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Sobrepreço em obras públicas.

Custos diretos, indiretos e duplicidade de pagamentos

23/02/2015 às 10:23
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Este artigo trata da impossibilidade de existência de duplicidade de pagamentos da administração no caso de obras públicas em que o contrato inclua custos administrativos, normalmente considerados indiretos, nas planilhas de quantidades e preços diretos

Em contratos de obra pública por preço unitário, quando incluídos custos administrativos na planilha de quantidades e preços, como no caso de veículos de transporte para engenheiros, segurança de canteiro, entre outros, por vezes, no decorrer do contrato, surge, por parte do contratante ou de órgão de controle, o questionamento quanto a existência de duplicidade nos pagamentos, que seriam remunerados tanto como itens de planilha como através de percentual de BDI.

Essa duplicidade, contudo, apenas existirá nos casos em que houver uma descriminação em Edital dos valores acobertados pelo BDI e ali constem as mesmas espécies de mão de obra, serviços ou equipamentos contantes da planilha de custos diretos. Em caso de omissão quanto a isto, não poderá haver duplicidade, como se demonstra a seguir.

Na elaboração dos orçamentos de obras de engenharia são segregados os chamados custos diretos e os custos indiretos. Esta distinção se deve a que a possibilidade de apropriação de custos encontra limites, sendo, destarte, impossível, em determinados casos, indicar precisamente, para dados insumos indispensáveis à operacionalização do empreendimento, de que forma seus custos deveriam ser distribuídos ao longo do espectro de serviços constantes do objeto contratual.

É o caso, por exemplo, dos serviços de advocacia prestados a uma determinada obra. Ora, não é possível afirmar que o montante desta atividade deva ser reputado a tal ou qual item de serviço. Não obstante, trata-se de um custo do empreendimento, indispensável à sua consecução, não sendo possível, por isto, excluir o seu valor do orçamento da obra.

É o caso também, por exemplo, dos salários do pessoal técnico - engenheiros, assistentes técnicos e pessoal de laboratório e topografia da obra etc. - dos aluguéis de carros, combustível, imóveis, das refeições, passagens e hospedagem, serviços de qualidade, segurança do trabalho e meio ambiente (QSMS), assistência médica, correios, segurança do canteiro, contas públicas (telefone, água, luz etc.), manutenção das instalações do canteiro, assistência do escritório central da Contratada (jurídico trabalhista e cível, contabilidade, financeiro, planejamento, suprimentos, gestão de pessoas) etc.

Custos desta natureza, que não podem ser apropriados a atividades específicas, são distribuídos nos custos de todos os serviços objeto do contrato, constando, dessa forma, de percentual denominado Benefícios (ou Bônus ou Lucro) e Despesas Indiretas (BDI/LDI).

A distinção custo direto/indireto depende da estrutura contratual adotada para o empreendimento. Com efeito, “o custo direto é todo encargo disposto abertamente na planilha orçamentária”, enquanto “nominam-se as demais despesas como indiretas”[1].

Ou seja, não existe parâmetro a priori capaz de determinar quais custos são remunerados pelo percentual denominado Bônus (ou Lucro) e Despesas Indiretas (BDI/LDI). Nesse percentual “se incluem, em relação não exaustiva, os custos proporcionais de Administração central, tributos, lucro, risco e garantias”[2] (destacamos). Dada a natureza dos custos acobertados por tal percentual, os “encargos dispostos no BDI são personalíssimos, dizem respeito às individualidades de cada empresa”[3].

Contudo, existem parâmetros oficiais que, ainda que não possam ser tomados como limites estritos, servem de referencial para a orientação dos órgãos licitantes na elaboração de seus Editais, como é o caso do SICRO e do SINAPI[4]. Esses parâmetros definem limites percentuais máximos para cada rubrica constante do percentual de BDI/LDI que devem ser respeitados para caracterização adequada do preço máximo de cada serviço, os chamados preço-teto.

Ainda assim, as diretrizes apontadas pelos sistemas oficiais de preço não indicam de forma taxativa, numerus clausus, quais valores são remunerados por cada uma das rubricas do BDI/LDI. O que existe, quanto a isto, é uma orientação já sedimentada junto ao Tribunal de Contas da União e ao Ministério dos Transportes para a inclusão dos custos das obras públicas, sempre que possível, em itens de planilha, tornando mais racional e precisa a apreciação dos valores implicados em tais empreendimentos, como observamos, historicamente, na exclusão dos serviços de mobilização/desmobilização ou construção de canteiro da base do BDI/LDI de obras públicas, passando a compor item específico da planilha de preços.

Portanto, toda transferência de custos da composição dos indiretos para os diretos cria segurança jurídica e atente ao entendimento majoritário dos órgãos de controle. É o que se observa no trecho abaixo, extraído do Manual de Custos Rodoviários do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (DNIT):

A redução desses tipos de incertezas e, conseqüentemente, dos contingenciamentos com que o executor se resguarda dos riscos que delas decorrem, só poderá ocorrer se os contratantes das obras rodoviárias buscarem retirar do LDI, e passarem a encarar como itens do custo direto, todos serviços passíveis desse tratamento [...].

Conclui-se, portanto, que, por ocasião da elaboração do orçamento da obra e, posteriormente, do preparo das planilhas de preço a serem incluídas nos editais de licitação, todos os itens passíveis de serem considerados como custos diretos deverão ser classificados como tais [...]”[5] (destacamos).

Contudo, o Manual, ao estabelecer as premissas metodológicas e conceitos que dão base ao SICRO, reconhece a impossibilidade de definição estrita dos custos remunerados através do percentual de BDI/LDI. Neste sentido, encontramos ali que a Administração Local, item constante dos BDI/LDI de obras rodoviárias e ferroviárias, “representa a soma de todos os custos locais que não são diretamente relacionados com os itens de planilha e, portanto, não são considerados na composição dos custos diretos[6] (destacamos).

O Manual trata de forma mais direta a questão, seguindo a orientação que esposamos, no trecho que segue:

A classificação do custo de um serviço como direto ou indireto está apenas relacionada à sua inclusão ou não na respectiva planilha de preços a serem cotados por ocasião da licitação da obra. Todos os itens da planilha de preços, para os quais são requeridas cotações específicas e cujo pagamento se fará de acordo com alguma forma de medição, são considerados como custos diretos. Os itens de serviços que não constarem da planilha serão classificados como indiretos e, conseqüentemente, vão integrar o LDI (Lucro e Despesas Indiretas), sendo, portanto, rateados sobre os custos diretos

Em termos da realidade concreta dos empreendimentos rodoviários, a distinção entre custos diretos e indiretos está, portanto, vinculada à relação de itens de serviço que o órgão rodoviário responsável pela obra esteja disposto e fiscalizar e, conseqüentemente, a medir e pagar de forma individualizada[7] (destacamos).

Portanto, a definição do que sejam custos diretos e indiretos ocorrerá em contrato. Os custos diretos serão aqueles discriminados em planilha, enquanto os indiretos serão considerados por exclusão aos primeiros, devendo contemplar aquilo que razoavelmente seria necessário à consecução do objeto contrato.

É certo que a orientação do Tribunal de Contas da União é no sentido de que também quanto ao percentual de BDI/LDI deve haver indicação expressa dos itens por ele remunerados, haja vista o disposto na Súmula n° 258 daquele órgão. Essa especificação representaria o melhor dos mundos para contratante e contratado, uma vez que serve, dentre outras coisas, de parâmetro para a análise do equilíbrio contratual durante o desenvolvimento do empreendimento[8]. Isto é, sendo necessários recursos administrativos superiores ou diferentes daqueles constantes na especificação do BDI/LDI estaria claramente configurado o desequilíbrio.

Contudo, tal detalhamento apenas será pertinente se apresentado pelo órgão licitante através dos documentos da licitação, já que é no certame que resta definido o equilíbrio contratual. Neste sentido, é esclarecedora a redação da citada Súmula n° 258 do TCU:

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“As composições dos custos unitários e o detalhamento de encargos sociais e do BDI integram o orçamento que compõe o projeto básico da obra ou serviço de engenharia, devem constar dos anexos do edital de licitação e das propostas das licitantes e não podem ser indicados mediante uso da expressão ‘verba’ ou de unidades genéricas” (destacamos).

Ultrapassada a fase licitatória, vale a regra contida no Manual de Custos Rodoviários do DNIT, que destacamos anteriormente. Isto é, os custos remunerados pelo percentual de BDI/LDI são definidos por exclusão, devendo corresponder a todos aqueles razoavelmente necessários à administração do empreendimento.

Portanto, estando incluídos como itens de planilha dos custos diretos alguns dos valores relativos ao staff administrativo da obra, seja da contratada ou da empresa fiscalizadora, tais custos foram assim considerados quando da orçamentação do empreendimento na fase licitatória, sendo, por consequência, excluídos do cálculo dos custos indiretos do contrato. Ad absurdum, caso a contratada, então licitante, decidisse considerar tais valores como indiretos, zerando-os em sua planilha de proposta, seria peremptoriamente excluída do processo licitatório dada a inexequibilidade de seu orçamento quanto a essas despesas.

Como se vê, em processos licitatórios que não incluíram entre seus documentos oficiais planilha com discriminação dos custos remunerados pelo percentual de BDI/LDI, nem mesmo estipularam como obrigação para os licitantes a apresentação de um documento que tal, trata-se de uma impossibilidade lógica a existência de duplicidade entre valores orçados a título de custo direto e aqueles orçados a título de custo indireto. De fato, na elaboração de orçamentos dessa espécie, a inclusão de um custo entre aqueles chamados diretos implica sua exclusão automática daqueles ditos indiretos que são, ao contrário, determinados por um critério residual.

Em conclusão, faz bem o órgão que incluir os custos administrativos na planilha de quantidades e preços, tornando-os diretos. Ao assim proceder, age conforme o direito e as orientações dos órgãos de controle competentes sobre a matéria. Contudo, é impossível falar-se em duplicidade neste caso, uma vez que, conceitualmente e inexistindo planilha contratual que discrimine os custos remunerados pelo BDI/LDI, a inclusão de um item na lista dos custos diretos implica sua automática retirada daqueles custos que, ainda que não discriminados, razoavelmente (e de acordo com a experiência e técnica) seriam remunerados como custos indiretos.


Notas

[1] CAMPELO, Valmir; CAVALCANTI, Rafael Jardim. Obras Públicas: comentários à jurisprudência do TCU. 2ª Ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2013, p. 65.

[2] CAMPELO; CAVALCANTI, idem, p. 65.

[3] CAMPELO; CAVALCANTI, idem, p. 65.

[4] CAMPELO; CAVALCANTI, idem, p. 66.

[5] DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRA-ESTRUTURA DE TRANSPORTES. Manual de Custos Rodoviários. Vol. I, p. 9. Disponível em: < http://www.dnit.gov.br/servicos/sicro/manual-de-custos-rodoviarios/Volume1_Un_2003.pdf>. Acesso em: 12 de Setembro de 2014.

[6] DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRA-ESTRUTURA DE TRANSPORTES, idem, p. 7.

[7] DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRA-ESTRUTURA DE TRANSPORTES, idem, p. 8.

[8] CAMPELO; CAVALCANTI, idem, p. 83.

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Sobre o autor
Guillermo Glassman

Doutor e Especialista em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GLASSMAN, Guillermo. Sobrepreço em obras públicas.: Custos diretos, indiretos e duplicidade de pagamentos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4254, 23 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31932. Acesso em: 20 dez. 2024.

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