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Revisão de carro a preço fixo: vantagem para o consumidor ou abuso de direito?

06/04/2015 às 13:24
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Muito se fala nas revisões de carro a preço fixo como vantagem ao consumidor. Será que a revisão a preço fixo concede vantagens ao consumidor ou lucro fácil aos prestadores de serviços?

Em oficinas mecânicas para carros, muito se fala atualmente nas “revisões com preço fixo” como sendo uma vantagem ao consumidor, pois ele saberia previamente quanto teria de desembolsar no pagamento da revisão.

É como se antes dessa “espetacular criação” o consumidor fosse obrigado a mandar executar os serviços em seu veículo sem ter direito a um orçamento prévio. Porém, é sabido que, quando o consumidor chegava para retirar o veículo, diversos serviços, para os quais não existia autorização, haviam sido executados, sob a alegação de que “apareceram no decorrer da revisão”. O artigo 39, III e VI do CDC não podem ser mais claros quanto à vedação de fornecimento de serviço sem prévia solicitação e à obrigatoriedade do orçamento prévio.

Inexiste qualquer vantagem ao consumidor na tão propagada revisão a preço fixo. Existiria prejuízo com a aplicação de tal modalidade de revisão? Para responder a isso, devemos analisar a situação de como ocorriam as revisões dos veículos anteriormente e como ocorrem agora:

Antes, os fornecedores de serviços cobravam pela quantidade de serviços efetuados, valorando cada um de forma individual. Atualmente, cobram por serviços que são desnecessários, contando com a boa-fé dos consumidores. Isso, aceitando que todos os serviços incluídos na revisão são de fato executados.  

Exemplifiquemos a situação. Não é cabível a ideia de que todo veículo “X”, modelo “Y”, terá de trocar o filtro de combustível, filtro de óleo e o óleo aos 5.000 km ou seis meses. Ora, cada veículo é único, com suas características e peculiaridades, que decorrem, também e principalmente, da forma de utilização do mesmo. Não se pode comparar um veículo que durante 6 meses rodou 2.000 km na cidade e outro, que no mesmo período, rodou os 5.000 km em área rural. O desgaste natural dos componentes é totalmente diverso. Citemos a troca do óleo: se o veículo rodou menos da metade da quilometragem para a qual era prevista a utilização do óleo, não se pode aceitar que o fato de ter decorrido os seis meses impõe a necessidade de troca. Os argumentos utilizados pelas concessionárias, salvo raríssimas exceções, sequer são passados ao consumidor, e quando o são, se resumem à simples afirmação de que “é orientação do fabricante”, sem qualquer fundamento técnico sério a respaldar tal alegação. Nessa esteira, se o fabricante amanhã entender por bem que devam ser trocados os pneus na revisão de 20.000 km, isto passará a ser implementado, sem qualquer justificativa? Parece óbvio que não. Contudo, é o que acontece com os filtros, óleo, pastilhas de freio etc.

Se o consumidor for realizar a troca do óleo fora da concessionária, vai poder optar por um tipo de lubrificante que é eficaz por até 10.000 km ou mais, de regra, o mesmo utilizado pelas concessionárias, já que o de maior custo. Contudo, não irá trocar o óleo se passados seis meses sem ter efetivamente rodado os 10.000 km, ressalvada alguma excepcionalidade. Todavia, nas revisões, o lubrificante terá de ser trocado, pois existe o malfadado prazo de 6 meses que impõe ao consumidor a troca.

Nota-se claramente o viés para o lucro fácil, abusivo até, pois não se pode acreditar que o óleo do veículo possua um “prazo de validade” de seis meses. Parece claro que as revisões a preço fixo concedem aos fornecedores/prestadores vantagem manifestamente excessiva, impondo ao consumidor despesas desnecessárias.

Além disso, temos um mal maior: a restrição à livre concorrência - por que não dizer, até a extinção da concorrência. A livre concorrência é a maior vantagem que o consumidor pode obter em um mercado de livre comércio. A Constituição Federal ressalta no artigo 170, IV, o princípio da livre concorrência que tem como objetivo maior exatamente a proteção do consumidor. Já o artigo 173, § 4º, estipula que a lei reprimirá o abuso do poder econômico que tenha por escopo dominar os mercados, eliminando a concorrência visando o aumento arbitrário dos lucros.

Tal situação fere o artigo 4º, VI, do Código de Defesa do Consumidor, pois este é bem claro em assentar que fica proibida toda forma de abuso praticado no mercado de consumo e que devem ser protegidos os interesses econômicos do consumidor.

Todavia, as concessionárias, com o argumento de que as revisões na modalidade “preço fixo” são vantajosas, acabaram com a livre concorrência, submetendo o consumidor ao jugo de um "cartel", no caso, formado por cada montadora, pois vá aonde for, o consumidor encontrará sempre o mesmo valor a pagar, logo, não lhe resta qualquer alternativa. Em especial, os que adquirem um veículo zero quilômetro, se não realizarem as revisões nas concessionárias autorizadas, perderão a garantia de seu veículo - ao menos é essa a afirmação passada ao consumidor. Não é por nada que os prazos de garantia aumentaram tanto, pois visam o lucro das revisões, por 3, 5, 6 anos.

É de se estranhar que nenhuma medida esteja sendo tomada por quaisquer dos órgãos protetivos ao consumidor. Não é crível que até agora ninguém tenha percebido o ardil por trás dessa “vantagem”. Com a “vantagem” das revisões a preço fixo, qual a concorrência existente? Nenhuma. Inexiste possibilidade de negociar valores, pois já vêm pré-ordenadas. Assim, o Direito do Consumidor é claramente ofendido e nada está sendo feito.

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Sobre o autor
Alcides Vergara

Advogado, pós-graduado em Direito do Consumidor e Direitos Fundamentais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VERGARA, Alcides. Revisão de carro a preço fixo: vantagem para o consumidor ou abuso de direito?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4296, 6 abr. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32352. Acesso em: 16 abr. 2024.

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