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A garantia da duração razoável do processo e o exercício abusivo do direito

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10/09/2014 às 08:55
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Analisam-se a influência do exercício imoderado do direito na lentidão processual e a possibilidade de responsabilização pecuniária das partes e de seus procuradores.

1. INTRODUÇÃO

A eficácia de um sistema jurídico depende indubitavelmente da sua capacidade de dirimir respostas razoáveis às pretensões judiciais em tempo hábil.

Nessa perspectiva, Mauro Cappelletti e Bryant Garth pontuam que “uma justiça que não cumpre sua função dentro de um prazo razoável é, para muitas pessoas, uma justiça inacessível”.[1]

A protelação exacerbada dos processos judiciais não somente viola o princípio do acesso à justiça, como também promove uma insegurança jurídica e atenta contra o princípio da dignidade da pessoa humana, o qual consiste em um verdadeiro valor fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso país e que traduz de modo expressivo um dos fundamentos da ordem republicana e democrática no Brasil.[2]

O dever de prestação da tutela jurisdicional em tempo adequado preconiza não apenas a impulsão processual e a necessidade da eficiência e efetividade da prestação jurisdicional, mas também o respeito ao ser humano que recorre ao poder judiciário para tutelar seus direitos e obter respostas concretas às suas pretensões.

Nesse diapasão, revela-se a importância da consagração da razoável duração do processo como um direito do ser humano.

É certo que a elevação da duração razoável do processo como um direito do indivíduo singularmente não cessa a morosidade processual. Todavia, enseja uma reflexão sobre as causas da dificuldade da entrega efetiva da tutela jurisdicional, bem como a adoção mecanismos que possibilitem a concretização deste direito.

O presente estudo tem por finalidade analisar as condutas irregulares causadoras ou contributivas para a morosidade processual, identificando os possíveis responsáveis e traçando parâmetros para a garantia da duração razoável do processo.

Inicialmente, será abordada a relação entre o tempo e o processo, ponderando a morosidade da prestação efetiva da tutela jurisdicional como uma causa e consequência da degradação da justiça.

Em seguida, serão estudadas as origens da garantia da duração razoável do processo no direito internacional e brasileiro, bem como os critérios para a sua aferição.

Ademais, serão analisados os institutos caracterizadores do exercício abusivo do direito que obstruem a prestação jurisdicional em tempo adequado e a responsabilidade civil dos sujeitos processuais em face do comportamento procrastinatório.


2. TEMPO E PROCESSO: A MOROSIDADE NA PRESTAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL E A DEGRADAÇÃO DA JUSTIÇA

A noção de tempo sempre desafiou a compreensão do ser humano, constituindo objeto de discussão em diversos ramos do conhecimento. No âmbito jurídico, discute-se especialmente a correlação entre o tempo e a prestação da tutela jurisdicional.

Observa-se que a discussão acerca da duração da prestação jurisdicional não é algo recente, resultante da massificação das relações sociais.

Conforme salienta Volker Schlette, “as queixas com relação ao tempo de duração dos processos judiciais devem ser tão antigas como a própria Justiça”[3].

Ainda no reinado Justiniano, no século VI, foram promulgadas leis que já tinham por finalidade reduzir o tempo de administração da justiça. Outrossim, no século XIX, na Inglaterra, uma das principais fontes de insatisfação com o Poder Judiciário já consistia na excessiva demora para a resolução dos litígios[4].

Contudo, foi a partir da evolução da ciência processual, principalmente em meados do século XX, que ascendeu uma preocupação com a efetividade processual e o acesso à justiça, associando a concepção de processo justo, que concretiza os valores e princípios constitucionais, a uma solução efetiva e adequada da querela.

Assim, não bastaria a garantia do ingresso ao juízo, seria necessária a adequação do processo como um instrumento eficaz de realização do direito material. Nessa perspectiva, Cândido Rangel Dinamarco dispõe:

“O direito moderno não se satisfaz com a garantia da ação como tal e por isso é que procura extrair da formal garantia desta algo de substancial e profundo. O que importa não é oferecer ingresso em juízo, ou mesmo julgamentos de mérito. Indispensável é que, além de reduzir os resíduos de conflitos não-jurisdicionalizáveis, possa o sistema processual oferecer aos litigantes resultados justos e efetivos, capazes de reverter situações injustas desfavoráveis, ou de estabilizar situações justas. Tal é a idéia da efetividade da tutela jurisdicional, coincidente com a da plenitude do acesso à justiça e a do processo civil de resultados.”[5]

Para que a tutela jurisdicional seja realmente efetiva e adequada, esta deve ser prestada em tempo razoável. É cediço que o tempo constitui um inimigo implacável do processo, contra o qual todos devem lutar de forma obstinada[6], posto que uma prestação jurisdicional em destempo pode implicar no próprio perecimento do direito.

São inúmeros os casos nos quais, em virtude da urgência, se o direito não for tempestivamente tutelado acaba perecendo. No entanto, mesmo em situações nas quais prescinde a urgência, o objeto acaba se esvaindo ou, em decorrência da longa duração do processo, a parte hipossuficiente, economicamente ou tecnicamente, acaba cedendo e renunciando total ou parcialmente o seu direito.

Ademais, é comum que, ainda que reconhecido o direito em juízo, a parte não consiga exercê-lo ou concretizá-lo em decorrência da morosidade processual.

Portanto, a demora processual pode ocasionar a própria negação da justiça e enseja o sentimento de impunidade, contribuindo para o desprestígio da atividade jurisdicional perante os cidadãos e a descredibilidade no Estado Democrático de Direito, o qual deve oferecer a todos uma justiça confiável, independente e imparcial.

É certo que a lentidão processual é um dos maiores dissabores experimentados por aqueles que recorrem ao Estado para salvaguardar os seus direitos, não figurando unicamente no sistema judicial brasileiro, mas também em diversos sistemas jurídicos internacionais.

Dessa forma, adiante será abordada a consagração da duração razoável do processo como um direito do ser humano.


3. A GARANTIA DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO

3.1. Aspectos históricos: A consagração como um direito do indivíduo

Conforme exposto anteriormente, a morosidade processual não constitui um problema exclusivamente brasileiro. Em razão da verificação da lentidão na justiça de diversos países, o direito ao processo com duração razoável, sem dilações indevidas, passou a ser reconhecido em vários diplomas legais.

A Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais[7] é identificada como um dos primeiros documentos que tutela a duração razoável do processo como um direito humano, disciplinando em seu art. 6º:

“Toda pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, instituído por lei, que decidirá sobre seus direitos e obrigações civis ou sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal contra ela dirigida.”[8]

Outrossim, a Convenção Americana de Direitos Humanos – conhecida como Pacto de São José da Costa Rica – subscrita durante a Conferência Especializada Interamericana de Direitos Humanos de 1969, esboçou no art. 8º:

“Toda pessoa tem o direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem os seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.”[9]

Doutrinariamente, tais documentos são mencionados como os precursores para a consagração da duração razoável do processo como um direito. Todavia é importante salutar que outros textos supranacionais igualmente reconheceram o direito à razoável duração do processo, tais como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966[10] – adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas – e a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos de 1981[11].

Desde então, o direito à razoável duração do processo foi inserido expressamente em diversos ordenamentos jurídicos, dentre os quais na constituição espanhola (Art. 24, 2), na constituição italiana (Art.111), na constituição portuguesa (Art.24, 4), na Carta Canadense dos Direitos e Liberdades (Art.11, b), na constituição argentina (Art.43), na constituição boliviana (Art.115, II) e na constituição colombiana (Art.86).[12]

O Brasil, embora signatário do Pacto de São José da Costa Rica desde 1992 e esboçando em sua Constituição de 1988 a receptividade dos direitos enunciados em tratados internacionais – nos quais o país é parte – conferindo-lhes hierarquia de norma constitucional, inseriu explicitamente o direito à tutela jurisdicional com duração razoável no rol de direitos fundamentais através da Emenda Constitucional n° 45 de 2004, mediante o acréscimo do inciso LXXVIII ao art. 5°, in verbis: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Observa-se que a inclusão expressa do supramencionado direito na Constituição da República Federativa do Brasil perdura no contexto de uma proposta de “reforma do poder judiciário", evidenciando uma crescente preocupação social com a degradação da justiça em face da excessiva morosidade da tutela jurisdicional.

Não obstante, a elevação da razoável duração do processo como um direito do ser humano e, in casu, a alteração no texto constitucional tornando-o expresso no rol de direitos fundamentais, não promove instantaneamente uma reforma no poder judiciário. No entanto, enseja uma reflexão sobre as causas da dificuldade da entrega efetiva da tutela jurisdicional, bem como a adoção mecanismos que possibilitem a concretização deste direito, conforme exposto adiante.

3.2. A dificuldade da entrega efetiva da tutela jurisdicional e os critérios de aferição da duração razoável do processo

A problemática da morosidade processual envolve diversos fatores, os quais não esvaecem em face da mera postulação da duração razoável do processo como um direito do indivíduo no ordenamento jurídico ou da sistematização de alguns instrumentos processuais.

As reformas processuais, com adoção de mecanismos mais céleres e imposição de sanções aos sujeitos que praticam atos de improbidade processual, contribuem para a garantia do direito fundamental supramencionado, representando, por exemplo, uma redução das lides temerárias ou dos recursos procrastinatórios, mas não constituem uma solução para o fim da morosidade da justiça, na medida em que não atacam as suas causas estruturais.

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Assim, para propor uma solução adequada para a morosidade processual, é mister analisar as circunstâncias de cada caso, bem como o sistema jurídico e os aspectos sociológicos, econômicos e políticos de cada país. No entanto, é possível elencar alguns critérios básicos para a aferição da duração razoável do processo.

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, por exemplo, a partir do reconhecimento do direito da duração razoável do processo na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, firmou entendimento de que, respeitadas as circunstâncias de cada caso, devem ser observados três critérios para se determinar a duração razoável do processo, quais sejam: a complexidade do assunto, a atuação do órgão jurisdicional e o comportamento dos litigantes e de seus procuradores.[13]

3.2.1. Complexidade do assunto

A complexidade do assunto poderá ensejar um atraso processual. Contudo, é evidente que nem todo atraso justifica-se em face da complexidade da causa.

André Luiz Nicolitt sistematiza a complexidade do assunto – ou da causa – em três tipos: a complexidade do direito (jurídica), a complexidade do processo (instrumental) e a complexidade dos fatos (fática).[14].

A complexidade jurídica decorre da dificuldade de interpretação de uma norma jurídica, em razão de seu recente ingresso no ordenamento jurídico ou por não conter clareza em sua redação.

Já a complexidade instrumental pode ser vislumbrada em face de inúmeras demandas ou incidentes processuais, bem como da existência incidência de um litisconsórcio, com um grande número de litigantes. Ademais, a complexidade fática advém da dificuldade de compreensão verossímil da situação posta em juízo.

Observa-se ainda que as três dimensões são independentes, ou seja, há a possibilidade de uma ação apresentar uma situação fática complexa, embora os aspectos processuais e o direito aplicado não demandem dificuldade, e vice-versa.

Assim, a aferição do tempo adequado para a solução do processo deve ser proporcional ao grau de complexidade do assunto.

3.2.2. Atuação do órgão jurisdicional

Segundo Nicolitt[15], o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem entende que o Estado signatário da Convenção Europeia dos Direitos Humanos tem o dever de assegurar a prestação jurisdicional efetiva, sendo esta uma verdadeira obrigação de resultado associada ao respeito às garantias dos direitos fundamentais.

Os atrasos imputados ao Estado na tutela jurisdicional decorrem tanto de fatores estruturais, quanto da atuação das autoridades judiciárias, as quais desempenham um papel significativo para a garantia da duração razoável do processo.

As dilações provocadas pela atuação do Estado são subdividas em dois grupos: as organizativas, que decorrem de fatores estruturais; e as funcionais, associadas à deficiente condução do processo por parte dos juízes e tribunais.[16]

Impõe-se ao Estado o dever fornecer um aparato judicial adequado, com uma alocação racional dos órgãos e das autoridades judiciárias, bem como o de coibir paralisações procedimentais injustificadas e a concentração da atividade judicial em aspectos secundários do processo.

Não é possível salvaguardar o direito a duração razoável do processo, sem uma atuação jurisdicional efetiva e eficaz.

3.2.3. Comportamento dos litigantes e de seus procuradores

Outrossim, o comportamento dos litigantes e de seus procuradores interfere na duração do processo.

É certo que os sujeitos processuais têm o dever de realizarem com diligência os atos processuais que lhe dizem respeito, abstendo-se de atuações dilatórias, comprometendo-se com a verdade e colaborando para a consecução da justiça.

Todavia, observa-se na prática o constante exercício do direito, pelas partes e seus procuradores, divorciado da função social para o qual foi criado, prejudicando o andamento processual e consequentemente a garantia da duração razoável do processo.

Nesse sentido, Adroaldo Leão pondera:

“O tempo tem sido desfigurado e distorcido. Não raro, dele se faz uso com características de moratória. Abusivamente, protela-se, por mero capricho ou ato emulativo, o cumprimento de obrigações, as quais, porque tardiamente adimplidas, são incompletas. Agrava-se a angústia pela observação de que tal descaracterização se passa com a omissão e beneplácito do Estado-juiz.”[17]

Assim, para aferir a duração razoável do processo, é importante analisar o comportamento dos sujeitos processuais, em especial da parte e dos seus procuradores, coibindo seus excessos.


4. O EXERCÍCIO ABUSIVO DO DIREITO COMO OBSTÁCULO À RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO

Conforme disciplina Leonel Maschietto[18], a preocupação com a má-fé processual remonta ainda da Roma Antiga, no século II, através da sponsio dimidae partis, pela qual o demandado prometia pagar um acréscimo da metade do pedido caso perdesse a causa, e da restipulatio diminidae partis, que vinculava ambos os demandantes, a título de pena, por uma quantia equivalente à metade, ou um terço pedido, a favor do vencedor.

Posteriormente no reinado de Justiniano, no século VI, essa preocupação torna-se ainda mais evidente através do iusiurandum calumniae, uma espécie de juramento prestado pelas partes e procuradores, para a ação em geral ou atos particulares, com o fim de evitar a conduta temerária e a dilação desnecessária da ação, bem como se comprometendo com a boa-fé no esclarecimento dos fatos. Nessa época, a recusa em prestar os juramentos acarretava a confissão e a sentença era proferida de acordo com essa circunstância.

Não obstante, foi com o desenvolvimento da ciência do direito e o aperfeiçoamento da ciência processual no século no princípio do século XX, que o exercício arbitrário dos direitos subjetivos passou a ser amplamente questionado doutrinariamente através da Teoria do Abuso do Direito[19].

A referida teoria destaca a importância da imposição de limites para o exercício dos direitos subjetivos dos indivíduos quando divorciados dos fins sociais, visando satisfazer o equilíbrio social e a pacificação da justiça. Segundo Maria Cláudia Chaves de Faria Góes, a teoria do abuso do direito representa:

“A reação concreta contra certos resultados amorais e anti-sociais, fruto de uma doutrina clássica dos direitos absolutos. Ao invés do direito-poder como prerrogativa soberana concedida ao indivíduo, instaura-se o direito função, como prerrogativa concedida ao homem em sociedade. Deve-se por em mente que a doutrina visa, primordialmente, coibir o abuso do exercício indiscriminado do direito individual para consagrar o respeito pela preservação dos interesses de comunhão social.”[20]

A partir deste momento, a doutrina se volta a procurar meios de coibir o comportamento abusivo dos sujeitos processuais que prolongam indevidamente a situação de litispendência[21], impedindo a solução do processo em prazo razoável.

Afinal, conforme menciona Leonel Maschietto citando André Franco Montoro, a justiça consiste fundamentalmente na disposição permanente de respeitar a pessoa do próximo.[22]

As partes em conflito no processo, além do interesse material da declaração de seus direitos, exercem também a importante função de colaboração com a justiça no sentido da reta aplicação da ordem jurídica. Portanto, devem sempre observar os preceitos para a boa condução processual.

Atualmente, não prevalece mais a concepção do processo como um duelo privado no qual o juiz figura como um árbitro e as partes podem utilizar de todas as artimanhas contra o adversário para vencer o processo ou evitar a sua consecução. Exige-se dos litigantes uma conduta adequada à finalidade de pacificação social do processo.

Desse modo, Ada Pellegrini Grinover adverte:

“A relação jurídica processual, estabelecida entre as partes e o juiz, rege-se por normas jurídicas e por normas de conduta. De há muito, o processo deixou de ser visto como instrumento meramente técnico, para assumir a dimensão de instrumento ético voltado a pacificar com justiça. Nessa ótica, a atividade das partes, embora empenhadas em obter a vitória, convencendo o juiz de suas razões, assume uma dimensão de cooperação com o órgão judiciário, de modo que de sua posição dialética no processo possa emanar um provimento jurisdicional o mais aderente possível à verdade, sempre entendida como verdade processual e não antológica, ou seja, como algo que se aproxime ao máximo da certeza, adquirindo um alto grau de probabilidade.”[23]

Assim, busca-se compatibilizar exercício do contraditório e da ampla defesa com os direitos constitucionais do litigante adversário, nomeadamente o de receber do Estado uma resposta ao seu pedido de tutela jurisdicional em forma efetiva e no menor prazo possível[24], reprimindo os atos e omissões do litigante que extrapola os limites do razoável.

Visando conter o exercício imoderado do direito, divorciado da função social para o qual foi criado, o ordenamento jurídico brasileiro impôs uma série de deveres às partes e aos seus procuradores[25] no processo. Ademais, elencou um rol de condutas abusivas, tipificando-as como litigância de má-fé, impondo uma sanção às partes que as praticarem.

Igualmente, a jurisprudência trabalhista firmou o instituto do assédio processual, o qual será abordado adiante.

4.1. A litigância de má-fé

O instituto processual da litigância de má-fé constitui espécie do abuso do direito, caracterizando-se pelo agir em desconformidade com o dever jurídico de lealdade e exorbitando os limites da boa-fé.

Nelson Nery Junior conceitua o litigante de má-fé como:

 “a parte ou interveniente que, no processo, age de forma maldosa, com dolo ou culpa, causando dano processual à parte contrária. É o improbus litigator que se utiliza de procedimentos escusos com o objetivo de vencer ou que, sabendo ser difícil ou impossível vencer, prolonga deliberadamente o andamento do processo, procrastinando o feito.”[26]

A legislação brasileira, por sua vez, reputa litigante de má-fé aquele que atuar no Processo – na qualidade de réu, autor ou interveniente – praticando uma das condutas prescritas no rol do art. 17 do Código de Processo Civil, in verbis:

“Art. 17. Reputa-se litigante de má-fé aquele que:

I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;

II - alterar a verdade dos fatos; 

III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;

IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;

V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;

Vl - provocar incidentes manifestamente infundados.

VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.” [27]

Ademais o Código de Processo Civil pátrio, fixa sanções ao litigante de má-fé são, consistindo estas no pagamento de multa, honorários advocatícios e indenização dos prejuízos e de todas as despesas que a outra parte efetuou, conforme disciplina o Art. 18:

“Art. 18. O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou.

§ 1º Quando forem dois ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção do seu respectivo interesse na causa, ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária.

§ 2º O valor da indenização será desde logo fixado pelo juiz, em quantia não superior a 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, ou liquidado por arbitramento.”

4.2. O assédio processual

É cediço que o direito à duração razoável do processo não se sobrepõe à garantia constitucional do devido processo legal. Dessa forma, embora o Estado Democrático de Direito assegure o contraditório e a ampla defesa, estes devem ser exercidos nos limites da razoabilidade e da proporcionalidade, a fim de efetivar a prestação jurisdicional de forma justa e adequada.

No entanto, conforme exposto anteriormente, o que se observa na prática é o exercício abusivo do direito de defesa, evidenciado principalmente na interposição excessiva de recursos processuais perante os órgãos judiciários, os quais tumultuam o andamento do feito e comprometem a segurança jurídica.

Com o fim de evitar a interposição abusiva de recursos, que oneram a prestação jurisdicional, a jurisprudência trabalhista brasileira[28] tem vislumbrado a incidência do assédio processual, impondo além da sanção decorrente da litigância de má-fé, prevista no Código de Processo Civil, o dever de reparação pelos danos extrapatrimoniais ocasionados à parte adversa em face da violação à dignidade da pessoa humana por meio da postergação dos trâmites processuais.

A jurisprudência trabalhista tem reconhecido a figura do assédio processual como espécie do gênero assédio moral. Assim, Paroski afirma:

“Ele está inserido dentro do assédio moral, como ramo autônomo, tendo características semelhantes à litigância. Em contrapartida, tem características muito particulares, que o colocam como uma ‘modalidade de assédio moral, mas restrita a atuação da parte em juízo’.” [29]

Todavia, aponta-se a incidência do assédio processual em situações nas quais uma das partes tenta prejudicar a outra, agindo de forma a dificultar o andamento normal do processo, fazendo uso excessivo dos recursos processuais existentes ou utilizando-se de artifícios e manobras jurídicas com o intuito de convencer o juiz a acolher teses infundadas. Ou seja, tal instituto na prática corresponde ao exercício abusivo dos direitos de ação e de defesa.

Nessa acepção, Jeane Sales Alves conceitua o assédio processual como:

“a atuação desproporcional da parte que por meio de abuso de direito de defesa, da prática de atos atentatórios à dignidade da justiça, da inobservância dos deveres das partes, especialmente no que se refere à lealdade e à boa-fé, proporciona excessiva demora na prestação jurisdicional, com o fim de desestimular a contraparte a prosseguir com o feito; fazê-la desacreditar no poder judiciário; forçá-la a celebrar acordo prejudicial aos seus direitos, fazendo com que esta suporte sozinha os efeitos do tempo no processo.”[30]

Também assim João Batista Chiachio, conceitua o instituto como:

“a procrastinação por uma das partes no andamento do processo, em qualquer uma de suas fases negando-se a cumprir decisões judiciais, amparando-se ou não em norma processual, para interpor recursos, agravos, embargos, requerimentos de provas, petições despropositadas procedendo de modo temerário e provocando incidentes manifestamente infundados tudo objetivando obstaculizar a entrega da prestação jurisdicional à parte contrária.”[31]

Com efeito, Alexandre Belmonte pondera que o “assédio decorre do agir de forma reiterada e sistemática, com a finalidade de constranger alguém”[32], ou seja, não advém do exercício moderado dos direitos e faculdades processuais, mas do abuso e do excesso no emprego de meios legalmente contemplados pelo ordenamento jurídico para a defesa de direitos ameaçados ou violados.

Observa-se ainda que o propósito do litigante é dissimulado, posto que objetiva tornar a marcha processual mais morosa, através do exercício regular das faculdades processuais, causando prejuízos patrimoniais e extrapatrimoniais à outra parte, que não consegue ter adimplido seu direito constitucional de receber a tutela jurisdicional de forma célere e precisa[33]

Nesse diapasão, Luiz Guilherme Marinoni observa:

“Se o tempo é a dimensão fundamental da vida humana e se o bem perseguido no processo interfere na felicidade do litigante que o reivindica, é certo que a demora do processo gera, no mínimo, infelicidade pessoal e angústia e reduz as expectativas de uma vida mais feliz (ou menos infeliz). Não é possível desconsiderar o que se passa na vida das partes que estão em juízo. O cidadão concreto, o homem das ruas, não pode ter os seus sentimentos, as suas angústias e as suas decepções desprezadas pelos responsáveis pela administração da justiça. Isto para não se falar nos danos econômicos, freqüentemente graves, que podem ser impostos à parte autora pela demora do processo e pela conseqüente imobilização de bens e capitais”[34]

É mister salientar que além de prejudicar frontalmente a parte que obteve procedência em sua demanda, o assédio processual colabora para a morosidade processual, aumentando a carga de trabalho dos órgãos judiciários e consumindo recursos públicos para a prática de atos processuais, e indiretamente ocasiona a descredibilidade na justiça brasileira.

Em face do exposto, o assédio processual deve ser combatido e punido principalmente porque desprivilegia e desconsidera o direito fundamental à razoável duração do processo, uma vez que proporciona excessiva demora na prestação jurisdicional.

Corroborando esse entendimento, o magistrado Vasni Paroski ensina que: “o exercício imoderado de direitos deve ser combatido. Pensar diferente seria colocar-se na contramão dos fundamentos e objetivos traçados pela Constituição vigente”[35].

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Sobre o autor
Israel Lopes Araújo Sousa

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Piauí - UFPI. Pós-graduando em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera Uniderp.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUSA, Israel Lopes Araújo. A garantia da duração razoável do processo e o exercício abusivo do direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4088, 10 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31787. Acesso em: 19 abr. 2024.

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