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Integração econômica internacional

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01/10/2002 às 00:00
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INTRODUÇÃO.

O tema da integração econômica internacional ganhou vulto neste final de século, especialmente em razão dos avanços econômicos (se assim pode-se dizer) empreendidos pela Comunidade Européia (CE), uma comunidade que caminha a passos firmes para a integração econômica total. Da unificação da política aduaneira à implementação da moeda comum, a CE é paradigma de estudo para todos os demais processos de integração econômica (fala-se de Mercosul e lá está a menção à CE, sempre em estudos "comparativos").

Numa análise econômica, estes processos, em seu paralelismo, não têm as semelhanças concorrentes que os juristas procuram lhes imprimir. São distintos quanto à forma e aos objetivos, portanto diferem nos resultados econômicos. São fenômenos econômicos, não jurídicos, que comportam uma infinidade de variáveis, imponderáveis senão quando delimitados os elementos de análise. O Direito, em seu positivismo kelseniano, colocando de lado a análise econômica (incompatível com a ciência das leis), não pode explicar uma concorrência de fatores que, economicamente, inexiste.

Nesta perspectiva, o papel do Direito na teoria da integração econômica está inserido na regulação dos fatores de produção, dos quais lança-se mão para as análises de cada um dos processos. Assim, as leis e regulamentos são apenas as molduras de um processo que se explica economicamente, não em linhas jurídicas, pois seu resultado é um "produto", não "regras de institucionalização" que exteriorizam a forma econômica eleita para o processo.

Nossa proposta, portanto, é apresentar, em linhas gerais, um significado jurídico para estes processos essencialmente econômicos de integração, afastando-nos da equivocada análise comparativa institucional, que procura dar vestes jurídicas a um fenômeno, como se disse, essencialmente econômico.

Deste modo, dividir-se-á este estudo em cinco capítulos, comportando cada qual subdivisões para melhor tratamento do tema "integração econômica internacional". O capítulo primeiro tratará da localização do tema no âmbito da teoria das organizações internacionais, matéria de direito internacional público. O capítulo segundo cuidará dos diversos conceitos de integração econômica (genérico, clássico e econômico); o terceiro, da estrutura estatal para realização do processo integracionista. No quarto capítulo, apresentar-se-á, entre as espécies de integração, a distinção econômica entre a regionalização (como processo de integração) e a globalização, com ênfase no primeiro processo, à análise das formas diversas e graduais de integração econômica. Num último capítulo, cuidar-se-á da apresentação das conclusões deste estudo.


I - TEORIA GERAL DAS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS.

Organizações Internacionais de Integração [1].

A teoria geral das organizações internacionais é um tema bastante amplo para ser discutido neste estudo; por esta razão, cuidamos de extrair desta amplitude a matéria das organizações internacionais de integração.

Entre as muitas definições sugeridas para "organização internacional" elegemos entre as mais modernas a proposta do Professor Rudolf BINDSCHEDLER [2], para quem "organização internacional é uma associação de Estados instituída por um tratado, que persegue objetivo comuns aos Estados membros e que possui órgãos próprios para a satisfação das funções específicas da Organização". Dentre a grande variedade de conceitos, verifica-se em todas as definições propostas pela doutrina internacional, a ênfase a dois elementos: organização, que implica permanência (ou estabilidade) e vontade própria (personalidade jurídica distinta dos Estados membros; e internacionalidade (criação por um instrumento de Direito Internacional). Na teoria geral das organizações internacionais, estas podem ser classificadas, numa referência pertinente ao tema da integração econômica internacional, quanto ao seu objeto, à estrutura jurídica e ao território de ação.

Quanto ao objeto, as organizações internacionais podem ser classificadas como organizações internacionais de finalidades gerais (ONU), de cooperação política (Conselho Europeu), de cooperação militar (OTAN), de cooperação social e humanitária (OMS), de finalidades culturais e técnicas (UNESCO) e, finalmente (por pertinente a este estudo), de cooperação econômica, a exemplo da Comunidade Européia - CE e do North American Free Trade Agreement - NAFTA.

No que se refere a estrutura jurídica, uma organização de integração econômica internacional têm caráter supranacional [3], em contraposição, por exemplo, ao caráter intergovernamental dos tipos clássicos e correntes de organização internacional. Diferentemente das organizações intergovernamentais, esta categoria de organização funda-se no "princípio da "limitação da soberania [4] dos Estados membros", resultante da chamada "transferência de poderes soberanos dos Estados membros para organizações supranacionais".

Finalmente, o caráter regional de atuação destas organizações internacionais de integração determina sua distinção das organizações de caráter para-universal, tais como a Organização das Nações Unidas e as organizações a esta vinculadas (OIT, UNESCO).

Em resumo, pode-se afirmar que o fenômeno de integração econômica internacional realiza-se através de uma organização internacional com finalidade de cooperação econômica, de orientação supragovernamental, limitada a um determinado território, coincidente com aquele de seus Estados-Membros (o que mais adiante denominar-se-á, com maior precisão técnica, de "regionalismo").


II - OS CONCEITOS DE INTEGRAÇÃO ECONÔMICA.

Genérico. Econômico. Clássico.

O primeiro pensamento que nos salta quando nos falam de "integração" é a simples noção de união de diversas partes num todo. O processo de integração econômica, nesta perspectiva simplista, pode ser comparado mais a um "mosaico", que à distância faz desaparecer as imperfeições das justaposições das partes que o compõe, e menos a um "quebra-cabeças", onde a necessidade de perfeição dos encaixes é imprescindível para o resultado do jogo. Integrando-se peças, interesses, regulamentos, tem-se o desenho mosaico que tão bem caracteriza os processos de integração econômica internacional.

O termo "integração", como um termo aplicável a fenômenos econômicos, surgiu entre 1939 e 1942, ainda durante a II Guerra, tornando-se um importante recurso prático em termos de política econômica internacional e de direito internacional público.

Assim, do ponto de vista econômico, o conceito varia de acordo com o enfoque acentuado pelos diversos autores [5]. BELA BALASSA separa a integração como processo e como situação. Como processo será o conjunto de medidas tendentes a abolir a discriminação [6]. Como situação, a integração corresponde a ausência de formas diversificadas de discriminação entre economias nacionais; HABERLER conceitua a integração através das relações estreitas entre certas áreas. O autor aplica um conceito muito amplo, arraigado no modelo clássico de concorrência perfeita; MYRDAL enuncia a integração como um processo sócio-econômico capaz de destruir as barreiras sociais e econômicas existentes entre os participantes na atividade econômica, não estabelecendo qualquer distinção entre integração nacional e internacional; PETER ROBSON diz que o conceito geral de integração econômica está essencialmente ligado à eficiência do uso dos recursos, com particular referência ao processo espacial, incluindo, como conteúdo, a liberdade de circulação de bens, de fatores de produção e a ausência de discriminação [7].

Num enfoque clássico, integração significa a abolição de entraves em movimentos de mercadorias, pessoas e capitais, alargando a atuação da oferta e da procura, como resultado de uma política comum visando a eliminação das distorções das políticas setoriais.

Finalmente, no esforço de uma conceituação jurídica do fenômeno, integração significa a harmonização ou a uniformização dos sistemas legais internos dos Estados, viabilizando a integração política e econômica.


III - ESTRUTURA.

Estruturalmente, o fenômeno de integração econômica é uma iniciativa estatal, um resultado do dirigismo do Estado que organiza a atividade econômica através de medidas administrativas e legislativas. Parte, portanto, do princípio de que as forças de mercado não são suficientemente fortes para se auto-regular, exigindo, pois, a intervenção do poder político.

Esta abordagem estrutural, fundada no poder político, permite distinguir:

- Integração nacional, como um processo restrito às fronteiras de um Estado;

- Integração econômica internacional, que se refere à integração em um bloco regional (regionalização) [8];

- Integração econômica mundial, que visualiza o fenômeno em escala mundial, mas numa perspectiva microeconômica (globalização).

Interessa para este estudo o segundo e o terceiro nível de integração econômica, aquele, inclusive, abordado por Bela Balassa em sua obra Teoria da Integração Econômica, de 1962.


IV - AS ESPÉCIES DE INTEGRAÇÃO ECONÔMICA.

Globalização. Regionalização: modalidades; fundamentos empíricos; gradualismo e diversidade; críticas ao gradualismo; desafios teóricos.

Nos anos 80 a economia mundial caracterizava-se pela internacionalização dos mercados e das técnicas de produção. Nos anos 90, como um reflexo da criação da OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico) [9] em 1960, houve um aprofundamento da caracterização da economia mundial, passando-se a notar processos de globalização e um grande esforço em torno dos processos de regionalização.

1. Globalização.

O termo globalização, embora comporte diversas conceituações no âmbito da política econômica, caracteriza-se pelo crescimento da atividade econômica para além das fronteiras políticas, regionais e nacionais de um Estado, em proporções mundiais, possibilitando aos diversos atores, em movimentos migratórios, buscar nas trocas e nos investimentos o lucro pela livre concorrência. É um processo centrífugo e microeconômico. O primeiro destes aspectos abrange o comportamento e as estratégias das empresas, com ativos financeiros, com tecnologia e controle de haveres. As forças microeconômicas, de sua vez, podem ser estimuladas, como se asseverou anteriormente, pela atuação do poder público, tal como através da desregulação de mercados financeiros, reforço ou rebaixamento de entraves políticos à concorrência, às trocas, ao investimento.

Os efeitos da globalização, de modo muito sucinto, podem ser descritos como: a. redução da distância econômica entre países, regiões e agentes; b. limitação da soberania dos governos nos planos nacional e internacional; c. perturbação dos oligopólios existentes, através da mudança das regras de mercado na luta pela vantagem competitiva entre empresas de um país ou entre países; d. interação das formas microeconômicas. A resultante destes efeitos é uma "interdependência" internacional, à luz das intrincadas relações entre os mercados. De modo geral, dentro do espírito de livre concorrência, o mundo globalizado busca a criação de economias de escala e o aumento de eficiência econômica das trocas, obviamente, ideais também almejados nos processos de regionalização.

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2. Regionalização.

No movimento de regionalização, um processo macroeconômico e centrípeto, a concentração de comércio internacional dá-se entre países ou grupo de países com proximidade geográfica.

No plano de direito, a regionalização toma a forma de um acordo comercial preferencial ou de união aduaneira, nas formas mais simples, ou união econômica e monetária, na forma mais complexa. Na base da institucionalização deste processo estão forças políticas com referencial aos poderes do Estado, que buscam diminuir as diferenças e os obstáculos intra-regionais para livre circulação de bens, pessoas e capitais. O enfoque jurídico funda-se na formatação de um fenômeno político-econômico, com o fito de tornar mais competitivo o respectivo espaço econômico.

No plano fático, a regionalização deriva das mesmas forças microeconômicas que impulsionam a globalização. Contudo, o fenômeno da regionalização, envolvendo uma política essencialmente estatal, só se realiza através da iniciativa do próprio Estado, donde seu caráter macroeconômico.

Em resumo, regionalização pode ser definida, numa ótica econômica, como o conjunto de medidas tomadas pelo Estado para aumentar, ou diminuir, os obstáculos às trocas, aos investimentos, aos fluxos de capitais e aos movimentos de fatores entre os grupos de países envolvidos. Numa perspectiva jurídica, é o fenômeno resultante da composição dos interesses econômicos, através de acordos internacionais, que visam delimitar e fixar positivamente os objetivos e os meios de realização destes interesses.

2.1. Modalidades de regionalização.

Jacob KOL [10], estudioso da Integração Econômica Internacional na Universidade Erasmus, de Rotterdan, distingue três modalidades de regionalização em relação ao desenvolvimento do comércio mundial: formação de blocos, regionalismo e polarização.

A Formação de blocos refere-se a uma relativa concentração do comércio internacional entre países membros de um acordo formal de livre comércio ou outro acordo formal de integração econômica. KOL inclui as experiência Européia (CE) e norte-americana (NAFTA) neste espécie de integração econômica.

O Regionalismo refere-se a uma relativa concentração de comércio internacional entre países que são parte de um grupo de Estados com coesão informal, com predominância do elemento de proximidade geográfica. Nesta prespectiva, a regionalização é um fenômeno natural e diretamente ligado ao fator proximidade geográfica, tal como ocorre entre zonas fronteiriças, a exemplo das fronteiras entre Brasil e Paraguai, antes mesmo do Tratado de Assunção (1991).

Finalmente, a polarização apresenta-se como um caso especial de regionalismo entre países em diferentes estágios de desenvolvimento. É uma relativa concentração de comércio internacional de um grupo de estados em desenvolvimento com um grupo de Estados industrializados em proximidade geográfica.

Percebe-se desta classificação de KOL que o termo "regionalização" é distinguido do termo "regionalismo". Longe de ser um preciosismo terminológico, a proposta de KOL abrange, dentro do fenômeno de regionalização, um subtipo que explica movimentos naturais da economia que ao longo do tempo foram a própria razão do aprofundamento e alargamento dos processos de integração, através de acordos formais, seja para formação de áreas de livre comércio bilaterais (Free Trade Agreement - FTA, EUA x Canadá) ou de própria formação de blocos econômicos (CE, NAFTA, Mercosul). O mesmo tratamento perspicaz é dado ao fenômeno da polarização, que vem sendo conduzido na América com tendências para a criação de uma área de livre comércio (ALCA).

A principal distinção da polarização para a formação de blocos e o regionalismo é que naquela inexiste o fluxo inverso de comércio, seja formal ou informal. Este é o caso, por exemplo, do comércio realizado entre a África Meridional e a Europa Ocidental. As importações realizadas pelos africanos não correspondem à exportações dos europeus, num fluxo inverso de produtos.

2.2. Motivos que impulsionam as integrações regionais.

Certa vez, defendemos nas aulas das Arcadas um fato que nos parecia inconteste: a integração econômica internacional, no interregno que permeia o pólo europeu e o norte-americano, é praticamente inexistente, senão absolutamente inconsistente e insípida. Prosseguindo no salutar debate, asseveramos, com mais simplicidade ainda, que a grande maioria das economias se integram compulsoriamente, numa tendência mundial e muitas vezes malformada. Surgiu então a pergunta - Quer dizer que um país se integra somente pelo fato que outros estão se integrando? - a resposta foi tão simples como a assertiva inicial: é isto mesmo! E ainda estamos convictos da resposta simplista que, por certo, merece ser melhor tratada em nível acadêmico.

Pode-se elencar pelo menos três motivos que impelem um Estado a optar pela integração econômica:

i) alargamento de mercados e obtenção de ganhos comerciais resultantes da racionalização e da especialização das estruturas de produção.

A formação de grupos contribui para a estabilidade e previsibilidade das trocas entre os Estados, favorecendo uma maior especialização e racionalização das estruturas industriais da região.

ii) aumento da coesão política.

A integração, desde sua mais simples expressão (zona de livre comércio) pressupõe um mínimo de coesão política entre os Estados. Esta coesão, tendente a um aprofundamento das relações diplomáticas e comerciais, diminui as tensões políticas entre os Estados. A importância da coesão política pode ser percebida a partir de um exemplo negativo: em muitas regiões, tal como na África, as tensões políticas regionais têm grande parcela de culpa pelo malogro dos processos de integração já implantados. Contudo, vem se percebendo, sobretudo no continente africano que, ao lado da falta de coesão política, as disparidades econômicas entre os Estados são o principal entrave ao sucesso de processos tais como a Southern African Development Community (SADC - 1992), que congrega 11 Estados da África Austral.

A coesão política deve elevar o grau de consciência coletiva para a eliminação gradativa das disparidades econômicas, sociais e culturais que separam Estados vizinhos.

iii) permitem a realização de outros objetivos de política comercial e econômica.

A integração econômica pode possibilitar que se alcance objetivos comerciais e econômicos a longo prazo: igualar vantagens entre os principais parceiros comerciais, diminuir a supremacia econômica de um parceiro tradicional e poderoso, lançar a cooperação multilateral para solução de questões de interesse do grupo. Deve-se somar a estes pontos outro de suma importância: a regionalização, ao aumentar a eficiência econômica do mercado, determina a reestruturação industrial com vista à especialização e reforça elos intra-regionais.

2.3. O equívocos da aplicação do modelo econômico europeu aos demais processos de integração econômica.

O aprofundamento na prospecção dos motivos dos motivos que nos levaram à conclusão de que os Estados compulsoriamente vêm se integrando economicamente em blocos regionais, permite-nos destacar um outro aspecto, jurídico, da análise do fenômeno integracionista.

Na introdução a este estudo, asseverou-se que entre os fenômenos econômicos europeu e os demais processos de integração econômica inexistia a concorrência que alguns teóricos procuram imprimir-lhes, pois, ao nosso ver, estes processos estão numa relação de paralelismo econômico, concorrendo somente em relação a normas legais, de caráter internacional, que fogem ao conteúdo essencialmente econômico que se procura preservar.

São processos distintos, pois fundados em modelos analíticos distintos. A própria divergência conceitual entre os economistas, resultado de uma a análise experimental e teórica limitada a determinados elementos econômicos, impossibilita a comparação entre os diversos fenômenos integracionistas. Por outro lado, uma comparação meramente institucional, sobre um processo econômico, é tão imprópria como a discussão sobre a vontade do legislador na aplicação da lei, no âmbito do direito. Como ciências, os conceitos de direito e de economia são imiscíveis.

Quando se comparam processos econômicos não se pode valer de uma comparação institucional, sob pena de se incorrer em falso estudo comparativo, mas meramente informativo. Quem quer que se disponha a discorrer sobre processos econômicos, notadamente sobre a integração econômica internacional, não pode se privar do estudo da Economia Internacional.

2.3. Fundamentos empíricos da regionalização.

A afirmativa simplista a que se referiu linhas atrás, justificada por alguns argumentos econômicos, certamente foi resultado de uma experiência empírica: somente se observou fatos.

Nos últimas décadas, a tendência de regionalização tem se evidenciado em termos quantitativos e qualitativos, especialmente diante da nova ordem econômica mundial que exige a eliminação gradativa das diferenças econômico-sociais entre Estados para a viabilização dos diversos graus de integração econômica. Contudo, nem sempre os processos evoluíram de forma regional ou mundial. Quantitativamente, teve-se no GATT, até 1994, a notificação de 109 acordos desde sua instituição em 1948, dos quais 76 somente nos últimos 14 anos (1980/1994); qualitativamente os processos deixaram muito a desejar.

Em 1990, um órgão especializado da ONU (Comitê de Planejamento e Desenvolvimento) considerava, "De uma maneira geral, que os esforços realizados pelos países em desenvolvimento para se industrializarem nos blocos regionais falharam. Em certos casos, a amplitude do bloco era demasiada reduzida para originar economias de escala. Noutros casos, os países integrados não conseguiram entender-se a fim de assegurar a cooperação necessária à gestão de um bloco regional em virtude das diferenças de nível de desenvolvimento ou de pensamento político que os separavam. Noutros casos ainda, as regras de origem e os problemas administrativos provocaram tantas dificuldades que, até hoje, um certo número de acordos concluídos, permaneceram letra morta" [11]. Esta conclusão somente vem reforçar a idéia defendida sobre a simplicidade do raciocínio econômico que induz, naturalmente, à regionalização.

Apesar destes flagrantes fracassos, países como os Estados Unidos e Japão, que historicamente sempre evitaram a inserção em processos de integração, passaram a participar de alguns acordos. Os Estados Unidos no FTA e no NAFTA; o Japão, na APEC - Fórum para Cooperação Econômica Ásia-Pacífico. Atualmente, a maioria dos países do mundo encontram-se inseridos em algum processo de integração mais ou menos intenso. Uma forte tendência de regionalização rebatida por economistas como J. Viner [12] põem em xeque a vantagem da integração em termos de bem-estar mundial, pois processos tais como as zonas de livre comércio, causam a discriminação de terceiros países em flagrante afronta à cláusula da nação mais favorecida, pedra angular do GATT.

No entanto, não se pode afirmar que o crescimento do processo de integração tenha afetado o comércio externo, embora a evidência da CE venha mostrando que o comércio intra-regional vem crescendo mais rapidamente que o extra-regional. Ou seja, os processos regionais, de modo geral, têm se mostrado compatíveis com o processo de globalização, isto devido a diversos fatores, entre os quais se elencam o forte estímulo de crescimento (remoção de barreiras, harmonização de regras...) e o fortalecimento da concorrência internacional entre empresas.

2.4. O gradualismo e a diversidade do processo de regionalização.

Ao longo deste estudo, várias vezes se mencionou, por exemplo, "processos de integração mais ou menos intensos". Este tópico tratará exatamente desta gradação de intensidade e da diversidade destes mencionados processos.

Quando se fala em gradualismo pensa-se em fases sucessivas tendentes a aprofundar e alargar um processo. Gradualismo, em tema de integração, é exatamente isto, um planejamento que visa ao aprofundamento e alargamento do processo integracionista, otimizando seus resultados econômicos, sociais e políticos.

Na modalidade diversidade, um processo pode apresentar diversas formas de execução, de acordo com os objetivos traçados pelas partes envolvidas. No âmbito da integração econômica internacional, uma classificação sobre as diversas formas de integração é amplamente utilizada por economistas, juristas e estudiosos do processo integracionista. Esta classificação foi proposta e apresentada por BELA BALASSA em 1962, em sua mencionada obra Teoria da Integração Econômica.

Segundo BALASSA, os processos de integração econômica distinguiam-se em cinco modelos: zona de livre comércio, união aduaneira, mercado comum, união econômica e integração econômica total.

Uma zona de livre comércio parte da abolição de direitos aduaneiros, de restrições quantitativas de mercadorias entre os países participantes e de uma política exterior própria. O traço mais marcante deste modelo são as regras de origem em relação os produtos dos países signatários do acordo. A união aduaneira pode ser entendida como uma zona de livre comércio em que os Estados negociam uma pauta externa comum. Prosseguindo neste gradualismo, temos que o mercado comum é uma forma mais elevada de integração econômica em relação às demais, pois visa à abolição das restrições comerciais e dos entraves aos livres movimentos de fatores produtivos. A união econômica, por sua vez, é vista como um mercado fundado em uma política econômica comum, voltada para a formação de um espaço com maior coesão econômica e política. Finalmente a integração econômica total é apresentada como a reunião de todos os fatores dos modelos anteriores, aliados à unificação das políticas monetárias, fiscais, sociais, bem como ao estabelecimento de instituições supranacionais, cujas decisões são vinculantes a todos os Estados membros.

Como se pode perceber, BALASSA apresenta uma classificação gradualista, ordenando os processos como em uma progressão organizada e mecanicista. Esta posição, contudo, vem sendo atacada por estudiosos modernos que defendem, com grande propriedade, a existência de processos de integração que carreiam elementos de uma e outra forma proposta por BALASSA. Em linhas gerais, a classificação de BALASSA carece da flexibilidade e da dinâmica das relações econômicas internacionais, sejam micro ou macroeconômicas.

Estas ponderações levam à reflexão sobre alguns dos desafios teóricos que estes novos pensadores do processo integracionista virão a enfrentar, em razão da dinâmica inerente ao próprio processo. Não existe no contexto da economia internacional (tampouco do direito) uma perfeita compreensão das implicações teóricas e práticas induzidas pela regionalização, pois esta está fundada em elementos políticos imponderáveis. O que nos parece certo é que a permanente evolução do processo dificulta a absorção do fenômeno pela teoria pura tradicional (Balassa), na qual predominam os modelos de base bilateral e se descartam fatores não econômicos.

Ao lado da regionalização, outro ponto que demanda análise mais profunda é o fenômeno econômico da globalização. Ao nosso ver, regionalização e globalização, apesar de se apresentarem como processos antagônicos (veja-se as notas que lançamos linhas atrás), representam, reciprocamente, a solução das discrepâncias verificadas em cada um dos processos. Ao mesmo tempo que se verificam os efeitos negativos do processo de globalização (econômicos - fuga de capitais, e sociais - desemprego), o mesmo fenômeno projeta efeitos positivos que coincidem com os objetivos mormente colimados nos processos de regionalização, tais como a formação de economias de escala, a otimização da eficiência econômica, ambos elementos envolvidos pela livre concorrência.

Em verdade, uma política econômica estatal, qualquer que seja seu fundamento (neo-liberal, liberal), deve buscar a harmonização dos elementos de ambos os fenômenos, inevitáveis em razão da dinâmica das relações econômicas; recessivos, se seguirem desalinhados de uma política que procure a correção das respectivas imperfeições.

Esta harmonização, no Estado Moderno, dá-se através de uma política econômica fundada em regras de direito, predominando aquelas de ingerência direta na ordem econômica. No âmbito da integração econômica, que se detém sobre a regionalização como um processo institucionalizado, estas regras tomam um caráter "comunitário", "geral", implicando na sinergia de forças dos Estados para a fixação das regras de correção das discrepâncias dos mercados interligados. A franca expansão dos processos de regionalização, especialmente nesta década de 90, reforça a necessidade de proteção dos mercados dos efeitos negativos da globalização através de dispositivos econômicos (e por consequência, legais) tão complexos e dinâmicos quanto a mutação dos fatores microeconômicos que acabam por produzir efeitos em cadeia, prejudiciais a um sem númeno de agentes e de mercados, com resultados não menos negativos nas políticas econômicas nacionais (perspectiva macroeconômica).

A regionalização é isto: uma resposta macroeconômica do Estado para um problema microeconômico dos mercados. Nesta perspectiva, ao nosso ver, a tendendência mundial tem se dirigido para um planeta cada dia mais regionalizado e para uma economia de blocos.

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Sobre o autor
Rodrigo Fernandes More

advogado, professor em São Paulo,mestre e doutor em direito internacional pela USP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORE, Rodrigo Fernandes. Integração econômica internacional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3307. Acesso em: 29 mar. 2024.

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