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O advogado trabalhista em 1º lugar

07/05/2015 às 10:38
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Comenta-se a importância social do advogado trabalhista e do respeito aos seus direitos e prerrogativas no exercício da profissão.

“Mas o dinheiro não é um método tão seguro como a violência para tratar as relações humanas? Ele não nos permite dispensar o ingênuo emprego dela? É uma violência espiritualizada, uma forma espiritual de violência, flexível, altamente evoluída e criativa. Os negócios não se fundamentam em astúcia e violência, em vantagem e exploração, só que civilizadas, transferidas para o interior do ser humano revestindo-se da aparência de sua liberdade? O capitalismo, como organização do egocentrismo segundo a hierarquia da capacidade de obter dinheiro, é a ordem mais elevada e mais humana que conseguimos criar em Sua honra, Senhor; a atividade humana não tem critério de medida mais preciso do que esse!” Robert Musil, 1880-1942. O Homem sem Qualidades.[1]

O título deste artigo[2] contém uma evidente provocação às mentes inquietas, que se atraem pela amplitude de horizontes que só a liberdade traz aos homens. Claro, também, que não se trata de uma provocação aos colegas Advogados de outros ramos da Mais Bela das Profissões, todas em patamar de igual respeitabilidade. Trata-se de uma provocação social.

É cediço que a origem do Direito do Trabalho guarda relação estreita com a busca de uma imposição de racionalidade ao capitalismo pela via jurídica, na medida em que a história pincelou um quadro no qual vê que não há modelo de sociedade que sobreviva sem um conjunto de regras que atribua valor prioritário à constante evolução da condição humana. 

Desde o período que os geólogos denominam terciário e dos primeiros macacos antropomorfos descritos por Darwin, que essencialmente através do trabalho desenvolveram o domínio sobre a natureza, o convívio em sociedade, a linguagem, o cérebro, os sentidos etc., até que se transformassem em homens;[3] até chegarmos aos dias de hoje, nos quais se reconhece que “o homem não trabalha porque quer, mas porque não pode deixar de trabalhar, assim como não pode deixar de pensar, de amar, de ensinar, de admirar ou de possuir”[4], sabe-se que o trabalho finca suas estacas nas visões mais íntimas que o ser humano pode ter dele mesmo.

Nesta perspectiva, se fosse possível definir o porquê de sermos como somos e, principalmente, a razão de termos a consciência de nós mesmos da forma como ela se nos apresenta, poderíamos convergir para um único fator: o trabalho. Não por outro motivo é que se deve combater o esvaziamento axiológico do trabalho, que é valor em sua fundação originária[5]; interpretando-se o trabalho sempre sob o contexto das valiosas lições de Kant, para quem o homem não pode ser empregado como um meio para a realização de um fim em si mesmo, na medida em que cada indivíduo é sagrado, porquanto nele pulsa a humanidade[6].

Por outro lado, é inegável que os Direitos e Prerrogativas Profissionais dos Advogados são pilastras fundamentais de qualquer Estado Democrático. Não há Advogados sem Democracia, nem há Democracia sem Advogados; valendo o mesmo para a Liberdade, bem maior do ser humano, como também nos diz a história e antigas lições constitucionais desde a época de Leão I[7].

Estas reflexões, contextualizadas por tempos como estes, em que a economia se desenvolve em descompasso com a distribuição de renda e a implementação dos direitos sociais mais básicos, nos dão a oportunidade de notar de forma próxima o papel destacado, senão de essencialidade, que tem o trabalho perante todos os outros direitos sociais que o art. 6º da Constituição Federal[8] nos garante – ou deveria garantir.

Sem trabalho, o cidadão que vive em nossa sociedade não poderá acessar saúde, alimentação, moradia, lazer, educação etc., em condições minimamente dignas. Como corolário, tem-se que o trabalho é fator essencial para que se alcancem os primados estabelecidos pelo Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e pelos valores aos quais faz referência o Preâmbulo de nossa Magna Carta[9].

Esclareça-se, neste encadeamento, que aqui não se faz referência a trabalhador ou a empregador. Refere-se a idéia ao trabalho em si, fator dignificante e que é fruto da relação de trabalho. Tal peculiar relação, pois – talvez até mais do que as relações dos homens e das empresas com a lei civil ou penal – é, para nós, fator ímpar no bom e saudável desenvolvimento de uma sociedade organizada.

Por conta disto, tem-se que o debate – mais ainda o jurisdicional – sobre a legalidade, ou não, das relações de trabalho ou dos reflexos dela, deve ser acurado, realizado de forma detalhada e livre, podendo tal debate encontrar limites apenas nas leis e na Constituição. Assim, a bem mesmo da paz social (lato) é que se deve resguardar aos atores da relação de trabalho acesso e respeito irrestritos ao devido processo legal[10], como formas únicas de alcançarmos decisões justas, tomadas dentro da lei e da Constituição, conferindo ao Estado em que elas se desenvolvem caracteres nítidos de segurança jurídica, fator estritamente necessário ao desenvolvimento econômico, base para o aumento do trabalho em geral.

Destas premissas se depreende que falar em trabalho, em relações de trabalho, é, portanto, falar em paz social, em Democracia e em Direitos Humanos.

Por isto é que o Advogado Trabalhista, ao lidar cotidianamente com embates que tocam ao trabalho e à peculiar relação deste com o capital[11] merece ter seus Direitos e Prerrogativas especialmente resguardados. 

Em sociedades como a nossa, para além do que já estabelecem a própria Constituição da República[12] e a Lei 8.906/94, o Advogado Trabalhista deve ter sua atuação observada sob a perspectiva daqueles peculiares cuidados já destacados, para os Criminalistas, no passado, por Rui Barbosa[13] – eminente Brasileiro.

É dizer: em nenhuma jurisdição, mas principalmente na Justiça do Trabalho, há causas ou nem pessoas (físicas ou jurídicas) “indignas de defesa”. Assim, por mais que se possa ter espanto moral de determinada versão dada pelo cliente, o Advogado deve, sim, defendê-la.

Entretanto, estas idéias, por mais simples e naturais que possam parecer àqueles que compreendem a função do Direito do Trabalho e do Advogado num Estado Democrático de Direito, tristemente não encontram eco em determinados órgãos estatais que cuidam de apreciar questões afeitas às relações de trabalho em geral. Esta realidade nos parece tão flagrante que pensamos ser possível afirmar que qualquer Advogado que freqüente Fóruns Trabalhistas, órgãos do Ministério do Trabalho e Emprego, agências da Previdência Social etc., principalmente no Estado de São Paulo, comunga da mesma opinião.

Seja por falta de estrutura, de pessoal, de educação, de treinamento, de orçamento, de planejamento etc., o fato é que tais órgãos – sempre ressalvadas as honrosas exceções, geralmente advindas de espíritos de Servidores Públicos vocacionados para a carreira que escolheram – estão a desrespeitar de maneira recorrente as prerrogativas profissionais dos Advogados.

Em determinados momentos a afronta é tamanha e de tal grandeza que se torna possível identificar, mesmo em órgãos jurisdicionais[14], que se esquece o conceito básico de que à Justiça, tanto o amplo contraditório, quanto o livre desempenho da função de Advogar, são necessários[15]. A bem da oportunidade lembremos do que nos dizia o já referido Águia de Haia[16]:

“Ora, quando quer e como quer que se cometa um atentado, a ordem legal se manifesta necessariamente por duas exigências, a acusação e a defesa, das quais a segunda por mais execrando que seja o delito, não é menos especial à satisfação da moralidade pública do que a primeira. A defesa não quer o panegírico da culpa, ou do culpado. Sua função consiste em ser, ao lado do acusado, inocente, ou criminoso, a voz dos seus direitos legais.

Se a enormidade da infração reveste caracteres tais, que o sentimento geral recue horrorizado, ou se levante contra ela em violenta revolta, nem por isto essa voz deve emudecer. Voz do Direito no meio da paixão pública, tão susceptível de se demasiar, às vezes pela própria exaltação da sua nobreza, tem a missão sagrada, nesses casos, de não consentir que a indignação degenere em ferocidade e a expiação jurídica em extermínio cruel.”

Mais triste ainda é perceber que, no mais das vezes, a discussão que se passa e que dificulta o exercício livre da Advocacia não suplanta o campo de uma análise simplesmente moral e subjetiva. Vê-se, ainda, que o exercício da profissão com destemor e nos termos da lei, chega a verdadeiramente incomodar aqueles que não se recordam que “nenhum receio de desagradar a magistrado ou a qualquer autoridade, nem de incorrer em impopularidade, deve deter o advogado no exercício da profissão.”[17]

Aqui cabe dizer, igualmente, que tais condutas não afetam exclusivamente o aspecto profissional do Advogado. Para tanto, basta lançar um olhar mais zeloso sobre a quantidade de mortes e doenças ligadas ao estresse que acometem os Advogados Trabalhistas. Desta forma, para além do desequilíbrio social que o desrespeito às prerrogativas dos Advogados Trabalhistas causa, os constantes ataques diretos e indiretos a elas colocam nossa Classe naquele mar conturbado de modernidade aparente, em que, simplesmente para exercer seu mister, o Advogado se submete a “dois fenômenos muito antigos que precedem o próprio capitalismo: a exploração onipresente do trabalho e a morte antes do tempo. O novo é que as doenças do trabalho são menos visíveis e suas relações com o trabalho, menos identificáveis. Ao invés de atingir as partes expostas do corpo, o consomem a partir de dentro e comprometem bem mais a mente do que fisicamente aparece no corpo”[18].

Neste contexto é necessário fixar que nos parece que o nível elevado de enfrentamento atualmente existente entre Advogados e Servidores Públicos tem levado ao mesmo cenário também estes últimos. Por isto é que temos defendido que mais que o respeito à da Classe dos Advogados, a união de forças de todos aqueles que administram as relações e contribuem para a evolução do trabalho em geral seria necessária. E não apenas por uma questão de salubridade, mas porque “a presença de sentimentos hostis inevitavelmente prejudicará a lógica jurídica, a cognição dos fatos controvertidos e a inteligência razoável das teses contrapostas. O vetor decisório e a ratio da prestação jurisdicional deixam de ser a arte do bom e do justo, substituídos pela emulação, pela antipatia pessoal, ou ainda, pelo desejo de vingança. Porque tal decorre das fragilidades subjacentes à natureza humana, quando a urbanidade for renegada não ocorrerá jurisdição digna do nome. Sacrificando-se a razão, argumenta-se – ou até pior, decide-se – sob o único embalo de emoção má, não da boa, que é benéfica e louvável.”[19]

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A Justiça do Trabalho e os demais órgãos ligados à administração das relações de trabalho, quando afrontam as Prerrogativas Profissionais do Advogado Trabalhista perdem sintonia com a sociedade e, dada a importância do Trabalho, tanto individual quanto socialmente, passam a falhar naquele objetivo maior de atingimento da paz social, a qual só é possível de ser alcançada mediante o livre exercício da profissão de advogar em nossa Especializada.

Só assim nossa sociedade evolui. Só assim, com respeito à Classe e com o Advogado Trabalhista em 1º lugar, teremos liberdade. “Liberdade – essa palavra que o sonho humano alimenta: que não há ninguém que explique, e ninguém que não entenda”[20].


Notas

[1] Direitos de edição da obra em língua portuguesa no Brasil adquiridos pela Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro/RJ. Pág. 363.

[2] Artigo para o Anuário 2014 da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo – AATSP.

[3] “Sobre o Papel do Trabalho na Transformação do Macaco em Homem”, escrito por Engels em 1876, in A Dialética do Trabalho, Ricardo Antunes (org.), São Paulo: Expressão Popular, 2004. Págs. 11-28.

[4] REALE, Miguel. “O Direito de Não Trabalhar”, pág. 119 – In Tendências do Direito do Trabalho Contemporâneo - Por J. J. M. Van Der Ven ... [et al.] ; coordenação da ed. e rev. das traduções pelo prof. Cassio de Mesquita Barros Jr.  Imprenta: São Paulo, Ltr, 1980.

[5] Idem, ibidem.

[6] KANT, Immanuel. “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”. São Paulo: Martin Claret, 2006. Págs. 58-59.

[7] “Os advogados (...) são tão importantes ao gênero humano como aqueles que salvam a pátria e os antepassados em meio a batalhas e ferimentos. Não cremos, pois, que militam no nosso império somente aqueles que se esforçam com espadas, escudos e armaduras, mas também os advogados, patronos das causas que, confiantes na fortaleza de sua gloriosa palavra, defendem a esperança e a vida daqueles que sofrem, bem como o futuro de seus pósteros” – Constituição imperial dada em Constantinopla, no 5º dia das calendas de abril no ano de 469. In “História da Advocacia”, de Hélcio Maciel França Madeira, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2002, pág. 7.

[8] CR, art. 6º.: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

[9] “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”

[10] CR, art. 5º, II. O princípio do devido processo legal garante às partes litigantes "acesso à justiça (direito de ação e de defesa), igualdade de tratamento, publicidade dos atos processuais, regularidade do procedimento, contraditório e ampla defesa, realização de provas, julgamento por juiz imparcial (natural e competente), julgamento de acordo com provas obtidas licitamente, fundamentação das decisões judiciais, etc." (Celso de Mello, Constituição Federal anotada, pág. 441).

[11] É de bom registro lembrar-se, sempre, que são iguais fundamentos de nossa República, fixados pelo Constituinte em igual patamar, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (CR, art. 1º, IV).

[12] CR, art. 133. “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

[13] Referimo-nos à obra “O dever do Advogado – Carta a Evaristo de Morais”, editada pela Edições Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro, em 2002.

[14] Como ocorre freqüentemente nas Varas do Trabalho da Capital do Estado de São Paulo, por exemplo.

[15] Pedindo-se sempre licença para referir que, na oportunidade, se referia o autor ao trabalho do Advogado Criminalista.

[16] BARBOSA, Rui. Op. Cit. 3ª Ed. Ver. Pág. 36.

[17] Lei 8.906/94, art. 31, §2º.

[18] RIBEIRO, Herval Pina. “A historicidade da morbidade do trabalho”, in O Avesso do Trabalho II, Raquel Santos Sant´ana (org.) et al. 1ª Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2010, pág. 10).

[19] FERREIRA, Manuel Alceu Affonso. in “Cordialidade Forense”. Site Migalhas, 09/01/2012. Disponível emhttp://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI167324,91041-Cordialidade+Forense.

[20] “Romance XXIV ou da bandeira da inconfidência” do Romanceiro da Inconfidência, de Cecilia Meireles; in Obra Poética, Editora Nova Aguilar: Rio de Janeiro, 1977.

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Sobre o autor
Horácio Conde

Advogado Trabalhista. Presidente da Comissão de Direito Empresarial do Trabalho da OAB/SP. Conselheiro Eleito e 1º Secretário da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo - AAT/SP. Conselheiro da 1ª Turma Julgadora do Conselho de Prerrogativas da OAB/SP. Coordenador da Comissão de Direitos e Prerrogativas da Justiça do Trabalho da OAB/SP. Membro Tribunal de Ética e Disciplina (TED) II da OAB/SP. Especialista em Direito e Processo do Trabalho (Mackenzie). Sócio responsável pelas pastas Trabalhista e Sindical de Marqui e Conde Ferreira Sociedade de Advogados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CONDE, Horácio. O advogado trabalhista em 1º lugar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4327, 7 mai. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/32832. Acesso em: 17 abr. 2024.

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