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As formas de proteção do conjunto-imagem, ou trade dress, à luz do Direito brasileiro

10/03/2015 às 11:22
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O presente artigo visa apreciar, à luz do Direito de Propriedade Industrial Brasileiro, a proteção ao conjunto-imagem, também conhecido como trade dress, e objetiva discorrer, genericamente, a respeito dos meios utilizados para sua proteção.

Primeiramente, o presente artigo visa apreciar, à luz do Direito de Propriedade Industrial Brasileiro, a proteção ao conjunto-imagem, também conhecido como trade dress, e objetiva discorrer, genericamente, a respeito dos meios utilizados para a proteção de referido instituto no Brasil, uma vez que a legislação pátria não dispõe especificamente a este respeito.

A princípio, tem-se que as marcas são sinais de identificação de produtos e serviços, os quais são percebidos pelo público consumidor principalmente pela totalidade de seus aspectos visuais. Esse aspecto visual envolve tanto a marca quanto outros elementos exteriores, que, juntos, devem formar um conjunto suficientemente distinto, que servirá como instrumento para se alcançar uma fiel clientela.

O conjunto visual total de um produto, ou a forma de prestação/apresentação de um serviço, é conhecido como conjunto-imagem, ou trade dress, o qual nada mais é que a associação de inúmeros elementos que formam, em tese, uma apresentação única. Pode-se dizer que o conjunto-imagem exerce a mesma função das marcas, por permitir que o consumidor identifique a origem de um produto ou serviço

Tempos atrás, tal instituto era definido como a “ vestimenta ” de um produto ou de um serviço, ou seja, sua maneira particular de apresentar-se. De forma figurada, seria o uniforme dos funcionários de uma empresa, o qual todos vestem.

Cumpre esclarecer que as características presentes em um determinado conjunto-imagem devem ser individuais e únicas, uma vez que os consumidores tendem a identificar produtos e prestação de serviços pela impressão visual causada por este conjunto, de forma imediata, antes mesmo de constatarem sua marca ou nome fantasia, razão pela qual se faz necessário criar um conjunto-imagem capaz de atrair e fidelizar clientes, bem como trazer uma identidade e diferenciação em relação aos concorrentes.[1]

Desta forma temos que, no mercado atual, as estratégias comerciais tornaram-se agressivas em virtude da exigência do consumidor, que preza pela inovação, sendo a identidade visual dos produtos ou serviços a imagem que a empresa deseja passar para o mercado consumidor, aquilo que irá formalizar sua personalidade.

Nesse sentido, quando o consumidor é impedido de distinguir um conjunto-imagem original de um contrafeito, trata-se de uma cópia servil ou reprodução objetiva. Porém, o tipo de reprodução mais utilizado é aquele no qual o terceiro tenta confundir e induzir o consumidor a erro, reproduzindo as características mais importantes do conjunto original, criando a ideia de que seu produto ou serviço é o mesmo assinalado pelo conjunto-imagem legítimo.

Em virtude da grande competitividade do mercado contemporâneo, a intenção do empresário em investir em um conjunto-imagem particular e atrativo é atrair o consumidor e se distinguir de seus competidores, pois uma aparência visual inovadora lhe agrega muitas vantagens econômicas.

A fim de contextualizar a proteção do trade dress no mundo atual, cumpre esclarecer que o fenômeno da globalização, ao atingir as relações comerciais, fez com que os titulares dos direitos de propriedade intelectual necessitassem de uma maior proteção em relação a esses direitos, especialmente em razão das atividades comerciais feitas entre países.

Assim, foram celebrados diversos Tratados e Convenções Internacionais, tais como a CUP - Convenção da União de Paris, datada de 20 de março de 1883, da qual o Brasil figura como signatário. O artigo 1º de Referida Convenção dispõe que:

(1) Os países a que se aplica a presente Convenção constituem-se em União para a proteção da propriedade industrial.

(2) A proteção da propriedade industrial tem por objeto as patentes de invenção, os modelos de utilidade, os desenhos ou modelos industriais, as marcas de serviço, o nome comercial e as indicações de procedência ou denominações de origem, bem como a repressão da concorrência desleal.[2]

A proteção ao conjunto-imagem é feita, basicamente, pelas leis que compreendem direitos de Propriedade Intelectual. Em virtude da dimensão da proteção à Propriedade Intelectual, essa proteção se fundamenta também na repressão ou combate à prática de concorrência desleal, conforme artigo 10 da Convenção supracitada:

(1) Os países da União obrigam-se a assegurar aos nacionais dos países da União proteção efetiva contra a concorrência desleal.

(2) Constitui ato de concorrência desleal qualquer ato de concorrência contrária aos usos honestos em matéria industrial ou comercial.

(3) Deverão proibir-se especialmente:

1º Todos os atos suscetíveis de, por qualquer meio, estabelecer confusão com o estabelecimento, os produtos ou a atividade industrial ou comercial de um concorrente.

2º As falsas afirmações no exercício do comércio, suscetíveis de desacreditar o estabelecimento, os produtos ou a atividade industrial ou comercial de um concorrente.

3º As indicações ou afirmações cuja utilização no exercício do comércio seja suscetível de induzir o público em erro sobre a natureza, modo de fabrico, características, possibilidades de utilização ou quantidade das mercadorias.

Em nossa legislação pátria, não há tutela específica ao conjunto-imagem, tendo em vista que a proteção conferida por nosso sistema legislativo dá-se apenas aos elementos individuais registráveis que compõe o conjunto-imagem como um todo.

A princípio, a violação ao trade dress poderia ser coibida pelas diretrizes que amparam os elementos componentes do conjunto-imagem por meio da proteção ao Direito Autoral, Desenho Industrial e às marcas registráveis, ou seja, a proteção ao trade dress poderia pertencer ao campo do Direito Autoral, bem como ao direito marcário.

Com relação à proteção baseada no direito marcário, nossa legislação dispõe que sinais distintivos visualmente perceptíveis são passíveis de registro, excluindo-se os impedimentos legais constantes do artigo 124 da LPI. Assim, uma vez que o conjunto-imagem apresenta-se suficientemente distinto em seu conjunto, não há impedimentos ao seu registro como marca perante o INPI.

O sistema atributivo de direitos aplicado no Brasil expressa que o título de propriedade sobre signos distintivos advém de seu regular registro, e não do simples uso, como acontece com os países que adotam o sistema declaratório. O registro do conjunto-imagem como marca intensifica a colocação do empresário no mercado consumidor, além de garantir-lhe maior estabilidade e segurança como detentor de direitos, utilizando-se dos dispositivos referentes à infração marcária para contestar possíveis reproduções ou imitações.

O conjunto-imagem pode ser registrado no formato de marca mista ou tridimensional, preferivelmente com reivindicação de cores. De acordo com os ensinamentos de José Carlos Tinoco Soares, marca mista abrange etiqueta, rótulo, invólucro, embalagem e toda e qualquer forma de apresentação do produto ao consumo. Marca tridimensional é aquela formada pela configuração plástica do produto ou da embalagem, cuja forma tenha capacidade distintiva em si mesma e esteja dissociada do efeito técnico.[3]

Vale ressaltar que não é obrigatório que se registre o trade dress como marca para pleitear sua proteção. Entretanto, o registro de marca confere ao titular direitos exclusivos no território nacional, dificultando a possibilidade de o infrator defender-se alegando inexistência de relação de concorrência tendo em vista o fato de operarem em estados diversos, além de garantir meios mais efetivos para a obtenção de medida liminar.

O registro do trade dress como desenho industrial ocorre quando o conjunto-imagem encontra-se baseado em uma configuração plástica ornamental de um objeto ou o conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aposto a um produto. No Brasil, além do que se encontra nas proibições legais, não se pode registrar um desenho industrial compreendido no estado da técnica. Ainda, o conjunto-imagem a ser registrado deve possuir uma estrutura visual diferenciada em comparação com objetos já existentes.

O conjunto-imagem também pode ser protegido mediante direito autoral, tendo em vista que algumas de suas características estão inseridas no contexto de criação de espírito, como, por exemplo, o caso de projetos arquitetônicos, gravuras de desenhos e websites.

Os projetos arquitetônicos compreendem fachadas de edifícios, interiores de lojas, layouts de restaurantes e a planta de estabelecimentos comerciais. Assim, se um estabelecimento tiver seu projeto arquitetônico usurpado, seu proprietário poderá reivindicar medidas de proteção com base em Direitos Autorais.

Importante salientar ainda que a proteção por meio de Direito Autoral não depende de registro, conforme artigo 18 da Lei de Direitos Autorais, Lei nº. 9.610/98, porém, o registro perante a Biblioteca Nacional, em caso de obras escritas, bem como na Escola de Belas Artes, em caso de obras plásticas, desenhos, etc., constitui importante meio de prova em caso de eventual conflito.

Caso exemplificativo de proteção de trade dress via direito do autor, ocorreu no Rio de Janeiro, quando uma fabricante de artigos do vestuário produziu uma camiseta especialmente em função de uma Copa do Mundo de Futebol. Essa camiseta era vendida apenas nas lojas da empresa ou de revendedores autorizados. Entretanto, os funcionários de um supermercado da cidade passaram a utilizar como uniforme as camisetas que reproduziam fielmente a aparência da camiseta exclusiva fabricada pela empresa autora da ação. Além da violação de trade dress, o valor agregado à camiseta também seria afetado, uma vez que a utilização de tal modelo pelos funcionários do supermercado poderia reduzir de forma considerável a procura pela camiseta original.

Dessa forma, foi ajuizada ação de infração contra a empresa infratora e o juízo competente cedeu a medida liminar postulada, assentindo que o conjunto visual da camiseta utilizada como uniforme pelos funcionários do supermercado gozava da proteção conferida pelo artigo 7º, inciso VIII, da Lei de Direitos Autorais, sendo ordenado à empresa ré que fizesse a imediata substituição das camisetas contrafeitas:

Em relação à proteção baseada em repressão à concorrência desleal, pode-se descrever como prática fraudulenta de desvio de clientela em casos de violação de trade dress a seguinte situação: há uma embalagem de um produto ou um layout de um estabelecimento que exibe um conjunto-imagem suficientemente distinto, característica essa que faz com que o público consumidor o reconheça imediatamente. Um terceiro concorrente reproduz ou imita o reconhecido conjunto-imagem a fim de auferir vantagens e expandir para seu negócio.

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A partir daí, no momento em que o consumidor se depara com um conjunto-imagem contrafeito, fará imediata associação ao conjunto-imagem original, sendo induzido a erro e fazendo uma analogia indevida entre os produtos ou serviços originais, pois tende a acreditar que há uma relação entre as empresas em questão.

Importante lembrar que basta haver o risco de confusão perante o mercado consumidor para que se apliquem as normas de vedação à concorrência desleal ou ilícita, embora a análise desse risco apresente-se de forma subjetiva, uma vez que cada indivíduo possui uma concepção distinta do grau de semelhança entre dois conjuntos-imagem, conforme abaixo disposto:

O objeto da presente demanda, como se vê da inicial, é ‘compelir as empresas rés a se absterem do uso, sob qualquer forma ou pretexto, dos elementos característicos das embalagens dos produtos [...] O enfoque há de conter certa dose de subjetivismo, tratando-se, acima de tudo, de reconhecer, ou não, que o produto da embargada possa confundir o consumidor, desviando a clientela da embargante, cujo colírio é conhecido de longa data, utilizado por gerações. [4]

Ainda, importante ressaltar que, ao utilizar características isoladas diretamente ligadas a um produto ou serviço, um concorrente não estaria agindo com deslealdade, mesmo se o titular do conjunto-imagem original tenha sido precursor na utilização das mesmas, pois tratam-se de características disponíveis, consideradas de uso comum no segmento em questão.

Assim, é necessário agir de forma ponderada a respeito da proteção do trade dress formado por tais características. As condições para averiguar a distintividade do conjunto-imagem serão mais rigorosas, porém, não afasta a possibilidade de que um conjunto-imagem constituído por atributos relacionados a um produto ou serviço seja suscetível de proteção por vedação à concorrência desleal, pois basta que a associação dessas características alcance suficiente distintividade.

Além de conquistar o público consumidor, o signo identificador de um produto ou serviço que seja suficientemente distinto, possui grande valor na representação de sua marca, reforçando os conceitos e valores da empresa titular desse signo, posicionando-a perante um cenário econômico extremamente competitivo, além de resultar em vantagem econômica ao titular do conjunto-imagem perante seus concorrentes.

Desta forma, não restam dúvidas a respeito da necessidade de se proteger um conjunto-imagem de forma objetiva, buscando cada vez mais medidas eficazes e estratégias intensivas, a fim de que não haja prejuízos econômicos gerados por terceiros que pretendem se valer de investimentos de outrem.

Em vista da falta de previsão legal específica em nosso ordenamento jurídico, os magistrados tendem a decidir de forma subjetiva os conflitos envolvendo uso, reprodução ou imitação não autorizados de conjunto-imagem, causando controvérsias jurisprudenciais a respeito da melhor maneira de se proteger tal instituto.

A este respeito, ressalte-se que um conjunto-imagem passível de proteção deve estar revestido de um caráter suficientemente distinto, a fim de que se possa analisar de uma maneira mais objetiva o risco de confusão. Essa distintividade pode ser originária ou adquirida.

No primeiro caso, é necessário apenas que o trade dress original exiba atributos distintos das demais apresentações visuais de produtos ou serviços inseridos no mesmo segmento econômico. Já no caso da distintividade adquirida, verifica-se que um conjunto-imagem original não se apresenta de forma consideravelmente distinta, uma vez que é formado por características comuns, encontradas também em seus concorrentes; porém graças ao seu uso continuado, conquistou o reconhecimento perante o público consumidor.

A fim de que seja possível conquistar direitos exclusivos sobre um determinado conjunto-imagem, em caso de eventual conflito, incumbe ao titular evidenciar que os aspectos visuais que identifica seu produto ou serviço são distintos quando considerados no conjunto, bem como evidenciar a possibilidade de confusão e associação indevida entre esses e terceiros.

Assim, conclui-se que o conjunto-imagem encontra meios acessíveis de proteção no Brasil, ainda que a legislação pátria não contemple um dispositivo específico para tanto. Essa proteção será feita por intermédio das disposições constantes do Direito do Autor, da Propriedade Industrial, bem como por meio da repressão à concorrência desleal.


[1] PIMENTA, Luiz Edgard Montaury. Trade Dress e a Tutela dos Web Sites. 2009.Revista da ABPI, São Paulo, nº. 100, p. 18, Junho de 2009.

[2] BRASIL. Convenção da União de Paris para a proteção da Propriedade Industrial, de 20 de março de 1883, promulgada no Brasil pela DAI – Divisão de Atos Internacionais. Decreto nº. 75.572, de 08 de abril de 1975. Disponível em:www.inpi.gov.br/images/stories/CUP.pdf. Acesso em 10/01/2014.

[3] SOARES, José Carlos Tinoco. Concorrência Desleal Vs. Trade Dress ou Conjunto-Imagem. São Paulo: Editora do Autor, São Paulo, 2004, p. 249.

[4] BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, EI 2001.005.00243, Des. Mario dos Santos Paulo, 4ª Câmara Cível – DJ 06/11/2011.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AREDES, Natalia. As formas de proteção do conjunto-imagem, ou trade dress, à luz do Direito brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4269, 10 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31584. Acesso em: 29 mar. 2024.

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