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MTE e MPT: reação diante de infrações trabalhistas praticadas por empresas do setor da construção civil no Amazonas

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15/12/2014 às 12:01
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A quantidade de acidentes do trabalho que atingiu o setor da construção civil no Amazonas não foi acompanhada de um comportamento repressivo por parte do MTE e do MPT, cujo comportamento incentiva o desrespeito à legislação.

Resumo: O presente texto analisa o comportamento do Ministério do Trabalho e Emprego e Ministério Público do Trabalho perante o descumprimento de normas trabalhistas por empresas do setor da construção civil no Estado do Amazonas. O padrão de comportamento destas instituições não engendrou sanções pecuniárias aos infratores. Esse modus operandi incentivou uma ampliação, por parte das construtoras, no descumprimento de normas legais que têm a finalidade de proteger os trabalhadores da construção civil. A conduta das instituições de vigilância desprezou o fato de que as empresas, no sistema capitalista, tem por finalidade o lucro: qualquer postura adotada que não condicionasse o descumprimento à legislação a perdas pecuniárias estava fadada à inefetividade. Este texto apresenta pesquisa relativa aos procedimentos internos destas instituições no período de 1996 a 2012, no setor da construção civil no Amazonas, face a condutas trabalhistas irregulares dos empregadores do setor.

Palavras-chave: MTE e MPT, infrações trabalhistas, comportamento, construção civil, Amazonas.


1. Introdução

O objetivo deste texto é discutir o padrão de atuação do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e Ministério Público do Trabalho (MPT) no Estado do Amazonas, especificamente em relação a empresas do ramo da construção civil, através da análise de procedimentos instaurados por conta de violações à lei trabalhista nas últimas décadas.

Como estas instituições reagiram ao descumprimento de normas trabalhistas praticadas pelos empregadores do setor da construção civil no estado do Amazonas? O comportamento das instituições tem conseguido frear o descumprimento da legislação ou, ao contrário, tem incentivado o descumprimento da legislação? Estas são as perguntas que este artigo tenta responder.

O tema é de suma importância, porquanto dados mais abrangentes do INSS apontam que dentre os 10 CNAEs que apresentam o maior número de mortalidade, aqueles relativos à construção civil são os que mais matam[1].

Esse cenário é corroborado pelas frequentes notícias relatando acidentes fatais ou graves que têm ocorrido na cidade de Manaus e região:

Manaus - O número de mortes de trabalhadores terceirizados nos canteiros de obras em Manaus mais do que duplicou neste ano, em relação a 2011. Até terça-feira (16), 15 operários morreram em serviço, contra sete óbitos registrados no ano passado. (disponível em <http://www.d24am.com/noticias/economia/numero-de-mortes-na-construcao-civil-ja-e-o-dobro-de-obitos-registrados-em-2011/71397> acesso em 21.06.2013)

Pedreiro morre eletrocutado em obra de padaria no Parque Dez, em Manaus

Esta é a 20ª morte de acidente de trabalho do ano, segundo o Sintracomec Presidente do sindicato informou ao G1. (disponível em <http://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2012/11/pedreiro-morre-eletrocutado-em-obra-de-padaria-no-parque-dez-em-manaus.html > acesso em 21.06.2013)

Trabalhador morre depois de cair de laje em canteiro de obras em Manaus. Segundo informações do vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil em Manaus e do Estado do Amazonas (Sintracomec), Cícero Custódio, de abril até setembro, cerca de 100 acidentes de trabalho já ocorreram em Manaus, todos envolvidos trabalhadores contratados por empresas terceirizadas (disponível em <http://acritica.uol.com.br/manaus/Trabalhador-morre-canteiro-obras-Manaus_0_565743694.html > acesso em 21.06.2013)

Imaginava-se, antes da realização deste trabalho, que a reação das instituições estatais analisadas havia sido diretamente proporcional à gravidade dos fatos acima trazidos, no sentido de responsabilizar estes infratores, afinal, a responsabilização das empreiteiras pela violação às normas trabalhistas compete, por força de dispositivos legais e constitucionais, ao MPT e ao MTE.

Violações graves e reiteradas às normas trabalhistas, causadoras de macro-lesões no tecido social (o que se intitula no meio jurídico de violação a interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos) deveriam, em tese, provocar uma atuação repressiva do MTE e MPT.

Os mecanismos à disposição para tanto são os autos de infração e termos de interdição (MTE), e as ações civis públicas (ACP) e Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) por parte do MPT. Estes mecanismos estão expressamente previstos em lei, e há um amplo consenso no meio jurídico acerca da validade dos mesmos.

No período de 1996 a 2013, no Estado do Amazonas, em regra, o MTE preferiu notificar, concedendo sucessivos prazos aos infratores para regularizarem suas condutas. Já o MPT normalmente assinou Termos de Ajustamento de Conduta com os infratores, sem qualquer indenização pelas violações já cometidas, ou mesmo promoveu o arquivamento dos procedimentos sob as mais diversas justificativas.

1.1.        METODOLOGIA.

O período analisado variou de acordo com a instituição observada. Assim, a análise dos procedimentos em curso no MPT contemplou o período que foi de 2002 a 2012. No caso do MTE, as ações fiscais analisadas variaram do período de 1996 a 2012.

Foram examinados procedimentos administrativos em curso no MPT, através do sistema “MPT Digital” e pelo exame do conteúdo dos procedimentos, além de relatórios de inspeção do MTE, consulta ao Sistema Federal de Inspeção do Trabalho (SFIT), bem como foram analisadas as poucas ações civis públicas ajuizadas pelo MPT no período.

O foco subjetivo desta pesquisa foram as empresas de construção civil e sua relação com as instituições de vigilância do trabalho. Por sua vez, o foco temático objetivo foi o índice de descumprimento das normas trabalhistas por parte destas mesmas empresas e o seu comportamento diante das medidas adotadas (ou não) pelas instituições.

Foram selecionadas 37 (trinta e sete) empresas que atuam no setor da construção civil. Estas empresas possuíam procedimentos junto ao MPT distribuídos para o 7o ofício[2]da Procuradoria Regional do Trabalho da 11ª Região (PRT-11), Procuradoria esta responsável pelo Estado do Amazonas. Estes procedimentos representavam a quase totalidade dos procedimentos ativos que versavam sobre construção civil naquele ofício[3].

Estes procedimentos foram selecionados para a amostra pelo fato deste pesquisador exercer um cargo público e, por conta desta função, ser responsável atualmente pelos processos que estão em curso no 7º ofício da PRT-11. O pesquisador assumiu aquelas atividades somente em janeiro de 2013, razão pela qual os procedimentos só tiveram o seu conteúdo analisado até dezembro de 2012, para evitar qualquer contaminação.

Não houve diferenciação quanto ao tipo de infração cometida na análise destes procedimentos: tanto infrações trabalhistas relacionadas à falta de registro de empregados, exploração de trabalho infantil, ou mesmo relacionadas a condições inseguras de trabalho. No entanto, a pesquisa permitiu aferir que as infrações predominantes foram mesmo aquelas relacionadas à saúde e segurança do trabalhador.

A repartição de funções na PRT-11 é feita através da distribuição aleatória de procedimentos, observando-se a proporcionalidade dos procuradores em atividade. Por este motivo, a amostra analisada representou, a priori, um exemplo de imparcialidade na coleta dos dados, porque os procedimentos analisados já estavam ali antes da chegada deste pesquisador; foram distribuídos por sorteio para o 7º ofício; e correspondiam à totalidade de procedimentos ativos envolvendo construção civil naquela unidade funcional (7º ofício/PRT-11). Pode-se dizer, ainda, que corresponde a aproximadamente 10% do total de procedimentos ativos que possuem como tema a construção civil no Amazonas[4].

A pesquisa feita junto ao sistema SFIT[5], do MTE, por sua vez, teve como base as empresas pesquisadas inicialmente no MPT. A pesquisa feita junto ao MTE excluiu, entretanto, ações fiscais que abordavam exclusivamente atributos da legislação trabalhista – exemplificativamente, registro de empregados, trabalho infantil ou recolhimentos do FGTS. Neste caso, as ações fiscais envolviam sempre normas de segurança e saúde no trabalho (SST) na construção civil. Para tanto, foi imprescindível o estudo dos itens da Norma Regulamentadora (NR) de nº 18 do MTE (Portaria GM de n. 3.214/78), entre outras NRs. Assim, foram analisados dados do SFIT exclusivamente relativos à construção civil do período de 1996 a 2012. Foi elaborada, ainda, uma Tabela Matriz para cada uma das instituições, contendo os dados agregados, para facilitar a visualização de todo o quadro de informações.

Pelo estudo feito, as infrações relacionavam-se, em sua grande maioria, com o descumprimento de itens da NR-18. Verificou-se também uma alta incidência de acidentes fatais ocorridos em canteiros de obras na cidade de Manaus.

Como dito acima, a postura geral das instituições foi indulgente com as empresas infratoras, no sentido de não implicar em sanções pecuniárias, uma vez que não houve imposição de perdas financeiras mesmo quando praticadas inúmeras irregularidades, constatadas ao longo dos anos.

Este texto é composto por mais três itens além desta introdução: o primeiro analisa o comportamento do MTE, o segundo analisa o comportamento do MPT, e ao final tem-se a conclusão. Aos estudos de casos que aqui foram apreciados agregaram-se outros trabalhos existentes na literatura.


2. O padrão conciliatório do MTE

Para que se entenda como funciona a atividade do Ministério do Trabalho e Emprego, citamos Tese de Doutorado de Vitor Filgueiras (2012):

Confrontada com uma infração ao direito do trabalho, a fiscalização do trabalho tem basicamente três alternativas de ação: autuar a irregularidade, dar um prazo para regularização, ou interditar/embargar o objeto ou situação causador do risco à saúde dos trabalhadores (a primeira e a terceira não são excludentes). A primeira opção é definida pelo artigo 628 da CLT, consistindo formalmente em obrigação vinculada do auditor fiscal; a segunda consta nas exceções previstas no artigo 627 da CLT; a terceira é medida cautelar para sanar grave e iminente risco à segurança e saúde dos trabalhadores, baseada no artigo 161 da CLT.

O padrão conciliatório do MTE (conduta que diante de uma infração trabalhista não sanciona o empregador) não é mais novidade no mundo acadêmico. Referido autor já abordou esse tema, analisando o padrão hegemonicamente conciliador do MTE, MPT e Justiça do Trabalho em nível nacional.

A presente pesquisa focou esse padrão de atuação no estado do Amazonas, como forma de confirmar ou infirmar as conclusões apresentadas pelo referido autor. No Estado do Amazonas, esse padrão conciliatório não diferiu do restante do País.

Apenas para contextualizar, há um total de 364 empresas de construção civil [(Código Nacional de Atividade Econômica (CNAE): 41.20.4)] no Amazonas segundo dados do SFIT. O setor da construção civil foi um dos setores mais fiscalizados pela SRTE/AM no ano de 2012 com 421 fiscalizações dentre 2.662 ações fiscais realizadas (15,81% do total). O CNAE 41.20.4 foi também o mais fiscalizado individualmente entre todos os CNAEs.

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A grande maioria das fiscalizações no setor da construção civil no ano de 2012 se deu em empresas com até 30 empregados (245 fiscalizações). Neste período foram lavrados 1301 autos de infração para este setor, o que corresponde a 42,10% do total de autos lavrados (maior percentual de autuação entre todos os setores). Cerca de 1500 trabalhadores foram flagrados sem registro formal nesta atividade, o que representou um percentual de 45% do total de empregados encontrados pela Fiscalização.

No geral (em todos os setores, e não apenas na construção civil), em 2012 para um total 5.733 irregularidades encontradas na área de segurança e saúde no trabalho foram lavrados 3.090 autos de infração, ou uma média de 1,85 irregularidade/auto (53%). Desta forma, o índice encontrado no Amazonas apresentou-se muito superior à média nacional do ano de 2008, de 23 irregularidades/auto (4,3% autos/infração, conforme Filgueiras, 2012).

A fiscalização da NR-18 no período, na construção civil, constatou formalmente 1336 itens irregulares, no entanto, apenas 801 irregularidades foram autuadas.

A par disso, foram encontrados 122 itens da legislação que ensejaram interdições e embargos nos canteiros de obras. Este número representa menos de um décimo das irregularidades formalmente encontradas (1336). Assim, para cada 10 infrações cometidas, em média efetuava-se uma interdição ou embargo.

No estudo de casos, foi feito um levantamento envolvendo pelo menos 220 fiscalizações desde o ano de 1996 (mais de 17 anos de ações fiscais). Foram analisadas 29 empresas neste período, dentre as maiores[6]do setor de construção civil no Amazonas, selecionadas, como já dito, com base nos procedimentos em curso no 7º ofício do MPT.

Entre os anos de 1996 a 2012, foram encontradas 3.396 irregularidades praticadas por essas 29 empresas, o que representa uma média de 117,1 irregularidades por empresa analisada, ou ainda, uma média de 6,89 irregularidades por empresa/ano.

Em que pese o elevado número de irregularidades encontradas, a quantidade de autos de infrações lavrados foi ínfima. Neste período, foram lavrados ao todo 572 autos de infração, o que representa uma média de 19,72 autos de infração por empresa ao longo de 17 anos (pouco mais de um auto por ano = 1,16)[7][8].

Foram flagradas 3.396 infrações trabalhistas na construção civil amazonense para um total de 572 autos de infração lavrados, o que representa uma média de 5,94 infrações de SST por auto de infração. Observa-se, portanto, que a chance de sofrer perdas pecuniárias foi bem pequena.

Pelo estudo de casos foi fácil perceber que as empreiteiras costumam descumprir com mais frequência dispositivos constantes da NR-18, NR-06 (referentes aos equipamentos de proteção individual) e NR-07 (PCMSO).[9]

No que tange aos acidentes graves ou fatais, no período analisado houve um total de 24 ocorrências formalmente constatadas pela Fiscalização. O quantitativo de acidentes graves ou fatais neste período certamente foi muito maior, mas aqui estamos analisando apenas aqueles que foram formalmente constatados pela auditoria-fiscal. Obteve-se uma média de 0,83 acidentes de natureza grave ou fatal ocorridos por empresa no periodo abarcado.

A conduta da fiscalização do trabalho foi hegemonicamente orientadora (sem qualquer tipo de sanção) mesmo quando constatada a irregularidade na primeira ação fiscal (visita ao canteiro de obras).

O procedimento de orientação (sem qualquer sanção) na primeira fiscalização realizada atingiu 24 empresas - valendo lembrar que as primeiras fiscalizações remontam a 1997. Equivale a dizer que em 88% dos casos a primeira fiscalização foi somente orientadora, sem a imposição de qualquer penalidade[10]. Em apenas 3 ações fiscais, houve imposição de multas na primeira inspeção do canteiro de obras, o que equivale a 12% da amostra analisada. Assim, quase 90 % das empresas fiscalizadas não foi multada na primeira inspeção, mesmo quando formalmente constatadas violações às normas de segurança e saúde no trabalho[11].

Este dado é bastante revelador: a Fiscalização do Trabalho em quase todas as situações em que constatou uma irregularidade concedeu um prazo à empresa de construção civil para se adequar, sem aplicar qualquer sanção.

Esse dado desfaz o mito, muito presente no discurso de empresas e agentes públicos, de que a atuação do MTE é sempre punitiva e que, por tal motivo, não goza de efetividade para o cumprimento da lei[12].

Veja-se por exemplo, o que diz o documento elaborado pela Confederação Nacional das Indústrias (CNI) intitulado “101 Propostas para Modernização Trabalhista”:

“A fiscalização do trabalho pode ser meramente punitiva ou educativa. As empresas hoje sofrem, em geral, fiscalização estritamente punitiva, o que não lhes proporciona a possibilidade de corrigirem possíveis irregularidades. A dupla visita somente é usada em casos específicos. Ocorre que, em muitos casos, o descumprimento da legislação não decorre de má-fé, mas da incapacidade de interpretar a complexa legislação trabalhista brasileira”

(...)

“•A fiscalização do trabalho educativa possibilita a adequação da empresa às normas trabalhistas sem que seja punida economicamente.” (disponível em http://arquivos.portaldaindustria.com.br/app/conteudo_18/2012/12/04/2728/20121204160144687771i.pdf> acesso em 17.07.2013)

Ou ainda, trecho citado por Filgueiras (2012) obtido em entrevista com um AFT:

Embora seja sabedor do comando legal de que a cada infração deve corresponder o respectivo auto de infração, costumo notificar a empresa, garantindo a ela um prazo razoável para que regularize a situação. Acredito que seja a melhor solução para a parte prejudicada (o empregado, que terá a situação resolvida de maneira mais célere). Somente autuo sem dar prazo em casos de reincidência, uma vez que fica demonstrada a má vontade em cumprir a legislação trabalhista por parte dos empregadores. (grifos nossos)

A conduta do MTE foi exclusivamente orientadora em praticamente todas as primeiras visitas aos canteiros de obras no Amazonas, o que indica que não foi por falta de orientação, a princípio, que os empregadores deixaram de cumprir a legislação trabalhista. Não faltou assessoria técnica estatal, realizada por auditores-fiscais do trabalho, para os empregadores da construção civil no Amazonas.

Neste passo, a Fiscalização do Trabalho foi massivamente orientadora em suas ações fiscais e o seu discurso coincidiu com aquele utilizado por empregadores, concedendo prazos aos empregadores, ainda que violando a literalidade do artigo 628 da CLT[13].

Neste período, houve ainda um total de 295 orientações já na primeira fiscalização, o que representou uma média de 10,17 itens legais que foram objeto de mera orientação (sem autuação) por parte da SRTE/AM[14]. Assim, a assessoria técnica estatal nos canteiros de obras se deu de forma relativamente detalhada, porque pelo menos 10 itens de segurança e saúde no trabalho foram objeto de orientação (ensinou-se ao infrator a como agir em conformidade com a lei).

Essa informação somente corrobora a conclusão anterior. Além de não ser verdadeira a informação de que a Fiscalização do Trabalho tem um viés punitivo, observa-se também que a Inspeção do Trabalho costuma ser bastante detalhista no que diz respeito a essa atividade orientadora.

A pesquisa sugere, ainda, que o procedimento não-sancionador foi extremamente prejudicial para a efetividade das normas que tutelam a segurança do trabalhador amazonense na construção civil, uma vez que o índice de reincidência foi muito elevado.

A reincidência foi constatada em pelo menos 19 empresas, dentre 25 empresas fiscalizadas (nestas 25 empresas houve novas inspeções[15]). Isso significa um percentual mínimo de 76% de reincidência, em pelo menos um item em que houve orientação prévia, mas não houve autuação.

Isso não quer dizer que, para as outras seis empresas fiscalizadas, houve regularização de conduta. Longe disso. O que ocorreu é que esta pesquisa não permitiu aferir as consequências posteriores à primeira fiscalização uma vez que os itens que foram objeto da primeira orientação não voltaram a ser fiscalizados (ou até foram fiscalizados, mas não houve o lançamento formal no SFIT). Mas é seguro afirmar que, em pelo menos 76% dos casos em que houve meramente orientação por parte da SRTE/AM, houve novo descumprimento das normas de SST.

Os dados apontaram que o procedimento de orientação sem a necessária perda pecuniária não teve, portanto, a eficácia esperada de adequar a conduta do infrator.

Mostra-se frágil, ainda, o argumento de que os empregadores da construção civil descumpriam a legislação relativa à SST por sua complexidade técnica[16]. Mesmo quando formalmente advertidos pela Fiscalização do Trabalho, os empregadores da construção civil, independentemente do porte empresarial (pequenas, médias ou grandes empresas) voltaram a reincidir no descumprimento das normas de SST, o que se verificou em pelo menos 76% das hipóteses, logo, não é correto afirmar que o empreiteiro não cumpria a lei porque a desconhecia.

Outro dado importante que a pesquisa permitiu revelar é que o período de tempo para que essa reincidência voltasse a ocorrer não foi longo. Em média, logo após 5 meses (5,14 meses), com o retorno da Fiscalização ao canteiro de obras, já era possível aferir o descumprimento dos mesmos itens anteriormente orientados sem a respectiva autuação.

O menor tempo entre a primeira e a segunda fiscalização orientadora não teve relevância para o cumprimento da legislação, justamente porque estas fiscalizações foram majoritariamente orientadoras. Com mais ou menos visitas periódicas dos auditores, se havia orientação sem a consequente imposição de multas, as infrações voltavam a ocorrer.

Uma segunda reincidência também foi objeto de análise. Verificou-se que, dentre 19 empresas (em que houve um segundo retorno da auditoria) houve uma segunda reincidência em pelo menos 16 situações.

Vimos acima que a primeira reincidência se deu em 19 hipóteses envolvendo as empresas de construção civil. Dentre essas 19 empresas, a reincidência esteve presente, novamente, para 16 empresas, o que significa uma taxa de 84% para uma segunda reincidência. Ou seja, uma segunda ação fiscal, também orientadora, não conseguiu efetivar o cumprimento da norma para a quase totalidade das empresas fiscalizadas. Somente 16% das empresas fiscalizadas se adequaram após uma segunda ação fiscal meramente orientadora[17].

Esta segunda recalcitrância foi verificada, em média, 13 meses depois da primeira recalcitrância. A pesquisa sugere que a recalcitrância não teve relação com o maior tempo de visita da SRTE. Quando a fiscalização demorou pouco tempo para retornar ao canteiro de obras (5 meses) houve reincidência. Quando a inspeção do trabalho demorou mais tempo para retornar aos canteiros de obra (13 meses) também houve violação às normas de SST.

Apresenta-se como falacioso, portanto, o argumento de que os empregadores descumprem a legislação por conta da ausência do Estado promovendo fiscalizações (e orientações). A pesquisa sugere que quando o Estado se fez mais ou menos presente nos canteiros de obras – sem impor perdas financeiras - não houve qualquer diminuição no índice de reincidência. A qualidade da atuação, com perdas pecuniárias, é que poderia em tese permitir uma maior adequação da conduta empresarial à lei. Neste caso, a periodicidade de retorno com a imposição de sanções pecuniárias poderia ser variável fundamental para incentivo do empregador.

Neste sentido, a pesquisa corrobora a afirmação de Cardoso e Lage (2007). Os autores analisaram o cumprimento ou não do direito do trabalho no Brasil a partir da relação entre a possibilidade de o empregador ser identificado como infrator e o montante da perda financeira prevista pela evasão da norma. Assim, por maior que seja a chance de ser apanhado na irregularidade, se não há repercussão financeira, não há razão para o empregador cumprir a norma.

Entretanto, nos padrões atuais, com uma atuação meramente conciliadora e orientadora, sem perdas pecuniárias, a maior ou menor presença dos agentes estatais nos canteiros de obras não serviu de estímulo para as empreiteiras cumprirem as normas de SST. Em síntese, o fato do auditor-fiscal comparecer mais ou menos ao canteiro de obras, orientando o empregador quanto a itens técnico-legais, mas sem puní-lo, não teve o condão de melhorar a segurança e saúde no trabalho no estado do Amazonas.

Ao contrário, o caráter não-punitivo das ações dos agentes estatais nos canteiros de obras inspecionados estimulou o descumprimento da legislação.

A pesquisa sugestiona que o caráter exclusivamente orientador da ação fiscal permitiu que 45% das empresas fiscalizadas tivessem uma ampliação no quadro de infrações às normas de SST na construção civil[18]. Assim, 13 empresas tiveram um incremento nas infrações de SST apuradas pela SRTE, para um total de 29 pesquisadas.

Quanto às demais hipóteses (10 empresas) não foi possível chegar-se à conclusão de que houve uma estabilização ou maior adequação no cumprimento da lei, porque não houve fiscalização posterior para aferir esta informação. Em apenas 6 empresas posteriormente fiscalizadas, porém, houve melhoria ou estabilização na adequação às normas de SST. Logo, a situação mais comum encontrada foi a de ampliação no quadro de infrações às normas de segurança e saúde no trabalho.

Finalmente, as interdições e embargos motivados por situações de grave e iminente risco foram ainda mais tímidas do que as autuações efetuadas. Durante os 17 anos pesquisados, nos estudos de caso, houve apenas 64 itens que foram objeto de interdição, o que não significa que houve 64 interdições no período estudado. Isto porque uma interdição ou embargo pode envolver uma série de itens legais. É comum, por exemplo, que quando se chegue ao ponto de embargar uma obra, sejam elencados muitos itens irregulares para aquele canteiro de obras. Assim, apesar de 64 itens terem sido objeto de interdição, a suspensão de atividades ocorreu em apenas 7 (sete) empresas (24% do total)[19].

Os itens que ensejaram o embargo de uma obra foram, exemplificativamente, trabalho em altura sem proteção, andaimes inseguros, partes elétricas expostas, ou a não concessão de EPIs. De forma contraditória, estas irregularidades também foram encontradas em outras empresas fiscalizadas, mas nestas não houve embargo por parte da SRTE/AM. Mesmo quando constatadas essas infrações, que demandariam a suspensão imediata das atividades, a auditoria-fiscal do trabalho não efetivou este procedimento[20].

Mesmo ações fiscais que foram motivadas pela ocorrência de acidentes fatais – portanto, com risco grave já materializado -, não houve embargo da obra.

Assim, a quantidade de termos de interdição em itens legais de segurança e saúde no trabalho que gozam de um amplo consenso por parte de profissionais que trabalham no ramo, foi praticamente irrisória.

Em síntese, este foi o padrão encontrado junto aos procedimentos analisados no MTE. A título de arremate, deve ser dito que foram realizadas 211 ações fiscais[21]no período sem imposição de multas (com simples notificação). O procedimento não-punitivo foi amplamente adotado; a cultura da instituição correspondeu à concessão de prazos para adequação da conduta pelos empregadores (orientação sem sanção), ainda que essa pesquisa sugira objetivamente que esse procedimento permitiu a reincidência em larga escala. O descumprimento reiterado - após a notificação - não foi levado em conta pelos agentes estatais[22]. A ação fiscal sem qualquer penalidade pecuniária foi amplamente adotada no período[23], o que repercutiu no alto índice de reincidência e mesmo ampliação das infrações cometidas.

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Sobre o autor
Ilan Fonseca de Souza

Procurador do Trabalho na 5ª Região (Bahia), Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília. Doutorando em Estado e Sociedade pela Universidade Federal do Sul da Bahia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Ilan Fonseca. MTE e MPT: reação diante de infrações trabalhistas praticadas por empresas do setor da construção civil no Amazonas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4184, 15 dez. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32536. Acesso em: 19 mar. 2024.

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