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A nova prescrição do FGTS – algumas considerações

26/12/2015 às 13:33
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Entendo que houve precipitação por parte do relator na análise do tema, deixando de lado questões constitucionais e legais importantes, a fim de reverter toda a lógica trabalhista nacional, centrada na falta de garantia do emprego e no FGTS.

Como guardião da Constituição cabe ao Supremo Tribunal Federal fazer o controle de constitucionalidade das leis. E o faz de forma direta, ação direta de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, e de forma difusa, via recurso extraordinário. Com relação a matéria trabalhista, decisão recente (e polêmica) diz respeito à prescrição do FGTS. Seguindo voto do Ministro Gilmar Mendes, o STF acabou com consolidar entendimento de que a prescrição para a cobrança judicial do fundo de garantia por tempo de serviço não-recolhido a tempo pelas empresas é de cinco anos[1].

Com esta decisão o STF alterou estável jurisprudência do TST, súmula 362[2], bem como dos tribunais regionais e mesmo das instâncias administrativas.

O que pretendo com este breve ensaio é discutir o tema. E proponho não adentrar na questão histórica, pois que esta, embora importante, não é, a meu ver, a mais importante a respeito do tema.

Quanto à decisão, entendeu o eminente Ministro Gilmar Mendes que a prescrição não mais é a trintenária e sim a dos cinco anos. Isso porque o FGTS não tem natureza nem tributária e nem previdenciária. É típico direito trabalhista conforme faz ver o artigo 7o, III, da CF/88[3], sendo aplicável a prescrição constante do inciso XXIX do mesmo artigo 7o da CF/88[4]. Ainda, acrescenta que mesmo em sendo “mais benéfica” a prescrição dos trinta anos, ela fere a disposto constitucional expresso. Quando a CF/88 quis garantir o mínimo, o fez, nos incisos do artigo 7o, de forma expressa, como no caso dos incisos XVI e XXI com a expressão “no mínimo”[5]; VII com a indicação “nunca inferior”; ou mesmo como consta do inciso XVII, “pelo menos”[6].

Salvo melhor juízo, não está correta esta interpretação. Primeiro porque os incisos indicados supra prevêem DIREITOS  dos trabalhadores. O direito que tem o trabalhador, pelo inciso XXIX (o da prescrição), é a ação. A prescrição é apenas uma limitação temporal ao direito de ação. Não se trata de um direito, pois isso não há a indicação de “no mínimo”, “pelo menos” ou “nunca inferior”, expressões estas reservadas aos direitos constantes dos incisos do artigo 7o.

De outro lado, em se admitindo a tese de que apenas nos casos em que há expressa indicação de “direito mínimo” se poderia ampliar o rol de proteção laboral, poder-se-ia chegar ao absurdo de criar, via legislação ordinária, um direito como por exemplo “salário alimentação”, plenamente defensável e compatível com o artigo 7o, cabeça, da CF/88[7], constitucional portanto, mas não se poder ampliar um prazo de prescrição de um direito constitucional previsto no próprio artigo 7o da CF/88, fruto do poder constituinte ordinário.

De outro lado, não poderia, uma vez vingando (e vingou) a tese do Ministro Gilmar Mendes, uma norma coletiva, por exemplo, convencionar que a participação nos lucros ou resultados está “vinculada” ao salário do empregado, pois que a norma constitucional do inciso XI do artigo 7o, pela interpretação do STF, seria imperativa e invariável, não abrindo exceção, pois que não consta do seu texto, “salvo disposição em contrário”. Ou seja, seria vedado, salvo quando os incisos do artigo 7o expressamente o autorizem, haver normas mais benéficas aos trabalhadores.

Pelo mesmo prisma, preceitua o inciso XVIII do artigo 7o da CF/88[8] que a licença gestante é de cento e vinte dias. Esta norma é aplicável à servidora pública, conforme artigo 39, parágrafo terceiro, da CF/88[9]. Recentemente as servidoras públicas federais tiveram ampliado o prazo de licença gestante para cento e  oitenta dias, conforme artigo 1o da lei 11770/08[10] e artigo 2o, parágrafo primeiro, do decreto 6.690/2008[11]. Pela lógica do acórdão do Ministro Gilmar Mendes esta lei seria, igualmente, inconstitucional, pois que não há referência expressa no inciso XVIII do artigo 7o da Cf/88 a “pelo menos”, “no mínimo” ou mesmo “nunca inferior”. De outro lado, a lei 11.770/12, mesmo para as empregadas das empresas privadas que aderissem ao programa previsto neste mesmo dispositivo legal, seria inconstitucional, em razão do limite de cento e vinte dias existente no inciso XVIII do artigo 7o da CF/88.

Ainda, é interessante trazer à tona o magistério de Carlos Maximiliano[12]. Para ele a norma legal não contém palavras inúteis. Ora, para que consta da cabeça do artigo 7o a expressão “que visem à melhoria da sua condição social”? Bastaria constar da cabeça do artigo 7o da Constituição federal “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais:”. Apenas acrescento que as expressões “no mínimo”, “nunca inferior” e “pelo menos” não são palavras inúteis. Elas servem para alertar o interprete da importância destes direitos, ligados diretamente à duração do trabalho e descanso anual (limite temporal à exploração da “mais valia”), salário (limite econômico à exploração da “mais valia”) e limitação à despedida, pilares estruturais do direito laboral moderno[13].

Por fim, como afirma o Ministro em seu voto, como os direitos havidos pelo artigo 7o da CF/88 são dos trabalhadores, e como a prescrição não mais comporta normas mais benéficas, fica em parte revogado ou no mínimo limitado o inciso II do parágrafo quinto do artigo 206 do Código Civil[14], que trata apenas da prescrição dos cinco anos em caso de trabalho executado por profissionais liberais, procuradores, curadores e professores, devendo, necessariamente, observar-se o limite de dois anos da extinção do trabalho em caso de prestação de trabalho por prazo sucessivo.

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Creio que estas questões um tanto simples não estão respondidas na decisão do STF que, como dito, tem seus méritos e está muito bem fundamentada. Apenas entendo que houve precipitação por parte do relator na análise do tema, deixando de lado questões constitucionais e legais importantes, a fim de reverter toda a lógica trabalhista nacional, centrada na falta de garantia no emprego e no FGTS.

Contudo, em se tratando de decisão do Supremo Tribunal Federal devemos nós magistrados observá-la, ainda que possamos fazer a crítica. Também é fruto da democracia a observância às regras de hierarquia entre as mais variadas instâncias do Poder Judiciário.


[1] http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ARE709212voto.pdf - acesso 18 de novembro de 2014, às 13h46min.

[2] Súmula 362. FGTS. PRESCRIÇÃO  (nova redação) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 - É trintenária a prescrição do direito de reclamar contra o não-recolhimento da contribuição para o FGTS, observado o prazo de 2 (dois) anos após o término do contrato de trabalho.

[3] Art. 7. (...); III - fundo de garantia do tempo de serviço; (...).

[4] Art. 7. (...); XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho; (...).

[5] Art. 7. (...);XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal; (...);XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei; (..).

[6] Art. 7. (...);VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável; (...);XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; (...).

[7] Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...).

[8] Art. 7o XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; (...).

[9] Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes. (...) § 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir. (...).

[10] Art. 1o  É instituído o Programa Empresa Cidadã, destinado a prorrogar por 60 (sessenta) dias a duração da licença-maternidade prevista no inciso XVIII do caput do art. 7o da Constituição Federal.

[11] Art. 2o  Serão beneficiadas pelo Programa de Prorrogação da Licença à Gestante e à Adotante as servidoras públicas federais lotadas ou em exercício nos órgãos e entidades integrantes da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional. 

§ 1o  A prorrogação será garantida à servidora pública que requeira o benefício até o final do primeiro mês após o parto e terá duração de sessenta dias. 

[12] V. MAXIMILANO, Carlos, Hermenêutica e aplicação do direito, Rio de Janeiro; Ed. Forense, 1993.

[13] É bom destacar que o direito do trabalho estrutura-se de forma a limitar a exploração temporal e econômica da “mais vaila” e em garantir, em razão do caráter de subsistência do salário, a continuidade da relação de emprego.

[14] Art. 206. Prescreve: § 5o Em cinco anos: II - a pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores judiciais, curadores e professores pelos seus honorários, contado o prazo da conclusão dos serviços, da cessação dos respectivos contratos ou mandato; (...).

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Sobre o autor
Rafael da Silva Marques

Juiz do Trabalho titular da Quarta Vara do Trabalho de Caxias do Sul;<br>Especialista em direito do trabalho, processo do trabalho e previdenciário pela Unisc;<br>Mestre em Direito pela Unisc;<br>Doutor em Direito pela Universidade de Burgos (UBU), Espanha;<br>Membro da Associação Juízes para a Democracia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUES, Rafael Silva. A nova prescrição do FGTS – algumas considerações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4560, 26 dez. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34119. Acesso em: 18 abr. 2024.

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O que me levou a elaborar este texto é a necessidade de análise acadêmica da recente decisão do STF sobre a prescrição do FGTS.

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