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Da possibilidade de uso do saldo remanescente dos recursos de convênios administrativos para a ampliação da execução do objeto conveniado

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Objetiva-se demonstrar que é juridicamente possível o uso do saldo remanescente de recursos de convênios administrativos para ampliar a execução do objeto conveniado, muito embora não haja autorização normativa expressa nesse sentido.

Os convênios administrativos consistem em ajustes celebrados entre as pessoas administrativas entre si, ou com entidades privadas, com vistas a se atingir determinado interesse público[1].

Tem-se, assim, o que se denomina de federalismo cooperativo, ou seja, as entidades federativas constitucionalmente autônomas se unem num regime de mútua colaboração, a fim de possibilitar a satisfação dos interesses públicos[2].

Devendo haver uma relação de mútua cooperação entre os entes públicos, é através da celebração de convênios que será juridicamente instrumentalizada esta relação. Assim, as entidades federativas se unirão, a fim de viabilizar a execução de políticas públicas, num processo que está diretamente associado à ideia de descentralização administrativa.

Nesse sentido, entende-se que a celebração de convênios entre as entidades federativas está intrinsecamente relacionada à ideia de cooperação entre os entes políticos, ou federalismo cooperativo, assim como está intrinsecamente ligada à ideia de Estado Federado.

Com efeito, a Constituição Federal atribui aos seus entes competências, de modo que possam exercer suas funções, e recursos, a fim de que possam viabilizar este exercício.

No caso dos convênios administrativos federais, será através da celebração de convênios que a União deslocará recursos para Estados/Distrito Federal e Municípios, a fim de possibilitar a execução de programas de governo com o auxílio destas entidades, as quais garantirão uma maior efetividade das ações a serem desenvolvidas por estarem diretamente vinculadas aos problemas da população.

Dessa forma, ao invés de executar diretamente as ações, a União transfere às demais entidades federativas, desde que elas disponham de estrutura operacional para tanto, a função de executá-las, possibilitando o seu desenvolvimento.

A celebração de convênios administrativos está expressamente prevista na Constituição Federal, art. 241, a qual, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 19/98, assim dispõe:

Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.

Atualmente, todo o procedimento de celebração de convênios administrativos federais  – formalização, execução, acompanhamento e prestação de contas – encontra-se regulado de maneira uniforme pela Portaria Interministerial nº 507, de 24 de novembro de 2011.

Conforme dispõe a Portaria Interministerial nº 507/2011, art. 25, II, a definição completa do objeto conveniado deve estar devidamente prevista no plano de trabalho a ser apresentado pelo convenente, o qual, uma vez aprovado pelo órgão concedente, passará a integrar o Termo de Convênio, senão vejamos:

Art. 25. O Plano de Trabalho, que será avaliado após a efetivação do cadastro do proponente, conterá, no mínimo:

I - justificativa para a celebração do instrumento;

II - descrição completa do objeto a ser executado;

III - descrição das metas a serem atingidas;

IV - definição das etapas ou fases da execução;

V - cronograma de execução do objeto e cronograma de desembolso; e

VI - plano de aplicação dos recursos a serem desembolsados pelo concedente e da contrapartida financeira do proponente, se for o caso. (grifo nosso)

Mostra-se possível, contudo, que após a celebração, o convenente objetive promover alterações no convênio, desde que devidamente autorizadas pelo concedente[3], e que não impliquem em alteração do objeto conveniado[4], dentre as quais se destaca a ampliação da execução do seu objeto.

Examinando a legislação aplicável à matéria, observa-se que o art. 50 da Portaria Interministerial nº 507/2011 disciplina a possibilidade de alteração do convênio, nos seguintes termos:

Art. 50. O convênio poderá ser alterado mediante proposta, devidamente formalizada e justificada, a ser apresentada ao concedente em, no mínimo, 30 (trinta) dias antes do término de sua vigência ou no prazo nele estipulado.

Não obstante, conforme ja destacado, deve ser observada a vedação constante no inciso III do art. 52 da Portaria Interministerial nº 507/2011, que proíbe “alterar o objeto do convênio ou contrato de repasse, exceto no caso de ampliação da execução do objeto pactuado ou para redução ou exclusão de meta, sem prejuízo da funcionalidade do objeto contratado”.

Acredita-se que o objetivo do texto normativo é evitar que, ao invés de celebrar um novo convênio, submetendo-se a todas as exigências legais aplicáveis, o convenente celebre termos aditivos inserindo novos objetos em um convênio já celebrado, o que poderia representar uma burla à legislação regente.

É preciso ter em mente, contudo, que a alteração a que o texto normativo se refere deve ser entendida como uma modificação substancial do objeto conveniado, de forma que represente um desvio da própria finalidade a que se destinava o convênio.

Não se pode, por meio dessa vedação normativa, engessar a máquina administrativa, comprometendo a própria discricionariedade de que se reveste a celebração de convênios administrativos. Nesse sentido, citamos o entendimento expresso por Jorge Miranda Ribeiro[5]:

“Razoável é a aceitação de mudança do objeto sem a rigidez desejada pelo legislador, mas analisada e decidida pela Administração com lastro em fartos argumentos técnicos, sociais, e econômicos, de forma conjunta ou isolada. Se assim não for, subtrai-se do concedente a autonomia o poder discricionário do principal financiador do gasto e por quem deve decidir em juízo de conveniência e oportunidade da adequação do objeto. Não se trata se incentivar qualquer mudança, mas sopesar as razões da iniciativa. Não é mudar a construção de uma ponte para a de um posto de saúde. Não está em análise o mérito da mudança. Mudar objeto é diferente de alterar ou adequar o objeto. Explica-se mudar seria eleger outro objeto sem qualquer pertinência com o anterior, como exemplificado anteriormente. Alterar o objeto significa ajustar condições técnicas, econômicas e sociais ou outra importante, a fim de viabilizar o empreendimento. Observe-se que a norma procura desautorizar qualquer um  dos partícipes de  promover a alteração do objeto. O rigor há de ser mitigado. Nesse sentido o avanço legislativo contido no caput do art. 37 e no inciso III do art. 39 da Portaria Interministerial nº 127/2008”.  

Assim, verifica-se que se mostra possível ao convenente promover modificações/alterações no convênio, desde que estas não representem a alteração substancial do objeto conveniado, sendo, assim, direcionadas a ampliar a execução do objeto ou a excluir alguma meta sua.

 Por outro lado, a Portaria Interministerial nº 507/2011 dispõe em seu art. 73 no seguinte sentido:

Art. 73. Os saldos financeiros remanescentes, inclusive os provenientes das receitas obtidas nas aplicações financeiras realizadas, não utilizadas no objeto pactuado, serão devolvidos à entidade ou órgão repassador dos recursos, no prazo estabelecido para a apresentação da prestação de contas.

Questiona-se, assim, se seria possível ao convenente a utilização deste saldo remanescente de recursos para a ampliação da execução do objeto conveniado, ainda que não haja autorização normativa expressa nesse sentido.

Com efeito, considerando-se que é facultada pela Portaria Interministerial nº 507/2011 a ampliação da execução do objeto pactuado, e que esta, via de regra, implicará na necessidade de novos recursos, entende-se que se mostra possível a utilização deste saldo remanescente na ampliação da execução do objeto do convênio.

É que se mostraria contraditório permitir a ampliação da execução do objeto, mas, o mesmo tempo, vedar que o saldo remanescente fosse utilizado para tanto, exigindo-se, necessariamente, o aporte de novos recursos.

Corrobora este entendimento a previsão contida na Portaria Interministerial nº 507/2011, nos seus arts. 54, §2º e 82, II, que permitem a utilização de aplicações financeiras no objeto do convênio:

Art. 54 A liberação de recursos obedecerá ao cronograma de desembolso previsto no Plano de Trabalho e guardará consonância com as metas e fases ou etapas de execução do objeto do instrumento

(...)

§ 2º Os rendimentos das aplicações financeiras somente poderão ser aplicados no objeto do convênio, estando sujeitos às mesmas condições de prestação de contas exigidas para os recursos transferidos.

Art. 82. A Tomada de Contas Especial é um processo devidamente formalizado, dotado de rito próprio, que objetiva apurar os fatos, identificar os responsáveis e quantificar o dano causado ao Erário, visando ao seu imediato ressarcimento.

(...)

§ 1º A Tomada de Contas Especial somente deverá ser instaurada depois de esgotadas as providências administrativas a cargo do concedente pela ocorrência  de algum dos seguintes fatos:

I - a prestação de contas do convênio ou contrato de repasse não for apresentada no prazo fixado no caput do art. 72, observado o § 1º do referido artigo; e

II - a prestação de contas do convênio ou contrato de repasse não for aprovada em decorrência de:

a) inexecução total ou parcial do objeto pactuado;

b) desvio de finalidade na aplicação dos recursos transferidos;

c) impugnação de despesas, se realizadas em desacordo com as disposições do termo celebrado ou desta Portaria;

d) não-utilização, total ou parcial, da contrapartida pactuada, na hipótese de não haver sido recolhida na forma prevista no parágrafo único do art. 73;

e) não-utilização, total ou parcial, dos rendimentos da aplicação financeira no objeto do Plano de Trabalho, quando não recolhidos na forma prevista no parágrafo único do art. 73;

f) não-aplicação nos termos do § 1º do art. 54 ou não devolução de rendimentos de aplicações financeiras, no caso de sua não utilização;

g) não-devolução de eventual saldo de recursos federais, apurado na execução do objeto, nos termos do art. 73; e

h) ausência de documentos exigidos na prestação de contas que comprometa o julgamento da boa e regular aplicação dos recursos. (grifou-se)

Com efeito, o projeto básico/termo de referência, devidamente aprovado pelo órgão técnico, deve estipular adequadamente os custos da obra/equipamento, de forma que os recursos federais repassados juntamente com o valor da contrapartida ofertada sejam suficientes para a execução total do objeto.

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Diante disso, podemos concluir que as receitas decorrentes das aplicações financeiras realizadas pelo convenente são valores que não foram inicialmente previstos para a consecução do objeto do convênio. E que poderão ser utilizadas na ampliação da execução do objeto conveniado, conforme dispõe a citada Portaria.

Assim, se a Portaria Interministerial nº 507/2011 permite que estes valores (aplicações financeiras) sejam utilizados na execução do objeto, não seria razoável entender que o mesmo diploma normativo teve por intenção vedar a utilização de um determinado valor remanescente, que não decorreu de aplicação financeira, na execução da ampliação do objeto, permitida, por sua vez, pelo art. 52, III, supracitado.

Parece-nos que a finalidade do art. 73 é proibir que a eventual sobra de recursos tivesse outro destino que não a execução do objeto, seja o inicialmente pactuado, seja aquele ampliado por termo aditivo, razão pela qual se impõe a sua restituição[6].

Dessa forma, desde que devidamente justificado, mostra-se possível o uso do saldo remanescente de recursos na execuçao do objeto conveniado, ou na sua ampliação. Parece-nos também ser esse o posicionamento do Tribunal de Contas da União, ao exigir justificativa para a utilização do saldo remanescente:

Acórdão 2707/2009 - Segunda Câmara

[...]

4. Tem-se, portanto, configuradas a infração às normas acima mencionadas, a prática de ato de gestão ilegítimo em decorrência da aquisição injustificada de medicamentos, o desvio de recursos evidenciado pela não devolução do saldo remanescente e pela falta de justificativa quanto à sua destinação, bem como a omissão no dever de prestar contas. Em conclusão, verificou-se a ausência de comprovação da regular aplicação das respectivas quantias. (grifou-se)

     Assim, com base num processo interpretativo da Portaria nº 507/2011, entende-se que se mostra possível a utilização do saldo remanescente de recursos de convênios para a ampliação da execução do objeto pactuado, desde que devidamente justificado pelo convenente.


REFERÊNCIAS  

AGUIAR, Ubiratan. Convênios e tomadas de contas especiais: manual prático/Ubiratan Aguiar et al. 3 ed. rev. e ampl.. Belo Horizonte: Fórum, 2008.

Brasil. Portaria Interministerial CGU/MF/MF Nº 507, de 24 de Novembro de 2011. Disponível em: http://www.governoeletronico.gov.br/biblioteca/arquivos/portaria-interministerial-no-507-de-24-de-novembro-de-2011/view. Acesso em 25 nov. de 2012.

CANDEIA, Remilson Soares. Convênios Celebrados com a União e suas Prestações de Contas. São Paulo: Editora NDJ, 2005.

RIBEIRO, Jorge Miranda. Curso Avançado de Convênios da União. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2010.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

RIZZON, Patrick. A NATUREZA JURÍDICA DOS CONVÊNIOS NACIONAIS COMO INSTRUMENTOS DE TRANSFERENCIA VOLUNTÁRIA DE RECURSOS FEDERAIS. Os Convênios Administrativos de Cooperação e de Colaboração de Natureza Financeira no Âmbito da Administração Consensual e do Federalismo Cooperativo. 2011. Trabalho de conclusão de curso de graduação para obtenção do título de bacharel em Ciências Jurídicas junto à Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2011. Disponível em http://hdl.handle.net/10183/31365. Acesso em 12 dez. 2012.


[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 377.

[2] RIZZON, Patrick. A NATUREZA JURÍDICA DOS CONVÊNIOS NACIONAIS COMO INSTRUMENTOS DE TRANSFERENCIA VOLUNTÁRIA DE RECURSOS FEDERAIS. Os Convênios Administrativos de Cooperação e de Colaboração de Natureza Financeira no Âmbito da Administração Consensual e do Federalismo Cooperativo. 2011 p. 7. Trabalho de conclusão de curso de graduação para obtenção do título de bacharel em Ciências Jurídicas junto à Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2011. Disponível em http://hdl.handle.net/10183/31365. Acesso em 10 dez 2012.

[3] AGUIAR, Ubiratan. Convênios e tomadas de contas especiais: manual prático/Ubiratan Aguiar et al. 3 ed. rev. e ampl.. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 59 - 60.

[4] RIBEIRO, Jorge Miranda. Curso Avançado de Convênios da União. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2010, p. 119 - 122.

[5] Idem, p. 121

[6]  CANDEIA, Remilson Soares. Convênios Celebrados com a União e suas Prestações de Contas. São Paulo: Editora NDJ, 2005, p. 73.

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Sobre o autor
Juliana de Carvalho Correia Marinho

Advogada da União. Atua na Coordenação - Geral de Convênios da Consultoria Jurídica do Ministério da Integração Nacional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARINHO, Juliana Carvalho Correia. Da possibilidade de uso do saldo remanescente dos recursos de convênios administrativos para a ampliação da execução do objeto conveniado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4261, 2 mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31764. Acesso em: 18 abr. 2024.

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