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Delegado de Polícia: a autoridade policial a que se refere o art. 69 da Lei 9.099/95

22/06/2015 às 15:29
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O ensaio examina o palpitante tema da atribuição exclusiva do Delegado de Polícia para elaboração do Termo Circunstanciado de Ocorrência - TCO.

Resumo: O presente ensaio se propõe a examinar, de forma não exauriente, o importante e palpitante tema referente a atribuição do Delegado de Polícia, na exclusiva, legítima e legal elaboração do Termo Circunstanciado de Ocorrência - TCO, por ser a Autoridade Policial a que se refere o artigo 69 da Lei nº 9.099/95.


Com o escopo de efetivar o comando normativo do artigo 98, I, da Constituição da República de 1988, o legislador brasileiro editou a Lei nº 9.099/95, criando juizados especiais, competentes para a conciliação, o julgamento e execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, cujos parâmetros vinculados a potencialidade penal e complexidade cível foram definidos pela própria lei.

Para melhor compreensão da lei, necessário se faz conceituar o termo Autoridade Policial, tão relevante para a célere fluidez da ordem jurídica.

Existem na legislação brasileira apenas três conceitos de autoridade, a saber: policial, judiciária e militar.

  • Autoridade Policial quando se refere ao Delegado de Polícia,

  • Autoridade Judiciária quando se refere ao Magistrado, podendo ser Juiz de Direito ou Desembargador, e

  • Autoridade Militar, o Oficial Militar quando, única e exclusivamente, no exercício de apuração de crime militar, aquele definido, claramente, no artigo 9º do Código Penal Militar, Decreto-Lei nº 1001/69.

Tudo bem simples, tudo natural, tudo harmonioso, não havendo necessidade de se criar uma utopia corporativa, bagunça ou anarquia jurídica.

Aliás, a Carta Magna (Constituição Federal, art. 144, parágrafo 4º) é textual, dizendo:

“As polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalva a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”.

O Código de Processo Penal, em seu artigo 4º preceitua que “a polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria”.

Assim, temos que a Lei 9.099/95, em seu artigo 69, prevê que:

"A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao juizado, com o autor o fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários ". ( grifo nosso )

Em Minas Gerais, há em tramitação da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, o Projeto de Lei nº 5560/2014, onde prevê a feitura do TCO pela Polícia Militar, segundo se observa abaixo:

'Estabelece diretriz para a integração dos procedimentos a serem adotados pelos órgãos da Segurança Pública na lavratura do termo circunstanciado, conforme previsto no art. 69 da Lei Federal nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

A Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais decreta:

Art. 1° - A Polícia Militar de Minas Gerais tem competência para lavrar termo circunstanciado de ocorrência de delitos de menor potencial ofensivo, nos termos do art. 69 da Lei Federal n° 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Parágrafo único - A competência prevista no caput deste artigo será exercida sem prejuízo da competência da Polícia Civil para a lavratura do referido termo, nos casos em que a vítima comparecer diretamente à delegacia de polícia.

Art. 2° - O policial militar que atender às ocorrências relativas a crimes de menor potencial ofensivo deverá lavrar o termo circunstanciado de ocorrência no local do fato.

§ 1° - Nos casos em que a lavratura do termo circunstanciado se revista de maior complexidade, dadas as circunstâncias em que a infração penal de menor potencial ofensivo foi praticada, ou que necessitem de expedição de carta precatória para posteriores diligências, as partes devem ser conduzidas à delegacia de polícia.

§ 2° - Nos casos em que houver a necessidade de retirar do local os envolvidos na infração penal de menor potencial ofensivo, a fim de preservar-lhes a integridade física, ou objetivando a pacificação do conflito, estes devem ser conduzidos às delegacias de Polícia Civil para a lavratura do termo circunstanciado.

§ 3° - Havendo requisição de diligências complementares por parte do Poder Judiciário ou do Ministério Público para fatos atinentes a infração penal de menor potencial ofensivo, comunicado ao Juizado por meio de termo circunstanciado, caberá à Polícia Civil assim proceder, salvo quando por razões técnicas a instituição requisitante o fizer diretamente à Polícia Militar.

Art. 3º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Reuniões, 28 de outubro de 2014."

O projeto de Lei não pode prosperar e não resiste ao menor sopro da realidade em virtude da existência de vício de iniciativa e falência múltipla em matéria de atribuição. Trata-se de questão processual reservada à União, artigo 22, I, da Constituição da República.

Ainda na própria Constituição Federal, o artigo 144, §5º, diz que “às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública”. Logo, a feitura de atos de formalização de documentos não é abarcada como preservação da ordem, ou mesmo de prevenção de crimes.

A desconexão de funções fica mais evidente ao tentarmos aplicar o Princípio Constitucional da Eficiência (art. 37, caput da Constituição da Republica). Então, como conciliar prevenção eficiente se teremos uma redução de policiais ostensivos nas ruas para que, dentro dos quartéis, possam se dedicar a formalização dos Termos Circunstanciados de Ocorrências.

Neste sentido já se posicionou o Supremo Tribunal Federal:

RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PERANTE O TRIBUNAL DE JUSTIÇA LOCAL. LEI ESTADUAL Nº 3.514/2010. POLÍCIA MILITAR. ELABORAÇÃO DE TERMO CIRCUNSTANCIADO. IMPOSSIBILIDADE. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA. ATRIBUIÇÃO DA POLÍCIA JUDICIÁRIA POLÍCIA CIVIL. PRECEDENTE. ADI Nº 3.614. INVIABILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

(STF - RE: 702617 AM , Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 28/08/2012, Data de Publicação: DJe-173 DIVULG 31/08/2012 PUBLIC 03/09/2012)

Ademais, a função de lavratura do Termo Circunstanciado de Ocorrência, que é desenvolvida pela polícia civil, é uma espécie de investigação sumaríssima, função, portanto, alheia à polícia militar.

A justificativa teleológica do projeto seria promover a integração das Instituições e desafogar as delegacias de polícia, mas diante de grave vício, a iniciativa é natimorta, eis que invade, incisiva e violentamente, as atribuições legais e constitucionais da Polícia Civil de Minas Gerais.

A nosso sentir, AUTORIDADE POLICIAL mencionada no art. 69 é o somente Delegado de Polícia. E nem precisamos de muito esforço e nem energia contorcionista para concluir nesse sentido.

O delegado de polícia é quem cabe presidir inquéritos policiais e elaborar o termo circunstanciado. Também cabe a ele requisitar a exames periciais, decidir sobre exumação, reprodução simulada dos fatos, a conhecida reconstituição do artigo 7º do CPP, além de outras medidas para a completa elucidação dos fatos.

Outrossim, possui outras inúmeras ações próprias do exercício de polícia judiciária, como a formalização da prisão em flagrante, cumprindo todos os atos formais do artigo 5º da Constituição da República, representar pela conversão para a prisão preventiva ou por outras medidas previstas no artigo 319 do CPP, com nova redação determinada pela Lei nº 12.403/2011, representar pela prisão preventiva autônoma, prisão temporária, mandado de busca e apreensão, afastamento de sigilo telefônico, quebra de sigilo bancário, fiscal, representar por medida protetiva da Lei Maria da Penha, representar por internação provisória de Adolescente em Conflito com a Lei, adoção e formalização da colaboração premiada da Lei nº 12.850/2013. sequestro e arresto, apreender e restituir coisas, indiciamento privativo, arbitramento de fiança, e outras.

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Os critérios da informalidade e da celeridade adotados na Lei nº 9.099/95, legitima a exclusão do inquérito, não podendo justificar atos de visível desídia ou de comodidade, pois a dispensa do moroso procedimento de natureza administrativa é motivo mais que suficiente e alentador para a autoridade policial dedicar-se minimamente à feitura producente do termo circunstanciado.

Não basta pertencer a essa ou àquela instituição para saber de tudo e ditar normas. Direito é ciência e não se presta a confusão arrebatadora. É inconcebível botar conceitos errôneos na cabeça do povo crédulo. Cidadania exige responsabilidade ética.

O delegado de polícia, bacharel em Direito, habilitado em concurso público, exercente de função essencial de estado e dotado de carreira jurídica, está apto para o que exige a Lei (9099/95) – lavratura do termo circunstanciado sobre contravenções penais e crimes que não excedam à pena de dois anos de prisão. Basta que os governos dêem à polícia judiciária as condições necessárias ao seu mister.

Preleciona Marino Pazzaglini Filho e outros in Juizado Especial Criminal – Aspectos práticos da Lei 9.099/95, sobre o assunto:

“...Na presença do delegado de polícia, se o autor do fato puder ser levado imediatamente ao Juizado Especial Criminal ou assumir o compromisso de se apresentar perante este, não será lavrado o auto de prisão em flagrante, mas tão somente, o termo circunstanciado, onde deverá ser mencionado tal acontecimento. Assim, a contrário senso, deverá ser autuado o autor da infração quando, em sendo possível sua condução imediata ao Juizado Especial Criminal, negar-se comparecer posteriormente ao Juizado Especial Criminal...

Por seu turno o Professor Hidejalma Muccio na recente obra Prática de Processo Penal – Teoria e prática – Edipro 1999 , assevera:

"...A prisão em flagrante por infração de pequeno potencial ofensivo, prevista na Lei 9.099/95, não é inviável, desde que amparada pelas demais normas processuais concernentes a essa modalidade de prisão provisória. O Art. 69, parágrafo único, autoriza-a inclusive quando o autor do fato se recusar a ser encaminhado, após lavrado o termo circunstanciado, ao Juizado, ou, então, se assumir o compromisso de a ele comparecer, caso não possa ser apresentado imediatamente...

Existem situações em que a autoridade policial necessita de uma prévia análise de adequação típica para determinar a providência legal exigível, inclusive, uma inicial definição da condição de procedibilidade, o que, certamente não se deve exigir de um policial que não possui cabedal suficiente.

Concluímos pelo entendimento de que autoridade policial competente para lavratura do Termo Circunstanciado de Ocorrência, artigo 69 da Lei nº 9.099/95, como sendo única e exclusivamente o DELEGADO DE POLÍCIA. Pensar diferente é querer exercer a mágica do contorcionismo exegético.


Referências bibliográficas

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: Promulgada em 05 de outubro de 1988. https://www2.planalto.gov.br, acesso em 16/11/2014, às 09h15min;

BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Dispõe sobre o Código Processo Penal Brasileiro. https://www2.planalto.gov.br/, acesso em 16/11/2014, às 09h27min.

BRASIL. Decreto-lei nº 2848, de 07 de dezembro de 1940. Dispõe sobre o Código Penal Brasileiro. https://www2.planalto.gov.br/, acesso em 16/11/2014, às 09h27min.

BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências, acesso em 16/11/2014, às 10h46min.

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Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Jeferson Botelho. Delegado de Polícia: a autoridade policial a que se refere o art. 69 da Lei 9.099/95. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4373, 22 jun. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34053. Acesso em: 19 abr. 2024.

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