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As Influências de Hobbes, Locke, Rousseau e Montesquieu no desenho institucional Madisoniano

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3. A Separação dos Poderes e o Poder Federativo

É inquestionável que Madison se baseou na teoria tripartite da divisão dos poderes de Montesquieu. Ele afirma isso textualmente no artigo 47

O oráculo sempre consultado e citado a respeito é o famoso Montesquieu. Se não foi o autor deste inestimável preceito da ciência política, pelo menos tem o mérito de tê-lo divulgado e recomendado, fazendo com que fosse objeto da universal atenção. (Madison, Hamilton e Jay, 2003, p. 301-302).

Segundo Montesquieu, os três poderes não estavam distintos e separados na Inglaterra, onde havia uma mistura de atribuições entre eles. Madison cita textualmente as palavras de Montesquieu afirmando

Portanto, visto que estes fatos foram o norte de Montesquieu para estabelecer o princípio de que se trata, podemos concluir que, quando ele estabeleceu “que não há liberdade todas as vezes que a mesma pessoa ou a mesma corporação legisla e executa ao mesmo tempo, ou por outras palavras, quando o poder de julgar não está bem distinto e separado do Legislativo e Executivo”, não quis proscrever toda a ação parcial, ou toda a influência dos diferentes poderes uns sobre os outros; o que quis dize, segundo se colige das suas expressões, e ainda melhor dos exemplos que lhe serviram de regra, foi que, quando dois poderes, em toda sua plenitude, se acham concentrados numa só mão, todos os princípios de um governo livre ficam subvertidos. (Madison, Hamilton e Jay, 2003, p. 301-303).

Argumenta Madison que a Constituição Inglesa não subverte a liberdade, pois o Rei tem poder de veto sobre todas as leis, mas não pode fazer nenhuma. Se lhe compete a nomeação dos administradores da Justiça, não lhe compete administrá-la. Para Madison não bastaria apenas a separação dos poderes de forma distinta e explícita, era necessário que houvesse na própria formação de cada poder, elementos que fizessem com que eles se fiscalizassem entre si, exercendo o controle externo de um sobre os demais.

De acordo com J. A. Guilhon Albuquerque (2003), Montesquieu não defendia uma separação pura e simples de poderes. Ele pretendia estabelecer uma equipotência, no sentido de um ser forte o bastante para evitar uma subreposiçao de poderes. Guilhon cita os estudos de Louis Althusser[7] e de Charles Eisenmann[8], cuja análise aponta que Montesquieu mostra claramente que há uma imbricação de funções e uma interdependência entre o Executivo, Legislativo e o Judiciário. “A separação de poderes da teoria de Montesquieu teria, portanto, outra significação” (Albuquerque, 2003, p. 119). Nesse sentido Madison argumenta

Fica provado no capítulo antecedente que o axioma político que se examina não exige a separação absoluta dos três poderes; demonstrar-se-á agora que sem uma tal ligação que dê a cada um deles o direito constitucional de fiscalizar os outros, o grau de separação, essencial à existência de um governo livre, não pode na prática, ser eficazmente mantido.

[...] Como todo o poder tende naturalmente a estender-se, é preciso colocá-lo na impossibilidade de ultrapassar os limites que lhe são prescritos. Assim depois de ter separado em teoria os diferentes Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, o ponto mais importante é defendê-los em prática das suas usurpações recíprocas [...]

Por ventura, será bastante para esse fim que os limites dos poderes sejam marcados com precisão e clareza na Constituição – e poder-se-ia esperar que estas trincheiras de papel tenham força suficiente para prevenir as usurpações? Pelo menos, tal foi o caminho que tomaram todos os legisladores da América; mas breve a experiência lhes mostrou que mais seguras armas eram precisas para defender os membros mais fracos do governo contra os mais fortes. O corpo legislativo estende por toda a parte a esfera de sua atividade e engole todos os poderes no seu turbilhão impetuoso. (Madison, Hamilton e Jay , 2003: 307-311).

Novamente Madison se preocupa com a questão da supremacia do legislativo, argumentando serem necessários mecanismos que reprimam a Casa dos Representantes, caso esta tenda a legislar em proveito dos interesses de seus membros. Para isso é criada a figura do Senado.

 Antes do modelo federativo as repúblicas eram estabelecidas em um Estado unitário, havendo uma única e exclusiva esfera de governo. De início, Madison argumenta que nenhum dos três poderes deve ficar nas mesmas mãos. Aduz que se tal fato aconteça, a república poderá degenerar em tirania. Para se entender a separação dos poderes nos Estados Unidos é necessário lembrar que a partir do momento em que diversos Estados nacionais se unem para formar uma União de Estados, é preciso haver mecanismos de freios e contra-pesos (checks and balances) para que haja equilíbrio entre a representação dos Estados no Congresso. Madison passa então a estabelecer um modelo até então inédito no mundo: O Federalismo.

Madison faz uma reflexão acerca da finalidade do Governo e de cada Poder. Outros filósofos como Locke, Rousseau e Montesquieu também faziam essa reflexão. Com base no modelo de Westminster, o Legislativo é o Poder fundamental nas democracias. Para Madison o Legislativo era muito forte numa república enquanto que na monarquia essa força era exercida pelo Executivo. Ao traçar o perfil dos poderes nos Estados Unidos, Madison refletiu acerca da questão dos Estados-membros e a necessidade de uma segunda câmara legislativa, a exemplo do modelo de Westminster onde a Aristocracia estava representada na Câmara dos Lordes. Madison então, com base no desenho institucional da república romana, recriou a figura do Senado. Na antiguidade o Senado era o conselho de anciãos, pois a palavra Senado deriva da expressão latina senex que significa idoso, experiente. No desenho federativo americano o Senado iria abrigar não a Aristocracia nem os mais velhos e experientes – não intencionalmente, mas ocasionalmente haja vista que a idade mínima para o ingresso no Senado exige certa experiência política e vivência – mas a representação de todos os Estados-membros da Federação. Assim, a população estaria nacionalmente representada pela Câmara dos Representantes e as Unidades Federativas estariam representadas pelo Senado, havendo mecanismos cujo poder de um limitaria o poder do outro.

Até então a questão dos três poderes era tênue. Locke enxergava apenas o Executivo e o Legislativo. O Judiciário caberia aos magistrados do Executivo. Entretanto Locke discutia a questão de um terceiro poder, por ele chamado de poder federativo. Já Montesquieu se preocupa com o desenho institucional da Constituição, alegando que os poderes devem ser equipotentes. Logo, para agregar a representatividade dos demais Estados-membros, pode-se afirmar que Madison se baseia em Locke no sentido de trazer para o âmbito interno um poder, que anteriormente funcionava no plano das relações exteriores, que é o Poder Federativo. Chevallier comenta as ideias de Locke no seguinte sentido

Locke prevê um terceiro[9] poder, a que chama federativo e cuja missão é de ordem exterior (as alianças, os tratados, a guerra e a paz). Embora distinto em si esse poder está praticamente associado sempre ao Executivo. Portanto, pode-se raciocinar em função sempre de apenas dois poderes, uma vez que o Judiciário não tem lugar à parte e constitui “o atributo geral do Estado”. (Chevallier, 1983, p. 47)

Madison aprimorou o raciocínio de Locke transferindo o poder federativo para o Legislativo e dando-lhe casa própria e atribuições especiais. Não é em vão que o Executivo precisa do Legislativo para referendar declarações de guerra e de paz, entre outros assuntos pertinentes às relações exteriores.

Como Madison argumenta que os três poderes não podem cair nas mesmas mãos, além dos mecanismos de controle externo, ele estabeleceu diferentes formas de composição dos poderes. No Legislativo, a Câmara dos Representantes é eleita diretamente pelo povo. Já o Senado é nomeado pelo Governador do estado que representa[10]. No Executivo, o Presidente é eleito indiretamente através de um colegiado, onde cada Estado tem um peso no Colégio Eleitoral. O Judiciário também tem seus membros indicados pelo voto indireto do povo.

Alem da composição, Madison trabalhou em cima da questão do tempo de duração dos mandatos, sendo tempos diferenciados para cada casa legislativa. Segundo Madison no artigo 48

[...] Numa democracia em que o povo exercita diretamente as funções legislativas, em que é capaz de deliberações regulares e de medidas refletidas, se adia entregue à ambição e às intrigas dos seus magistrados executivos, também estes podem aproveitar-se de uma ocasião favorável para tornarem tirânico o seu poder. Mas numa república representativa, em que a magistratura executiva é limitada, tanto na extensão como na duração de seus poderes, e onde o Poder Legislativo é exercitado por uma assembléia cheia de confiança nas suas próprias forças, pela certeza que tem da sua influência sobre o povo[...]

O corpo legislativo deve, nos nossos governos, a sua preponderância a outras causas. Os seus poderes constitucionais, sendo mais extensos e menos suscetíveis de ser circunscritos em limites certos, não lhe é tão difícil das às suas usurpações a cor que melhor lhe parecer, por meio de medidas complicadas e indiretas [...]

[...] Ainda não é tudo: como o Poder Legislativo é o único que pode achar o caminho para as algibeiras do povo, tendo, além disso, em algumas constituições poder ilimitado, e em todas grande influência sobre as retribuições pecuniárias dos agentes dos outros poderes, daqui a dependência em que de necessidade há de se conservar os ditos poderes, e por conseqüência a facilidade de levar por diante suas usurpações. (Madison, Hamilton e Jay, 2003, p. 307-311).

Madison tinha grande preocupação em relação ao Poder Legislativo, o que o levou em diversos momentos a expressar de forma taxativa a temeridade e a probabilidade de o Legislativo se fortalecer e tiranizar os demais poderes. Como já mencionado, para evitar tais problemas Madison estabeleceu duas casas legislativas, cujos mandatos tinham durações diferenciadas, exatamente para não haver um conluio de interesses por parte dos representantes do povo. Ao concluir Madison diz que é preciso algo mais que fixar os limites dos poderes na Constituição, é preciso mecanismos que dificultem a concentração deles em uma só mão.


4.O Funcionamento do  Governo e a Representatividade

Madison preferia usar o termo “popular” ao invés de democracia, pois para ele a democracia seria aquela criada pelos gregos, pura e direta. Além de ser impossível uma democracia pura na extensão que já tomava os Estados Unidos, se todos participassem do poder decisório, a probabilidade de haver polarizações seria maior, degenerando em tirania. Nesse sentido Madison argumenta que o governo republicano tem de ser um governo popular, democrático no sentido de que todos participam, ou seja, podem votar e serem votados. E aqueles que são eleitos passam a ser os representantes do povo, num cenário de democracia indireta, representativa.

Madison argumenta que é preciso combater o comportamento dos governantes de forma equiparada. Segundo ele deve-se combater a ambição com ambição, travando os interesses dos homens para que o maior interesse seja não o da corrupção, mas o da perseguição do bem comum, dos interesses coletivos. Madison alega que

Numa república simples, toda autoridade delegada pelo povo é confiada a um governo único, cujas usurpações são prevenidas pela divisão dos poderes; mas, na república composta da América, não somente a autoridade delegada pelo povo está dividida em dois governos bem distintos, como também a porção de poder confiada a cada um deles é ainda subdividida em frações muito distintas e separadas. [...]

Quando em uma república se têm obtido os meios de defender a nação contra a tirania dos seus chefes, não resta ainda resolvidas todas as questões sociais; trata-se de defender uma parte da sociedade contra a injustiça de outra parte mais numerosa . As diferentes classes de cidadãos têm necessariamente interesses diversos; e quando a maioria está unida por um interesse comum, acham-se em perigo os direitos da minoria. (Madison, Hamilton e Jay, 2003, p. 301-306).

Madison argumenta que em um governo popular republicano, quanto maior o número de classes de cidadãos representados, menor será a probabilidade de haver uma tirania da maioria. Vê-se que a saída para se evitar a tirania é justamente a questão da pulverização da representação.

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Rousseau faz uma reflexão acerca dos representantes ou deputados. Ele argumenta que os cidadãos preferem servir aos próprios negócios de que, ao Estado. Se for preciso ir a combate, pagarão uma tropa e descansarão em casa. Para Rousseau o dinheiro e a preguiça conseguem soldados para defender a pátria e representantes para vendê-la. Segundo ele “Quanto melhor constituído é o Estado, mais negócios públicos prevalecem sobre os particulares no espírito dos cidadãos” (Do Contrato Social, cap. XI). Esse questionamento que Rousseau faz é bastante pertinente à temática de Madison: a questão da composição do governo e o comportamento da sociedade. Para Rousseau quanto pior for um governo, maior o desinteresse pela população acerca do que ali se faz.

No discurso de Rousseau em Do Contrato Social ele alega que

A soberania não pode ser representada, pela mesma razão por que não pode ser alienada; ela consiste essencialmente, na vontade geral, e a vontade não se representa; ela é a mesma ou é outra; não há meio termo. Os deputados do povo não são, pois, nem podem ser, seus representantes, já que não passam de comissários, nada podem concluir definitivamente. Toda lei que o povo não ratificou em pessoa é nula, não é uma lei.

A idéia dos representantes é moderna: ela nos vem do governo feudal, daquele iníquo e absurdo governo, no qual a espécie humana é degradada, e onde o nome do homem está desonrado. (Do Contrato Social, Livro III, capítulo XV).

Esse ponto levantado por Rousseau diverge de Madison, que diz o oposto. Para Rousseau não existe representação e o que tem de ser feito será feito pelo povo. Ele monta seu raciocínio numa perspectiva de democracia pura e direta. Já Madison argumenta que é impossível uma democracia direta na América e que a única forma de se constituir o governo é através da representatividade. Entretanto, Madison vê que a representatividade por si só não é um remédio para os problemas republicanos. Argumenta que é preciso haver a maior participação possível com os mais diversos interesses para que os objetivos particulares jamais alcancem a maioria, sendo esta composta pelo verdadeiro espírito público. Rousseau lida com radicalismos e expressões extremas. Ao afirmar que “onde o direito e a liberdade são tudo, os inconvenientes nada são” (Do Contrato Social, Livro III, Capítulo XV), acaba assumindo uma posição.

Madison sabia que o argumento de Rousseau já havia sido derrubado pela experiência e aperfeiçoou a questão da representatividade, que posteriormente seria tratada por John Stuart Mill.

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Sobre o autor
Leon Victor de Queiroz Barbosa

Mestre e Doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco, Pesquisador do Centro de Estudos Legislativos da Universidade Federal de Minas Gerais e Pesquisador do PRAETOR – Grupo de Estudos sobre Poder Judiciário, Política e Sociedade da Universidade Federal de Pernambuco, Supervisor Parlamentar na Câmara Municipal do Recife e Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA, Leon Victor Queiroz. As Influências de Hobbes, Locke, Rousseau e Montesquieu no desenho institucional Madisoniano. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4251, 20 fev. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34375. Acesso em: 5 mai. 2024.

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