4. Considerações Finais:
Superado o estudo derredor dos aspectos mais relevantes da disponibilidade da própria vida em um contexto de eutanásia, cabe aduzir as seguintes conclusões:
1. A constitucionalização da dignidade da pessoa humana como fundamento da ordem jurídica faz imperiosa uma interpretação do Código penal vigente (em especial em relação ao direito à vida) em conformidade com uma concepção neopersonalista do sistema jurídico.
2. A dignidade da pessoa humana informa os limites e conteúdo dos direitos fundamentais. Estes se articulam de forma dinâmica para viabilizar o livre desenvolvimento da personalidade. Já não cabe perquirir sobre a primazia in abstracto da vida em detrimento de outros bens também fundamentais, como se fosse este direito uma realidade normativa isolada.
3. Em um sistema impregnado por uma visão humanista, não se cogita de um dever de viver para com a coletividade nem, por conseguinte, da antijuridicidade de suicídio ou ainda da absoluta ineficácia do consentimento para dispor da vida.
4. O direito à vida tem função de garantia ante hetero-lesões. Não se infere da inviolabilidade do direito a indisponibilidade da vida mesma tampouco o contrário.
5. A disponibilidade da vida fundamenta-se na dignidade da pessoa humana (especialmente, no direito à autodeterminação e ao livre desenvolvimento da personalidade). Rechaça-se a indisponibilidade da vida manu própria. Afirma-se um direito constitucional de dispor da própria vida. O suicídio (direto ou indireto) é expressão de um direito amparado na Constituição.
6. Da faculdade que se tem de dispor manu propria da vida não decorre necessariamente a legitimidade de intervenção alheia. Em regra, há uma valoração destinada às condutas auto-lesivas e outra atinente à colaboração à autolesão e hetero-lesão consentida.
7. A disponibilidade do direito à vida na eutanásia ressalta um aparente conflito de interesses constitucionais: dignidade versus vida; respeito à pessoa versus respeito à existência biológica da pessoa.
8. Uma ponderação entre o respeito à dignidade da pessoa e ao respeito à vida faz inclinar a balança em favor da realização da pessoa, porquanto os direitos fundamentais são instrumentos para manifestação da personalidade.
9. A solução para a ponderação havida na hipótese eutanásica há de pautar-se na gradualidade; na proporcional permissão de atuação alheia. É preferível a colaboração eutanásica ao suicídio à prática do homicídio eutanásico, em razão do domínio do fato lesivo pelo titular da vida.
10. Diferentemente do que se propala, a eutanásia geralmente dá-se na modalidade de auxílio ao suicídio.
11. A eutanásia, medida extrema e única para fazer cessar uma degradação e pôr término a sofrimentos atrozes, vislumbra-se penalmente atípica. O Estado não poderia considerar típica uma conduta estritamente dirigida a realizar seu fundamento jurídico.
12. A incriminação das hipóteses eutanásicas constitui uma mostra de paternalismo estatal injustificado, que, impondo omissão ao eutanasista (paternalismo indireto), vulnera reflexamente a dignidade da pessoa afetada.
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Notas
[1] A exemplo da Carta das Nações Unidas, datada de 1945 e Declaração dos Direitos do Homem, de 1948.
[2] VALLE MUÑIZ, José Manuel. Relevância jurídico-penal de la eutanásia. Cuadernos de Política Criminal. Madrid: Editoriales de Derecho Reunidas, f. 37, p. 155, 1989.
[3] Daniel Sarmento salienta que “a sincronia entre a instauração de uma nova ordem política democrática e a consagração máxima do princípio da dignidade da pessoa ocorreu também na Alemanha, na Espanha e em Portugal. Nestes três países, as Constituições surgidas após o ocaso de regimes totalitários – nazismo na Alemanha, franquismo na Espanha e salazarismo em Portugal – proclamaram como fundamento da ordem constitucional o princípio em questão” (SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 58). De forma convergente, explicita Flávia Piovesan que a atual feição do Direito Constitucional brasileiro foi influenciada,“principalmente, pelas Cartas alemã de 1949, portuguesa de 1976 e espanhola de 1978” (PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. 2ª edição. São Paulo: Max Limonad, 2003. p. 356), consideração extremamente relevante para este trabalho, por recorrer frequentemente às doutrinas alemã e espanhola.
[4] ROCHA, Carmen Lúcia A. O Direito à Vida Digna. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 33.
[5] CARDOSO DA COSTA, José Manuel M. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana na Constituição e na Jurisprudência Constitucional Portuguesas. In: Direito Constitucional – Estudos em homenagem a Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Organizadores: Sérgio Resende de Barros e Fernando Aurélio Zilvete. São Paulo: Dialética, 1999, p. 191.
[6] LANUZA, Carmen Tomás-Valiente. La disponibilidad de la propia vida en derecho penal. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 1999, p. 23.
[7] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 45.
[8] São mostras de condutas paternalistas moralistas, segundo Lanuza, a incriminação de determinadas práticas sexuais entre adultos que consentem, a exemplo de práticas sadomasoquistas, além da proibição do consumo de pornografia e, em tempos mais recuados, da prostituição (LANUZA, 1999. p. 19).
[9] Deduzindo Valle Muñiz que o ponto-chave “na interpretação do alcance e limites de proteção dos direitos fundamentais é o entendimento dos mesmos como realidades normativas dinâmicas configuradoras da dignidade da pessoa. Não cabe uma interpretação dos direitos e liberdades alheia aos valores constitucionais e especialmente à dignidade da pessoa” (VALLE MUÑIZ, 1989, p. 167).
[10] HUNGRIA, Nelson. Ortotanásia ou Eutanásia por Omissão. Revista dos Tribunais. Vo. 752, ano 87, 1998, p. 750.
[11] CARVALHO, Gisele Mendes de. Aspectos jurídico-penais da eutanásia. São Paulo: IBCCRIM, 2001.
[12] Considerável setor doutrinário pátrio ainda repete à exaustão a fórmula proferida por João Mestieri. Por todos, Carlos Alberto Bittar (apud PAMPLONA FILHO e STOLZE, 2003, p. 158) entende dever-se “enfatizar o aspecto da indisponibilidade, uma vez que se caracteriza, nesse campo, um direito à vida e não um direito sobre a vida. Constitui-se direito de caráter negativo, impondo-se pelo respeito que a todos os componentes da coletividade se exige. Com isso, tem-se presente a ineficácia de qualquer declaração de vontade do titular que importe em cerceamento a esse direito, eis que não se pode ceifar a vida humana, por si, ou, por outrem, mesmo sob consentimento, porque se entende, universalmente, que o homem não vive apenas para si, mas para cumprir uma missão própria da sociedade.” Permissa venia, a referida síntese parece confundir os conceitos de inviolabilidade do direito e de indisponibilidade da vida em si. Apesar de gizar o caráter negativo daquele, uma sua função de garantia anteposta a terceiros, culmina por envolver a pessoa para a satisfação de fins coletivos. Parece compartilhar, então, do entender de Christian Wolff, citado por Jakobs (2003, p. 8), para quem “o mais importante direito a viver que se pode imaginar é, na consideração de Wolff, o dever de viver, pois, segundo seu entendimento, os direitos se concedem para possibilitar o cumprimento do dever.” As conseqüências de uma perspectiva de tutela da vida em razão da utilidade que a pessoa representa para a coletividade (não em função da pessoa) são “universalmente” conhecidas e ensejaram, como reação histórica às práticas de sistemas totalitaristas, a constitucionalização do princípio do respeito à pessoa como fundamento do Estado.
[13] KAUFMANN, Arthur. Relativización de la protección jurídica de la vida? In Cuadernos de Politica Criminal. Madrid: Editoriales de Derecho Reunidas, f. 31, p. 39-55, 1987, p. 51.
[14] Em sua obra Historia del derecho a morir, Nuñez Paz apresenta três motivos expendidos por São Tomas de Aquino para, à luz da filosofia cristã, condenar o suicídio, que representaria um atentado contra o amor devido a si mesmo; ofensa e desprezo para com a comunidade e “um atentado contra o direito exclusivo de Deus sobre a vida do homem. Se trataria, portanto, de uma usurpação do poder de Deus” (NUÑEZ PAZ, Miguel. Ángel. História Del Derecho a Morir: Análisis, Histórico y Antecedentes Jurídico-penales. Oviedo, Espanha: Fórum, 1999, p. 51). Decerto é que uma tal concepção não se harmoniza com uma sociedade pluralista e um Estado que se pretende laico. O intérprete há de ser obsequioso com a ordem normativa, já que, até onde se sabe, a doutrina católica “não é fonte do Direito em nosso país” (RIVAS, 2001, p. 168).
[15] Consigna Nuñez Paz, em sua obra Historia del derecho a morir, que, em 1920, Carl Binding e Alfred Hoche publicaram a obra “A autorização para exterminar vidas carentes de valor vital,” entendendo estes autores que as vidas assim qualificadas haviam perdido “todo valor tanto para si mesmas como para a sociedade.” O Nacional-Socialismo utilizou-se desta tese para instituir o que denominou Programa de Eutanásia, consistindo em sacrificar “a los niños com malformaciones, retrasados, idiotas, enfermos mentales, paralíticos em el ‘último período de su estado’ y todos los ‘resíduos humanos’ que pudieran constituir uma ‘carga econômica’ onerosa para la comunidade y mantenidos com vida sin ninguna finalidade útil, aún cuando arriesgan afectar el provenir y la ‘pureza’ de la raza, em tanto que posibles generadores de uma pesada y larga herencia degenerativa,” cuja finalidade precípua era poupar recursos para os repatriados de “raça” ariana e para os feridos de guerra (NUÑEZ PAZ, 1999a, p. 87-88).
[16] BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 6ª edição. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 115.
[17] DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 272.
[18] CAÑEDO, Carlos Augusto; JÚNIOR, Lúcio CHAMON. Eutanásia e Dogmática Penal: Por uma interpretação paradigmaticamente adequada através de uma teoria da adequabilidade normativa. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 9, n.º 36, p. 68/88, outubro-dezembro de 2001, p. 84. Convém, então, afirmar com Albin Eser (apud VALLE MUÑIZ, 1989, p. 160): “se fosse dada absoluta preeminência ao preceito de santidade [da vida], a pessoa que se quitasse a vida quedaria reduzida praticamente a objeto, pois seu dever de manter-se com vida se fundaria exclusivamente na vontade da sociedade. Se não se quer converter o Estado em fideicomissário da divindade que dá a vida, então dificilmente se pode negar ao homem todo poder configurador de sua vida e sua morte.”
[19] RIVACOBA Y RIVACOBA, Manuel de. Nuevo sentido de la protección penal de la vida humana. In: PIERANGELI, José Henrique (coord.). Direito criminal - vol. 2. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 46.
[20] Sobre o pensamento de Bustos Ramírez, Valle Muñiz expõe que “a previsão constitucional tem um sentido garantista que em nenhum caso poderia limitar a vontade do sujeito. Único mandato dedutível é, portanto, o dever do Estado de favorecer a vida e não de impedir a livre disposição por seu titular (...), sem embargo, não pode ter interferência nenhuma, isto é, que não se pode influir sobre a consciência do sujeito a respeito de tal disponibilidade” (1989, p. 161).
[21] MILL, John Stuart. A Liberdade/ Utilitarismo. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 116.
[22] Sobre a aplicação do pensamento de John Stuart Mill na discussão a respeito da disponibilidade da vida, Albert Calsamiglia (apud GARCIA RIVAS, 2003) afirma que a “eutanásia es un caso típico de conflicto entre el interés colectivo y el individual” e que “el argumento de Mill contra la intervención del Estado en las acciones de los ciudadanos que no dañan a otros es el argumento más poderoso que justifica la eutanásia voluntaria... Los ciudadanos pueden decidir cómo morir y es asunto suyo el decidir si continúan viviendo con sufrimiento o indignidad o mueren suavemente. Cualquier intervención estatal en este asunto supone un paternalismo injustificado.” (GARCIA RIVAS, Nicolás. Despenalización de la eutanasia en la Unión Europea : autonomía e interés del paciente. In Revista penal, n. 11, Madrid, 2003, p.22)
[23] QUEIROZ, Paulo de Souza. Do caráter subsidiário do direito penal: lineamentos para um direito penal mínimo. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 109.
[24] Idem, ob. cit., p. 109.
[25] Ao analisar as questões de indisponibilidade e inviolabilidade do direito à vida na realidade espanhola, Bernardo Del Rosal Blasco enuncia raciocínio aplicável à realidade pátria. Veja-se: “Comenzaremos por decir, que, en nuestra opinión, de la Constitución española de 1978 no se puede deducir ni el caráter absoluto de la protección a la vida ni el de su indisponibilidad. Es cierto, y nada hay que objetar a ello, que el derecho a la vida del art. 15 tiene el sentido de una garantia frente al Estado, que debe proteger y respetar ésta, pero lo que no podemos compartir es que de dicho precepto se pueda deducir, de una parte, que el carácter de dicha protección sea absoluto y, de outra, que el sujeto no tenga la libre disposición sobre su propia vida. (...) Em resumen, pues, de nuestra Constitución lo que realmente parece deducirse es el derecho que toda persona tiene a la libre disposición de la vida. No obstante, dada la inmensa importância del bien jurídico al que ahora nos estamos refiriendo – la vida -, así como la gravedad que implica el acto de disposición del mismo, y dada la ineludible obligación que tiene el Estado de proteger la vida, lo que si debe hacer este es establecer una regulación de la prestación del consentimiento y unos limites a la eficácia del mismo.” (BLASCO, Bernardo Del Rosal. Política criminal de los delitos contra la vida humana independiente en el anteprojecto de codigo penal español de 1992. In Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 1, n.º 4, outubro-dezembro de 1993, p. 13)
[26] HIRSCH, Hans Joachim. Interrupción del tratamiento y eutanasia. In: Derecho penal: obras completas. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, p. 335-361, 2000, p. 338-339.
[27] A juízo de Luiz Régis Prado, “não há constrangimento ilegal na coação exercida para impedir a prática de uma conduta antijurídica (v. g. suicídio)”, entendendo que “o mal causado (violação da liberdade pessoal) é menor do que aquele que se pretende evitar (morte).” (PRADO, Luis Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro: Parte Especial, Volume 2. São Paulo: Revista dos tribunais, 2000, p. 272/3). No mesmo sentido, Damásio de Jesus: “como vimos no crime de participação em suicídio, este, embora não constitua ilícito penal, não deixa de ser conduta antijurídica. Assim, impedir, mediante violência ou grave ameaça, que uma pessoa pratique ato antijurídico não pode constituir constrangimento ilegal. Trata-se de estado de necessidade de terceiro elevado à categoria de causa excludente da tipicidade” (JESUS, Damásio Evangelista. Direito Penal: Parte especial, dos Crimes Contra a Pessoa e Dos Crimes Contra o Patrimônio. 24ª edição. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 251), e Bitencourt, para quem, “intervenções médicas ou cirúrgicas justificadas por iminente risco de vida ou a coação exercida para impedir o suicídio independem de consentimento de quem quer que seja (§ 3º). A presença da precisão legal dessas circunstâncias exclui a própria tipicidade do fato” (BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 6ª edição. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 426).
[28] Ubi eadem est ratio, ibi ide jus: a mesma razão autoriza o mesmo direito.
[29] BAJO FERNANDEZ, Miguel. Prolongación Artificial de la Vida y Trato Inhumano o Degradante. In Cuadernos de Politica Criminal. Madrid: Editoriales de Derecho Reunidas, f. 51, p.709-740, 1993, p. 720.
[30] “A menudo se arguye que la vida humana es también un bien jurídico de la comunidad, de modo que el individuo no podría disponer sobre ella. Pero esto no es correcto. En cualquier caso, en la Constitución alemana (art. 2, párrafo 2, de la Ley Fundamental) la vida se concibe como un derecho altamente personal. De modo que no se comprende por qué tal derecho ha de ser juridicamente – y subrayo lo de juridicamente – irrenunciable. A la objeción de que esta postura lleva a un individualismo extremo cabe oponer que la tesis de que el hombre está obligado frente a la comunidad a manternerse con vida apoya a un cuestionable coletivismo de proveniencia conocida. Cierto que el individuo tiene obligaciones frente a la comunidad, pero sólo en tanto que vive; sin embargo, no tiene frente a la comunidad la obligación de vivir” KAUFMANN, Arthur. Relativización de la protección jurídica de la vida? In Cuadernos de Politica Criminal. Madrid: Editoriales de Derecho Reunidas, f. 31, p. 39-55, 1987, p. 51.
[31] QUEIROZ, Paulo de Souza. Do caráter subsidiário do direito penal: lineamentos para um direito penal mínimo. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 116.
[32] Conclusivamente, a incriminação de condutas autorreferentes e que não observam o princípio em cotejo, como o porte de substâncias entorpecentes ilícitas para uso próprio e as contravenções de vadiagem e mendicância (Lei de Contravenções Penais, arts. 59 e 60) não foram recepcionadas pela Constituição vigente. De igual sorte, não se reputa legítima a imposição de multa administrativa (de trânsito) a condutor que não usa cinto de segurança (art. 167, do Código de Trânsito Brasileiro), somente sendo exigível no caso de passageiro que não o utiliza (paternalismo estatal indireto).
[33] “En definitiva, creemos que existe un menor contenido de injusto en cuanto no se lesiona la autodeterminación do sujeto pasivo. (...) Y, si bien el consentimiento no puede constituir una causa de justificación, es de apreciar al menos la constatación por el legislador de 1995 de la diferencia valorativa esencial respecto del acto cometido contra la voluntad (lo que fue ignorado – con la justa desesperación de la doctrina científica – durante muchos años por la legislación derogada.” (NUÑEZ PAZ, 1999, p. 27). “Yo no creo que desde el plano constitucional se deduzca necesariamente la despenalización total sin más del homicídio, aún cuando el reconocimiento del consentimiento – particularmente en los supuestos eutanásicos que no puedan acompañar al homicídio consentido – pueda tener cabida en el ordenamiento jurídico penal. Tampoco creo que para superponer el derecho a al libertad, la autodeterminación y la dignidad del hombre al derecho a la vida, pueda tomarse como base sin más a la Constitución ya que, por lo que se refiere a la disponibilidad de la vida, el derecho a morir es una faceta negativa del derecho a la vida no contemplada por las funciones de garantía del art. 15 CE y que no implica que el legislador autorice o despenalice determinadas conductas, v.g. por consideraciones político criminales.” (NUÑEZ PAZ, Miguel Ángel. Reflexiones en torno a la Relevancia del Consentimiento del Sujeto Pasivo en el Artículo 143 del Código Penal. In: Homenaje al Dr. Marino Barbero Santos in memorian. Vol. II, Ediciones de la Universidad de Castilla-La Mancha, Cuenca, 2001, pgs. 447/448)
[34] CARNEIRO, Wálber Araújo. Escassez, Eficácia e Direitos Sociais: em busca de novos paradigmas. 2004, Projeto de Dissertação de Mestrado em Direito – Faculdade de Direito, Universidade Federal da Bahia, Salvador, p. 19.
[35] Neste sentido, Nuñez Paz (1999, p. 288): “não seria inconstitucional que a lei sancionasse as condutas daqueles que participem na morte de outro com seu consentimento, v.g., auxilio ao suicídio (castigado no artigo 409 CpA [Código penal espanhol anterior], hoje artigo 143 Cp), o que implica que a posição atual do código penal é não reconhecer que terceiros possam intervir em privações de vida alheia ou na ajuda à eutanásia, como tampouco o é que se rebaixe consideravelmente a pena ou inclusive se opte pela não apenação. Se devem estar proibidas estas condutas é decisão que corresponde ao legislador ordinário, pois a Constituição espanhola não se pronunciou a respeito; é dizer, o marco interpretativo da Constituição espanhola admite ambas as respostas.”
[36] GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 40.
[37] Ante a ampla diversidade de significados que graça na doutrina, importa gizar que a expressão assinalada denota eutanásia consentida, diferentemente, por exemplo, do conceito de Claus Roxin (ROXIN, Claus et al. Eutanasia y Suicídio. Cuestiones Dogmáticas y de Política Criminal. Granada: Dezembro, 2001, p. 3) para quem “a eutanásia em sentido estrito existe quando a ajuda é subministrada depois de que o sucesso mortal haja começado, pelo qual a morte está próxima com ou sem tal ajuda.”
[38] Se o direito a viver não implica uma obrigação de viver pelo titular e se a omissão é efeito da manifestação válida da vontade daquele e um seu direito constitucional, enfim, há de convir-se que a eutanásia consentida por omissão é, em verdade, suicídio indireto e não subsiste um dever do garante de evitar o resultado morte; o contrario, existe um imperativo constitucional de inação (de respeito à autonomia).
[39] FÖPPEL, Gamil. Direito à Vida. Disponível em: < http://www.unifacs.br/revistajuridica/ediçãosetem- bro2004/docente/doc03.doc> Acesso em: 11.set. 2004, p. 20.
[40] Em não sendo pena em sentido formal-jurídico, decerto o é substancialmente; uma pena desumana, uma aflição profunda que confina a pessoa a seu próprio corpo. “Sou uma cabeça sem corpo,” dizia Ramón Sampedro (apud NUÑEZ PAZ, 1999, p. 35). Como conseqüência do ideário liberal clássico estribado em um Estado absenteísta, pelo individualismo e isonomia meramente formal, preconizou-se: quando a liberdade escraviza, a lei liberta. Diante de uma “humilhante escravidão” (http://www.eutanasia.ws/ramtest.html) da qual o homem já não pode se libertar por mão própria, quiçá se possa invocar que quando a vida escraviza, a morte liberta. Para realização humana se necessitará in casu de um interceder alheio, a concretizar, inclusive, o objetivo fundamental de se constituir uma sociedade solidária, parecendo inadmissível que contra aquela pena (a situação eutanásica) não se autorizasse uma defesa por outrem, mediante remédio heróico, para assegurar a efetividade da frustrada autodeterminação e a não perduração da desumana sobrevivência.
[41] ORDEIG, Enrique Gimbernat. Vida e Morte no Direito Penal. Barueri, São Paulo: Manole, 2004, p. 6. Em sentido convergente, Arthur Kaufmann: “(...) no cabe desconocer que un recurso excesivo a las técnicas médicas puede transformar la misión curativa del médico en el ‘terror de la humanidad’ o en ‘un crimen de lesa humanidad’, según apunta el teólogo Helmut Thielicke (5). La humanidad y la dignidadel hombre aparecen así en forma de ‘cabeza de Jano’; no se lesionan sólo cuando el médico realiza demasiado poco o prácticamente nada en pro de la conservación de la vida, sino que también pueden verse afectadas por el empleo excesivo de técnicas médicas.” (KAUFMANN, 1987, p. 41).
[42]Em síntese: “Com efeito, no estado de necessidade existe um conflito de interesses que exige uma ponderação. A regulação legal supõe a presença de um ‘mal’ que somente pode ser evitado mediante o ocasionamento de outro ‘mal’ jurídico-penalmente relevante, de tal forma que o mal causado não será maior que o que se trate de evitar (...). Estes males são expressão de interesses juridicamente apreciáveis. Assim, por uma parte, o direito da pessoa a dispor livremente de sua vida, o direito a não suportar tratos inumanos ou degradantes, o direito a uma morte digna; pela outra, o interesse jurídico de proteger a vida contra a vontade de seu titular” (VALLE MUÑIZ, 1989, p. 179-180).
[43] Art. 409 do Código Penal Espanhol antecedente: “El que prestare auxilio o induzca a otro para que se suicide, será castigado con la pena de prisión mayor, si se lo prestare hasta el punto de ejecutar el mismo la muerte será castigado con la pena de reclusión menor.”
[44] Daí porque se afirma que o princípio da insignificância tem o condão de “excluir” a tipicidade. Não se concebendo o Direito como um sistema fechado, um repositório de normas encontradiças em dispositivos nem como um dado que se apresenta ao sujeito cognoscente como coisa em si, mas que as normas são enunciados comunicativos construídos argumentativamente pelo intérprete a partir de pontos de um sistema aberto, melhor dizer-se-ia que, diante do fato “subtração de quantia insignificante,” incide uma norma que impede a sua consideração como típica já que o exercício do ius puniendi há de ser proporcionado, o que não ocorre neste caso.
[45] DELPÉRÉE, Francis. O direito à dignidade humana. In: Direito Constitucional – Estudos em homenagem a Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Organizadores: Sérgio Resende de Barros e Fernando Aurélio Zilvete. São Paulo: Dialética, 1999, p. 152.
[46] Disponível em http://www.eutanasia.ws/ramtest.html.
[47] Mister se faz reiterar as palavras do autor: “não parece necessário insistir em que a configuração constitucional dos direitos e liberdades fundamentais, à medida que são expressão e concretização dos valores superiores do ordenamento jurídico, devem ser relevantes para o Direito penal. E, desde logo, devem conformar e incidir diretamente no juízo de antijuridicidade” (VALLE MUÑIZ, p. 181). Incumbe questionar se poderia o Estado considerar típica a conduta necessária à efetivação do fim para o qual foi constituído.
[48] GOMES, Luiz. Flávio. Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Revista dos tribunais, 2003, p. 83.
[49] LIMA e SILVA, Wellinton César. Tipicidade Conglobante, palestra proferida na II Jornada de Direito Penal, 2004. Salvador: Prédio de Aulas 4, Universidade Salvador (UNIFACS).
[50] ZAFFARONI, E. R; PIERANGELI, J. H. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 5ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 529.
[51] BORGES, Roxana C. Brasileiro. Direito de morrer dignamente: eutanásia, ortotanásia, consentimento informado, testamento vital, analise constitucional e penal e direito comparado. In SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite (coord.). Biodireito. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 283-305, 2001, p. 285.
[52] SILVESTRONI, Mariano H. Eutanasia y muerte piadosa: la relevancia del consentimiento de la víctima como eximente de la responsabilidad criminal. Cuadernos de Doctrina y Jurisprudencia Penal. Buenos Aires, v.5, f. 9ª, p. 557-573, set. 1999, p. 557.
[53] Fato, aliás, para o qual parece não ter atentado Arthur Kaufmann. Analisando a peculiar legislação alemã, a qual prevê a impunidade da participação ao suicídio e a punibilidade (atenuada) do homicídio a pedido, o autor faz referência a um “caso (real) de um homem que está irreversivelmente paralítico da cabeça para baixo,” considerando o caso “tãconsiderando o caso "(atenuada) do homicnça entre aquele que se dispara um tiro na cabeça e aquele outro que pede que se o dispo trágico porque o sujeito não se pode dar morte a si mesmo” (1987, p. 49). Cabe gizar que Ramón Sampedro, após 29 anos tetraplégico, suicidou-se ingerindo cianeto de potássio que lhe fora disponibilizado. Esta apreciação tem extrema relevância na Alemanha, como consignado, ressaltando-se, por derradeiro, que os casos que configurariam eutanásia ativa direta na modalidade homicídio são raríssimos, sendo exemplificado por Roxin: “isto pode ocorrer quando se tratar de uma pessoa completamente paralisada e ameaçada por uma morte por asfixia,” (2001, p. 35) que não poderia, pois, sequer ingerir referida substância.
[54] Conforme conceituado por Tomás-Valiente Lanuza, o paternalismo indireto consubstancia-se em que a proteção de um sujeito pode ser conseguida mediante a previsão de sanções jurídicas destinadas a terceiras pessoas. “Assim, atuariam por exemplo, as leis que criminalizaram o auxílio ao suicídio, o homicídio consentido ou o tráfico de drogas” (1999, p. 27).
[55] GARCÍA ARÁN, Mercedes. Eutanasia y disponbilidad de la propia vida. Revista Peruana de Ciencias Penales. Lima, f. 7/8, 749-780, 1999, p. 761.
[56] O conceito formulado por Bacon albergava, como exposto, a possibilidade de dar morte para evitar o prolongamento da situação. Diversamente, pois, da opinião de Roxana Brasileiro Borges para quem, “o primeiro sentido de euthanatos fazia referencia a facilitar o processo de morte, sem, entretanto, interferência nesta. (...) Ou seja, a eutanásia não visava à morte, mas a deixar que esta ocorresse da forma menos dolorosa possível. A intenção da eutanásia, em sua origem, não era causar a morte, mesmo que fosse para fazer cessar os sofrimentos da pessoa doente” (2001, p. 285)
[57] ASÚA, Luis Jiménez. Liberdade de Amar e Direito a Morrer: Tomo 2, Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p. 27.
[58] ROXIN, Claus et al. Eutanasia y Suicídio. Cuestiones Dogmáticas y de Política Criminal. Granada: Dezembro, 2001, p. XVII (prefácio).
[59] As barbaridades perpetradas sob cetro do regime nazista fizeram que os alemães evitassem o emprego do vocábulo “eutanásia”, utilizando-se geralmente a expressão ajuda a/no morrer. Em nota de tradução do texto “Relativización de la protección jurídica de la vida,” Jesús Maria Silva Sánchez assevera: “Pese a que Kaufmann se sirve reiteradamente del término ‘Sterbehilfe’ (ayuda a la muerte), lo traduzco por ‘eutanasia’, del mismo modo que si el término alemán es ‘Euthanasie’. Ello, por entender, que la palabra ‘eutanasia’ es la más expresiva en nuestra lengua. Además, sucede que el término ‘Sterbehilfe’ se emplea con frecuencia en Alemania para eludir las resonancias hitlerianas del ya mencionado ‘Euthanasie’” (KAUFMANN, 1987, p. 44).
[60] ROXIN, Claus. A Apreciação Jurídico Penal da Eutanásia. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 8, n.º 32, outubro-dezembro de 2000, p. 37/38.
[61] Arturo Zamora Jiménez, ao tratar da eutanásia solidária, rememora o soturno caso La mignonette: “Eutanásia solidária. Se puede definir como la muerte sin dolor de seres humanos con la finalidad de salvar la vida de otros seres humanos. En este sentido, podemos recordar aquellos típicos supuestos de estado de necesidad de los sobrevivientes de los Andes o del yate La mignonette en que se propició la muerte de uno (el que pasaba por un estado de inconsciencia y el más débil, respectivamente) para salvar la vida de otros. (...) El 5 de julio de 1884, el yate La mignonette había salido de Southampton, navegaba rumbo a Sidney (Australia). Se hundió durante una fuerte tormenta junto a las costas de Madeira. Varios náufragos consiguieron subir a un bote salvavidas. En él permanecieron durante veinte días, cuando llevaban ya ocho días sin comer y seis sin beber, el capitán Dudley, de acuerdo con el piloto Stephen, decidió (sic) matar al más débil de todos ellos, que estaba a punto de morir, el grumete Parker. Una vez muerto éste, se alimentaron de su carne y bebieron su sangre. De esta manera, sobrevivieron cuatro días más después de los hechos (la sentencia del Tribunal Inglés que los juzgó los condenó a la pena de muerte, que posteriormente, fue conmutada por la Reina de Gran Bretaña a una pena de privación de libertad de seis meses.” (JIMÉNEZ, Arturo Zamora. La Eutanasia y el Consentimiento en el Derecho Penal. In: Iter Criminis: Revista de Derecho y Ciencias Penales. México: Instituto Nacional de Ciencias Penales, fascículo 2, 1999, p151)
[62] Segundo Roxana Brasileiro Borges, eutanásia solidarística seria a que “visa a salvar a vida de outra pessoa” (BORGES, 2001, p. 288). Para Enrique Díaz-Aranda “a conduta do médico que não aplica ou interrompe o funcionamento dos meios extraordinários somente se desculpa quando ditos meios são empregados para salvar outra vida com melhor prognóstico (estado de necessidade exculpante), é dizer, quando o médico se encontra ante dois pacientes e somente conta com os meios para prolongar a vida de um deles,” (DÍAZ-ARANDA, 2002, p. 160) seria, a juízo do autor, caso de eutanásia passiva.
[63] DÍAZ-ARANDA, Enrique. Eutanasia: propuesta de solución jurídica en México. Revista Ibero-Americana de Ciências Penais. Porto Alegre, v.3, f. 5, p. 157-165, 2002, p. 160.
[64] DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. Eutanasia y derecho. Eguzkilore: cuaderno del Instituto Vasco de Criminología. San Sebastián, f. 9, p. 113-139, 1995, p. 115.
[65] Há quem afirme a existência de eutanásia autônoma que se diferenciaria do suicídio, porquanto este “consiste em privar-se a si mesmo da vida por qualquer motivo e em circunstâncias distintas da eutanásia,” (NUÑEZ PAZ, 1999, p. 58) todavia, restringindo-se o foco da questão à conduta do suicida eutanásico, tal distinção não se faz dotada de qualquer significância jurídica, assemelhando-se no que tange aos efeitos. No mesmo sentido e a este respeito, Gisele Mendes de Carvalho consigna que “esses mesmos doutrinadores [Carlos Maria Romeo Casabona e Luis Fernando Niño] admitem que a eutanásia perpetrada pelo próprio moribundo, do ponto de vista jurídico-penal, há de ser assimilada ao suicídio” (CARVALHO, 2001, p. 19).
[66] DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. Eutanasia y derecho. Eguzkilore: Cuaderno del Instituto Vasco de Criminología. San Sebastián, f. 9, p. 113-139, 1995, p. 114.
[67] Apesar de a ausência de manifestação válida de vontade não obstar a caracterização de uma conduta como eutanásia latu sensu, estando motivada pelo interesse do enfermo, tais casos, não se tratando de disponibilidade da vida pelo próprio titular, extravasam o alcance da análise aqui empreendida.
[68] Despiciendo sublinhar a ausência de regulação legal específica sobre a matéria, razão pela qual se alude a requisitos reputados como mínimos.
[69] MANTOVANI, Ferrando. Aspectos Jurídicos da Eutanásia. In Fascículos de Ciências Penais, v. 4, nº 4, outubro-dezembro de 1991, p. 42/43.
[70] Em estudo sobre a regulação da eutanásia na Holanda anteriormente a 2002, Carmen Tomás y Valiente Lanuza destaca: “Rasgo importante de la configuración de esta causa de justificación por parte del Tribunal Supremo – y uno de los más criticados por parte de la doctrina – es la manera en que su enfoque de la misma, al menos en las primeras sentencias, la convierte en gran medida en una cuestión propia de la Medicina, a pesar del rechazo de la ‘excepción médica.’ En efecto, en varias sentencias se refiere el Tribunal Supremo a los estándares de la ‘ética médica’ o a la ‘opinión médica objetiva’ como medidas con las que enjuiciar la presencia de una situación de necesidad en el caso concreto. Varios autores han criticado la jurisprudência en este punto, con los argumentos de que ni la ética médica es unánime respecto del problema de la eutanásia activa ni, aunque lo fuera, es ésta una cuestión exclusivamente médica, sino un problema de ética general cuyo debate se plantea a toda la sociedad. El hecho de que estas situaciones se den por su propia natureleza em el âmbito de la Medicina no quiere decir que sean sin más actos médicos, cuya práctica deba ser enjuiciada por las normas profesionales correspondientes, sino deben ser situados en un contexto ético y legal general.” (LANUZA, Carmen Tomás y Valiente. La Regulación de la Eutanasia en Holanda. In: Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penales. Tomo L, MCMCVII, Madrid, 2000, p. 307) Em 2002, a Holanda e a Bélgica editaram leis que descriminalizaram algumas hipóteses de eutanásia, mas – seguindo a orientação jurisprudencial antecedente, no caso da Holanda – sua disciplina jurídical somente se aplicaría aos médicos, conforme estudo de Nicolás Garcia Ríbas: “Se hubiera podido optar por una legalización que permitiera a cualquier persona auxiliar a otra para llevar a cabo la decisión de morir de esta última, pero el legislador ha obrado con precaución al circunscribir el ámbito de aplicación de la justificación al entorno médico-hospitalário, que desde luego no es el único en el que se practica la eutanasia, pero sí ofrece más garantías que ningún otro.” (GARCIA RIVAS, Nicolás. Despenalización de la eutanasia en la Unión Europea : autonomía e interés del paciente. In Revista penal, n. 11, Madrid, 2003, p.17)
[71] Neste sentido, Claus Roxin: “Possui maior importância prática o caso oposto, em que o anestésico não é ministrado ou o é em quantidade insuficiente, apesar de o moribundo o requerer de modo expresso. Também este comportamento consubstancia, em regra, lesões corporais, e através de omissão” (ROXIN, 2000, p. 13).
[72] JAKOBS Günther. Suicídio, Eutanásia Y Derecho Penal. Valencia, Espanha: Tirant Lo Blanch,1999, p. 39.
[73] Diversamente de Jakobs, entende-se que tais casos de rechaço podem configurar hipótese eutanásica (se houver uma situação de profundo sofrimento psíquico ou físico de difícil suportabilidade) ou não. Consideração esta que em nada impedirá afirmar que a eutanásia passiva consentida seja manifestação do direito de decidir sobre submeter-se ou não a determinado tratamento.
[74] Aqui, mais uma vez, Miguel Bajo Fernández enuncia crítica com precisão singular: “Entiendo que el suicídio sólo se produce en el caso en que el sujeto ‘tiene intención de morir.’ Para que exista suicídio es imprescindible que el sujeto dirija su voluntad a la producción de la muerte. Es este sentido, no hay voluntad suicida cuando el sujeto se pone en peligro grave de muerte con diversos fines desplegando médios, aunque sena mínimos, para conservar la vida. Por ejemplo, no es suicida quien participa en un duelo, ni el Testigo de Jehová que, sin desear su muerte, sino pretendiendo permanecer vivo, se niega a la transfusión de sangre consintiendo en la utilización de cualquier outro medio de asistencia que pueda evitar el resultado letal. Tampoco es suicida el soldado que realiza una actividad arriesgada en cumplimiento de sus deberes militares, ni el torero, ni el trapecista. Al igual que en estos casos, el Testigo de Jehová no es un suicida porque no quiere su propia muerte, tratándose más bien de una persona que quiere vivir, aunque no a toda costa, ni a cualquier precio, como tampoco es suicida la mujer católica que no quiere abortar prefiriendo correr los riesgos de muerte que auguran los médicos o quien se niega a la amputación del miembro canceroso. Esta actitud, ni sicológica ni jurídicamente, puede calificarse de suicida.”(BAJO FERNANDEZ, Miguel. Prolongación Artificial de la Vida y Trato Inhumano o Degradante. In Cuadernos de Politica Criminal. Madrid: Editoriales de Derecho Reunidas, f. 51, p.709-740, 1993, p. 722/723)
[75] BORGES, Roxana C. Brasileiro. Direito de morrer dignamente: eutanásia, ortotanásia, consentimento informado, testamento vital, analise constitucional e penal e direito comparado. In SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite (coord.). Biodireito. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 283-305, 2001, p. 290.
[76] Comunga desta opinião, Hans Hirsch: “a vontade do paciente livre, responsável e atualmente emitida de que se suprima o tratamento, se tem que considerar como expressão de autodeterminação e, portanto, a posição de garante, que resulta da assunção do tratamento, cessou.” (HIRSCH, 2000, p. 339). No mesmo sentido, Ferrando Mantovani: “Negar esse direto [de não se curar] e afirmar o dever jurídico de curar-se (dever que se situa no outro, indeterminado e incontido) é criar perigosa perspectiva de apossamento totalitário, não só ideológico, mas igualmente físico, do ser humano: de um sistema de imposições, de deveres e de controles que pode comprometer o inteiro modo de vida do sujeito em suas diversas manifestações (alimentação, vestuário, sexualidade, trabalho, fumo etc), que podem resvalar até uma abominável realidade. O direito, segundo o qual não pode o médico intervir sem o consentimento do paciente, assegura o poder de rejeitar a cura. (...) Por força do mais geral princípio personalístico do consentimento, expressamente previsto em lei (arts. 13 Const. It., e 1 L.n. 180/78 e 33 L.n. 833/78), qualquer intervenção em alguém deve fundar-se em seu consentimento (voluntas argroti suprema Lex); o dever do médico de curar encontra fundamento no prévio consentimento do paciente, que, de fato, pode recusar a cura; isso quer significar que, ocorrendo a recusa, cessa a obrigação jurídica do médico de curar e surge o dever de respeitar a vontade contrária. Se ao médico, ademais, não se atribui alguma omissão juridicamente relevante, não tendo sido mais chamado a curar, não pode a morte ser imputada a sua omissão” (MANTOVANI, Ferrando. Aspectos Jurídicos da Eutanásia. In Fascículos de Ciências Penais, v. 4, nº 4, outubro-dezembro de 1991, p. 37 e 42).
[77] José Henrique Pierangeli, concluindo pelo direito a rechaçar o tratamento assim afirma: “Conquanto sejam bem mais numerosos os casos de pessoas que sobrevivem a uma tentativa de suicídio, e que, portanto, não desejam a cura médica, mas sim a própria morte, hipóteses outras são noticiadas, como a de pessoa que se opõe a qualquer atividade médica por medo e a de adeptos de seitas religiosas, como a de Testemunhas de Jeová, que se opõem até mesmo a uma simples transfusão de sangue. O direito assegura ao seu titular o poder de disposição de um bem jurídico inerente à saúde e à liberdade individual, e, por conseqüência, é forçosa a conclusão de que ninguém pode ser compelido a submeter-se a um tratamento contra sua vontade, ainda quando esteja atingida por uma enfermidade grave”(PIERANGELI, 2001, p. 217-218).
[78] BAJO FERNANDEZ, Miguel. Prolongación Artificial de la Vida y Trato Inhumano o Degradante. In Cuadernos de Politica Criminal. Madrid: Editoriales de Derecho Reunidas, f. 51, p.709-740, 1993, p. 719 e 721.
[79] BAJO FERNANDEZ, Miguel. Prolongación Artificial de la Vida y Trato Inhumano o Degradante. In Cuadernos de Politica Criminal. Madrid: Editoriales de Derecho Reunidas, f. 51, p.709-740, 1993, p. 736. E também Arthur Kaufmann: “Todavía ha de se subrayarse que la desconexión de um reanimador por un médico o persona autorizada (no por un tercero) debe considerarse también como omisión de prosecución del tratamiento y no como homicidio activo. Estos casos deben, por ello, añadirse al círculo de problemas de la eutanásia pasiva” (KAUFMANN, 1987, p. 49).
[80] ROXIN, Claus et al. Eutanasia y Suicídio. Cuestiones Dogmáticas y de Política Criminal. Granada: Dezembro, 2001, p. 14/15.
[81] Luis Greco, traduzindo o artigo de Claus Roxin, anota que o BGH é o “Tribunal Federal competente para julgar questões de direito federal, equivalente a nosso Superior Tribunal de Justiça.”(2000, p. p. 12)
[82] ROXIN, Claus. A Apreciação Jurídico Penal da Eutanásia. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 8, n.º 32, outubro-dezembro de 2000, p. 15.
[83] Compartilhando esta opinião, Nicolás García Rivas: “naqueles casos nos quais o interesse primordial do autor é paliar a dor, mas sabe que necessariamente se reduzirá a vida do paciente (direto de segundo grau), estaríamos ante uma eutanásia indireta.” (RIVAS, 2001, p. 160)
[84] Por todos, cabe dizer com Hirsch: “A eutanásia indireta é admitida não somente na literatura médica, senão também na teologia moral. Chama a atenção que o Papa Pio XI, já no ano de 1957, declara teológico-moralmente admissível esta forma de eutanásia e, com referência a isto, disse: a facilitação de meios narcóticos provoca dois efeitos diferentes, por um lado, o alívio das dores e, por outro, o encurtamento da vida, então, é admissível. Mas nestes casos o Direito Penal não deve ser mais papista que o Papa .(HIRSCH, 2000, p. 335)
[85] É justamente a crítica tecida por García Arán, para quem caberia evocar o problema do dolo eventual, cotejando a posicionamento de Zulgadía Espinar de “negar o dolo de matar, enquanto que o fim do autor se encaminha a diminuir a dor.” (ARÁN, 1999, p. 767)
[86] Nesta quadra de entendimentos, manifesta-se Koch: “no que se refere à eutanásia indireta, não se discute no Direito alemão vigente, e quiçá tampouco nível internacional, que a mitigação de grandes sofrimentos e dores dos enfermos constitui também um dever médico ainda quando o emprego dos meios idôneos implique o risco de um certo encurtamento da vida ou, inclusive, este seja com segurança seu efeito secundário” (KOCH, Hans-Georg. Una muerte digna: derecho penal y eutanásia. Eguzkilore : cuaderno del Instituto Vasco de Criminologia. San Sebastián, f. 5 ext, p. 133-142, p. 138).
[87] Com clareza, expõe Luiz Flávio Gomes, a propósito: “se a conduta, apesar de formalmente típica era permitida, não há que se falar em criação de risco proibido. Conduta permitida (exemplo: intervenção cirúrgica não gera risco proibido (enquanto respeita todas as regras da medicina),” e concluindo que “o médico quando realiza uma intervenção médica curativa seguindo rigorosamente a lei da medicina cria riscos para o paciente, porém, riscos permitidos. Quem cria risco permitido não pratica nenhum fato típico.” (GOMES, 2004, p. 116) Decerto, estas observações são rigorosamente aplicáveis a intervenções paliativas, já que esta é também uma obrigação médica.