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Legitimidade na ação civil pública

01/09/2000 às 00:00
Leia nesta página:

          Antes que se estude o problema da legitimidade da ação civil pública, imprescindível é que se tenha uma idéia geral dessa ação que veio revolucionar o sistema processual vigente, pelas inovações que introduziu.

          A ação civil pública surgiu com a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985 com o objetivo de apurar a responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

          Posteriormente, com a promulgação da Lei nº 8.078/90- o Código do Consumidor- passou a ação civil pública a tutelar, também, outros interesses difusos e coletivos.

          Em caso de desistência infundada ou abandono da causa, o Ministério Público, e agora com a Lei nº 8.078/90 qualquer outro legitimado, podem assumir a titularidade ativa da ação. Já se sabe que legitimados para promover a ação civil pública são o Ministério Público, a União Federal, os Estados, os Municípios, as autarquias, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as associações civis.

          O estudo da ação civil pública não é novidade, mas só agora é ela mais efetivamente utilizada e, por isso, sempre há novos aspectos que merecem ser objeto de considerações, a exemplo da legitimidade e da coisa julgada.

          Os obstáculos que poderiam entravar a utilização desse novo instrumento foram eliminados com a promulgação da Lei nº 8.078/90- o Código do Consumidor- que, alternado dispositivos da Lei nº 7.347/85, facilitou o acesso à justiça e procurou encurtar as distâncias entre a dogmática jurídica e a realidade social.

          É comum que se procure identificar a ação civil pública com a ação popular, especialmente depois da nova ordem constitucional.

          Ocorre, no entanto, que são muitas as diferenças existentes entre esses dois tipos de ações.

          Enquanto a ação civil pública tem natureza condenatória, a ação popular tem natureza declaratória ou constitutiva.

          O titular da ação popular é o cidadão, pessoa física, a ação civil pública é promovida por pessoas jurídicas, além do Ministério Público.

          Sendo a ação civil pública julgada procedente e havendo condenação em dinheiro, este será destinado a um fundo para reconstituição de bens lesados.

          Outra característica singular dessa ação é que a sentença nela proferida faz coisa julgada erga omnes, salvo se a ação for julgada improcedente por falta de provas, caso em que se poderá ajuizar nova ação, se obtidas novas provas.

          Problemas se põe quando se discute a legitimidade. É que na ação civil pública a legitimidade ganha contornos próprios.

          Tradicionalmente, e na precisa definição de Chiovenda, legitimidade é a identidade da pessoa do autor com a pessoa favorecida pela lei, e a da pessoa do réu com a pessoa obrigada.

          Na ação civil pública, comumente se permite que se postule, em nome próprio, direito de outrem e, dessa forma, ação é proposta por quem não é o titular do direito material. Tem-se , assim, o caso da legitimação extraordinária.

          A legitimação extraordinária difere da ordinária. Ephraim de Campos Júnior, sobre a distinção entre dois tipos de legitimação, leciona:

          "Em síntese, quando existe identidade de sujeitos na relação jurídica material e na processual, isto é, quando a parte se afirma titular do direito em litígio, a legitimação é ordinária; inexistente esta coincidência, a legitimação é extraordinária, pois o direito e agir é exercido por quem não é titular do direito deduzido na pretensão, ou é exercido contra ou em face de quem a ela não resistiu".

          Vê-se, assim, que na ação civil pública há um rompimento com o processo civil tradicional, uma vez que nem sempre coincidem as figuras do interessado, que é o titular do interesse, e do legitimado, que é aquele a quem a lei confere o poder de agir.

          Wilson de Souza Campos Batalha entende que, na ação civil pública, não ocorre o fenômeno da substituição processual. Segundo ele, o autor da ação civil pública age por direito próprio para defesa de direitos comunitários inespecíficos e, dessa forma, não representa os que tenham interesse reflexos. Estes, inclusive, podem propor ação de indenização se entenderem prejudicado o seu direito subjetivo.

          Em relação à substituição processual a matéria está pacificada. Vale ressaltar, contudo, que a opinião de Batalha é minoritária. Para a grande maioria dos autores, há substituição processual na ação civil pública. É a essa última corrente que nos filiamos.

          Quanto à legitimidade do Ministério Público, vez por outra, deixa margem a dúvidas.

          É pacífico que se há interesse pública está o Ministério Público legitimado agir.

          Ocorre que nem sempre o interesse público é perfeitamente identificável ou, dizendo melhor, às vezes é difícil caracterizar certo interesse com público ou não.

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          O Ministério Público atua na defesa dos interesses difusos e é preciso diferenciar, com precisão, estes dos outros tipos de interesses, sob pena de se criar obstáculos à utilização da ação civil pública.

          No estudo do Direito Comparado, sempre profícuo, observa-se que a ação popular ambiental norte-americana, chamada de citizen action ou citizen suit, é extremamente liberal em matéria de legitimidade. É que a citizen action constitui direito público, exercitável por qualquer cidadão que , extraordinariamente legitimado, pode promover a ação para obrigar o Estado e os poluidores a respeitarem a legislação ambiental. Embora esse tipo de ação tenha natureza preventiva ou acautelatória já serve de exemplo para mostrar o quanto é válido ampliar as hipóteses de legitimidade ad causam.

          Na verdade, parecem infundadas as críticas à ação civil pública e à ampliação da legitimidade para a sua propositura. Dificultar o acesso à justiça parece interessar apenas aos que têm certeza da condenação e por isso querem usar de todos os artifícios para procrastinarem os feitos.


BIBLIOGRAFIA

          - ANTUNES, Paulo de Bessa. Curso de Direito Ambiental: doutrina, legislação e jurisprudência. 2 ed. Rio de Janeiro, Renovar, 1992.

          - ALMEIDA, João Batista de. A ação civil para a defesa do consumidor. Suplemento Direito & Justiça. Jornal Correio Brasiliense. Brasília, 2 de novembro de 1992.

          - BATALHA, Wilson de Souza Campos. Direito Processual das Coletividades e dos Grupos. 2 ed. São Paulo, LTR, 1992.

          - BENJAMIM, Antônio Herman V. A citizen action Norte-americana e a tutela ambiental. Revista AJURIS. Ano XVIII. nº 53. novembro -1991. Porto Alegre.

          - MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em Juízo: meio ambiente, consumidor e outros interesses difusos e coletivos. 4 ed. ampl. e atual. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1992.

- MILARE, Edis. A Ação Civil Pública na Nova Ordem Constitucional. São Paulo, Saraiva, 1990.

          - REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Edição Especial n. 19. Porto Alegre, 1986.

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Sobre a autora
Marisa Medeiros Santos

ex-aluna da Escola Superior da Magistratura da Paraíba, ex-aluna da Escola Superior do Ministério Público da Paraíba

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Marisa Medeiros. Legitimidade na ação civil pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 45, 1 set. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/348. Acesso em: 20 dez. 2024.

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