente, prevê-se, antecipadamente, o critério quantitativo da etapa conseqüente, de forma que, restando os critérios material, espacial e temporal já definidos, por serem meramente descritivos, a definição da base imponível da operação relativa à presunção, critério quantitativo da regra-matriz, se dá sem lastro de segurança e certeza.

Vale destacar que a Lei Complementar nº 86/93, que regulamenta o ICMS nos Estados, em seus arts. 6º a 10º, trabalha tão somente com dados provavelmente reais, o que, em face do exposto acima, a eivaria de inconstitucionalidade.

Retomando a discussão, Alfredo Becker[22] entende que “presunção é o resultado do processo lógico mediante o qual do fato conhecido cuja existência é certa infere-se o fato desconhecido cuja existência é provável."

O Marquês de Beccaria[23] é brilhante ao dispor acerca da certeza de provas subseqüentes, aplicável facilmente à presente controvérsia:

"Há um teorema geral muito útil para calcular a certeza de um fato, isto é, a força dos indícios de um crime. Quando as provas do fato dependem de outra prova, isto é, quando os indícios só se provam entre si, quanto maiores forem as provas aduzidas, menor será a probabilidade da existência do fato, porque os casos que enfraquecessem as provas precedentes enfraqueceriam as subseqüentes."

Sacha Calmon[24] vilipendia a idiossincrasia de que há nova incidência por ocasião da substituição da sujeição passiva tributária, vergastando, desta feita, a possibilidade de admitir que há presunção dupla aplicada ao caso.

Ives Gandra[25], em posicionamento diverso, discorda da posição de Derzi, entendendo que o caso é de ficção jurídica. Inclusive até a CF emprega termo incorreto, quando deveria se valer da terminologia “Fato Gerador Fictício”, pois “se presume fato existente embora desconhecido, mas não se presume fato inexistente”.

Hugo Machado, tentando apaziguar as divergências, opina no sentido de que, em prévio recolhimento decorrente da presunção (ou ficção), não se está pagando o tributo, mas apenas o antecipando[26]. Roque Carrazza[27], um dos mais ardorosos críticos, defende a idéia seguinte:

“A denominada ‘substituição para frente’ é um falso problema de substituição, pois, nela, o legislador exige tributo sobre fato que ainda não ocorreu. A ‘substituição para frente’ não deve ser confundida com a figura da antecipação do tributo. Na antecipação a obrigação tributária já existe, ao passo que na ‘substituição para frente’ ainda não há tributo a pagar.”

Conforme leciona Ricardo Lobo Torres[28], o recolhimento antecipado pode ocorrer nos casos de:

“a) antecipação direta, em que incumbe ao sujeito passivo calcular o tributo e efetuar o recolhimento antecipado, como acontece no imposto de renda das pessoas físicas (carnê leão) e jurídicas, no imposto de transmissão inter vivos e nas taxas pela prestação de serviços ou pelo exercício regular do poder de polícia;

b) na substituição tributária, seja pela retenção do imposto de renda na fonte, seja pela substituição “pra frente” no ICMS (art. 150, §7º, da CF; art. 10 da LC n. 87/96);

c) na estimativa fiscal.”

Para Antônio Berliri[29], a antecipação do imposto caracteriza-se como depósito-caução, situação por ele denominada de “obrigação acessória de natureza cautelar”.

O recolhimento antecipado dado em garantia para o futuro débito do imposto deve ser, quando da ocorrência do fato gerador presumido, objeto de compensação com o crédito tributário deste decorrente. Logo, o pagamento antecipado seria simplesmente pagamento adiantado de débito ainda sequer existente. Quando da ocorrência do fato gerador presumido, deve ocorrer uma liquidação exata da obrigação de pagar com o valor antecipadamente recolhido em forma de depósito-caução, e, caso este seja inferior ao apurado quando do fato gerador, o Fisco, por certo, terá o direito-dever de lançar o valor diferencial, cobrando, inclusive, a mora que entender de direito. Na ocorrência do caso contrário, ou seja, sobejando saldo credor ao contribuinte, decorrente da presunção ter se revelado majorada em relação à efetivação do fato gerador, teria o contribuinte o direito à restituição. Esta última proposição, alvo de grande celeuma, mais uma vez será postergada neste momento devido à dedicação específica ao tema mais adiante.

Mais uma vez assiste razão ao douto Hugo de Brito Machado quando suscita que se ainda não aconteceu o fato gerador do imposto, a quantia desembolsada pelo substituto configura-se simples adiantamento. O tributo devido somente surge com a ocorrência do fato gerador respectivo, quando estarão presentes todos os elementos necessários para a definição da dimensão do ônus tributário.

Sou por compartilhar o entendimento, ao menos em parte, de Hugo Machado, conforme já fora frisado acima, todavia, mais uma vez, ressalvas sejam firmadas. É bem verdade que a tributação presumida implica em simples antecipação do pagamento da exação. É simples visualizar tal assertiva, basta compreender que se somente o crédito tributário é líquido e exigível, somente ele pode ser pago, nunca uma mera presunção de obrigação tributária que carece de declaração efetiva do valor cobrado, até por que não foi alvo de um procedimento administrativo plenamente vinculado, investigador da relação jurídica e declaratório de sua existência. Neste momento, apesar de indicado, me furto a discutir a natureza do lançamento, pois certamente estar-se-ia operando em fuga ao tema proposto. Desta feita, concluo que na substituição, há mero adiantamento do valor, perfilhando-me, ainda, aos que se posicionam defendendo a existência de única presunção na múltipla relação existente na dinâmica da substituição tributária, ultrapassando a símplice posição do doutrinador citado. Arrematando, certifique-se que tal figura jurídica revela natureza juris tantum, tendo constitucionalidade duvidável em face do princípio da legalidade comprovadamente combalido. Na análise da constitucionalidade acerca do tema, mais adiante, a legalidade será analisada de per si.

Geraldo Ataliba[30], por fim, irrefutavelmente esclarece que:

“O vínculo obrigacional que corresponde ao conceito de tributo nasce, por força de lei, da ocorrência do fato imponível. A configuração do fato (aspecto material), sua conexão com alguém (aspecto pessoal), sua localização (aspecto espacial) e sua consumação num momento fático determinado (aspecto temporal), reunidos unitariamente determinam inexoravelmente o efeito jurídico desejado pela lei: criação de uma obrigação jurídica concreta, a cargo de pessoa determinada, num momento preciso”.

1.4 Sujeição Passiva na Obrigação Tributária

Rubens Gomes de Sousa[31] considera o critério econômico como meio mais idôneo à fixação do sujeito passivo da obrigação tributária, trazendo à colação, literalmente, que:

"o tributo deve ser cobrado da pessoa que esteja em relação econômica com o ato, fato ou negócio que dá origem à tributação; por outras palavras, o tributo deve ser cobrado da pessoa que tira uma vantagem econômica do ato, fato ou negócio tributado."

O CTN enumera os sujeitos passivos da obrigação tributária seqüencialmente em seus arts. 121 e 122, ocasião em que define os sujeitos passivos da obrigação principal e acessória sucessivamente. Mormente ao que diz respeito à obrigação principal, mister recorrer à disposição legal:

Art. 121. Sujeito passivo da obrigação tributária é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;

II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa em lei.

No parágrafo único citado, o legislador define as modalidades de sujeição passiva na obrigação principal, podendo a sujeição ser direta, ocasião em que surgirá a figura do contribuinte de direito, tendo este relação pessoal e direta com a situação constituinte do fato gerador do tributo; por outro lado, quando o contribuinte for apenas de fato, isto é, sua obrigação decorra apenas de expressa previsão legal, sem que guarde direta relação pessoal com o fato gerador, ter-se-á o surgimento do obrigado tributário indireto, ou, segundo expressa disposição constante no codex citado, surgirá o responsável tributário.  

Matiz de demasiada confusão é a referente à conceituação e classificação do sujeito passivo na obrigação tributária. A dúvida não paira no que diz respeito ao sujeito passivo que diretamente desempenha o fato gerador, isto é, no que tange acerca do sujeito passivo de direito, sendo aquele que responde por dívida própria e guarda relação pessoal e direta com o fato gerador, mas se paira sob a nebulosa questão do contribuinte de fato, sendo este aquele terceiro que tem vínculo indireto com o Fato Gerador e é considerado devedor da obrigação por conta de previsão legal.

Valendo-se do Direito Comparado, no âmbito do direito espanhol, no que emana de Eusébio González Garcia[32], e que tem precisão e fundamentação mais apurada que o direito pátrio, são apontadas várias categorias de sujeição passiva indireta. São, por exemplo, os devedores solidários e subsidiários, substitutos, retentores, repercutidos e responsáveis por ato ilícito. No direito brasileiro, consoante art. 121 do CTN, adota-se a terminologia “responsável” como gênero de sujeição passiva indireta, tendo as categorias acima funcionado como espécies do gênero supracitado.

Para González, o responsável é:

“una persona relacionada com el hecho imponible, distinta Del sujeto pasivo de la deuda tributaria, aunque obligado conjuntamente com el al pago del tributo”[33]

Para Hugo de Brito Machado[34], tem-se a sujeição passiva direta quando o tributo é cobrado do indivíduo que se beneficia economicamente da situação que constitui o critério material da regra-matriz de incidência tributária. Entretanto, por razões de política tributária, se a imputação do dever tributário for feita à pessoa que não tire vantagem econômica do fato tributado, estaríamos diante de sujeição passiva indireta. Completando suas análises, aduz que a sujeição passiva indireta apresenta duas modalidades: transferência (quando, depois de a obrigação ter nascido contra o sujeito passivo direto, por força de acontecimento posterior àquele nascimento, a obrigação é transferida a outra pessoa) e substituição (ocorrente quando o liame obrigacional surge, desde logo, contra pessoa diversa daquela que esteja em relação econômica com o fato tributado). Esclarece, ainda, que três seriam as hipóteses de transferência: a solidariedade (hipótese em que duas ou mais pessoas sejam simultaneamente obrigadas pela mesma obrigação), a sucessão (hipótese em que a obrigação se transfere para outro devedor em virtude do desaparecimento do devedor original) e a responsabilidade (hipótese em que a lei tributária responsabiliza outra pessoa pelo pagamento do tributo, quando não seja pago pelo sujeito passivo direto).

Sob outra orientação, Rubens Gomes de Souza[35] preleciona que contribuinte de jure é a pessoa que a regra jurídica põe no pólo negativo da relação jurídica tributária, investindo-a na posição de sujeito passivo da mesma. Contribuinte de jure seria gênero que abarca duas espécies de sujeito passivo: a pessoa "de cuja verdadeira renda ou capital a hipótese de incidência é um fato-signo presuntivo" e o substituto legal tributário, vale dizer, um outro qualquer indivíduo, em substituição daquele determinado indivíduo de cuja renda ou capital a hipótese de incidência é fato-signo presuntivo."

Tal entendimento, vale ressaltar, não guarda consonância com as mais modernas colocações acerca do tema, como o conteúdo da exposição de Paulo de Barros Carvalho[36], que aduz que o art. 121 do CTN teria sofrido a influência da doutrina de Rubens Gomes de Souza, ao tentar segregar a sujeição passiva em direta e indireta. Repudiando tal atitude, a qual, no seu sentir, é fruto de influências negativas de disciplinas não-jurídicas, mormente as de caráter econômico, aduz que:

"não há, em termos propriamente jurídicos, a divisão dos sujeitos em diretos e indiretos (...). Interessa do ângulo jurídico-tributário, apenas quem integra o vínculo obrigacional."

Para correta análise acerca da transferência ou substituição do sujeito que suporta o ônus tributário, deve-se ter por procedentes as cogitações de Alfredo Augusto Becker[37] relativamente ao mecanismo da repercussão econômica do tributo, haja vista que a repercussão não é uma característica do tributo em si, até por que qualquer exação tributária presta-se a esse fenômeno, a depender das condições econômico-sociais vigorantes em dada circunstância de tempo e lugar. Todavia, é passível concluir que o próprio CTN introduz terminologia imprecisa que culmina com a má distribuição dos obrigados indiretos na dinâmica tributária. Partindo da análise da própria doutrina de González, se há uma espécie do gênero responsabilidade denominada responsabilidade por ato ilícito, demasiadamente comprometido restará a didática do tema em discussão.

Quando o CTN traz que sujeição passiva tributária poderá se dirigir ao contribuinte ou ao responsável, quis contemplar esta terminologia como gêneros dos obrigados tributários afora o contribuinte previsto pela norma matriz de incidência da relação originária de tributação. A expressão “responsável” não é das mais utilizáveis, até por que se confunde com a espécie de responsabilidade dos atos ilícitos ou responsabilidade por infração.

Justamente por isso, ou seja, para diferenciar da espécie responsabilidade por ato ilícito, é que, doutrinariamente, inclusive indo de encontro à terminologia adotada pelo CTN, faz-se melhor é definir o gênero como obrigados tributários, destacando os sub-gêneros dos obrigados principais, envolvendo as categorias dos substitutos e retentores, e os obrigados secundários ou garantidores da dívida, abrangendo as demais espécies.

A diferença entre os dois sub-gêneros se dá, principalmente, em decorrência do vínculo existente entre o contribuinte e o obrigado de fato, sendo que os obrigados principais operam na inteira exoneração, perante o fisco, dos contribuintes de direito naquela etapa de tributação que figuram como substitutos, o que não ocorre na responsabilidade por transferência.

Lais Vieira Cardoso[38] faz brilhante exposição acerca do tema:

“O responsável tributário não atua no lugar, e sim junto ou após o contribuinte enquanto o substituto se coloca no lugar daquele, muito embora não realiza o fato imponível.

[...]

O substituto em hipótese alguma poderá arcar com o pagamento do tributo com ônus próprio, devendo a própria lei tributária garantir a restituição, enquanto há espécies de responsabilidade com a assunção pessoal do responsável do ônus tributário e cujo direito de regresso é regulado por normas de outras áreas de direito.

[...]

O substituto deve estar definido sempre de modo expresso, enquanto o responsável pode derivar implicitamente, tendo-se em vista uma relação de titularidade com o fato imponível.”

A diferenciação entre os obrigados por dívida alheia também ganha saliência quando da análise do vínculo existente entre o contribuinte e o obrigado pelo pagamento do tributo. O que se observa de forma mais real é que inexiste homogeneidade e compartilhamento de opiniões semelhantes quando se fala em sujeição passiva indireta. As peculiaridades de cada nação ajudam a ampliar as diferenciações em razão das ordens jurídicas de cada país. O que se percebe é que o vínculo não é a maneira mais segura para definir as categorias e peculiaridades do contribuinte de fato, todavia, é imprescindível a existência de vínculo.

Somente para exemplificar a balburdia decorrente das terminologias utilizadas, segundo o italiano Ernst Blumenstein[39], a substituição tributária pode ser privativa, quando a obrigação voltada em direção ao contribuinte de fato em face do fisco é excluída por completo ou cumulativa, quando o contribuinte responde solidariamente com o co-obrigado pelo pagamento. Observa-se que, neste caso, inexiste substituição tributária quando há solidariedade entre os contribuintes de fato e de direito, o que ocorre é responsabilidade (concorrente ou subsidiária) por transferência.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Victor Hugo Reis. A substituição da sujeição passiva tributária e suas consequências jurídico-sociais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4291, 1 abr. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31517. Acesso em: 26 abr. 2024.

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