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Conjunto probatório: a possibilidade jurídica da utilização da inspeção judicial no processo penal

13/09/2014 às 11:35
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A inspeção judicial é prevista como meio de prova no processo civil. É possível utilizá-la no processo penal?

Resumo: Este ensaio aborda de forma sucinta e não exauriente a possibilidade de se utilizar o meio de prova Inspeção Judicial no Processo Penal, já que essa modalidade probatória é prevista como meio de prova no processo civil. Visa ainda analisar os fundamentos legais lançando mão da interpretação lógico-sistêmica.

Palavras-chave: Inspeção Judicial, meios de prova, Interpretação extensiva e analógica, Processo Penal e Processo Civil.


Provar significa formar a convicção do juiz sobre a existência ou não de fatos relevantes no processo. (...). São motivos de prova as alegações que determinam, imediatamente ou não, a convicção do juiz. (CHIOVENDA apud DUCLERC, 2004, p. 6)

A atual concepção dos meios de prova utilizados no processo penal leva em conta a moderna tendência do processo como diálogo democrático, estabelecendo uma comunicação entre as partes processuais e o Juiz de Direito, não mais concebendo um processo tão somente instrumental, mas plenamente abalizado por um viés de colorido comunicativo, tendo por finalidade a tutela dos inocentes e a punição dos culpados.

Durante o processo judicial, são desencadeados atos sequenciais buscando a reprodução histórica de uma fato, que pode ser criminoso ou não.

A etimologia do termo prova também merece estudo. Assim, segundo abalizados entendimentos. o termo prova vem do latim probatio, que significa verificação, argumento ou confirmação. Também veio do latim o verbo provar – probare – que significa ensaiar, verificar ou confirmar.

De acordo com Guilherme Nucci (2007, p. 359), existem três sentidos para o termo prova: a) ato de provar: é o processo pelo qual se verifica a exatidão ou verdade do fato alegado pela parte no processo; b) meio: é o instrumento pelo qual se demonstra a verdade de algo; c) resultado da ação de provar: é o produto extraído da análise dos instrumentos de prova oferecidos, demonstrando uma verdade daquele fato.

Os meios de prova estão relacionados no Código de Processo Penal, artigo 155 usque 240, as chamadas provas nominadas, quais sejam:

  • Do Exame do Corpo de Delito, e das Perícias em Geral
  • Do Interrogatório do Acusado
  • Da Confissão
  • Do Ofendido
  • Das Testemunhas
  • Do Reconhecimento de Pessoas e Coisas
  • Da Acareação
  • Dos Documentos
  • Dos Indícios
  • Da Busca e da Apreensão.

Por sua vez, o Código de Processo Civil, a partir do artigo 332 elenca os meios de prova, lançando norma cogente na disciplina geral, segundo a qual todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados Código de Processo Civil, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.

Assim, o Código de Processo Civil enumera os meios de prova, relacionando os seguintes:

  • Do Depoimento Pessoal
  • Da Confissão
  • Da Exibição de Documento ou Coisa
  • Da Prova Documental
  • Da Prova Testemunhal
  • Da Prova Pericial
  • Da Inspeção Judicial

Acontece que o artigo 3º do Código de Processo Penal admite a interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.

Assim, num sensato juízo de valor, é perfeitamente cabível a utilização de um meio de prova previsto no Processo Civil fundamentando uma sentença penal.

No Processo Civil, por exemplo, é prevista a inspeção judicial, como meio de prova, onde o juiz, de ofício ou a requerimento da parte, pode, em qualquer fase do processo, inspecionar pessoas ou coisas, a fim de se esclarecer sobre fato, que interesse à decisão da causa.

O juiz irá ao local, onde se encontre a pessoa ou coisa, quando julgar necessário para a melhor verificação ou interpretação dos fatos que deva observar, quando a coisa não puder ser apresentada em juízo, sem consideráveis despesas ou graves dificuldades ou quando determinar a reconstituição dos fatos, conforme preceitua o artigo 440 usque 443 do CPC.

Um caso concreto de aplicação de inspeção judicial, ainda na fase de Inquérito Policial, ocorreu na Comarca de Teófilo Otoni, onde a Polícia Civil prendeu onze autores, integrantes de uma quadrilha que invadiu uma Churrascaria, e mediante violência e grave ameaça, os autores roubaram os frequentadores e praticaram uma sorte de barbaridades.

Após intensos levantamentos os quadrilheiros foram presos pela Polícia. Durante as investigações do Inquérito Policial, o advogado de defesa atravessou um pedido de liberdade provisória dos suspeitos, que segundo alegações lançadas, teriam sofrido toda sorte de agressões físicas e atos de selvagerias no momento da prisão.

A Autoridade Policial, que na época presidia as investigações, no exercício de Polícia Judiciária, com base no artigo 3º do Código de Processo Penal c/c artigo 440 do Código de Processo Civil, representou pela medida cautelar de inspeção judicial, ainda na fase investigativa, pugnando para que os autores do delito fossem levados a presença do Juízo Criminal, devidamente acompanhado por médicos-legistas, para que o juiz de direto pudesse proceder a inspeção judicial.

Autorizada a diligência, todos os presos foram levados ao Fórum da cidade, e devidamente inspecionados pelo Juiz de Direito, que determinou a lavratura de uma Ata de Audiência, depois juntada ao Inquérito Policial, fazendo parte do repertório probatório do respectivo processo criminal.

Desta feita, produziu-se uma prova judicial prevista textualmente no Código de Processo Civil, no âmbito do Inquérito Policial instaurado para apurar conduta criminosa, com certeza uma medida inédita levado a efeito pela Polícia Civil de Minas Gerais no âmbito da Justiça Criminal.

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"Não há fatos eternos, como não há verdades absolutas."  Friedrich Nietszche


Referências bibliográficas

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: Promulgada em 05 de outubro de 1988. http://www2.planalto.gov.br, acesso em 13/09/2014, às 09h15min;

BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Dispõe sobre o Código Processo Penal Brasileiro. http://www2.planalto.gov.br/, acesso em 13/09/2014, às 09h27min.

BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Dispõe sobre o Código Processo Civil Brasileiro. http://www2.planalto.gov.br/, acesso em 13/09/2014, às 09h28min.

DUCLERC, Elmir. Prova Penal e Garantismo: Uma investigação Crítica sobre a Verdade Fática Construída através do Processo. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2004. p.p 1-36 e 57-77

http://www.conteudojuridico.com.br/pdf/cj032034.pdf, Conceitos de Prova, Mary Mansoldo, acesso em 13 de setembro de 2014, ás 10h08min.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais. 3º. Ed. 2007.

SILVA, Rodrigo Vaz, Breve análise das Provas Processo Penal, http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8466.

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Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Jeferson Botelho. Conjunto probatório: a possibilidade jurídica da utilização da inspeção judicial no processo penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4091, 13 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31939. Acesso em: 19 abr. 2024.

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