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A ajuda de custo por remoção a pedido dos servidores públicos federais após o advento da MP 632/2013 c/c Lei 12.998/2014

12/09/2014 às 13:21
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A alteração legislativa será capaz de retirar dos servidores públicos federais o direito à percepção da ajuda de custo, quando essa se der no interesse da Administração, ainda que não seja de ofício?

Sumário: Introdução. 1. Do posicionamento legal e jurisprudencial sobre o tema anteriormente ao advento da MP 632/2013 c/c Lei 12.998/2014. 2. O Valor da Indenização. 3. Alteração da Lei 12.998/2014 e o posicionamento sobre a matéria. 4. Conclusão. 5. Referências.


INTRODUÇÃO

Sujeitos ao regime jurídico da Lei 8.112/90, os servidores públicos federais acompanharam, durante longo tempo, a Administração Federal se negar a indenizá-los à ajuda de custoprevista no art. 53 da Lei 8.112/90 (que em sua redação original, não possuía o § 3o,), ao argumento de que por ser a remoção efetivada “a pedido”, e não “de ofício”, não geraria direito ao auxílio, criando, desta forma, uma distinção e um impeditivo não previstos em Lei.

Após consolidação de jurisprudência que afastou esse entendimento administrativo, foi editada a Medida Provisória nº 623/2013 (convertida na Lei 12.998/2014) que dispôs sobre a remuneração de determinadas carreiras e inseriu inadvertidamente (sem comprovação da urgência e relevância do tema) um dispositivo no art. 53 da Lei 8.112/90[1], para consignar que remoções a pedido, a critério da Administração, ou a pedido, para outra localidade, independentemente do interesse da Administração, não fariam jus à ajuda de custo por remoção.

O que iremos discutir aqui é se essa alteração normativa atingiu a ratio essendi que justificava o reconhecimento judicial desse direito aos servidores públicos federais. Dito de outra forma: essa alteração legislativa será capaz de retirar dos servidores públicos federais o direito à percepção da ajuda de custo, quando essa se der no interesse da Administração, ainda que não seja de ofício? É o que passaremos a discutir.   


1. DO POSICIONAMENTO LEGAL E JURISPRUDENCIAL SOBRE O TEMA ANTERIORMENTE AO ADVENTO DA MP 632/2013 C/C LEI 12.998/2014

A lei 8.112/90, em seu art. 36, conceitua a “remoção” como:

Art. 36.  Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede.

Em seu art. 51, o mesmo diploma legal elenca as espécies de indenizações ao servidor público federal:

Art. 51.  Constituem indenizações ao servidor:

I - ajuda de custo;

II - diárias;

III - transporte.

IV - auxílio-moradia.

Já o caput do art. 53 da lei 8.112/90, prevê os requisitos para a concessão da ajuda de custo:

Art. 53.  A ajuda de custo destina-se a compensar as despesas de instalação do servidor que, no interesse do serviço, passar a ter exercício em nova sede, com mudança de domicílio em caráter permanente, vedado o duplo pagamento de indenização, a qualquer tempo, no caso de o cônjuge ou companheiro que detenha também a condição de servidor, vier a ter exercício na mesma sede.

Pois bem. Então os “requisitos legais” para fazer jus à ajuda de custo são: a) exercício em nova sede; b) em caráter permanente; e c) no interesse do serviço.

Observe-se que, em nenhum momento, a lei distingue em tal ou qual modalidade de remoção é cabível o pagamento de indenização, se de ofício ou a pedido. E isso não mudou com a alteração legislativa recente.

Os dois primeiros requisitos são objetivos e, portanto, dispensa maiores digressões.

No tocante ao requisito interesse do serviço, sedimentou-se o entendimento de que, não obstante haver o “pedido” do servidor decorrente de oportunização de opção aberta por concurso de remoção, nessas hipóteses também fica ele demonstrado, eis que a Administração possui total interesse (e até mesmo necessidade) no preenchimento de vagas em aberto, tanto assim que a disponibiliza através de concurso de remoção, pouco importando se ela se efetivou “de ofício” ou “após manifestação” do candidato.

Nesse sentido é farta a jurisprudência, conforme excertos citados a título exemplificativo:

Processo PEDILEF 200772510005124

INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Relator(a) JUÍZA FEDERAL JOANA CAROLINA LINS PEREIRA Sigla do órgão TNU Data da Decisão 03/08/2009 Fonte/Data da Publicação DJ 05/04/2010 Decisão Decide a Turma, por maioria, conhecer do pedido de uniformização e, no mérito, por maioria, dar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator para o acórdão.

Ementa: ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. SERVIDOR PÚBLICO. REMOÇÃO A PEDIDO. INTERESSE DO SERVIÇO. AJUDA DE CUSTO. DIREITO RECONHECIDO. PROVIMENTO DO INCIDENTE. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO AUTORAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS FIXADOS NO ACÓRDÃO RECORRIDO. EXCLUSÃO. QUESTÃO DE ORDEM 2 DA TNU C/C O ART. 55, CAPUT, DA LEI 9.099/95.

1. O interesse do serviço na remoção está presente no oferecimento do cargo vago e não no procedimento administrativo tomado para preenchê-lo, criando-se, a partir daí, o direito do agente público de exigir a ajuda de custo. (Cf. STJ, AgRg no RESP 779.276/SC, Sexta Turma, Desembargador convocado Celso Limongi, DJ 18/05/2009; AgRg no RESP 714.297/SC, Sexta Turma, Desembargadora convocada Jane Silva, DJ 01/12/2008.)

2. Pedido de uniformização provido. Procedência do pedido autoral, com exclusão dos horários advocatícios fixados no acórdão recorrido.

Relator Acórdão JUIZ FEDERAL JOÃO CARLOS COSTA MAYER SOARES

ProcessoAgRg no REsp 1136768 / PR

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2009/0077670-6

Relator(a): Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ (1158)

Órgão Julgador: T6 - SEXTA TURMA

Data do Julgamento: 11/02/2014

Data da Publicação/Fonte: DJe 28/02/2014

Ementa

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PROCURADOR FEDERAL. REMOÇÃO A PEDIDO. DISPONIBILIZAÇÃO DE VAGAS. AJUDA DE CUSTO. DIREITO RECONHECIDO. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Devida a ajuda de custo ao procurador autárquico, porquanto constatado interesse público na sua remoção, em razão do oferecimento de vagas pela Administração. Precedentes.

2. Agravo regimental a que se nega provimento.


2. O VALOR DA INDENIZAÇÃO

Determina o art. 52 da Lei 8.112/90, que os valores das indenizações, dentre elas a “ajuda de custo”, serão estabelecidos em Regulamento:

Art. 52.  Os valores das indenizações estabelecidas nos incisos I a III do art. 51, assim como as condições para a sua concessão, serão estabelecidos em regulamento.

Já o art. 54 da Lei 8.112/90 remete à mesma previsão da regra em regulamento, mas estabelecendo o critério e o teto máximo para a indenização:

Art. 54.  A ajuda de custo é calculada sobre a remuneração do servidor, conforme se dispuser em regulamento, não podendo exceder a importância correspondente a 3 (três) meses.

O regulamento referido a ser aplicado é o Decreto nº 4.004/2001, o qual dispõe sobre a concessão de ajuda de custo e de transporte aos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, e dá outras providências.

Prevê o art. 1º, I, do referido Decreto:

Art. 1º Ao servidor público civil regido pela Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que, no interesse da administração, for mandado servir em nova sede, com mudança de domicílio em caráter permanente, conceder-se-á:

1) ajuda de custo, para atender às despesas de viagem, mudança e instalação;

E o art. 2º, caput e §2º, do Decreto arremata:

Art. 2º O valor da ajuda de custo de que trata o inciso I do art. 1º será calculado com base na remuneração de origem, percebida pelo servidor no mês em que ocorrer o deslocamento para a nova sede.

§ 2º A ajuda de custo corresponderá a uma remuneração, caso o servidor possua um dependente, a duas remunerações, caso o servidor possua dois dependentes e a três remunerações, caso o servidor possua três ou mais dependentes.

Portanto, o valor da indenização corresponderá à remuneração do servidor, na data em que o mesmo for removido para outro domicílio em caráter permanente, e de acordo com o número de seus dependentes.

Frise-se: o pagamento da ajuda de custo em virtude de remoção não depende de efetiva comprovação das despesas, em face do que dispõe o art. 54 da Lei nº 8.112/91 c/c art. 2º do Decreto nº 4.004/2001. Nesse sentido, é a posição firmada pelo STJ:

DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. AJUDA DE CUSTO. REMOÇÃO PARA OUTRO MUNICÍPIO. DESPESAS. EXISTÊNCIA. PRESUNÇÃO LEGAL. COMPROVAÇÃO. DESNECESSIDADE. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.

1. Faz jus à ajuda de custo o servidor que, no interesse da Administração, passa a ter exercício em nova sede, com mudança de domicílio em caráter permanente, sendo desnecessária a comprovação das despesas realizadas, que serão presumidas de acordo com o número de seus dependentes. Inteligência do art. 53, caput, da Lei 8.112/90 c.c 2º, § 2º, do Decreto 4.004/01.

2. Recurso especial conhecido e provido.(Superior Tribunal de Justiça – Quinta Turma, RESP nº 904183, julgado em 05/02/2009, por unanimidade, relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJE de 09/03/2009).


3. A ALTERAÇÃO PRODUZIDA PELA MP 623/2013 C/C A LEI 12.998/2014 E O POSICIONAMENTO SOBRE A MATÉRIA

Conforme explicitado acima, a União, após ver sedimentada jurisprudência que reconheceu direito aos servidores públicos federais à ajuda de custo, ainda que a pedido, a critério da Administração, inseriu um dispositivo no art. 53 da Lei 8.112/90 para consignar que remoções a pedido, a critério da Administração, ou a pedido, para outra localidade, independentemente do interesse da Administração, não fazem jus à ajuda de custo por remoção.

  Mas a discussão que resta é a seguinte: não obstante ter atacado o aspecto “formal” do procedimento de remoção (se a pedido ou não), essa alteração normativa impacta na natureza jurídica do direito à ajuda de custo e, consequentemente, na ratio essendi dos precedentes jurisprudenciais que trataram da matéria a favor dos servidores públicos federais?

Primeiramente, cabe registrar que, para os casos de remoção efetivada anteriormente à Medida Provisória nº 632, de 24 de dezembro de 2013 (convertida na Lei 12.998/2014), a aplicação é pura e simples do princípio tempus regit actum, conforme vastos precedentes jurisprudenciais, inclusive do STF[2]. Portanto, as remoções efetivadas anteriormente a 24 de dezembro de 2013 em nada foram impactadas pela alteração normativa ocorrida com a inserção do § 3º, no art. 53 da Lei 8.112/90. Ao contrário. Por se tratar de norma restritiva de direitos, cuja regra de hermenêutica determina a aplicação de interpretação literal, essa alteração legislativa veio somente reforçar o entendimento de que a ajuda de custo era devida aos servidores públicos, mesmo nos casos de remoção a pedido. Não fosse assim, não haveria necessidade de inserção na lei dessa regra restritiva. Só se “cria” regra que antes não existia.

Porém, no nosso sentir, mesmo com essa alteração legislativa ocorrida em dezembro de 2013, ainda assim, os servidores públicos federais continuam a possuir o direito à percepção de ajuda de custo, nos casos de remoção a pedido, quando a Administração oferece as vagas. E a razão é a mesma explanada nos julgados anteriores à MP 632/2013: “O interesse do serviço na remoção está presente no oferecimento do cargo vago e não no procedimento administrativo tomado para preenchê-lo. Embora haja, de fato, o interesse do servidor na remoção, o interesse da Administração também é inegável, não exigindo a legislação de regência, para que haja direito à ajuda de custo, que o interesse seja exclusivo do Poder Público.”[3]

Ora, da forma como redigido o novel texto normativo, ele incorre no mesmo erro de premissa afastado pela jurisprudência: vincula o reconhecimento do direito à ajuda de custo ao procedimento administrativo utilizado para o preenchimento do cargo. Ocorre que as exigências legais são as mesmas previstas no caput do art. 53 da Lei 8.112/91 (o qual não sofreu nenhuma modificação), a saber: a) exercício em nova sede; b) em caráter permanente; e c) interesse do serviço público.

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Portanto, a discussão continua sendo acerca do fato de que se está ou não presente o interesse público nas remoções a pedido; e quanto a esse mérito a jurisprudência já pacificou entendimento no sentido afirmativo, de modo que a referida alteração legislativa, de nada impactou o direito dos servidores públicos à percepção de ajuda de custo nas hipóteses de remoção a pedido, a critério da Administração, conforme modalidade expressa no Art. 36, parágrafo único, II da Lei 8.112/90[4].


4. CONCLUSÃO

A remoção no interesse da Administração gera aos servidores públicos federais direito à indenização de ajuda de custo, com vistas a compensar as despesas de instalação que ele terá com a mudança para sua nova sede, em razão de alteração de domicílio em caráter permanente. Esse custo é presumido, independe de comprovação, e a ajuda de custo é calculada com base na remuneração de origem, percebida pelo servidor no mês em que ocorrer o deslocamento para a nova sede.

A Administração negava-lhes o reconhecimento desse direito, ao argumento de que na remoção a pedido, não estaria presente o interesse público exigido por lei - o que foi rechaçado pela jurisprudência firmada no sentido de que o interesse público não se confundia com a “formalidade do tipo de procedimento administrativo” utilizado para preenchimento da vaga, estando aí comprovado o interesse da Administração, para que não se deixasse a vaga sem preenchimento, causando prejuízo ao serviço público pela ausência de servidor em determinada localidade.

E a alteração legislativa trazida com a MP 632/2013 em nada impactou o direito dos servidores públicos à percepção de ajuda de custo nas hipóteses de remoção a pedido, a critério da Administração, eis que o cerne continua na detecção da presença do interesse público no preenchimento da vaga, e não sua vinculação formal à espécie de procedimento administrativo escolhido para seu preenchimento.


REFERÊNCIAS

ALEXANDRINO, Marcelo, PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 16 ed. São Paulo: Método, 2006.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2005.


NOTAS

[1] Lei 8.112/90. Art. 53. § 3o  Não será concedida ajuda de custo nas hipóteses de remoção previstas nos incisos II e III do parágrafo único do art. 36. (Incluído pela Lei nº 12.998, de 2014)

 

[2] STF, ARE 654357 RJ. STF, ARE 811087 AM. STF, ARE 809069 RN.

 

 

[3] TNU - PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL : PEDILEF 5057003520094058300

 

 

[4] Lei 8.112/90. Art. 36.  Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede.

Parágrafo único. Para fins do disposto neste artigo, entende-se por modalidades de remoção: 

I - de ofício, no interesse da Administração; 

II - a pedido, a critério da Administração; 

III -  a pedido, para outra localidade, independentemente do interesse da Administração:

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Sobre o autor
Geandré Gomides

Procurador Federal, pós-graduado pela Escola Superior da Magistratura de Pernambuco - ESMAPE e especialista em Direito Público pela Universidade de Brasília – UnB.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMIDES, Geandré. A ajuda de custo por remoção a pedido dos servidores públicos federais após o advento da MP 632/2013 c/c Lei 12.998/2014. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4090, 12 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31870. Acesso em: 19 abr. 2024.

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